RELATÓRIO ANTES DO DEBATE DO RELATOR GERAL Introdução Com o canto do “Te Deum...” e com toda a sala do sínodo onde ressoava este hino de ação de graça ao meio-dia do dia 7 de Maio de 1994, encerrou-se formalmente a Primeira Assembleia Especial para África do Sínodo dos Bispos. O Sínodo teve como tema principal: “A Igreja em África e a sua missão evangelizadora rumo ao ano 2000: ‘Vós sereis minhas testemunhas’ (At 1: 8)». Ele lançou uma mensagem à Igreja e ao mundo que reflectiu os pontos essenciais das acções do sínodo, e votou as várias resoluções, sob forma de Proposições. A partir desse ponto, os Padres sinodais, e toda a Igreja, aguardaram intensamente a Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Santo Padre, Presidente do Sínodo, que haveria de reunir os frutos do Sínodo em uma mensagem que marcaria a definitiva conclusão das actividades colegiais e consultivas do Sínodo. Foi o que o Santo Padre fez ao divulgar a Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Ecclesia in Africa” (“A Igreja na África”) e ao apresentá-la à África e ao mundo em Iaundé, nos Camarões, no dia 14 de Setembro de 1995, e depois em Joanesburgo, na África do Sul, no dia 17 de Setembro de 1995 e, por fim, em Nairobi, no Quénia, no dia 19 de Setembro de 1995. [1] I. DA PRIMEIRA À SEGUNDA ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA O Papa João Paulo II descreveu o Sínodo, concluído com a publicação da sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia in Africa, como “o sínodo de ressurreição e de esperança”. [2] Aquela assembleia sinodal, que havia sido convocada segundo um espírito contrário à prevalecente visão pessimista do mundo em relação à África, e contra a visão segundo a qual a situação do continente é “deploravelmente desfavorável” [3], representando um desafio peculiar para a missão evangelizadora da Igreja nos últimos anos do século XX. Supunha-se, todavia, que fosse um momento decisivo na história do continente. [4] Quando o Santo Padre e os Padres sinodais se reuniram para o primeiro sínodo, tiveram que considerar “elementos quer positivos quer negativos (luzes e sombras) nos ‘sinais dos tempos’”. [5] Contemplaram e celebraram os sucessos da evangelização e o crescimento das Igrejas locais no continente; mas ao mesmo tempo, lamentaram e deploraram uma série de misérias e males do continente. Eles tinham o heroísmo e o espírito pioneiro dos missionários a honrar; mas tinham também a criticar o pouco empenho e zelo pastoral da Igreja local, o surgimento de tendências sincréticas, a proliferação das seitas, a politização do Islão e a sua intolerância às críticas. Tinham a saudar com otimismo a formação de democracias e o despertar de uma profunda tomada de consciência cultural, social, económica e política no continente; mas também a lastimar os regimes despóticos e ditatoriais, o mau governo, a corrupção difundida e o preocupante aumento da pobreza. A situação do continente era extremamente ambivalente assim como paradoxal; e a rápida sucessão de acontecimentos tais como o colapso do apartheid e a triste deflagração do genocídio em Ruanda exemplificam muito bem este paradoxo. Tendo em conta esta combinação paradoxal, na qual o mal e o sofrimento pareciam prevalecer sobre o bem e a virtude, o cenário pascal da Primeira Assembleia Especial para a África inspirou a mensagem de esperança para o continente. Com a publicação da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia in Africa, a Igreja em África ganhou um novo impulso e um novo élan para a sua vida e actividade no continente, como Igreja Missionária, isto é, Igreja com missão. Com seu clima pascal e a Exortação Apostólica Pós-Sinodal, o Sínodo deu um novo impulso à Igreja em África, nomeadamente:
O período que seguiu a publicação da Exortação Apostólica Pós-Sinodal foi, portanto, como acreditava também o Papa João Paulo II [7], um tempo para aprofundar esta experiência sinodal e implementar Ecclesia in Africa com empenho perseverante e conjuntamente com o objectivo de recuperar novas forças e uma esperança com bases sólidas para o continente em dificuldade. Este período pós-sinodal encontra-se agora no seu décimo-quarto ano; e se, por um lado, a situação do continente, das suas ilhas e da Igreja ainda mantém algumas “luzes e sombras” [8] que ocasionaram o primeiro sínodo, por outro, a situação mudou bastante. Esta nova realidade requer uma análise meticulosa, que vise renovados esforços de evangelização, que implicam um exame mais aprofundado dos temas específicos, importantes para o presente e o futuro da Igreja Católica neste grande continente” [9]. De acordo com esta ideia, reunidos novamente na Segunda Assembleia Especial para a África quinze anos depois da primeira, devemos nos imergir profundamente no primeiro Sínodo [10], e analisar, com consciência e determinação, “os novos dados eclesiais e sociais do continente” [11], que influem hoje na missão da Igreja no continente e exigem que a Igreja Africana, para além de se ver como “testemunha de Cristo”, também se veja como “o sal da terra, a luz do mundo” e “ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz”. OS NOVOS DADOS ECLESIAIS E SOCIAIS DO CONTINENTE Dados eclesiais a. Subsidia Fidei: é importante notar que o estímulo e o impulso dados pela Primeira Assembleia Especial para a África à Igreja em África no sentido de renovar suas forças e fundamentar com mais firmeza sua esperança no Senhor, foram muito acentuados graças a uma série de eventos eclesiais sucessivos e às actividades do Papa e da Cúria Romana, que podemos definir como “subsidia fidei” para a Igreja. Assim, o “Sínodo sobre a Eucaristia” reiterou a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja-Família de Deus, como símbolo da unidade. O Sínodo sobre “O Bispo: Servidor do Evangelho....” relembrou aos Bispos e Pastores o seu ministério essencial, isto é, ser anunciadores do Evangelho na Igreja-Família de Deus; e o Sínodo sobre “A Palavra de Deus” recordou à Família de Deus a eterna e imperecível semente da sua existência. Além disso, as Encíclicas do Papa “Deus caritas est”, “Spe salvi”, “Caritas in veritate”, as suas homilias e discursos na recente viagem à África (Camarões e Angola) proporcionaram catequeses de inestimável valor para a Igreja em África. Por fim, os Dicastérios da Cúria Romana organizaram seminários sobre:
Estes encontros aumentaram a consciência da Igreja em África relativamente à sua vida e ao seu ministério. b. O crescimento extraordinário da Igreja em África: nas última décadas (inclusive nos anos seguintes à Primeira Assembleia especial para a África), tornou-se normal falar deste crescimento, cujos índices, como afirmado nos Lineamenta e no Instrumentum Laboris o comprovam. Todavia, as reais novidades nos sinais de crescimento da Igreja no continente e nas suas Ilhas são:
Todavia, a Igreja em África enfrenta também enormes desafios:
c. O Sínodo para a África e o “Simpósio das Conferências Episcopais da África e do Madagáscar” (SCEAM)”: o aprofundamento da experiência sinodal africana no continente e nas ilhas dependeu em grande parte de um organismo específico da Igreja continental, o “SCEAM”. Durante o Concílio Vaticano II, os Bispos africanos, buscando meios idóneos de cooperação, criaram um secretariado para coordenar as suas intervenções e apresentar um ponto de vista (africano) comum ao Concílio. Após o Concílio, e na presença do Papa Paulo VI em Campala (1969), os Bispos africanos decidiram tornar permanente este organismo, com a criação do SCEAM. Na época, o SCEAM deveria ser uma associação ou instituição permanente que promovesse junto aos Pastores o exercício de uma solidariedade pastoral orgânica no continente. Deveria ser um “instrumento dos Bispos para promover no continente a Evangelização na co-responsabilidade” [12]; foi a este organismo que o Papa João Paulo II atribuiu a ideia originária de um Sínodo para a África [13]. Durante a II Assembleia Especial para a África, seria oportuno que os Pastores do continente examinassem novamente a necessidade da existência do SCEAM e o engajamento dos mesmos em relação ao organismo. Ao abordar “alguns pontos críticos da vida das sociedades africanas” [14], o Instrumentum Laboris identificou e discutiu muitos destes novos dados sociais. Queremos acrescentar poucas notas de rodapé que consideramos importantes e deixar à assembleia sinodal a tarefa de completar o quadro. d. Notas Sócio-históricas ao Instrumentum Laboris: em 1963, durante um encontro da Organização para a Unidade Africana (OAU), os líderes africanos decidiram manter alguns dos vestígios da era colonial, confirmando as fronteiras e a descrição dos estados, independentemente do seu caráter artificial. Todavia, essa decisão não foi seguida por um equivalente aumento do nacionalismo, que valoriza as diferenças étnicas, privilegiando o bem comum da nação sobre os interesses étnicos regionais. Por esse motivo a diversidade étnica continua a representar focos de conflitos e tensões, que minam até mesmo o sentido de pertença comum à Igreja-Familia de Deus. A escravidão e o escravismo, que o mundo árabe levou por primeiro à costa oriental africana, e que os europeus, com a colaboração dos próprios africanos, conheceram no século XIV e estenderam a todo o continente, representou um movimento forçado de africanos. Hoje as migrações voluntárias dos filhos e das filhas da África em direção da Europa, América e Extremo Oriente por vários motivos, coloca-os em uma condição servil que exige a nossa atenção e o nosso cuidado pastoral. e. Nota sócio-política ao Instrumentum laboris; intimamente interligadas ao desenvolvimento das situações pós-coloniais do continente foram as celebrações de independência e o nascer de estados e nações africanas com governos geridos apenas por africanos. O exercício do poder político e de governo foi geralmente criticado e muitas vezes viciado por despotismos, ditaduras, politização da religião e da etnia, desprezo pelos direitos dos cidadãos, falta de transparência e de liberdade de imprensa, etc. Mas o período sucessivo à I Assembleia para a África, isto é, mesmo no início do Terceiro Milénio, parecia ter coincidido, no continente, com um desejo emergente nos próprios líderes africanos de um “Renascimento africano” (Thabo Mbeki), “uma nova contemporânea auto-asserção africana para a construção de uma civilização africana em sintonia com os ditames dos nossos tempos, nomeadamente a prosperidade económica, a liberdade política e a solidariedade social”. [15] Os líderes políticos africanos pareciam determinados a mudar o vulto da administração pública no continente; e realizaram uma auto-avaliação crítica da África que indicou o mau governo como a causa da pobreza e dos sofrimentos em África. Delinearam então projetos para o bom governo e para a formação da classe política, capaz de acolher a parte melhor das tradições ancestrais africanas e de a integrar com os princípios de governo das sociedades modernas. Adotaram um quadro estratégico (NEPAD) para orientar as ações e guiar a renovação da África através de lideranças políticas transparentes [16]. Consegue, a Igreja em África, reconhecer o compromisso político dos seus filhos e das suas filhas e dar-lhes o estímulo da mensagem evangélica, que os desafie para que sejam a “luz das (suas) nações” e o “sal das suas comunidades”, exercendo uma “liderança ao serviço dos outros”? f. Nota sócio-económica ao Instrumentum Laboris: a relação radical entre governo e economia é claro; demonstra que um mau governo produz uma má economia. Isto explica o paradoxo da pobreza de um continente que é, sem dúvida, um dos mais ricos de potencialidades do mundo. A consequência desta “equação governo-economia” é que quase nenhum país africano consegue respeitar as próprias obrigações de orçamento, quer dizer, os programas financeiros nacionais planificados, sem recorrer às ajudas externas sob forma de obrigações ou de empréstimos. Este financiamento contínuo dos orçamentos nacionais, recorrendo a empréstimos, não faz outra coisa senão aumentar uma dívida nacional que já é opressora. A Igreja universal junto com a Igreja Africana realizaram uma campanha para o cancelarem no ano do Grande Jubileu. As relações económicas tradicionais dos estados africanos com os seus ex-colonizadores, por exemplo o “Commonwealth”, foram substituídos por outras poderosas alianças económicas entre os estados africanos individualmente ou em bloco com os Estados Unidos (Millenium Challenge Account), a Comunidade Económica Europeia (Lomé Culture, Yaoundé Agreement e o Cotonou Agreement) [17]) e o Japão (TICAD I-III). Recentemente, a China e a Índia, ávidas de recursos naturais, também entraram em cena e manifestaram interesse por cada aspecto possível e imaginável das economias nacionais africanas. No centro da maioria destes protocolos e acordos está o debate sobre “comércio e apoio”, que consideram os países que se desenvolveram, fizeram-no através do comércio (e não apenas de “matérias-primas”) e não graças a uma “síndrome de dependência das ajudas”. Por isso, são uma razão de grande interesse para as jovens economias comerciais africanas, as decisões e as condições impostas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo mundo desenvolvido. Como já dissemos, os líderes africanos criaram há pouco tempo uma estrutura estratégica (NEPAD) [18] com o objetivo de guiar as parcerias económicas da África e a emergência da pobreza, e os compromissos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Como Dr. Uschi Eid coloca, “Só estimulos e esforços vindos da África levarão ao sucesso” [19]. Nesse sentido, As emergências da África que vem de suas dores econômicas devem ser trabalhadas por Africanos e lideradas por eles [20]. Seus corações devem ser convertidos e os olhos curados para apreciar novos caminhos para administrar a saúde pública em prol do bem-estar comum; e isto remete à missão evangelizadora da Igreja no continente e nas ilhas. g. Notas sociais no Instrumentum Laboris: Os efeitos das situações acima (históricos, políticos, económicos) determinam quão saudável é (estável, pacífica, próspera) a sociedade Africana; e eles também constituem as fontes tradicionais dos desafios para a missão evangelizadora da Igreja no continente e nas ilhas. Existem também certos fenómenos globais e iniciativas internacionais, que causam impacto na sociedade Africana e em algumas das suas estruturas, que merecem ser avaliadas, e que criam novos desafios para a Igreja. Enquanto a importância, que se está a dar cada vez mais ao lugar e ao papel das mulheres na sociedade é um feliz desenvolvimento, as emergências globais dos estilos de vida, valores, atitudes, associações, etc., que desestabilizam a sociedade, é inquietante. Isso ataca as bases sobre as quais se apoia a sociedade (matrimónio e família), diminuem o capital humano (migração, tráfico de drogas e comércio de armas) e põem a vida do planeta em perigo. O Matrimónio e a Família têm sofrido estranhas e terríveis pressões para redefinir sua natureza e funções na sociedade moderna. Matrimónios tradicionais, que fundam famílias, são desafiados por uma crescente proposta de uniões e relacionamentos alternativos, desprovidos de conceitos de uniões duradouras, não-heterossexual em caráter, e sem o intuito da procriação. Esses também encontram defensores dentro da Igreja em certas partes do continente. Esse ataque violento ao matrimónio e à família é impulsionado e apoiado por grupos que propõem um glossário que deseja que sejam substituídos os tradicionais conceitos e termos sobre matrimónio e família com novos conceitos. O alvo é estabelecer uma nova ética global sobre o matrimónio, a família, a sexualidade humana e os temas relacionados do aborto, contracepção, aspectos de engenharia genética, etc. Tráfico de drogas e tráfico de armas: Certas partes do continente tornaram-se atalhos estabelecidos para o tráfico de drogas para a América Latina e Europa. Na África Ocidental, o tráfico de drogas é citado como causa oculta da instabilidade e perturbação política na Guiné-Bissau, e agora, também na Guiné. Quando em Julho, os militares da Guiné declararam um estado de alerta máximo, foi por causa de tentativas de invasão, sustentadas por cartéis de drogas. As drogas não só passam através de partes do continente e das ilhas, elas encontram usuários em qualquer lugar. O uso de drogas e o vício entre os jovens tornou-se rapidamente a maior fonte de dissipação do capital humano na África e nas ilhas, juntamente coma migração, conflitos e doenças, como HIV-SIDA e a malária. Intimamente relacionado com o tráfico de drogas e ao aventurismo político está o tráfico de armas: em pequena e larga escala. A Igreja em África, reunida em Assembleia Especial associa-se com a Santa Sé para agradecer as bem-vindas iniciativas da ONU para deter o tráfico ilegal de armas, e para realizar todo comércio legal de armas mais transparente. Isso se refere particularmente aos estudos em andamento sobre a preparação de um acordo com força jurídica sobre a importação, exportação e a canalização de armas convencionais através da África. Meio ambiente e Mudanças climáticas: A cobertura ocasional de “smog” que se lança sobre a maior parte da África Oriental, acompanhada pela diminuição das chuvas, a seca e fome são usualmente considerados um efeito do El niño. Mas, isso aponta quanto são duras as condições climáticas geralmente existentes no continente, e como ao contrário o precário equilíbrio ecológico em partes da África pode ser afectado pelas observadas “mudanças climáticas” no planeta. Então a ONU e cúpulas mundiais sobre as mudanças climáticas, emissões verdes de gás, degradação da camada de ozónio, como a que acontecerá em dezembro em Copenhagem deve incluir um pedido de apoio da África, enquanto ela assina para explorar e para desenvolver fontes alternativas de energia limpa (sol, vento, marés, biocombustível, etc.). No fim dessa pesquisa, a qual se admite incompleta, está claro que, embora o continente e a Igreja no continente ainda encontram-se em situação difícil, podem modestamente ainda regozijar-se por suas conquistas e performance positiva, e começar a repudiar generalizações estereotipadas sobre os conflitos, a fome, a corrupção e má governação. As quarenta e oito nações que perfazem a África sub-saariana mostram grandes diferenças na situação das suas igrejas, seus governos e sua vida socioeconômica. Fora dessas quarenta e oito nações, somente quatro: Somália, Sudão, Nigéria e partes da República Democrática do Congo estão agora em guerra; e pelo menos duas estão em guerra por interferência externa: a República Democrática do Congo e Sudão. De facto, existem menos guerras na África que na Ásia. De modo crescente, comerciantes da guerra e criminosos de guerra foram denunciados, acusados e processados. Um oficial da República Democrática do Congo foi processado, Charles Taylor, da Libéria, está diante do Tribunal internacional. A verdade é que a África foi sobrecarregada por muito tempo pela mídia com tudo que é repugnante à humanidade; e esse é o tempo de “mudar a marcha” e ter a verdade sobre a África dita com amor, promovendo o desenvolvimento do continente que poderia ajudar o bem-estar de todo o mundo [21]. Os membros do G-8 e os países do mundo devem amar a África na verdade! [22] Geralmente considerada por ocupar a décima posição na economia mundial, a África, entretanto, é o segundo mercado emergente do mundo depois da China. Então, como logo após a cúpula do G-8 disse, é um continente de oportunidades. Isso precisa ser verdade também para o povo do continente. É esperado que a busca de reconciliação, justiça e paz, feita particularmente pelos cristãos por suas raízes no amor e misericórdia, possa restaurar totalmente a Igreja-Família de Deus no continente, e por fim, como sal da terra e luz do mundo, deveria curar os “corações humanos feridos, o último lugar oculto pelas causas de toda a desestabilização no continente Africano” [23]. Então, o continente e as suas ilhas irão realizar as oportunidades e os dons doados por Deus. II. DO SER “FAMÍLIA DE DEUS AO SER SERVIDORES Como anteriormente observado, quando a primeira Assembleia para África reuniu-se para avaliar a evangelização no continente e nas suas ilhas na passagem do terceiro milénio da fé cristã, ela adoptou o tema Igreja-Família de Deus como princípio-guia para a evangelização da África [24]. A imagem da Igreja-Família de Deus evocava valores como o cuidado para com os outros, solidariedade, diálogo, confiança, aceitação e entusiasmo nas relações. Contudo, evocava também as realidades socioculturais de paternidade, geração e filiação, parentesco e fraternidade, bem como uma rede de relacionamentos que são gerados por essas realidades sociais e nas quais os membros se envolviam. Os relacionamentos constituem a vida de comunhão da família; mas também exigem algo dos membros, cujo cumprimento ao mesmo tempo constitui a sua justiça e torna a relação harmoniosa e pacífica. Quando, entretanto, as exigências dos relacionamentos não são realizadas, a justiça é interrompida e a vida de comunhão resulta ofendida, prejudicada e enfraquecida. O Instrumentum Laboris observa isso e aponta os muitos desafios à comunhão e à ordem social que a indiferença pelas justas exigências dos relacionamentos causa ao continente. A restauração da comunhão e da justa ordem nesses casos é o que a reconciliação espera; e ela toma a forma do restabelecimento da justiça, que por si mesma restitui paz e harmonia à Igreja-Família de Deus e à família da sociedade. O que segue pretende contribuir para o debate do tema sinodal, fornecendo uma breve base bíblica dos conceitos referidos com a finalidade de reunir exemplos dos termos e da sua interacção nos relacionamentos humanos (na sociedade humana) principalmente na relação de Deus com o homem (humanidade). a. Servidores (diakonoi) de Reconciliação como Restabelecimento da Justiça Nas Escrituras. Reconciliação é uma iniciativa divina, uma acção livre e gratuita de Deus para com a humanidade; e o seu propósito é reparar e restaurar a comunhão que convém estabelecer, mas que o pecado ameaça e destrói. O ensinamento de São Paulo aos Coríntios nessa matéria é muito instrutivo: “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo! Tudo isso vem de Deus, que nos reconciliou consigo, por Cristo, e nos confiou o ministério desta reconciliação. Porque é Deus que, em Cristo, reconciliava consigo o mundo, já não considerando os pecados dos homens, e pôs nos nossos lábios a mensagem da reconciliação. Portanto, desempenhamos o cargo de embaixadores em nome de Cristo, e é o próprio Deus que exorta por nosso intermédio. Em nome de Cristo rogamo-vos: reconciliai-vos com Deus!” Reconciliação, portanto, é um acto divino, o qual nós (humanidade) experimentamos, e através dessa experiência tornamo-nos os seus instrumentos e embaixadores. A Experiência de Reconciliação dos Apóstolos Os Evangelhos apresentaram a vida e o ministério de Jesus como a obra de salvação do Pai para o género humano. Os discípulos de Jesus foram os primeiros a ser chamados para experimentar a oferta de salvação do Pai em Jesus e fizeram isso de várias maneiras, inclusive através do perdão e da reconciliação. A oferta de “paz” de Jesus aos discípulos na manhã da Ressurreição (cf. Jo 20:19-21), por exemplo, era de perdão pela traição e abandono, bem como de restabelecimento da amizade. Jesus não pediu uma admissão de culpa por parte de seus discípulos. Não há pedido de perdão; e nenhuma desculpa foi proferida. Simplesmente houve um benigno comentário sobre as suas faltas. Foram oferecidos um perdão gratuito e uma conciliatória saudação de paz. A Reconciliação aqui é um gesto conciliatório livre e imerecido, no qual o ofendido (Jesus) vai até aos ofensores (os discípulos). Agora enviados a anunciar o Evangelho até aos confins da terra, os discípulos-apóstolos de Jesus desempenham a sua missão como “evangelizadores que foram evangelizados” e como “embaixadores da reconciliação que experimentaram a reconciliação”. A Experiência de Reconciliação de Paulo Sucessivamente, Paulo segue os discípulos-apóstolos de Jesus como um pregador da mesma oferta de salvação em Jesus. Contudo, tendo recebido a tarefa de anunciar Jesus nas particulares circunstâncias do seu encontro com o Senhor ressuscitado no caminho de Damasco, também Paulo entende a oferta de salvação em Jesus por parte do Pai como um acto de reconciliação do Pai. Por conseguinte, como ele mesmo admite: “eu que outrora era blasfemo, perseguidor e injuriador. Mas alcancei misericórdia, porque ainda não tinha recebido a fé e o fazia por ignorância. E a graça de nosso Senhor foi imensa...” (1 Tm 1, 13-14). Além disso, para Paulo a experiência da salvação foi também uma passagem da hostilidade e inimizade a Cristo e a sua Igreja para a fé em Cristo e a fraternidade com a sua Igreja. Esta passagem da inimizade para a amizade constitui reconciliação; e é uma experiência imerecida que só Deus pode impulsionar e conduzir a fazer. Nisto, Paulo considerou-se a si mesmo um exemplo para aqueles que mais tarde acreditariam em Cristo (cf. 1 Tm 1, 16). Reconciliação com Deus (vertical) e entre os seres humanos (horizontal) Em Jesus: na sua vida e no seu ministério, mas especialmente, na sua morte e ressurreição, Paulo vê Deus Pai que reconcilia o mundo (todas as coisas no céu e na terra) consigo mesmo, relevando os pecados da humanidade (cf. 2 Cor 5, 19; Rm 5, 10; Cl 1, 21-22). Paulo vê Deus Pai que reconcilia judeus e gentios consigo mesmo num corpo através da cruz (Ef 2:16). Mas Paulo também vê Deus reconcilar judeus e gentios, criando um homem novo em lugar de dois (cf. Ef 2, 15; 3, 6). Assim, a experiência da reconciliação estabelece comunhão a dois níveis: comunhão entre Deus e a humanidade; e através da experiência da reconciliação faz-nos também “embaixadores da reconciliação”. Isso restabelece inclusive a comunhão entre os homens. Reconciliação entre Deus e a Humanidade A criação da humanidade à imagem e semelhança de Deus, a eleição de Israel para ser “parte e herança de Deus”, e a redenção da humanidade em Cristo e o selo do Espírito Santo (cf. Ef 1, 13; 4, 30) direccionam a humanidade para a comunhão com Deus. Quando a humanidade está alienada e afastada de Deus por causa do pecado (desobediência, idolatria, rejeição de Jesus), a reconciliação concretiza-se no perdão; esta é a obra de Deus [26]. É Deus quem inicia a reconciliação com Israel e a humanidade pecadora e afastada, trazendo-os de volta a Si (cf. Sl 80, 3, 7, 19; Os 11, 14) “para servirmos à celebração de sua glória” (Ef 1, 12) e de acordo com a “imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 24); e Jesus, “Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós” (2 Cor 5, 21; Gl 3, 13; Rm 8, 5) permanece o nosso significado de reconciliação. Isto, entretanto, é a obra do amor de Deus. Reconciliação com a Família Humana Recordando brevemente a história de Jesus e Zaqueu (cf. Lc 19), reconhecemos que o encontro entre eles não leva só a uma conversão que estabelece a comunhão entre Zaqueu e o Senhor. Este encontro leva inclusive a uma conversão que restabelece o relacionamento de Zaqueu com o seu povo. Nesse novo relacionamento, a sua visão do próprio povo também mudou: eram irmãos, não para serem explorados ou defraudados. A reconciliação, portanto, não está limitada a um Deus que atrai a humanidade afastada e pecadora em Cristo através do perdão dos pecados e do amor. É a restauração dos relacionamentos entre as pessoas através da harmonização das diferenças e da remoção de obstáculos nos relacionamento com a experiência do amor de Deus. Com efeito, este é o factor distintivo da reconciliação no ministério de Jesus Cristo. Por outro lado, as Escrituras atestam muitas formas de reconciliação através de alianças, como:
Em todos os casos citados, a reconciliação, como uma passagem da hostilidade para a paz, da alienação à comunhão, não é um sacrifício dos direitos e não substitui a justiça. Ao contrário, é o restabelecimento da justiça e o seu fruto. Em suma, a reconciliação da humanidade ainda afastada pode tomar a forma da vinda dos Judeus e dos Gentios juntos como herdeiros do reino (cf. Ef 2, 13-15). Pode ter a forma dos membros de uma comunidade orante que harmonizam as próprias diferenças e restabelecem a paz uns com os outros (cf. Mt 5, 23-26; 1 Cor 3, 3); e pode também ter a forma de uma comunidade composta por membros que se perdoam reciprocamente as ofensas (cf. Mt 18, 15; Lc 17, 3-4), e não alimentam raiva e rancor (cf. Ef 4, 26). Através do perdão, os membros da família humana constroem uma comunidade de reconciliados (cf. Ef 2, 16-19), cujo perdão mútuo reflecte o do nosso Pai do céu (cf. Mt 6, 12; Lc 11, 4), o qual iniciou a nossa reconciliação com o seu amor e misericórdia. Uma perspectiva para o Instrumentum Laboris Eis uma espiritualidade da reconciliação que pode inspirar o debate no Instrumentum Laboris, e que se deve tornar a atitude do servidor da reconciliação. Por isso, numa Igreja que é uma família em comunhão, a reconciliação não se torna um estado ou um acto, mas um processo dinâmico, uma tarefa a ser realizada todos os dias, um objectivo a perseguir, uma tentativa sem fim para reatar, através do amor e da misericórdia, amizades interrompidas, vínculos fraternos, confiança e segurança. B. Servidores (diakonoi) da Justiça (adesão aos princípios morais) O fruto da reconciliação entre Deus e os homens e dentro da família humana (entre homem e homem), como já foi observado precedentemente, é o restabelecimento da justiça e a busca de uma relação. Ao mesmo tempo, é ética e religiosa, e é motivada pelo amor e pela misericórdia. Falsas formas de justiça O conceito de justiça tornou-se secularizado antes de significar:
O surgimento do “Espírito do Capitalismo” também acrescentou à alienação do conceito de justiça de algumas raízes transcendentais [31]. A ética da economia, por exemplo, era racionalista e individualista. A principal preocupação era o lucro; e estava distante da necessidade de solidariedade, um “ordo amoris” e de todos os vínculos religiosos e éticos. Consequentemente, toda a noção de justiça social foi eliminada e a justiça foi aplicada às convenções de contratos negociados em conformidade com a lei da oferta e da procura, sem restrições para as empresas individuais. O Estado meramente reforçou a ordem pública e a execução dos contratos, enquanto permanecia rigorosamente neutro em relação ao conteúdo [32]. Ao contrário, a justiça da diaconia cristã é a ordem justa das coisas e a realização da busca equilibrada de relações. É a justiça e a adesão aos princípios morais de Deus e do seu reino (cf. Mt 6, 33). Na actual situação de pecado da humanidade e de corações feridos, de qualquer modo, o Antigo Testamento é firme na visão da justiça que não pode chegar ao homem através da própria força mas é um dom de Deus; o Novo Testamento desenvolve completamente esta visão, fazendo da justiça a revelação suprema da graça salvífica de Deus. O sentido da “Rectidão do Reino” A rectidão ou a justiça do reino não é uma justiça suficientemente recompensada, não obstante isto às vezes seja o sentido da sua atribuição a Deus (cf. Ap 15, 4; 19, 2, 11; 16, 5-6; Hb 6, 10; 2 Ts 1, 6). Não há sequer o sentido de “conformidade com uma norma ou com um conjunto de normas”. Pelo menos, não é este o significado principal e neste sentido nunca pode ser aplicado a Deus. Apresentada diversamente como tsedaqah e tsedek, a justiça (rectidão) é o cumprimento da exigência de relação, relacionamento com Deus ou com os homens [34]; e quando Deus ou o homem cumprem as condições impostas sobre si mesmos pela relação, em termos bíblicos é “justo” (tsadiq/dikaios). Fundamentalmente, três eventos explicam todas as relações entre Deus e os homens e entre homem e homem; são eles:
Isso constitui a base do relacionamento entre Deus e a humanidade, em vários pontos da história; e essas iniciativas de Deus são actos do seu amor. Nesse sentido, a rectidão é uma radical e compreensiva justiça de caráter religioso, que requer que a humanidade se renda a Deus, em obediência e em fé, e que torna qualquer pecado uma “injúria”, uma injustiça e impiedade. Isso também requer que o homem cumpra as justas exigências de relacionamento-padrão homem/mulher por razões da criação e da fraternidade universal dos homens, e por razão de salvação e um chamado comum à santidade e filiação em Cristo. Rectidão (Justiça) baseada na Criação A questão sobre o pagamento de impostos a César (cf. Mt 22, 15-22; Mc 12, 13-17; Lc 20, 20-26) dá a Jesus a oportunidade para definir a relação básica entre Deus e o homem como justiça (rectidão). Na resposta de Jesus, o denário pertencia a César, porque trazia a marca da propriedade de César, nomeadamente, a sua imagem e a sua inscrição. Por justiça, a propriedade de César da moeda deve ser reconhecida e sustentada; então, “dai a César o que é de César”. A segunda parte da resposta de Jesus é dirigida ao tema mais fundamental se a Deus se dá o justo valor por aqueles que foram criados à sua “imagem e semelhança”, nomeadamente, o ser humano (cf. Gn 1, 26-27). A pertença da humanidade a Deus, por razão da sua criação à “imagem e semelhança de Deus” é a base da vida de comunhão entre Deus e a humanidade; e tem a forma de justiça: humanidade dando a Deus o seu justo valor. Nas Escrituras, a humanidade dá a Deus o justo valor quando o homem “obedece à voz de Deus”, “crê Nele”, “teme” e “ louva-O”; e onde isso falta, a humanidade precisa mostrar “arrependimento” (cf. Act 17, 30). Analogamente a paternidade comum dos homens (cf. Act 17, 28-29) impõe a isso um “ordo amoris” de solidariedade e fraternidade universal, que é sustentada pela justiça nos seus relacionamentos. Rectidão (Justiça) baseada nas Alianças de Deus As diferentes alianças no Antigo Testamento estabeleceram várias relações entre Deus e os indivíduos: Abraão (cf. Gn 17, 4), Isaac (cf. Gn 17, 19, 21), Jacó (cf. Ex 6, 4), Davi (cf. 2 Cr 21, 7); a tribos e as famílias: Abraão (cf. Gn 17, 11), Davi (cf. 2 Sm 7); e o povo de Israel (cf. Dt 4, 12-13); portanto, Êx 19-20; 24, 8; Is 24, 5). Algumas das alianças do Antigo Testamento também expressam os relacionamentos entre os seres humanos: Isaac e Abimeleque (cf. Gn 26, 28-29), Jacó e Labão (cf. Gn 31, 44), Davi e Jônatas (cf. 1 Sm 20, 16). As alianças estabeleceram relações especiais que impuseram exigências aos envolvidos[36]; e justiça (rectidão) era a observância dessas exigências dos relacionamentos, os quais garantiam a fidelidade e a comunhão, verticalmente, entre Deus e a humanidade, e horizontalmente, entre as pessoas. Os termos opostos na Bíblia são “malvado (malfeitor)” e “perverso” (rasha); e denotam o mal cometido contra alguém, com quem se relaciona. Então, o “malvado” destrói a comunidade (comunhão) porque falha em cumprir exigências do relacionamento em comunidade [37]. As alianças entre Deus e as pessoas e com o povo de Israel representam iniciativas de Deus, que levam as pessoas, as famílias e o povo de Israel a um relacionamento especial e requerem que eles vivam as exigências dos relacionamentos com Deus e entre si. As exigências do relacionamento, por um lado, eram submissão na fé e confiança na oferta de Deus, expressas algumas vezes através da execução de um simples rito de circuncisão (cf. Gn 17, 10-11), mas, algumas vezes, através da observância das leis (torah) de Deus (cf. Êx 19, 5; Dt 7, 9, etc). Por outro lado, os Israelitas deviam cumprir certas exigências entre si (justiça social) devido à sua relação de aliança com Deus. Israel, por sua vez, só podia confessar os seus pecados e deixar que Deus a trouxesse de volta. Este foi o tema principal de Oseias e dos profetas do pós-exílio. A rectidão de Deus agora consistia na sua justificação de Israel: trazendo Israel para uma aliança de relacionamento não obstante as suas falhas. Por sua vez, a rectidão de Israel consistia em confessar os seus pecados, reconhecendo as suas faltas e aceitando na fé a generosa oferta da salvação de Deus. Rectidão (Justiça) baseada na Nova Aliança em Cristo É nesta linha que João Baptista, iniciou o seu ministério; e o seu ministério cumpriu toda a justiça no sentido que o arrependimento e a confissão dos pecados que exigia eram a admissão de Israel (da Humanidade) que não conseguia ser fiel às exigências da Aliança, a sua experiência imerecida de receber de qualquer modo o perdão justificador e o favor e reconhecimento que Deus age só por amor e misericórdia. Quando, entretanto, Jesus se fez baptizar por João, ele uniu-se à humanidade para professar tudo o que disse como justiça de Deus. Por isso se diz que Jesus cumpriu toda a justiça! Em Jesus e no seu ministério, vêem-se duas coisas:
Este sentido de justiça e rectidão sugere que a exortação do Instrumentum laboris para ser servidores de justiça é antes de mais e sobretudo um convite a uma experiência espiritual: a experiência da justificação de Deus (graça justificante) na fé, e a testemunhá-la na Igreja e na sociedade, justificando os outros. De que modo as feridas e as muitas lacerações que o povo vive e experimenta no continente podem sarar e a comunhão ser restaurada? c. Servidores/Ministros (diakonoi) de Paz: O Catecismo da Igreja Católica repete o ensinamento de Santo Agostinho que a “paz é a tranquilidade da ordem” [40]. Isso vai confirmar como o “respeito pelo desenvolvimento da vida humana requer isso”, e como é “o trabalho da justiça e o efeito da caridade” [41]. Paz como obra de justiça Justiça, (Honestidade) como foi ressaltado, é um conceito de relação; o justo é aquele/aquela que atende às exigências do relacionamento no qual está inserido. O caso de Israel corrompido e da humanidade decaída (cf. Rm 5, 6), que Deus justificou em Cristo atribuindo-Lhe a sua justiça (rectidão), consiste no reconhecimento desta necessidade para a graça justificante de Deus e a sua submissão a ela na fé. Este seria exactamente o comportamento para predispor a humanidade à paz de Deus no Evangelho. Porque quando, no nascimento de Jesus, o anjo anuncia o advento da Paz de Deus na terra, destinava-se somente àqueles “que Ele ama” (Lc 2, 14). Na terra, “a Paz” destina-se “aos homens que Ele ama” (Lc 2, 14); e o significado da frase “aos homens que Ele ama”, segundo alguns autores, é “todo aquele que receberá a graça de Deus e responderá com fé” [42]. Esta interpretação da frase, como se recorda, coincide com o significado de “justo” e “recto”, como acima, e faz crer que os “justos”, como aqueles que estão dispostos a aceitar a obra de Deus na fé são também aqueles sobre os quais, na terra, repousa a “paz de Deus”. Ao que parece, aqueles que experimentam a paz de Deus são os que se dispõem a promover a paz na terra, cumprindo as condições das relações em que se encontram envolvidos. Evidencia-se assim uma estreita relação entre paz e justiça (rectidão), na qual Isaías vê (cf. Is 32, 17), o Salmista canta (cf. Sl 85, 10) e Paulo vê em todo Cristão que caminha na recta via (justificado) com Deus em Cristo: “Justificados, pois, pela fé temos a paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo...” (Rm 5, 1). Portanto, a paz provém do céu. É o dom de Deus, e está estreitamente relacionado com a sua justiça/rectidão (“os homens que ele ama”). A paz como Caridade (o amor de Deus em Cristo) Visto que a”paz” foi directamente relacionada com a aliança e com a vivência das suas exigências, quando o povo de Deus desrespeitou a aliança, a “paz” também foi expulsa. Foi necessária uma nova intervenção de Deus e a sua amorosa misericórdia para levar a paz ao seu povo. Por isso, as escrituras de Israel pós-exílio começaram a ver a “paz” gerada do castigo do servo de Deus: “O castigo que nos salva pesou sobre ele” (Is 53, 5). Na sua missão e no seu ministério, Jesus Cristo cumpriu a visão dos últimos profetas de Israel: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único” (Jo 3, 16): e depois de “ser entregue por nossos pecados” (Rm 4, 25), o Filho de Deus se tornou a nossa “paz”. Assim sendo, se a “paz” provém de Deus (cf. Gl 1, 3; Ef 1, 2; Ap 1, 4) e é de Deus (cf. Fl 4, 7; Cl 3, 15; Rm 15, 33), Cristo é aquela “paz” (cf.Ef 2, 14). É Ele que a proclama e a estabelece (cf. Ef 2, 17); e Ele é a presença de Deus, que traz aquela paz que o mundo não pode dar. O significado da Paz de Cristo A “Paz” não tem apenas um significado laico, por significar a ausência de conflitos, (cf. Gn 34, 21, Js 9, 15; 10, 1, 4; Lc 14, 32), a presença de harmonia em casas e famílias (cf. Is 38, 17; Sl 37, 11, 1; Cor 7, 15; Mt 10, 34; Lc 12, 51), a segurança e a prosperidade individual e nas comunidades (nações) (cf. Jz 18, 6; 2 Rs 20, 19; Is 32, 18). A “Paz” não existe só quando os seres humanos e as sociedades cumprem os seus deveres e reconhecem os direitos de outras pessoas e sociedades” [43] e nem é apenas um dos resultados da acção da justiça [44]. Essencialmente, a “Paz” transcende o mundo e os esforços humanos [45]. É um dom de Deus (cf. Is 45, 7; Nm 6, 26) doado aos “honestos/justos”. Normalmente é expressa como “shalom” (Antigo Testamento) e “eirēnē” (LXX e Novo Testamento), toda forma de “paz” é um conjunto determinado por Deus e “doado” aos homens que ele ama”, ou seja, os honestos e os justos. Consequentemente, quando Deus perdoou o pecador (cf. Lc 7, 50) e curou os doentes (cf. Mc 5, 34), mandou-os embora “em paz”: “ide em paz”. “Ide em paz” não era apenas uma bênção de adeus, mas a concessão da paz. Os perdoados e os curados não tiveram apenas a sua saúde física restabelecida; foram pacificados com Deus através da sua fé, e tornaram-se perfeitamente saudáveis diante de Deus e da comunidade [46]. Este é também o significado da saudação de “paz” de Jesus a seus discípulos, na manhã da ressurreição (cf. Jo 20, 19-21). Era o perdão por o terem traído e um novo sinal de amizade. Jesus não precisava que os seus discípulos fizessem uma admissão de culpa. Não havia algum pedido de perdão; não foram proferidas desculpas. Ao contrário, deu-se um livre perdão e uma saudação conciliatória de “paz”. A “paz” de Jesus é a nossa paz, pois ele foi castigado em virtude das nossas iniquidades (cf. Is 53, 5). Ela é, portanto, a restauração gratuita e imerecida da plenitude e da comunhão com Deus e com os homens; e é recebida por todos aqueles que a acolhem como graça de Deus e respondem com fé, ou seja, “aqueles que ele ama” (os justos, honestos). Como justos portadores da paz de Cristo na terra, Paulo exorta as comunidades cristãs a perseguir a paz (cf. Rm 14, 19; Ef 4, 3; Hb 12, 14) e a estar em paz uns com os outros (cf. Rm 12, 18; 2 Cor 13, 11), exactamente como o Instrumentum laboris exorta que a Igreja faça com a África. Ainda em qualidade de portadores da paz de Cristo na terra, devemos recordar-nos, assim como o fizemos com a “justiça”, que a “paz” é um acto que vai além da justiça no sentido estreito da palavra, e requer amor [47]. Ela deriva da comunhão com Deus e tem como finalidade o bem-estar do homem (humanidade). Por isso, ao exortar a Igreja na África e nas ilhas a ser “ministra (servidora) de reconciliação, justiça e paz”, conforme o convite do primeiro sínodo à Igreja para viver na comunhão Igreja-família de Deus, o segundo sínodo convida a Igreja a experimentar as virtudes que fundamentam a nossa comunhão com Deus e a testemunhá-las/vivê-las – ou seja, a reconciliação, justiça e paz através do amor e da misericórdia – no continente. As implicações deste ministério são aquilo que o (tema do) sínodo explica agora com os símbolos do sal e da luz: sal da terra e luz do mundo. III. DO SER “TESTEMUNHAS DE CRISTO” (At 1, 8) Ao colher os frutos do primeiro sínodo na Ecclesia in Africa, o Papa João Paulo II exaltou o “testemunho” como elemento essencial da cooperação missionária e recordou à Igreja africana que Cristo não só apresenta aos seus discípulos na África o desafio de o testemunhar, mas confere-lhes o mesmo mandato confiado aos dois apóstolos no dia da Ascensão: “Sereis minhas testemunhas” (Act 1,8) na África [48]. Logo, comparando os discípulos de Cristo na África com o sal e a luz, o Santo Padre diz: “Na época actual, no contexto de uma sociedade pluralista, é sobretudo através do empenho dos católicos na vida pública que a Igreja pode exercer uma influência eficaz. Da parte dos católicos, sejam eles profissionais liberais ou professores, empresários ou funcionários, das forças de segurança ou políticos, espera-se que dêem testemunho de bondade, verdade, justiça e amor de Deus nas suas actividades quotidianas. “O dever do fiel leigo (...) é ser sal e luz do mundo (...), particularmente, lá onde ele é o único a poder intervir”. “Sal da terra” e “luz do mundo”, portanto, foram as imagens/metáforas nas quais o Papa concentrou o seu olhar sobre as actividades missionárias da Igreja na África e nas ilhas. Hoje, este sínodo convida a Igreja na África a interpretar a actuação da sua obra de reconciliação, justiça e paz no continente como “sal da terra” e “luz do mundo”. Servos (diakonoi) de Reconciliação, Justiça e Paz, como “sal da terra” A metáfora “sal”, usada por Jesus nos Evangelhos sinópticos, (cf. Mt 5, 13; Mc 9, 50; Lc 14, 34) para descrever a peculiaridade da vida de seus discípulos, é polivalente; tem muitos significados. Assim como o “Mar Morto” é também chamado “mar do sal” (Gn 14, 3), para aqueles que vivem próximos das águas do “Mar Morto”, “sal” pode significar “morte” (cf. Gn 19, 26). Deus, Senhor da vida, tratará, todavia, as águas do “mar do sal” com a água do templo e dar-lhe-á vida (cf. Ez 47). Por outro lado, o sal pode ser também conservativo. Ele tempera e conserva os alimentos (cf. Job 6, 6; Mt 5, 13; Lc 14, 34), e de maneira semelhante, como no caso da purificação de Eliseu das águas de Jericó (cf. 2 Rs 19, 22), o sal tem também poder purificador. O uso do sal para selar amizades e a aliança na época do Antigo Testamento (cf. Esd 4, 14) significa, provavelmente, que Deus empregava simbolismos para expressar a continuidade e estabilidade da subsistência dos sacerdotes no Antigo Testamento. “É uma aliança inviolável, perene, diante do Senhor...”(Nm 18, 19). O uso do sal em ocasiões de aliança pode estar, talvez, na base do convite de Jesus a seus discípulos: “Tende sal em vós e vivei em paz uns com os outros”(Mc 9, 50), um convite a observar a lealdade mútua de uma relação de aliança, e viver em paz. O sal, porém, é símbolo também de “sabedoria” e de “força moral”; é algo que valoriza as coisas: é o que se verifica quando, por exemplo, é usado para adubar terrenos. Consequentemente, quando Jesus se refere a seus discípulos como “sal da terra” e quando o sínodo exorta a Igreja na África a ser “servidora de reconciliação, justiça e paz”, como “sal da terra”, quer Jesus quer o sínodo utilizam um símbolo polivalente para expressar as diversas tarefas e exigências de ser discípulos e de ser Igreja (família de Deus) na África. Assim, como no caso dos profetas, negar a Igreja e o seu Evangelho equivale a expressar um juízo e transformar a terra numa “terra de sal” (cf. Dt 29, 23; Jr 17, 6; Sl 107, 34). Num continente em que algumas regiões vivem situações de conflito e de morte, a Igreja deve espalhar sementes de vida: iniciativas geradoras de vida. Ela deve preservar o continente e a sua população dos efeitos destruidores do ódio, da violência, da injustiça e do etnocentrismo. A Igreja deve cuidar e purificar as mentes e os corações de mentalidades corruptas e malignas, e difundir a sua mensagem evangélica, que gera vida, a fim de manter vivos o continente e seu povo, preservando-os no caminho da virtude e dos valores evangélicos, como a reconciliação, a justiça e a paz [50]. Ainda mais importante, porém, é o símbolo do “sal” que convida a Igreja-Família de Deus na África a aceitar dedicar-se (consumir-se) em favor da vida do continente e do seu povo. Servidores (diakonoi) de Reconciliação, Justiça e Paz, como “luz do mundo” A referência aos discípulos como “luz do mundo” utiliza uma simbologia cujas origens provêm do Antigo Testamento: a característica e a missão de Sião, a cidade sobre uma colina. Consequentemente, o Servo-Messias foi convocado para assumir esta vocação, realizando-a em Jesus. Logo, Jesus é a “luz do mundo”, aliás, a “luz verdadeira, que ilumina todo homem” (Jo 1, 9) e transforma também os seus discípulos em “luz do mundo”. Sião, a cidade sobre a colina e Luz das Nações Sião é a montanha da casa do Senhor (cf. Is 2, 2); é a morada da Arca da Aliança (cf. 2 Sm 6; 1 Rs 8, 20-21) e o Nome do Senhor (cf. Dt 12, 5). A Arca da Aliança abrigava a Lei de Deus; a Lei era “uma lâmpada e o ensinamento, uma luz” (Pr 6, 23; Sl 19, 8; 119, 105; Br 4, 2). Todavia, o nome de Deus representava a “presença de Deus” e a luz da presença de Deus pressupunha o poder e a acção salvífica de Deus (cf. Is 10, 17; Sl 27; 36, 9) para salvar Jerusalém e seu povo [51]. Em virtude da posse da luz do conhecimento da Lei e da luz da salvação de Deus, Jerusalém tornou-se uma luz para as nações e os reis.[52]. A experiência em Sião se torna a vocação do Servo-Messias Nas mãos de Isaías, a experiência de Jerusalém, luz das nações e dos reis, é apresentada como a vocação de um servo. O servo de Javé, dotado do Espírito de Javé para levar justiça às nações (cf. Is 42, 1; 51, 4) é visto como a aliança do povo e a “luz das nações” (Is 42, 6; 49, 8 ss). Sua convocação para ser “luz das nações” implica numa experiência pessoal da salvação de Javé (cf. Is 49, 7), o que permitiu que a salvação de Javé alcançasse todos os cantos da terra. Nesses trechos, referentes ao servo, “luz” é o conhecimento da Lei e da salvação de Deus; é um dom destinado a chegar a todos os povos. Jesus realiza a vocação do Servo-Messias A imagem do Servo-Messias se realiza em Jesus. Mt 4, 16 cita Is 9, 2 e alude à estrela do nascimento de Jesus para destacar a realização e a continuação, em Jesus, do simbolismo revelador e salvífico da luz no Antigo Testamento. Jesus é a “luz da salvação de Deus”(Jo 1, 5; 3, 19; 8, 12; 12, 46) e é a “luz da Palavra/Lei/Sabedoria de Deus” (Jo 1, 4; 9, 5; 12, 36, 46). Jesus é a “luz do mundo” (Lc 2, 32; Gv 1, 9); morre e ressuscita para “anunciar a luz ao povo e aos gentios” (Act 26, 23). Os discípulos de Jesus e os Cristãos como luz do mundo Consequentemente, a referência aos discípulos como “luz do mundo” nada mais é do que o modo pelo qual Jesus faz dos seus discípulos a sua extensão e representação no mundo. “Vós sois a luz do mundo” expressa, desta forma, a grande vocação dos discípulos de Jesus: um chamado a realizar, em Cristo, a vocação de Israel no Antigo Testamento a ser testemunha da luz do conhecimento da Lei de Deus (Evangelho) e da sua salvação no mundo. Esta elevada vocação dos seguidores de Jesus é a proposta do Sínodo para a Igreja na África; ela tem início com o seu chamado (baptismal) que faz deles uma “raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo da sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” (1 Pd 2, 9). Respondendo ao chamado, eles se rendiam à iluminação da Palavra da verdade (cf. Ef 1, 17 ss), à luz do Evangelho da salvação (cf. 2 Cor 4, 4) e a seu convite ao arrependimento. A vida que provém do estado de discípulo faz deles “luz no Senhor e filhos da luz” (Ef 5, 8), “filhos da luz e filhos do dia”(1 Ts 5, 5; cf. Rm 13, 12). E Deus disse: “Do meio das trevas brilhe a luz!, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo” (2 Cor 4, 6). Ela conduz à fé em Jesus e a receber o selo prometido pelo Espírito Santo (cf. Ef 1, 13) para viver uma vida sem manchas, porque “o fruto da luz é bondade, justiça e verdade” (Ef 5, 9). Conclusão: que terra? Que mundo? Nos tempos de Jesus, a terra e o mundo para o qual os discípulos deviam ser “sal e luz” eram a terra e o mundo de fora do círculo dos doze, “pois aos que são de fora tudo se lhes propõe em parábolas” (Mc 4, 11). Neste sínodo, a terra e o mundo para os quais os Católicos do continente e das ilhas devem ser “sal” e “luz” como servos de reconciliação, justiça e paz é a África dos nossos dias, assim como descrito no Instrumentum Laboris e mencionado acima [53]. É aqui que Jesus Cristo, depois de ter sido revelado através das Escrituras, como nossa reconciliação, justiça e paz, agora chama e autoriza os seus discípulos na África e nas ilhas a dedicarem-se, como sal e luz, na construção da Igreja na África como uma verdadeira família de Deus, através dos ministérios da reconciliação, justiça e paz, exercidas no amor, como seu mestre. NOTAS [1] João Paulo II, Discurso na Catedral de Cristo Rei (17 de Setembro de 1995), Joanesburgo, África do Sul: “Aqui em Joanesburgo, na África do Sul, em união com a Igreja desta parte do continente, encontramo-nos para promulgar a Exortação Apostólica “Ecclesia in Africa”, que contém as propostas dos Padres Sinodais no final da sessão de trabalho realizada em Roma, em abril de e maio de 1994. Com a Autoridade Apostólica que cabe ao Sucessor de Pedro apresento a toda a Igreja de Deus na África e Madagáscar, a profunda reflexão e resoluções para o sínodo...”. [2] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal Ecclesia in Africa, 13. [3] Cf. João Paulo II, Discurso aos participantes do 12º Encontro do Conselho Pós-sinodal da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos para a Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, em 15 de Junho de 2004. [4] Primeira Assembleia Especial para a África, Instrumentum laboris, 1993, # 1. O mesmo documento afirmou: “Parece que a África esteja vivendo um momento favorável que convida os mensageiros de Cristo a se entregarem totalmente a Cristo”: Instrumentum laboris, 1993, # 24. [5] Ibidem, # 22- 24. “Sinais dos tempos” referindo ao contexto africano, onde o Evangelho tem de ser proclamado. [6] Cf. A heróica vida dos mártires e santos africanos, por um lado, e a heróica vida e o esforço pela independência dos africanos na África pós-colonial, na África do Sul, no Sudão, etc, por outro. [7] Cf. João Paulo II, Discurso aos participantes do 12º Encontro do Conselho Pós-sinodal da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 15 de Julho de 2004. [8] Cf. João Paulo II, Exortação pós-sinodal Ecclesia in Africa, 13-14, 39-42, 51; Segunda Assembleia Especial para a África, Lineamenta, # 6-8. [9] Segunda Assembleia Especial para a África, Lineamenta, “Prefácio”. [10] É o que o Instrumentum laboris refere para uma “continuidade dinâmica” e ilustra copiosamente. [11] Cf. João Paulo II, Carta do Arcebispo Eterovic por ocasião do Encontro do Conselho Especial para a África da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos (23 de fevereiro de 2005). [12] Cf. João Paulo II, Exortação pós-sinodal Ecclesia in Africa, 4. [13] Cf. Ibidem, 2-5. De facto, o SCEAM “estudou caminhos e significados planejando este o encontro continental. A consulta da conferência episcopal e todos os Bispos da África e Madagáscar foi realizada, depois que eu convoquei a Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. (Ecclesia in Africa, 5). [14] Segunda Assembleia Especial para a África, Instrumentum laboris # 21-33. [15] Nana Akuffo-Addo, Ministro dos Negócios Estrangeiros da República de Gana (2001-2008) disse no encontro com o presidente Kikwete, da Tanzânia, “já existem na África alguns dirigentes fortes que estão prontos para seguir em frente; e nós desejamos estar ao seu lado” (Fraternidade Matin, sexta-feira 10/07/09, pág. 1) [16] NEPAD significa Nova Parceria Económica para o Desenvolvimento da África . NEPAD exige que seja respeitado o governo democrático, e não aceita golpe de Estado. Existe a configuração do Peer Review Mechanism da antiquada performance do governo. Reconhecemos o ritmo de trabalho do African Union Parliament e a implementação dos pré-requisitos dos Estados membros do NEPAD que foi criticado pela sua lentidão. [17] Lomé Culture é o nome dado a uma série de acordos de cooperação ao desenvolvimento entre países da Comunidade Europeia (CEE) e suas ex-colónia. Entrou em vigor em 1957 com o tratado de Roma, que sancionou a CEE. Lomé I ‘ Lomé IV estabeleceu um regime de ajudas mediante o Comércio entre CEE e 46 países ACP (em relação aos direitos humanos, princípios democráticos e exercício da lei). A convenção de Iaundé foi assinada em 1975 entre a CEE e os países ACP para fornecer infra-estrutura ao desenvolvimento dos países francófonos. A Convenção de Cotonou, assinada entre a UE e os 70 países ACP, deveria durar vinte anos. Ela era finalizada à redução da pobreza, ao desenvolvimento sustentável e à gradual integração das economias ACP na economia mundial. [18] Os principais objectivos do NEPAD são: erradicar a pobreza, ajudar os países africanos rumo ao crescimento e ao desenvolvimento sustentável; acabar com a marginalização da África do processo de globalização, acelerar a tomada de consciência e de poder das mulheres. [19] “Cooperação significa partilhar com as populações africanas um ponto de vista: a ideia de uma África que é moderna e independente, onde os homens e as mulheres africanas, confiantes em si mesmos, construam a própria vida e o próprio futuro, percorrendo o caminho do desenvolvimento sustentável e democrático. Somente os estímulos e os esforços realizados pela África levarão ao sucesso” (Discurso do Dr. Uschi Eid, Secretário de Estado Parlamentar do Ministério Federal para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento da Alemanha, o TICAD III [Conferência Internacional de Tóquio sobre o Desenvolvimento da África], Tóquio 2003). [20] Barack Obama expressou o mesmo conceito aos governantes africanos no seu discurso ao Parlamento de Gana durante a visita ao país em Julho passado. [21] Quando o ex-presidente Clinton em 2003 visitou Gana, o Herald Tribune escreveu: “Foi-nos dito que Clinton tinha ído para mudar a ideia que a América tem sobre a África: não mais de um continente desesperado, mas um lugar de oportunidade e esperança”. [22] Cf. Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in Veritate, Vaticano, 2009. [23] Segunda Assembleia Especial para a África, Instrumentum laboris, # 11. [24] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Africa, 63. [25] Cf. Confissão de Paulo: “Ouvistes certamente da minha conduta de outrora no judaísmo, de como perseguia sobremaneira e devastava a Igreja de Deus... quando, porém, aquele que me separou desde o seio materno e me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim o seu Filho... (Gl 1, 13-16). [26] Neste sentido, Deus é como o pastor que busca a ovelha perdida. É como a mulher que procura uma moeda perdida e como o pai cujo amor provoca o retorno do filho pródigo (cf. Lc 15). É como Jesus que encontra Zaqueu num sicômoro e diz-lhe para descer (cf. Lc 19, 5). [27] Cf. Pietro Bovati, Restabelecer a justiça: Analecta Bíblica 110, PIB Roma, 1986. [28] Às vezes, a exigência de conciliação inclui e faz brotar um gesto concreto, como o reconhecimento da existência dos direitos, cuja negação e abuso fizeram aumentar a situação de conflito e hostilidade (cf. Abraão e Abimeleque em Gn 21, 25-34). [29] Neste sentido, existem factores que favorecem a reconciliação e que os servos da reconciliação devem abraçar; existem outros factores que impedem a reconciliação e que os servidores da reconciliação devem evitar: a. Factores que impedem: a impiedade e o desprezo pela relação com Deus; a negação dos direitos dos outros, o engano e os preconceitos, a hipocrisia e a paz aparente, a atenção selectiva, o silêncio da cumplicidade e a falência das estruturas do Estado. b. Factores que a favorecem: o perdão, o amor fraterno, a comunicação, o diálogo, a educação para a paz e a reconciliação. [30] Sacramentum Mundi 3, 235. [31] Cf. Paulo VI, Carta Encíclica Populorum Progressio, 26. [32] Sacramentum Mundi 3, 236. [33] Cf. The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol 4, 85-88. 91-99. [34] A “justiça”, de qualquer forma se manifeste baseia-se sobre tudo aquilo que é devido a uma pessoa em virtude da sua dignidade e da sua vocação à comunhão com as pessoas (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja nº 3, 63). [35] Isso constitui também a base do imperativo fundamental que impõe o respeito positivo pela dignidade e pelos direitos dos outros e também uma ajuda solidária em ir atender as necessidades (cf. Gaudium et spes, 23-32; 63-72; Papa João XXIII, Carta Encíclica Mater et Magistra. A condição dos filhos, comum à humanidade exige que os homens sejam rectos, agindo segundo a vontade de Deus, unidos na solidariedade e pelo amor de Deus, como amor de Pai. [36] Tamar era mais justa do que o sogro, porque ele não respeitava a tradição familiar (cf. Gn 38, 26), Davi não deveria matar Saul, “porque é o consagrado do Senhor” (1Sm 24, 7, 11) e um “pai” para ele (cf. 1Sm 24, 12). Quando uma relação muda, mudam também as exigências. Aquele que cuida dos órfãos e das viúvas e defende-os, é justo (cf. Job 29, 12 -16; Os 2, 19). Aquele que trata os servos com humanidade, vive em paz com o seu próximo, fala bem dos outros, é recto/justo (cf. Job 31, 1-13; Pr 29, 2; Is 35, 15; Sl 52, 3, etc). A rectidão/justiça como comportamento compete aos membros da comunidade, às vezes é tutelada e aplicada pelos magistrados, quando julgam os casos nos tribunais. Este é o significado da justiça; então quer Deus quer o rei desempenham um papel de juiz (cf. Dt 25, 1; 1Rs 8, 32; Ex 23, 6ss; Sl 9, 4; 50, 6; 96, 13). Os julgamentos rectos são considerados característicos do Messias-Rei. [37] O malvado (עשר) é aquele que exercita a força e a falsidade, ignora os deveres que o parentesco e a aliança imporiam-lhes, pisa nos direitos dos outros (The Interpreter’s Dictionary of the Bible), vol 4, 81). [38] O Papa João Paulo II definiu a misericórdia um “especial poder do amor, que prevalece sobre o pecado e a infidelidade dos escolhidos” (Dives in Misericordia, 4.3). [39] O Papa João Paulo II ensina-nos que nas relações entre pessoas e grupos sociais etc., a “justiça não basta”. É necessário aquele “poder mais profundo que é o amor” (Cf. Dives in Misericordia, 12). [40] Catecismo da Igreja Católica, 2304. Ver também Gaudium et spes, 78. [41] Ibidem. [42] “Em todo o Evangelho de Lucas, a ‘paz na terra’ atinge os eleitos, os discípulos, os estrangeiros, aquele que acolheu a graça de Deus e responderá com fé” (Cf. Dictionary of Jesus and the Gospels, ed. Joel B. Green et alii, Inter Varsity Press 1992 p. 605). [43] João XXIII, Carta Encíclica Pacem in terris, 174. [44] Gaudium et spes, 84. [45] Embora isto seja uma tarefa, algo no qual se actuar, a “paz” é um dom de Deus, algo que nossa paz terrena só antecipa vagamente. [46] No caso da mulher hemorroíssa (cf. Mc 5, 24-34), por exemplo, Jesus não só curou sua impureza religiosa e social (o tema do sangue), mas também revelou o segredo e tornou pública a fé e a cura (cf. Mc 5, 34; 2, 5; 10, 52) Tal cura representou o retorno total da mulher à saúde, à sua comunidade e ao Deus da sua fé. [47] Gaudium et spes, 78. [48] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Africa, 86. [49] Ibidem, 108. [50] Cf. SCEAM, Seminário sobre o Sínodo, Abdjan, Costa do Marfim, 2009: Grupo Carrefour nº III. [51] Assim a grande restauração e justificação que Javé realiza em relação a Jerusalém é descrita por Isaías como o retorno da luz de Javé: “Não terás mais necessidade de sol para te alumiar, nem de lua para te iluminar: permanentemente terás por luz o Senhor, e teu Deus por resplendor” (Is 60, 19-29). [52] O Testamento de Levi extenderia a luz de Jerusalém a seus filhos, os Israelitas, e exorta-os dizendo: “Sede a luz de Israel, mais pura de todos os gentios... O que os gentios fariam se vós estivésseis nas trevas pelas transgressões?” (14, 3). [53] Cf. Páginas 20 - 25 acima. |
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