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VIAGEM APOSTÓLICA DE SUA SANTIDADE FRANCISCO
à INDONÉSIA, PAPUA NOVA GUINÉ,
TIMOR-LESTE E SINGAPURA
(2 - 13 de setembro de 2024
)

ENCONTRO INTER-RELIGIOSO

DISCURSO DO SANTO PADRE

Mesquita “Istiqlal” (Jacarta, Indonésia)
Quinta-feira, 5 de setembro de 2024

[Multimídia]

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Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

É para mim motivo de alegria estar aqui, na maior mesquita da Ásia, juntamente com todos vós. Saúdo o grão-imã e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu, recordando que este lugar de culto e de oração é também “uma grande casa para a humanidade”, na qual cada um pode entrar para se deter consigo mesmo, para dar espaço àquele anelo de infinito que traz no coração, para procurar o encontro com o divino e para sentir a alegria da amizade com os outros.

Gosto de recordar que esta mesquita foi projetada pelo arquiteto Friedrich Silaban, que era cristão e ganhou o concurso. Isto testemunha que, na história desta Nação e na cultura que aqui se respira, a Mesquita e outros lugares de culto são espaços de diálogo, de respeito mútuo, de convivência harmoniosa entre religiões e sensibilidades espirituais diferentes. É um grande dom, que sois chamados a cultivar todos os dias, para que a experiência religiosa seja um ponto de referência numa sociedade fraterna e pacífica e nunca seja um motivo de fechamento e confronto.

A este respeito, há que referir a construção de um túnel subterrâneo – o “túnel da amizade” – que liga a Mesquita Istiqlal e a Catedral de Nossa Senhora da Assunção. Trata-se de um sinal eloquente, que permite que estes dois grandes lugares de culto estejam não só “em frente” um do outro, mas também “ligados” um ao outro. Esta passagem permite, com efeito, um encontro, um diálogo, uma possibilidade real de «descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, […] participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada» (Exortação ap. Evangelii gaudium, 87). Encorajo-vos a prosseguir por este caminho: que todos nós, juntos, cada um cultivando a sua espiritualidade e praticando a sua religião, possamos caminhar à procura de Deus e contribuir para a construção de sociedades abertas, fundadas no respeito mútuo e no amor recíproco, capazes de isolar a rigidez, os fundamentalismos e os extremismos, que são sempre perigosos e nunca justificáveis.

Nesta perspetiva, simbolizada pelo túnel subterrâneo, gostaria de partilhar dois pensamentos, para encorajar o caminho de unidade e harmonia já iniciado.

O primeiro é: olhar sempre com profundidade, porque só assim se pode encontrar o que une para além das diferenças. A imagem do túnel recorda-nos algo importante: os aspectos visíveis das religiões – ritos, práticas, etc. – são um património tradicional que deve ser protegido e respeitado; mas o que está “por baixo”, o que corre no subsolo, exatamente como o “túnel da amizade”, poderia dizer-se a raiz comum a todas as sensibilidades religiosas, é uma só: a procura de um encontro com o divino, a sede de infinito que o Altíssimo colocou no nosso coração, a busca de uma alegria maior e de uma vida mais forte do que qualquer morte, que anima o caminho da nossa existência e nos impele a sair de nós mesmos para ir ao encontro de Deus. Recordemo-nos disto: olhando com profundidade, captando o que flui no mais íntimo da vida e o desejo de plenitude que habita no mais profundo do nosso coração, descobrimos que, para além do que nos diferencia, somos todos irmãos, todos peregrinos, vamos todos a caminho, em direção a Deus.

O segundo convite é: cuidar dos vínculos. O túnel foi construído dum lado ao outro para criar uma ligação entre dois lugares diferentes e distantes. É isto que a passagem subterrânea faz: liga, ou seja, cria um vínculo. Por vezes, pensamos que o encontro entre as religiões é uma questão de procurar, a todo o custo, pontos comuns entre diferentes doutrinas e profissões religiosas. Na realidade, pode acontecer que tal atitude acabe por nos dividir, pois as doutrinas e os dogmas de cada experiência religiosa são diferentes. O que realmente nos aproxima é o criar uma ligação entre as nossas diferenças, ter o cuidado de cultivar vínculos de amizade, de atenção, de reciprocidade. São relações em que cada um se abre ao outro e em que nos comprometemos a procurar juntos a verdade aprendendo com a tradição religiosa do outro, a corresponder às necessidades humanas e espirituais de cada um. São vínculos que nos permitem trabalhar juntos e avançar unidos em busca de um objetivo, na defesa da dignidade humana, na luta contra a pobreza, na promoção da paz. A unidade nasce dos vínculos pessoais de amizade, respeito mútuo, defesa recíproca dos espaços e das ideias do outro. Que possais cuidar sempre de tudo isto!

Queridos irmãos e irmãs, “promover a harmonia religiosa em prol da humanidade” é a inspiração que somos chamados a seguir e que serve também de título à Declaração Conjunta, preparada para esta ocasião. Nela assumimos de forma responsável as graves e, por vezes, dramáticas crises que ameaçam o futuro da humanidade; em particular, as guerras e os conflitos, infelizmente alimentados também pela instrumentalização religiosa, mas de igual modo a crise ambiental, que se tornou um obstáculo ao crescimento e à convivência dos povos. Perante este cenário, é importante que os valores comuns a todas as tradições religiosas sejam promovidos e reforçados, ajudando a sociedade a «derrotar a cultura da violência e da indiferença» (Declaração Conjunta de Istiqlal) e a promover a reconciliação e a paz.

Obrigado por este caminho comum que estais a percorrer. A Indonésia é um grande País, um mosaico de culturas, etnias e tradições religiosas, com uma diversidade muito rica, que se reflete também na variedade do ecossistema e do ambiente circundante. E se é verdade que albergais a maior jazida de ouro do mundo, sabei que o tesouro mais precioso é a vontade de que as diferenças não se tornem motivo de conflito, mas se harmonizem na concórdia e no respeito recíproco. A harmonia, o que vós construís. Não percais este dom! Nunca vos empobreçais, abandonando esta enorme riqueza; muito pelo contrário, cultivai-a e transmiti-a, sobretudo aos mais jovens. Que ninguém sucumba ao fascínio do integralismo e da violência, mas que todos se deixem cativar pelo sonho de uma sociedade e humanidade livres, fraternas e pacíficas!

Obrigado! Obrigado pelo sorriso amável, que brilha sempre nos vossos rostos, sinal da vossa beleza e abertura interior. Deus vos conceda este dom. Com a sua ajuda e bênção, segui em frente, Bhinneka Tunggal Ika, unidos na diversidade. Obrigado!

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Palavras do Santo Padre durante a visita ao “Túnel da amizade”

Queridos irmãos e irmãs,

Congratulo-me com todos vós porque este “Túnel da Amizade” pretende ser um lugar de diálogo e de encontro.

Quando pensamos num túnel, imaginamos facilmente um caminho escuro que, sobretudo se estamos sozinhos, pode ser assustador. Aqui, porém, é diferente, porque tudo está iluminado. No entanto, gostaria de vos dizer que sois vós a luz que o ilumina, com a vossa amizade, a harmonia que cultivais, o apoio que dais uns aos outros, e com o vosso caminhar juntos que conduz, no final do percurso, à luz plena.

Nós, que acreditamos, pertencendo a diferentes tradições religiosas, temos um papel a desempenhar: ajudar todos a atravessar o túnel com o olhar voltado para a luz. Assim, no final da viagem, poderemos reconhecer, naqueles que caminharam ao nosso lado, um irmão, uma irmã, com quem partilhar a vida e em quem apoiar-se reciprocamente.

Perante tantos sinais de ameaça, face aos tempos sombrios, contrapomos o sinal da fraternidade que, acolhendo o outro e respeitando a sua identidade, o incentiva a percorrer um caminho comum, feito de amizade e rumo à luz.

Obrigado a todos os que trabalham convictos de que se pode viver em harmonia e em paz, conscientes da necessidade de um mundo mais fraterno. Desejo que as nossas comunidades possam estar cada vez mais abertas ao diálogo inter-religioso e ser um símbolo da coexistência pacífica que caracteriza a Indonésia.

Elevo a minha oração a Deus, Criador de todos, para que abençoe quem vier a passar por este Túnel com espírito de amizade, harmonia e fraternidade. Obrigado!

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Declaração conjunta de Istiqlal 2024
Promover a harmonia para o bem da humanidade

assinada pelo Papa Francisco e pelo Grão-Imã Nasaruddin Umar
durante o encontro inter-religioso na mesquita de Jacarta

Como se pode ver pelos acontecimentos das últimas décadas, o nosso mundo está claramente a enfrentar duas graves crises: a desumanização e as alterações climáticas.

1. O fenómeno global da desumanização é caracterizado sobretudo pela violência e pelos conflitos generalizados, que frequentemente provocam um número alarmante de vítimas. É particularmente preocupante que a religião seja frequentemente instrumentalizada neste sentido, causando sofrimento a muitos, especialmente mulheres, crianças e idosos. O papel da religião, porém, deveria incluir a promoção e a salvaguarda da dignidade de cada vida humana.

2. O abuso da criação, que é a nossa casa comum, pelo homem, contribuiu para as alterações climáticas, resultando em consequências destrutivas como os desastres naturais, o aquecimento global e condições meteorológicas imprevisíveis. A atual crise ambiental tornou-se um obstáculo à coexistência harmoniosa dos povos.

Em resposta a esta dupla crise, guiados pelos nossos respetivos ensinamentos religiosos e reconhecendo o contributo do princípio filosófico indonésio da “Pancasila”, nós, juntamente com os outros líderes religiosos presentes, apelamos ao seguinte:

I. Os valores partilhados pelas nossas tradições religiosas devem ser promovidos eficazmente para derrotar a cultura da violência e da indiferença que assola o nosso mundo. De facto, os valores religiosos deveriam ser orientados para a promoção de uma cultura de respeito, dignidade, compaixão, reconciliação e solidariedade fraterna para superar tanto a desumanização como a destruição ambiental.

II. Os líderes religiosos em particular, inspirados pelas suas respetivas histórias e tradições espirituais, deveriam colaborar para fazer frente às crises acima referidas, identificando as suas causas e tomando as medidas adequadas.

III. Uma vez que existe uma única família humana global, o diálogo inter-religioso deveria ser reconhecido como um instrumento eficaz para resolver os conflitos locais, regionais e internacionais, sobretudo aqueles provocados pelo abuso da religião. Além disso, as nossas crenças e rituais religiosos têm uma capacidade particular de falar ao coração humano e promover, assim, um respeito mais profundo pela dignidade humana.

IV. Reconhecendo a necessidade vital de uma atmosfera sadia, pacífica e harmoniosa para servir autenticamente a Deus e cuidar da criação, apelamos sinceramente a todas as pessoas de boa vontade a agir de forma decisiva para preservar a integridade do ecossistema e dos seus recursos herdados das gerações anteriores, que esperamos transmitir aos nossos filhos e netos.

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L'Osservatore Romano, Edição semanal em português, Ano LV, número 37, quinta-feira 12 de setembro de 2024, p. 3.



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