SÍNODO DOS BISPOS II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA A IGREJA EM ÁFRICA INSTRUMENTUM LABORIS
Cidade do Vaticano 2009
ÍNDICE A IGREJA EM ÁFRICA HOJE I. DA PRIMEIRA À SEGUNDA ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA 1. De 1994 a 2009: um contexto social novo
2. A Assembleia Sinodal numa trajectória de continuidade
II. ALGUNS LUGARES-CHAVE DA VIDA DAS SOCIEDADES 1. A área sociopolítica III. REFLEXÕES TEOLÓGICAS SOBRE O TEMA DO SÍNODO 1. Os discípulos de Cristo como “Sal” e “Luz”
2. A Igreja-Família de Deus e a “diaconia”
3. A justiça do Reino 4. A paz do Reino RECONCILIAÇÃO, JUSTIÇA E PAZ: UMA NECESSIDADE URGENTE I. NO CAMINHO DA RECONCILIAÇÃO 1. Reconciliação: as experiências da sociedade 1. Justiça: as experiências da sociedade 1. Paz: as experiências da sociedade. IGREJA FAMÍLIA DE DEUS: I. ENRAIZAR-SE NUMA CULTURA AFRICANA TRANSFIGURADA 1. Os desafios da globalização II. HAURIR A FORÇA DA FÉ EM CRISTO 1. A presença operante de Cristo nas nossas vidas
III. AGIR COMO IGREJA – FAMÍLIA DE DEUS 1. Filhos e filhas do mesmo Pai no Filho único
IV. EMPENHAR-SE PARA UMA ÁFRICA RECONCILIADA 1. A Igreja, Família para as nações A IGREJA - FAMÍLIA DE DEUS EM ACÇÃO: II. OS ACTORES E AS INSTITUIÇÕES 1. Os actores
2. Estruturas e instituições eclesiais
3. Os fiéis cristãos na sociedade
Acolhendo o pedido do episcopado africano, o Santo Padre Bento XVI convocou para o Vaticano a Segunda Assembleia Especial para África do Sínodo dos Bispos que terá lugar, com o auxílio de Deus, de 4 a 25 de Outubro de 2009. Depois de uma conveniente consulta, o Bispo de Roma, Cabeça do Colégio episcopal e Presidente do Sínodo dos Bispos, escolheu para tal Reunião sinodal o tema A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz. «Vós sois o sal da terra … Vós sois a luz do mundo» (Mt 5, 13.14). O Conselho Especial para África da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos preparou, num primeiro momento, o texto dos Lineamenta sobre o tema sinodal, publicado no dia 27 de Junho de 2006. De seguida, o mesmo Conselho redigiu o presente Instrumentum laboris, documento de trabalho da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. Trata-se da síntese das respostas solicitadas pelos Lineamenta, enviadas pelas 36 Conferências Episcopais e por 2 Igrejas Orientais Católicas sui iuris presentes no continente africano, como também de 25 Dicastérios da Cúria Romana e da União de Superiores Gerais, às quais se juntaram as reflexões de vários institutos eclesiais e de fieis, empenhados na evangelização e na promoção humana no continente africano. O tema da Assembleia sinodal é bastante significativo. Em primeiro lugar faz menção à Primeira Assembleia Especial para África do Sínodo dos Bispos que teve lugar quinze anos atrás, de 10 de Abril a 8 de Maio de 1994, cujos resultados foram recolhidos pelo Servo de Deus João Paulo II na Exortação Apostólica Pós-sinodal Ecclesia in Africa, publicada a 14 de Setembro de 1995. Tendo presente tal Documento, ainda hoje muito actual, os Padres sinodais, guiados pelo Sumo Pontífice, pretendem aprofundar os temas da reconciliação, da justiça e da paz, a fim de que a Igreja no seu conjunto, as suas comunidades e instituições, bem como cada um dos cristãos, comunitária e pessoalmente, possam tornar-se cada vez mais o sal da terra africana e a luz do mundo social, cultural e religioso em África. «Deixai-vos reconciliar com Deus» (2 Cor 5, 20). Este convite urgente aos cristãos de Corinto e de todo o mundo é dirigido, de modo particular, aos fieis e às pessoas de boa vontade de África, devastado por tantas discórdias e divisões étnicas, sociais e religiosas, que não raras vezes confluem em demonstrações de ódio e de violência. Essas são manifestações de pecados pessoais que têm conotações sociais negativas e que fazem urgente a acção de reconciliação com Deus e com o próximo. Na sua infinita bondade e eterna misericórdia, Deus Pai, por obra do Espírito Santo, toma a iniciativa na reconciliação. Ele reconciliou-nos consigo mediante o seu Filho Unigénito Jesus Cristo, o qual confiou à sua Igreja o ministério da reconciliação (cf. 2 Cor 5,19). Com efeito, o Senhor ressuscitado deu aos seus Discípulos o Espírito Santo para o perdão dos pecados (cf. Jo 20,22). O centro da reconciliação entre Deus e o homem é o coração trespassado do Senhor Jesus crucificado, do qual continua a brotar sangue e água (cf. Jo 19,34), sacramentos da nossa salvação. Por meio da cruz, Jesus Cristo reconciliou os dois povos, os judeus e os gentios pagãos, destruindo entre eles toda a inimizade e constituindo-os um só corpo (cf. Ef 2, 14-16). Reconciliado com Deus, também o crente africano encontrará a força do Espírito Santo para se reconciliar com os irmãos. A obra da reconciliação, além disso, ultrapassa as relações entre as pessoas e os povos e estende-se a toda a criação (cf. Rom 8,19). De facto, por meio de Jesus Cristo, Deus Pai reconciliou todas as coisas, as da terra e as dos céus (cf. Col 1,20). Para desempenhar bem o ministério da reconciliação, confiado pelo Senhor Jesus, a Igreja deve tornar-se sempre mais uma comunidade reconciliada, lugar de reconciliação que se deve anunciar a todos os homens de boa vontade. «Assim nos convém cumprir toda a justiça» (Mt 3,15). Insistindo com São João Baptista para receber o baptismo, Jesus Cristo quer cumprir o que é justo diante de Deus Pai, realizando a sua vontade. Tal atitude teve a aprovação do céu. O Espírito Santo, em forma de pomba, desceu sobre Jesus, enquanto o Pai o reconheceu como seu Filho amado, no qual se compraz (cf. Mt 3,16-17). Seguindo o exemplo do Mestre, os discípulos devem procurar antes de tudo o Reino e a justiça de Deus (cf. Mt 6,33). De tal obediência à vontade do Pai deriva a justiça em relação ao próximo, como vem indicado, além disso, no Decálogo (cf. Ex 20,2-17). Os direitos de Deus precedem e fundam os direitos dos homens e dos povos. O próprio Jesus Cristo promete que Deus fará justiça sem demora aos seus eleitos que para Ele gritam dia e noite (cf. Lc 18,6-8). Entre os eleitos podem-se reconhecer tantos doentes, pobres, escravos, viúvas, forasteiros, migrantes, pessoas que vivem à margem da sociedade em África, os quais são, porém, objecto do amor preferencial de Deus. O Senhor Jesus identifica-se com eles: «cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25,40). Em particular, Jesus Cristo declara felizes os que são perseguidos por causa da justiça (cf. Mt 5,10). Ele mesmo oferece o exemplo por excelência, justo e humilde servo de Deus que justificou a muitos (cf. Mt 12,18-21; Is 40,1-4, 53, 11). A justiça dos cristãos, com a graça do Espírito Santo, deve superar aquela dos fariseus (cf. Mt 5,20) e tornar-se misericórdia (cf. Mt 9,13; 12,7). Também os pecadores arrependidos, que acreditam em Deus e realizam a sua vontade, como os publicanos e as prostitutas, fazem parte do Reino de justiça e de paz (cf. Mt 21,32). A justiça retributiva deve ser integrada com aquela reparadora, em África e em qualquer outra parte do mundo. «A Paz esteja convosco!» (Jo 20,19). O Senhor Jesus dá o Espírito sem medida e oferece aos discípulos a paz (cf. Jo 20,21; 3,34). Trata-se de uma paz única, que o mundo não pode dar (cf. Jo 14,27) porque não conhece o Senhor Jesus nem o Espírito Santo (cf. Jo 14,17). A nossa paz é, na verdade, Jesus Cristo, aquele que abateu toda a inimizade unindo os povos divididos (cf. Ef 2,14). Já com o seu nascimento, Jesus encaminhou para a via da paz os passos do povo que vivia envolto em trevas (cf. Lc 1,79). Toda a criação, o céu e a terra e os homens de boa vontade tiraram disso proveito. A multidão do exército celeste cantou glória a Deus no mais alto dos céus, auspiciando a paz na terra aos homens que Deus ama (cf. Lc 2,14). Infelizmente nem todos aceitam Jesus e o dom da paz. Na luta com as trevas do pecado e da morte, o Senhor Jesus torna-se sinal de contradição (cf. Lc 2,34). Ele chora a propósito da sorte de Jerusalém porque não conheceu o caminho da paz (cf. Lc 19,42). Não obstante a tribulação, os fiéis receberam a promessa da paz do Senhor porque Ele venceu o mundo (cf. Jo 16,33). É esta a paz do Senhor que trocamos durante a Eucaristia, antes de aceder à comunhão. «Paz a esta casa!» (Lc 10,5). Na sequela de Jesus Cristo, os fiéis são chamados a serem operadores de paz. Por tal obra serão felizes, chamados filhos de Deus (cf. Mt 5,9). A paz é o grande dom que os discípulos devem anunciar a todos, segundo o mandato recebido pelo Pai (cf. Jo 20,21). Tal missão de paz é assaz actual na África dilacerada por conflitos, guerras e violências. A procura da paz necessita de várias iniciativas: uma embaixada para «pedir a paz» (Lc 14,32), o diálogo, o acordo de honra. A paz tem uma dimensão pessoal, familiar e comunitária. À mulher pecadora que se arrepende, o Senhor oferece o perdão e a paz (cf. Lc 7,50). Os discípulos levam a paz às pessoas que visitam em casa (cf. Mt 10,13; Lc 10,5-6). A paz, de qualquer modo, é destinada a todos, partindo dos discípulos entre eles: «vivei em paz uns com os outros» (Mc 9,50). Jesus Cristo «anunciou a paz a vós que estáveis longe e paz aos que estavam perto» (Ef 2,17). A Igreja não se cansa de anunciar a bem-aventurança da reconciliação, da justiça e da paz através das vias tantas vezes incertas do mundo e as estradas tortuosas da história. Assim permanece fiel ao seu Senhor Jesus que «percorria todas as cidades e povoados ensinando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do reino, enquanto curava toda sorte de doenças e enfermidades» (Mt 9,35). Embora afirmando claramente que o seu Reino não é deste mundo (cf. Jo 18,36), no decorrer da sua vida terrena Jesus Cristo multiplicava os sinais dele, indo em socorro das pessoas em necessidade espiritual e material. A plena realização do Reino virá somente no céu, quando os eleitos, reconciliados com Deus Pai, Filho e Espírito Santo, viverão a plenitude da justiça e da paz na comunhão com todos os santos, entre os quais ocupa um lugar de destaque a Virgem Santa Maria. À materna intercessão de Maria, Nossa Senhora de África e Rainha da Paz, confiamos as canseiras apostólicas dos Bispos participantes na Segunda Assembleia Especial para África sob a sábia e afectuosa guia do Santo Padre Bento XVI, a fim de que sejam multiplicados cada vez mais os sinais do Reino para o bem da Igreja Católica, das outras Igrejas e comunidades cristãs, como também das outras denominações religiosas, daqueles que têm a peito a paz na justiça e na reconciliação, e de todos os homens de boa vontade no grande continente africano e nas ilhas adjacentes.
a Mons. Nikola Eterović Vaticano, 19 Março de 2009.
1. A preparação da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos entra na sua última etapa preparatória. Ocorre depois da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. O Instrumentum laboris, que organiza as respostas aos Lineamenta, fornecidas pelas Conferências Episcopais, Igrejas Orientais Católicas sui iuris, Dicastérios da Cúria Romana e a União dos Superiores Gerais, beneficia das reflexões deste momento eclesial, celebrado no ano jubilar de São Paulo, Apóstolo das nações. 2. De acordo com o seu objectivo, este documento de trabalho visa estimular a reflexão, suscitar a discussão, acompanhar e sustentar o discernimento colegial dos Pastores reunidos em Assembleia sinodal, em comunhão com o Bispo de Roma – o Santo Padre Bento XVI – segundo a antiga tradição eclesial africana outrora defendida por São Cipriano, bispo de Cartago, [1] na escuta do Espírito Santo e da Palavra de Deus. 3. Para favorecer a prossecução deste objectivo, o Instrumentum laboris organiza a matéria em quatro capítulos: o primeiro começa por apresentar uma breve panorâmica sobre a situação actual nas sociedades africanas, relativamente à época da Primeira Assembleia Especial para a África (1994). De seguida, avalia a recepção da Exortação Apóstolica Pós- sinodal Ecclesia in Africa e, por fim, analisa o conteúdo teológico do tema da segunda Assembleia. No segundo capítulo, faz-se a recensão das “perspectivas” e sobretudo dos “obstáculos” com que se deparam a sociedade e a Igreja no caminho da reconciliação, da justiça e da paz, na tripla dimensão sociopolítica, socioeconómica e sociocultural e na experiência eclesial. O terceiro capítulo reagrupa os elementos que caracterizam a Igreja Família de Deus no seu desejo de servir como força operante nas vias da reconciliação, da justiça e da paz. Por fim, o quarto capítulo constata o que a Igreja, através dos seus membros e das suas instituições, colocou já em acção para se instaurar a reconciliação, a justiça e a paz em África. 4. Dado que o estudo dos Lineamenta permitiu à Igreja em África reflectir sobre a situação das sociedades africanas e examinar a sua consciência, deve evitar, segundo parece, fechar-se em si mesma. Ela é chamada a abrir-se aos outros através da hospitalidade e da missão ad Gentes!
A IGREJA EM ÁFRICA HOJE 5. O olhar da Igreja sobre este continente nutre-se das fontes da vida concreta das comunidades cristãs nos seus contextos de vida ordinários. O bem que faz é muitas vezes mais discreto, mas mais profundo, do que o mal clamoroso e trágico dos quais os meios de comunicação social fazem eco. As Igrejas particulares perceberam as acções do Espírito Santo nas sociedades africanas em geral e na Igreja em particular, de um modo especial desde a Primeira Assembleia Especial para a África. I. Da Primeira à Segunda Assembleia Especial para África 6. O contexto social africano modificou-se de maneira significativa desde a última Assembleia sinodal celebrada em 1994. Se, nas grandes linhas, certos problemas fundamentamente humanos permaneceram inalterados, outros dados convidam ao aprofundamento das questões já levantadas há quinze anos atrás no plano religioso, político, económico e cultural. 1. De 1994 a 2009: um contexto social novo Evoluções positivas 7. A acção de graças é a primeira resposta das Igrejas particulares. Com efeito, a emancipação dos povos do jugo dos regimes de ditadura anuncia uma nova era e o início, ainda que tímido, de uma cultura democrática como atestam as diferentes eleições que tiveram lugar em todo o continente. O desejo da Igreja de permanecer imparcial na condução dos assuntos políticos foi reconhecido e saudado, durante o período de transição política em certos países, através da solicitação de bispos para presidir às Conferências nacionais soberanas e das iniciativas tomadas pelos fiéis leigos para promover verdadeiras instituições democráticas. Por outro lado, o exemplo de um acordo-quadro entre a Santa Sé e a República do Gabão sobre os princípios e certas disposições jurídicas relativas às suas relações e colaboração, assinada a 12 de Dezembro de 1997 e ratificada a 2 de Junho de 1999, merece ser destacada. 8. Os dirigentes africanos tomaram ainda mais consciência das suas responsabilidades históricas face aos conflitos, por vezes sangrentos, provocados pelas eleições (sinal de uma evolução política em ordem à implementação de um Estado de direito). Eles próprios asseguraram a mediação nos países em crise e procuraram vias pacíficas: o contencioso da península de Bakassi entre os Camarões e a Nigéria foi sanado de modo exemplar sob a égide das Nações Unidas. Relativamente a todo o continente, a criação da União Africana e da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD) devem ser acolhidas como sinais de uma vontade por parte dos responsáveis políticos de dar uma visão e um quadro estratégico para tirar a África da pobreza e da marginalização num movimento geral de globalização. O Mecanismo Africano de Avaliação pelo Pares (MAEP) é um instrumento do qual a África se dotou para avaliar os seus esforços, quer seja em termos de cultura democrática ou de economia. À escala das nações, o exemplo da Comissão “Verdade e Reconciliação” na África do Sul e noutros lugares conseguiu utilizar o modelo tradicional africano da Árvore das Palavrase elementos cristãos (por exemplo conceder o perdão àquele que confessa o seu pecado) para evitar que o caos desabe sobre o país. Todavia, o carácter voluntário e a falta de alguma forma de reparação ou de compensação não serão um limite à sua eficácia? 9. A Igreja pôde acompanhar os cristãos e os não cristãos nestes processo, especialmente através das organizações da pastoral social. E as Comunidades Eclesiais Vivas (CEV) [2] interpretaram o seu empenho social à luz das Escrituras. 10. A Igreja sentiu os efeitos duma forte acção do Espírito Santo no crescimento das suas comunidades: [3] nos baptismos, nas vocações sacerdotais e religiosas, nos movimentos e associações de fiéis leigos, etc. Uma grande sede de Deus se manifestou de diversos modos no continente, e paradoxalmente a proliferação das seitas é disso um outro sinal. Hoje, a Igreja, que celebra o segundo milénio do nascimento de São Paulo, recorda-se da convicção do grande Apóstolo das nações: «Anunciar o Evangelho, com efeito, não é para mim um título de glória; é uma necessidade que me espera. Sim, ai de mim se não evangelizar!» (1 Cor. 9, 16). Mas onde envia então o Senhor os seus discípulos a anunciar a Boa nova nas sociedades africanas deste tempo? Como dizer Jesus Cristo em África nos novos areópagos do continente (cf. Act 17, 22ss)? Discernimento, no Espírito Santo, das raízes dos nossos sofrimentos 11. Considerando tudo à luz do Espírito Santo, as Igrejas particulares estimam que o coração humano ferido é o último refúgio onde se esconde a causa de tudoaquilo quedesestabiliza o continente africano. [4] O egoísmo alimenta a cobiça, a corrupção e a avareza, conduz ao desvio de bens e riquezas destinados a povos inteiros. A sede de poder provoca o desprezo por todas as regras elementares de um bom governo, tira proveito da ignorância das populações, manipula as diferenças políticas, étnicas, tribais e religiosas, e instala a cultura do guerreiro como herói e da divida pelos sacrifícios passados ou erros cometidos. O que mancha a sociedade africana, é fundamentalmente o que sai do coração humano (cf. Mt 15, 18-19; Mc 7, 15; ver também Gen. 4). 12. Coniventes com homens e mulheres do continente africano, forças internacionais exploram esta miséria do coração humano que não é própria das sociedades africanas. Fomentam guerras para vender armas. Apoiam os poderes políticos que não respeitam os direitos humanos e os princípios democráticos para garantirem, em contrapartida, vantagens económicas (exploração dos recursos naturais, aquisição de mercados importantes, etc.). Ameaçam desestabilizar as nações e eliminar as pessoas que procuram emancipar-se da sua tutela. 13. A globalização é um facto deste século e mesmo se ela tende a marginalizar o continente africano é impossível falar de problemas e de soluções de África sem implicar outros continentes e respectivas instituições económicas, financeiras e suas redes de informação cujo impacto sobre as sociedades africanas é considerável. As comunidades eclesiais convidam os Padres sinodais a analisar estes dramas dos quais as sociedades africanas são em parte responsáveis e em parte vítimas. [5] 2. A Assembleia Sinodal numa trajectória de continuidade 14. Pareceu aos Pastores de África em união com o Bispo de Roma, que preside à comunhão universal da caridade, [6] que um aprofundamento dos problemas já mencionados aquando da precedente Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, e retomados na Exortação Apóstolica Pós-sinodal Ecclesia in Africa, mereciam uma maior atenção. Trata-se de inscrever a marcha sinodal actual na trajectória da precedente, quer seja ao nível das questões que farão o objecto do discernimento colegial quer seja ao nível das atitudes cristãs requeridas. 15. Com efeito, os problemas acima mencionados foram objecto da atenção dos Padres sinodais. [7] A Igreja em África tinha-se, então, apresentada sob o modelo da Família de Deus, evangelizadora pelo testemunho: «vós sereis minhas testemunhas» (Act 1,8). Às portas do século XXI, entende prosseguir a sua reflexão sobre a sua missão de comunhão e o seu empenho em servir a sociedade como uma nova dimensão do anúncio do Evangelho, sendo «sal da terra» e «luz do mundo» (Mt 5, 13.14). [8] 16. A propósito da Exortação Apostólica Pós-sinodal Ecclesia in Africa, os Lineamenta convidam a «fazer, portanto, um inventário e um exame de consciência ou, por outras palavras, a colocar-nos três questões: O que conseguiu a Ecclesia in Africa? O que fizemos da Ecclesia in Africa? O que [...] falta fazer em função do novo contexto africano?». [9] Desde a Primeira Assembleia Especial e a Ecclesia in Africa 17. Para que a Igreja em África se manifeste de modo pertinente, a Primeira Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos propôs o modelo da Igreja-Família de Deus. E a Assembleia assinalava entre outras condições para um testemunho credível: a reconciliação, a justiça e a paz. Entre outras coisas, recomendava: a formação de cristãos para a justiça e a paz, a afirmação do papel profético da Igreja, a justa remuneração dos trabalhadores; [10] a instituição de Comissões Justiça e Paz. [11] O que é que um olhar retrospectivo permite verificar? 18. As respostas das Igrejas particulares reconhecem, na sua grande maioria, que a Ecclesia in Africa foi vivida e continua a sê-lo. Em certos lugares, a exortação não foi ainda suficientemente difundida e colocada em prática, apesar das suas recomendações claras. Devem ser envidados mais esforços para que a sua mensagem, que continua a ser pertinente e actual, seja assimilada. Para tal, sugerimos o uso da rádio, da imprensa escrita, das novas tecnologias de informação e comunicação. A catequese, as celebrações litúrgicas, os congressos teológicos, no seu nível, podem oferecer o seu contributo específico. É por isso desejável que peritos procedam a uma avaliação exaustiva da recepção da Exortação Apostólica Pós-sinodal para dar relevo àquilo que foi feito e destacar o que ainda falta fazer. 19.Ao seu nível, certas Igrejas particulares inventariaram as recomendações da Exortação Apostólica Pós-sinodal que foram aplicadas: -As Assembleias Plenárias do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagascar (SCEAM - SECAM): em particular as de 1997 e de 2000. -O plano de acção pastoral: certas Conferências episcopais e algumas dioceses dotaram-se de planos de acção pastoral; -O Apostolado bíblico, incluindo a tradução da Bíblia em línguas locais, [12] permitiu um renovado interesse pela leitura da Sagrada Escritura, e tornou as celebrações da Palavra de Deus mais dinâmicas, mais participativas e, por isso, mais efectivas. -As Comunidades Eclesiais Vivas: [13] são verdadeiros lugares de estudo, de meditação e partilha da Palavra de Deus; favorecem uma expressão da fé cristã num quadro típico de uma comunidade tradicional africana. A experiência de integração dos funerais na liturgia eucarística em casa do defunto, de modo a evocar a esperança cristã na ressurreição e indicar a família como célula viva da Igreja Família de Deus, revelou-se um poderoso suporte da foi. [14] -A família: [15] a evangelização da família consistiu, entre outras, em considerar o espaço familiar, “igreja doméstica”, como lugar de encontro dos cristãos, e a lutar contra todo o tipo de comportamento em contradição com o plano divino sobre a família: por exemplo, a homossexualidade, a prostituição e o aborto. -A juventude: [16] a Igreja erigiu ou consolidou estruturas para o enquadramento dos jovens; preocupou-se em nomear capelães para o apostolado dos jovens e para coordenar a sua participação na vida da Igreja no plano nacional e internacional. -Os congressos e os simpósios teológicos: numerosos encontros de investigação e de reflexão permitiram aprofundar as questões levantadas pela primeira Assembleia e pela Ecclesia in Africa. -A Igreja como mediadora: [17] a Igreja serviu de mediadora entre partes em conflito e defendeu e apoiou a causa dos mais vulneráveis da sociedade (“a voz dos sem voz”). - O desenvolvimento integral: [18] através da Caritas e de outras organizações de pastoral social, a Igreja está presente na luta contra as pobrezas humanas de todo o género. Sínodos diocesanos e inter-diocesanos foram organizados para reflectir sobre o desafio que constituem a pobreza e a dependência económica. -As Comissões Justiça e Paz: [19] foram verdadeiros instrumentos de evangelização para o despertar das consciências cristãs para a defesa dos direitos do homem, bom governo, etc.; juntamente com outras organizações eclesiais orientadas para o social, contribuíram para a formação cívica de cristãos e não cristãos na promoção da justiça, da paz e da reconciliação. - Os meios de comunicação social: [29] o investimento da Igreja nos media, nomeadamente a rádio, não cessou de aumentar; são poderosos meios para comunicar a reconciliação, a justiça e a paz como dimensão da Boa Nova da salvação. - O diálogo ecuménico e inter-religioso: [21] manifestou-se de maneira tangível como instrumento de respeito mútuo nas acções para a saúde (especialmente o HIV/Sida, a malária e a cólera), para a promoção da paz, o bom governo e a democracia, mas também em outras iniciativas concretas. - O flagelo da Sida: [22] foram implementadas estruturas (hospitais, centros de saúde) e organizações para lutar contra este flagelo e acompanhar os doentes e seus parentes. -A auto-suficiência: [23] certas Igrejas particulares iniciaram projectos geradores de rendimentos (ex. Bancos, Companhias de Seguros, unidades de produção agrícola, etc.) para sustentar a obra de evangelização. Tarefas a levar por diante 20. As tarefas definidas pela primeira Assembleia são um estaleiro aberto que urge prosseguir. A Segunda Assembleia deveria corrigir a falta de um sistema contínuo de acompanhamento da aplicação dos resultados da Assembleia e da Exortação Apostólica Pós-sinodal. Algumas Igrejas particulares propuseram os seguintes sectores sociais como lugares a ter em atenção: - A família: sente-se uma necessidade de criatividade para responder às necessidades espirituais e morais da família. Certas Igrejas particulares, procurando acompanhar as famílias nos desafios com que se deparam e orientar os casais, interrogam-se se não será necessário elaborar estratégias e programas de serviço. - A dignidade da mulher. Um grande número de Igrejas particulares considera que a dignidade da mulher está ainda por promover, tanto na Igreja como na sociedade. Pois, as mulheres e os leigos em geral não estão ainda plenamente integrados nas estruturas de responsabilidade da Igreja e na génese do seu programa pastoral. - A missão profética: a procura da paz e da justiça é parte integrante da missão profética ligada ao anúncio do Evangelho (cf. Lc 4,16-19). Esta acção é muitas vezes paralisada pela pressão dos poderes e pela escassez dos recursos financeiros. Por isso, as questões relativas à justiça e à paz são atribuidas às Comissões Justiça e Paz enquanto que o desenvolvimento fica a cargo da Caritas ou de organismos de acção pastoral especializados neste sector. Como tornar visível a unidade intrínseca destes dois aspectos? - As comunicações e as novas tecnologias de informação e comunicação. Um esforço é ainda necessário para que as rádios se tornem autenticamente católicas. Os media precisam de ser evangelizados, pela formação dos que os animam. As novas tecnologias de informação e comunicação são hoje um meio incontornável de evangelização. Por que vias se pode a Igreja aventurar? - A auto-suficiência. Um grande número de programas da Igreja em África depende ainda largamente de doadores. Este estado de facto não apresentará o risco, por um lado, de beneficiar de fundos provenientes de organizações que não respeitam os direitos do homem, e por outro, de hipotecar a autonomia e a propriedade dos programas, dos projectos e das estruturas em detrimento da Igreja e daqueles que deles usufruem? II. Alguns lugares-chave da vida das sociedades africanas 21. Os problemas submetidos aos Padres sinodais interpelam profundamente a consciência cristã. Estes problemas encontram-se não apenas na sociedade mas, também, na própria Igreja, porque os cristãos são também filhos e filhas das suas sociedades. «As Igrejas de África (…) carregam todas em si esta fragilidade da situação actual dos Países africanos a todos os níveis institucionais, financeiros, teológicos, culturais e até jurídicos». [24] Podemos reagrupá-los em três áreas: política, económica e cultural. 1. A área sociopolítica 22. Nestes últimos anos, no plano político, despontaram sinais que fazem esperar uma maturação das consciências cívicas: uma sociedade civil activa faz-se cada vez mais visível na luta pelos direitos humanos; homens e mulheres políticos mostram-se desejosos do renascimento do continente em todos os aspectos, e a preocupação por uma resolução inter-africana dos conflitos, testemunhada aqui e além, atesta que certas pessoas das classes políticas africanas possuem uma consciência aguda de que lhes incumbe educar politicamente os seus povos e guiar as suas nações para uma via de paz e de prosperidade. 23. Contudo, a sociedade continua a lutar para se libertar de múltiplos entraves. Alguns dirigentes políticos dão sinais de insensibilidade quanto às necessidades do seu povo, procuram os seus interesses pessoais, desprezam as noções de bem comum, perdem o sentido de Estado e dos princípios democráticos, elaboram políticas tendenciosas, facciosas, de clientelismo, etnocêntricas, e fomentam a divisão para reinar. Nalguns lugares, os partidos no poder tendem a identificar-se com o Estado. A noção de autoridade concebe-se então como “poder” – partido no poder, partilha de poderes – e não como “serviço” (cf. Mt 20,24ss; ver também 1 Rs 3). Por outro lado, verificamos, que infelizmente homens e mulheres na política evidenciam uma falta de cultura grave em matéria política, violam sem qualquer escrúpulo os direitos humanos e instrumentalizam a religião, tanto quanto as instituições religiosas, das quais ignoram, por outro lado, a missão e a função na sociedade. Não é de estranhar, por isso, que aos diferendos políticos eles se oponham com respostas beligerantes. A falta de consciência e de educação cívica dos cidadãos é, então, explorada em detrimento destes últimos. Ora, só um ambiente político estável pode favorecer o progresso económico e o desenvolvimento sociocultural. 2. A área socioeconómica 24. No mundo dos negócios, alguns dirigentes de empresas e certas corporações de homens e mulheres de negócios manifestam uma vontade firme de sanear e de reorganizar a economia dos seus países: as vias de comunicação em certas regiões, até mesmo a nível continental, melhoraram; instituições financeiras são criadas por Africanos, etc. Enfim, descobre-se uma vontade de criar riquezas para reduzir a pobreza e a miséria, melhorar a saúde das populações. 25. Estes esforços são ainda minimizados pelo mau funcionamento das instituições estatais que supostamente deveriam acompanhar os actores económicos. Porque falta um mercado interno africano susceptível de criar um ambiente económico favorável à produção local, os preços das produções locais, muitas vezes fixados pelos clientes, são baixos. Os pequenos produtores dificilmente têm acesso aos créditos e o mau estado das infra-estruturas de comunicação impede um escoamento fluido dos seus produtos. Acresce ainda que os jovens das aldeias, perante a inexistência de uma política agrária, não têm condições para aí ficarem. E a cidade não é a resposta uma vez que as taxas de desemprego aumentam. Os trabalhadores recebem salários indecentes, quando não se dá o caso de nem sequer receberem nada. Em certas regiões, a escravatura subsiste ainda. Os impostos são excessivamente elevados e, por vezes, abusivos. E a ajuda internacional às instituições preocupadas com a sorte das populações é, muitas vezes, subordinada a condições inaceitáveis. Quanto às matérias-primas, são exploradas com licenças das quais se ignoram os critérios de atribuição; a grande parte das receitas financeiras são desviadas por alguns gerando uma repartição desigual das riquezas na sociedade. 26. Os programas de reestruturação das economias africanas, propostos pelas instituições financeiras internacionais, revelaram-se muitas vezes funestas. As reestruturações “impostas” tiveram como consequência, por um lado, a fragilização das economias africanas e, por outro, a degradação do tecido social, causando o aumento das taxas de criminalidade, o alargamento do fosso entre ricos e pobres, o êxodo das zonas rurais e a superpopulação das cidades. [25] 27. A crise alimentar e energética já bateu à porta do nosso continente e manifestam a urgência de soluções globais e de reacções éticas face às desordens organizadas dos mercados. 28. As multinacionais não cessam de invadir gradualmente o continente em busca de recursos naturais. Esmagam as companhias locais, adquirem milhares de hectares, expropriando as populações de suas terras, com a cumplicidade dos dirigentes africanos. Causam dano ao meio ambiente e desfiguram a criação que condiciona a nossa paz e o nosso bem-estar e com a qual as populações vivem em harmonia. 29. A crise financeira que atinge hoje as instituições financeiras afecta também o continente a vários níveis: -os investimentos estrangeiros directos correm o risco de diminuir; -as instituições financeiras africanas muito dificilmente beneficiarão do crédito das bancas ocidentais para, por sua vez,emprestarem às empresas e aos particulares, de tal modo que a economia real será afectada; -a ajuda ao desenvolvimento arrisca-se a sofrer as devidas consequências, pois os projectos financiados com fundos estrangeiros (em dificuldade) poderão ser suspensos, e os vínculos dos países desenvolvidos relativamente aos países pobres correm igual risco; -nos mercados desenvolvidos, devido à recessão, a procura de produções africanas (sobretudo de matérias primas) poderá baixar. Uma reflexão se impõe acerca do facto de que a África (exceptuando a África do Sul) seja excluída da busca de soluções para o sistema financeiro internacional actual. 3. A área sociocultural 30. Os povos africanos mantêm, em numerosas regiões do continente, um amor profundo pela sua cultura. Os artistas, os músicos, os escultores, etc., dão largas ao seu génio por meio de obras cada vez mais reconhecidas. Reconhecemos que o enraizamento cultural condiciona o desenvolvimento integral dos indivíduos e das colectividades. Assim, homens e mulheres do continente se associam para promover a herança cultural do seu território. Alguns Estados empenharam-se nisso com resolução. Será que estas acções concertadas permitirão salvaguardar os valores africanos autênticos de respeito pelos anciãos, de respeito pela mulher como mãe, da cultura da solidariedade, da ajuda recíproca e da hospitalidade, da unidade, do respeito pela vida, da honestidade e da verdade, da palavra dada, etc., ameaçadas por valores oriundos de outros continentes [26] e difundidos através do fenómeno da globalização? 31. A desfiguração da identidade cultural conduziu a um desequilíbrio interior das pessoas que se manifesta no relaxamento moral, na corrupção e materialismo, na destruição do casamento autêntico e da noção de uma família sadia, no esquecimento das pessoas idosas e na negação da infância. Uma cultura da violência, da divisão, do guerrilheiro-herói instalou-se na sequência dos conflitos armados. Parece que um processo organizado de destruição da identidade africana esteja em marcha sob o pretexto da modernidade. E essa será tanto mais eficaz quanto mais o analfabetismo se mantiver, devido ao fraco investimento na educação pelos poderes públicos. A educação da juventude é, assim, abandonada à influência dos anti-valores propagados pelos mass media, por certos políticos e outras figuras públicas. 32. Certas crenças e práticas negativas das culturas africanas exigem, todavia, uma vigilância particular: a feitiçaria dilacera as sociedades rurais e urbanas e, em nome da cultura ou da tradição ancestral, a mulher torna-se uma vitima dos preceitos em matéria de herança e dos ritos de viuvez, da mutilação sexual, do casamento forçado, da poligamia, etc. 33. É nestas diferentes áreas que as Igrejas particulares se sentem interpeladas e esperam tanto do discernimento dos Padres sinodais à luz da Revelação. III. Reflexões teológicas sobre o tema do sínodo 34. O subtítulo do tema sinodal indica a perspectiva na qual as comunidades eclesiais são convidadas a servir a reconciliação, a justiça e a paz. Enraíza-se na Palavra de Cristo que chama os seus discípulos a serem «sal da terra» (Mt 5,13) e «luz do mundo» (Mt 5,14). É o que nós devemos ser, para que através do nosso agir o Espírito de Cristo produza «boas obras» que reconciliem, operem a justiça e a paz na Igreja e na sociedade em África (cf. Mt 5,16). 1. Os discípulos de Cristo como “Sal” e “Luz” O contexto da Palavra de Jesus 35. No seu ensinamento do Sermão da Montanha em Mt 5,3-10, Jesus introduz-nos na visão da sua missão: fazer entrar no Reino de seu Pai os pobres, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os construtores de paz e aqueles que são perseguidos por causa da justiça. Deste modo, todos aqueles que são seus discípulos devem colaborar para a vinda deste Reino, dando atenção aos afamados, ao doente, ao estrangeiro, ao humilhado (que está nu), ao prisioneiro. Porque diz o Senhor, «cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25,40). A tradução em acções da visão de Cristo 36. Para que esta visão se torne realidade, Jesus compromete ainda mais os seus discípulos. Prepara-os para viver com ele a perseguição, os insultos e toda a espécie de infâmia «por minha causa» (Mt 5,11). Assim, empenhar-se a seguir Cristo, na sua missão, é aceitar sofrer com ele para partilhar a sua glória, como o atesta a vida dos santos do nosso continente, especialmente nos últimos séculos, os mártires do Uganda (Carlos Lwanga e seus companheiros [martirizados entre 1885-1887]), os santos Daniel Comboni (1831-1881), Josefina Bakhita (1869-1947), os Bem-aventurados Charles de Foucauld (1858-1916), Victoire Rasoamanarivo (1848-1894), Isidoro Bakanja (v. 1880/1890-1909), Cipriano Miguel Iwene Tansi (1903-1964), Clementina Nengapeta Anuarite (1941-1964). Eles foram “sal” nas terras onde viveram, e “luz” no mundo que os viu viver. 37. Os dois símbolos do sal e da luz exprimem uma dupla dimensão na identidade do discípulo. A imagem do “sal da terra” caracteriza os discípulos como agentes de transformação no meio de suas irmãs e irmãos humanos que habitam a terra. Com efeito, assim como o sal altera o sabor dos alimentos nos quais é colocado, assim também os discípulos de Cristo são chamados a viver de maneira a dar ao seu meio um melhor sabor de humanidade. Este impacto da vida do discípulo escapa ao olhar, tal como o sal que se dissolve e se torna invisível. É no gosto que o mundo sentirá o efeito transformador da presença eficaz do discípulo. Os santos e bem aventurados que a Igreja propôs como exemplo aos cristãos ilustram, pelas suas vidas, a eficácia do testemunho cristão na vida da sociedade, porque a sua acção não deixou nenhuma das suas sociedades indiferentes. E é preciso acreditar que, como o sal conserva, purifica e protege, uma vida santa conserva o que há de melhor na humanidade (seus valores autênticos) e a protege da degeneração (cf. Gn 18,17-33). 38. Quanto à segunda imagem, ela convida os discípulos a se identificarem com a “luz do mundo”. Jesus não os encoraja a darem-se em espectáculo; até porque ele denuncia os hipócritas (cf. Mt 6,1ss). Mas de qualquer modo, a luz, destinada a iluminar, não se pode esconder; à semelhança de uma cidade elevada sobre um monte, ela será sempre visível (cf. Mt 5,14-16). Por outras palavras, o discípulo que ilumina não pode passar despercebido. Trata-se, então, de ser uma luz que ilumina os homens e tudo aquilo que os desumaniza, tornando-o visível e inteligível, pelas “boas obras”: nutrir aqueles que têm fome, dar de beber aqueles que têm sede, acolher o estrangeiro, vestir o que está nu, visitar os doentes e os idosos, cuidar dos prisioneiros, etc. (cf. Mt 25,35-36). A vida de uma comunidade eclesial que incarna a Palavra torna-se desde logo uma lâmpada sobre o trilho da sociedade em geral, para que evitemos os caminhos de morte e enveredemos cada vez mais por aqueles que conduzem à vida, ou seja, no seguimento de Jesus, «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14,6). 39. Em síntese, por meio destas duas imagens, Jesus interpela profundamente os que o escutam a transformar a sociedade humana pelo seu ser e a mostrar, através do seu exemplo de vida, as vias que conduzem ao Reino de Deus, prometido àqueles e àquelas que são oprimidos e maltratados, àqueles que são abandonados à sua sorte pela sociedade. O Reino aparece desde logo como a terra da consolação, da saciedade, da misericórdia, herdada pelos filhos e filhas de Deus. Propaga-seatravés da acção do discípulo, servo sensível a todos os sofrimentos humanos, traduzindo em acto a oração que Jesus nos ensinou: «Pai […] que o teu reino venha!» (Mt 6,10). 2. A Igreja-Família de Deus e a “diaconia” Uma Igreja-Família Serva 40. Ao convite de Jesus Cristo, o Mestre, a comunidade dos seus discípulos, que é a Igreja, tornou-se uma Família de filhos e filhas do Pai (cf. Mt 5,16.45.48; 6,26.32; 7,11). O amor, tal como é vivido pelo Filho único, torna-se a característica dos membros desta Família, chamada a seguir o exemplo do irmão mais velho pelo serviço fraterno ou diakonia. Na verdade, após ter lavado os pés aos seus discípulos, disse-lhes: «dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais» (Jo 13,15). E na sua resposta ao legista que sabia bem como ler a Lei para dela extrair o essencial, ou seja o amor a Deus e ao próximo (cf. Lc 10,25-28), Jesus diz: «faz isso e viverás». De facto, o exemplo que ele lhe dá na parábola é um modelo de diakonia, onde o amor se traduz em acções sob a figura do bom Samaritano (cf. Lc 10,29-37). Nesta figura reconhecemos o próprio Jesus à cabeceira de todo o sofrimento humano, modelo para a Igreja inquieta de África, tão carente de reconciliação, de justiça e de paz. Serva da justiça e da paz 41. Segundo as palavras do Salmista, «Justiça e Paz hão-de abraçar-se» (Sl 84, 11). É uma característica do Reino de Deus cuja vinda pedimos quando rezamos ao Pai: «venha à nos o vosso reino!». A Igreja Família tem, assim, consciência de ser enviada para que em África advenha um mundo de Justiça e de Paz, um mundo onde Deus reina, porque foi reconciliado com o seu Deus e com ele mesmo. Que vias empreender nestes tempos de confusão e de injustiças que o mundo teima em não ver? Serva da reconciliação 42. Jesus Cristo é a fonte da reconciliação de Deus com a humanidade e com cada pessoa. Ele é também agente de reconciliação dos homens entre si (cf. Mt 6,12; Rom 5,10-11); é o fundamento da missão da Igreja. A Igreja Família de Deus em África sente-se investida do «ministério da reconciliação» (2 Cor 5,18). Pois ela é mensageira do «Evangelho da paz» (Ef 6,15), que faz dela um só Corpo e Templo do Espírito Santo. Tal como Cristo, é artesã de reconciliação em seu corpo de carne. Porque construtores de comunhão, os cristãos hão-de chamar a sociedade africana à união dos corações dando eles mesmos o exemplo pelo testemunho das suas vidas. Uma vida que reconcilia porque dá lugar ao perdão (cf. Mt 5,23; Ef 2, 14-15). 43. Com efeito, diz Jesus, «nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros» (Jo 13,35). Desde então, antes mesmo de qualquer acção, é pela sua maneira de ser que toda a célula eclesial há-de ser um apelo lançado aos nosso irmãos e irmãs africanos para que se deixem reconciliar com Deus e uns com os outros (cf. Mt 5,23 ss; 2 Cor 5,20). A Igreja há-de manifestar, assim, a sua dimensão de sacramento, sinal eficaz que torna presente, no coração de África, a graça da reconciliação operada entre Deus e a humanidade, e entre os homens entre si, por meio de Cristo Jesus, nossa Justiça e nossa Paz. 3. A justiça do Reino 44. A justiça que Jesus Cristo nos convida a procurar é antes de mais a do Reino (cf. Mt 6,33). Esta justiça é aquela que ilustra José, chamado «o justo» (Mt 1,19), porque escutou a sua consciência habitada pela Palavra de Deus, e ofereceu a Maria, sua esposa e ao menino em seu seio, o que lhes era devido: a protecção da vida. Esta justiça maior do Reino ultrapassa a da Lei; ela também é virtude. [27] Não nega a justiça humana, mas integra-a e transcende-a. É por isso que ela se torna uma via que conduz ao perdão, à reconciliação verdadeira e que restaura a comunhão. 45. A Igreja Família habitada por Cristo, Palavra do Pai, sente-se interpelada a servir a justiça do Reino. Deve, ante de mais, viver a justiça no seu seio, nos seus membros, para que os nossos irmãos e irmãs em África vejam o caminho árduo da redenção e por ele enveredem. Com efeito, a cada pessoa é devido, em justiça, o respeito pela sua dignidade de filho ou filha de Deus. Ora, no cenário do continente Africano, «os homens […] mantêm a verdade prisioneira da injustiça» (Rom 1,18). É preciso libertá-la. E «em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus» (Rom 3,24), como discípulos de Cristo ao serviço da justiça, «nós também devemos dar a nossa vida pelos irmãos» e irmãs (1 Jo 3, 16). Assim, nossa terra viverá, também ela, pacificada: «a paz é o fruto da justiça (cf. Is 32, 17)». [28] 4. A paz do Reino 46. De qual paz se trata? «Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá» (Jo 14, 27), diz-nos Jesus. Porque a paz do mundo é precária e frágil. A paz verdadeira é-nos oferecida à maneira de Cristo e em Cristo: «Ele é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro da separação e suprimido em sua carne a inimizade (…) a fim de criar em si mesmo um só Homem Novo, estabelecendo a paz (…) por meio da cruz, na qual ele matou a inimizade. Assim, ele veio e anunciou a paz a vós que estáveis longe e paz aos que estavam perto, pois, por meio dele, nós, judeus e gentios, num só Espírito, temos acesso ao Pai» ( Ef 2,14-18). 47. A missão de servir a paz há-de consistir, para nós, em construi-la em cada um dos membros do Corpo de Cristo, para que todos nós nos tornemos mulheres e homens novos, capazes de operar esta pacificação de África. A paz, com efeito, não é antes de tudo produto das estruturas ou de pessoas externas. Ela nasce sobretudo dentro, no interior das pessoas individuais e das próprias comunidades. A conversão do coração «num coração novo» e «num espírito novo» (Ez 36,26) é a fonte de uma acção transformadora eficaz. Graças a uma vida autêntica de discípulo, fruto da metanóia (cf. Mc 1,15), esperamos a transformação dos comportamentos, dos hábitos e das mentalidades. A nossa identidade de discípulos revela-se, então, essencial para a transformação da nossa sociedade, e do mundo em geral, num mundo melhor, mais verdadeiro, mais justo, mais pacifico, mais reconciliado, mais fraterno e mais feliz, e isto com a colaboração de todos os homens de boa vontade. Deste modo, as pessoas desanimadas pela vida por causa dos conflitos políticos incessantes, das guerras cíclicas, da pobreza e das injustiças sociais, políticas e económicas hão-de reencontrar a esperança e o gosto de viver.
RECONCILIAÇÃO, JUSTIÇA E PAZ: 48.Os temas acima enumerados que requerem a nossa atenção e compromisso e as reflexões suscitadas pelo tema sinodal nas Igrejas particulares oferecem indicações sobre as “perspectivas” ou “obstáculos” encontrados no caminho da reconciliação, da justiça e da paz. [29] Como relembrava o Santo Padre Bento XVI, aos Pastores do continente africano, «o empenho dos fiéis no serviço da reconciliação, da justiça e da paz é um imperativo urgente». [30] I. No caminho da Reconciliação 49. Para abrir um novo caminho em direcção à harmonia, certos Estados, isso foi salientado, inspiraram-se em modelos tradicionais de reconciliação e de práticas cristãs do sacramento da reconciliação (Conferências nacionais soberanas, Comissão “Verdade e Reconciliação” na África do Sul, etc.). Os resultados são mitigados, por vezes são mesmo imperfeitos, mas convidam, segundo parece, a identificar as experiências que obstaculizam a reconciliação para que a Assembleia sinodal reflicta sobre elas. 1. Reconciliação: as experiências da sociedade 50. A dimensão sociopolítica da reconciliação. Certas sociedades africanas foram levadas à ruína pelos seus dirigentes políticos. Alguns países foram o teatro de cenas trágicas de xenofobia, onde o estrangeiro simbolizava todos os males da sociedade e servia de bode expiatório: seres humanos foram queimados vivos, feitos em pedaços, famílias foram dispersadas, aldeias destruídas. Noutros países, confirmam algumas Igrejas particulares, certos partidos políticos utilizaram a fibra étnica, tribal ou regional para atrair populações à sua causa na conquista do poder, em vez de favorecer o viver em conjunto. 51. A dimensão socioeconómica da reconciliação. Notámos que a má gestão e a miséria que ela engendrou provocaram o tráfico de seres humanos, a exploração comercial da prostituição e o trabalho de menores; contribuiu em grande parte a destruir os laços de família, desestabilizar comunidades humanas inteiras e mandar para a estrada milhares de refugiados. Ao nível das nações, as zonas ricas em recursos petrolíferos ou mineiros tornaram-se rapidamente focos de conflitos, até mesmo de guerras entre povos vizinhos e nações. 52. A dimensão sociocultural da reconciliação. Alguns meios de comunicação (rádio, imprensa escrita, televisão) difundiram informações e imagens que incitaram as populações à violência e ao ódio, causando sérios danos aos valores que cimentavam o tecido familiar e social: o respeito pelos anciãos, as mulheres como mães e protectoras da vida, etc. As populações estão preocupadas com a perda crescente de identidade cultural, sobretudo por parte da juventude. E o olhar condescendente sobre a Religião Tradicional Africana acentua a desvalorização dos valores que deveriam constituir o património africano. Nota-se que esta relação com a religião do outro transforma-se, em certas partes do continente, em verdadeira rivalidade entre cristãos e muçulmanos. 2. Reconciliação: as experiências eclesiais 53. As Igrejas particulares pedem aos Padres sinodais para ajudarem a Igreja em África a melhor difundir a sua mensagem profética, que lhe permite falar com autoridade aos dirigentes políticos. Só o conseguirá se, em seu próprio seio, for capaz de fazer reinar a unidade, for capaz de resolver as suas próprias contradições. Porque as divisões étnicas ou tribais, regionais ou nacionais, as atitudes xenófobas verificam-se igualmente nalgumas comunidades eclesiais, nas atitudes e propósitos de certos pastores. As respostas aos Lineamentadão conta, além disso, de discórdia entre alguns bispos e seu presbitério, e no interior duma mesma Conferência episcopal nacional insinuam-se tomadas de posição de certos bispos em favor de determinados partidos políticos. Acontece, nesses casos, que a Conferência episcopal não pode mais falar a uma só voz, para reclamar a unidade. 3. Para trabalhar pela reconciliação: que interpelações? 54. As experiências sociais e eclesiais interpelam a Igreja, salientam as respostas, a procurar as vias e os meios através dos quais se possam reconstruir a comunhão, a unidade, a fraternidade episcopal ou sacerdotal, a se revestir de coragem profética, a empenhar-se na formação de dirigentes leigos consolidados na sua fé para agirem no meio político, de modo a trabalharem em prol da coabitação das diferenças na sociedade. Conseguir, de igual modo, a formação de padres, religiosos e religiosas desejosos de serem sinais e testemunhas do Reino. A Assembleia, parece-nos, poderia reflectir sobre as razões profundas dos conflitos de tão grande amplitude em África. 55. Ressalta das respostas que o conceito africano de justiça é sinónimo de reconciliação e de paz porque está enraizado na ideia de restaurar a harmonia entre o ofendido e o ofensor e com a sociedade no seu todo. Os obstáculos na via da justiça são tais que os fiéis esperam dos Padres sinodais propostas que os ajudem a reflectir sobre eles. 1. Justiça: as experiências da sociedade 56. A dimensão sociopolítica da justiça. Para reclamar a justiça, certas “minorias étnicas” ou regiões lesadas tomam as armas e desencadeiam a guerra. As sublevações e expulsões de povos, estrangeiros no seu proprio país, são actos de grave injustiça que passam muitas vezes impunemente. Pois, com frequência, as instituições judiciárias e todas as que lutam contra a corrupção são infiltradas pelas forças políticas. Aqueles que detêm o poder utilizam as forças de segurança para reprimir os cidadãos que exprimem opiniões contrárias às suas. Outras formas de injustiça são mencionadas: a pena de morte, os tratamentos desumanos infligidos aos prisioneiros, em prisões tantas vezes sobrelotadas; os prazos excessivamente longos dos processos; a tortura dos prisioneiros; a expulsão dos refugiados em desprezo da sua dignidade. 57. A dimensão socioeconómica da justiça. O Mecanismo Africano de Avaliação pelos Pares (MAEP) procura identificar as formas e as causas da corrupção que grassa sobre o continente e que fica impune. Os recursos naturais são confiscados e delapidados por grupos de interesse. A má gestão, os desvios de fundos públicos, o êxodo de capitais para bancos estrangeiros contra o qual a Igreja em África tinha já elevado a voz no último Sínodo, [31] são formas de injustiça que ficam impunes e contra as quais a Igreja deve emprestar a sua voz aos sem voz. 58. Os trabalhadores agrícolas sobre os quais repousa uma grande parte da economia africana são vítimas de injustiça na comercialização dos seus produtos, frequentemente pagos a preços muito baixos, fixados em certas regiões paradoxalmente pelos próprios clientes. A população de si já desfavorecida empobrece ainda mais. A campanha de sementes dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM), que pretendem assegurar a segurança alimentar, não deve fazer esquecer os verdadeiros problemas dos agricultores: a falta de terra arável, de água, de energia, de acesso ao crédito, de formação agrícola, de mercados locais, de infra-estruturas rodoviárias, etc. Esta técnica pode arruinar os pequenos proprietários, de suprimir a sua sementeira tradicional tornando-os dependentes das sociedades produtoras dos OGM. A isto acresce o problema das mudanças climatéricas, cujos efeitos se fazem sentir nas zonas áridas, comprometendo os ganhos modestos das economias africanas. Podem os Padres sinodais ficar insensíveis a estas questões que pesam sobre os ombros dos camponeses? 59. A dimensão sociocultural da justiça. A cultura é igualmente um lugar de injustiças que devem ser analisadas e erradicadas, especialmente o nepotismo e o tribalismo que são um simulacro do dever de ajuda a seu “irmão”. A mulher continua a ser subjugada em todas as regiões sob diversas formas: as violências domésticas, expressão do domínio dos homens sobre as mulheres; a poligamia que desfigura o rosto sacro do matrimónio e da família, também pela competição entre as mulheres e crianças por elas geradas; a falta de respeito pela dignidade e os direitos das viúvas; a prostituição; a mutilação dos órgãos genitais das mulheres. Na relação entre as nações, a globalização é um fenómeno que importa considerar na sua dimensão legal, administrativa e prática. Pois, a África tornou-se vulnerável face à invasão dos modelos das potências militares e económicas. 60. O sistema educativo continua a ser inadequado: turmas de estudantes do ensino secundário e universitário sobrelotadas e relações professores/estudantes anómalas. Os programas educativos são orientados para a formação de procuradores de emprego e não de criadores de empregos. As taxas de desemprego, por isso mesmo, disparam porque nem todos conseguem emprego. Tendo em conta o envolvimento da Igreja no sistema educativo, as Igrejas particulares desejam que os apelos dos Padres sinodais orientem e estimulem a procura dos que são incumbidos dessa tarefa. 2. Justiça: as experiências na Igreja 61. Tal como na sociedade, as Igrejas particulares têm relatado experiências que são contrárias à justiça: na colaboração com as mulheres, estas são muitas vezes relegadas a um nível inferior. Nas estruturas da Igreja, os salários justos nem sempre são garantidos. A gestão dos bens da Igreja, por parte dos Pastores, padece, por vezes, de falta de transparência. 3. Para promover a justiça: que interpelações? 62. A Assembleia sinodal deveria fazer ouvir o grito dos pobres, das minorias, das mulheres desprezadas na sua dignidade, os marginalizados, os trabalhadores mal pagos, os refugiados e migrantes, os prisioneiros que esperam uma capelania estruturada e não apenas um capelão. «É dever de todos – e especialmente dos cristãos – trabalhar com energia para instaurar a fraternidade universal, base indispensável de uma justiça autêntica e condição de uma paz durável». [32] 63. Caminhos de paz foram abertos por Pastores, por pessoas consagradas, Comunidades Eclesiais Vivas, leigos, individualmente ou por meio de associações. Ainda subsistem obstáculos que devem ser ultrapassados. 1. Paz: as experiências da sociedade 64. A dimensão sociopolítica da paz. A instabilidade política que tanto compromete a paz no continente africano enraíza-se na história: a escravatura, a colonização e a neo-colonização. Embora a migração interna e externa das populações seja um fenómeno social normal, acabou por se tornar uma fonte de problemas e conflitos. A paz é certamente mais que o silêncio das armas, mas os conflitos são o sintoma da sua ausência (na R.D. do Congo, no Zimbabwe, na Somália, no Sudão [Darfur], etc.). As transições políticas para uma gestão democrática do poder mostraram ao mundo cenas fratricidas orquestradas por facções rivais. 65. A dimensão socioeconómica da paz. As respostas salientam que o desemprego, a emigração massiva e clandestina e, sobretudo, os investimentos exagerados no armamento se decidem pelo recurso à violência, enquanto existem milhares de pobres, para além de serem vítimas de desigualdades económicas e de injustiças sociais,. A este propósito, o Santo Padre Bento XVI observava que «há os países do mundo industrialmente desenvolvido que arrecadam avultados lucros da venda de armas e que oligarquias reinantes em muitos países pobres pretendem reforçar a sua posição com a aquisição de armas cada vez mais sofisticadas». [33] As guerras que atingem as regiões africanas são, em grande parte, ligadas à economia em geral. 66. A dimensão sociocultural da paz. As vítimas mais afectadas pelos atentados contra a paz são as famílias. A desestruturação do tecido familiar e a influência dos media provocaram progressivamente a delinquência juvenil, a depravação dos costumes, o abandono à droga, etc. Mas alguns consideram que a razão profunda da instabilidade das sociedades do continente está associada à alienação cultural e à discriminação racial que engendraram ao longo da história um complexo de inferioridade, o fatalismo e o medo. O desprezo pelas línguas africanas e pela literatura oral africana arrastou a rejeição dos valores propriamente africanos, de modo que os jovens, privados de referências, se tornaram instáveis. 2. Paz: as experiências na Igreja 67. A Igreja participou, a vários níveis, na restauração nacional da paz, num determinado número de países, graças ao ensino e à acção dos Pastores. Nos Grandes Lagos, por exemplo, as Conferências episcopais trabalharam para construir a paz favorecendo a reaproximação dos jovens dos países em conflito. 3. Para cultivar a paz: que interpelações? 68. As Igrejas particulares esperam da Assembleia que reflicta sobre a maneira de construir uma sociedade de paz pela ajuda mútua, pela disponibilidade em acolher o outro, pelo serviço fraterno aos mais fracos (crianças, doentes, idosos), pela justiça e amor entre irmãos e irmãs, pelo restabelecimento da autoridade parental nas famílias. «A família - diz o Santo Padre Bento XVI na sua mensagem da paz - é a primeira e insubstituível educadora para a paz (…) porque (ela) permite fazer experiências decisivas de paz». [34] 69. Sobressai das respostas a convicção de que «Deus pode criar aberturas para a paz lá onde parece que não há senão obstáculos e fechamento sobre si mesmo», [35] como lembrava o Papa João Paulo II. Mas, sublinhava ainda, «não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão». [36] Porque «na realidade, a verdadeira paz é “obra da justiça” (Is 32, 17)» [37] , esta justiça do Reino que incorpora e transcende os limites da legalidade e da qual Igreja Família de Deus quer ser Serva. Assim se manifesta a originalidade da mensagem evangélica da reconciliação, da justiça e da paz.
IGREJA FAMÍLIA DE DEUS: 70. Em resposta às questões dos Lineamenta, as Igrejas particulares desejam abrir caminhos de reconciliação, de justiça e de paz no continente. Por isso, os Padres sinodais hão-de reflectir sobre o problema do enraizamento das suas comunidades na cultura africana, na Tradição viva da Igreja e nos valores evangélicos. Devem descobrir uma maneira mais eficaz para a Igreja agir como “sal” e “luz” no coração da África, em sinergia com a sociedade africana e para ela. I. Enraizar-se numa cultura africana transfigurada 71. As Igrejas particulares constatam o desafio da inculturação é mais crucial do que nunca para as nossas sociedades africanas cujas culturas estão ameaçadas. 1. Os desafios da globalização 72. Como recordava o Santo Padre Bento XVI no início do ano, a família humana «hoje aparece ainda mais interligada pelo fenómeno da globalização». [38] Neste contexto mundial onde a África é prejudicada, algumas respostas sugerem que os Padres sinodais procurem as vias de uma acção da Igreja em favor duma maior integração das sociedades e das nações do continente. Porque, na corrida dos países industrializados para apoderar-se das maiores reservas minerais do mundo, a abundância dos recursos naturais do continente continua a ser uma fonte de ameaça à paz, à justiça e à reconciliação, correndo as sociedades ainda o risco de serem desfiguradas pela lógica da economia mundial em detrimento daquilo que constrói a pessoa humana, ou seja, o melhor das nossas tradições locais e da nossa fé. [39] 2. A necessidade do enraizamento cultural 73. O Evangelho enraíza-se no terreno humano da cultura. As sociedades africanas assistem, impotentes, à erosão das suas culturas. A Igreja só pode formar autênticos cristãos [40] se encarar com seriedade o enraizamento cultural da mensagem evangélica. Neste ano jubilar de São Paulo, as Igrejas particulares fazem votos para que os Padres sinodais coloquem esta figura no centro das suas reflexões, pois «o Apóstolo foi um artesão excepcional de inculturação da mensagem bíblica nos novos contextos culturais. É o que a Igreja é chamada a fazer também hoje… Ela deve fazer penetrar a Palavra de Deus na pluralidade das culturas e exprimi-la segundo as suas linguagens, suas concepções, seus símbolos e suas tradições religiosas». [41] 3. O fermento do Evangelho nos valores africanos 74. Das respostas sobressai a necessidade de uma melhor pastoral, para que as verdades e os valores das culturas africanas sejam tocadas e transfiguradas pelo Evangelho. O que o Servo de Deus João Paulo II dizia a esse propósito continua a ser uma preocupação: «a inculturação, dizia ele, será verdadeiramente um reflexo da incarnação do Verbo quando uma cultura, transformada e regenerada pelo Evangelho, produz na sua própria tradição expressões originais de vida, de celebração e de reflexão cristãs». [42] Fundando-se nas Escrituras – traduzidas nas línguas locais –, os cristãos serão capazes de compreender o Verbo de Deus e de escutar a sua Palavra. Hão-de obedecer segundo a acepção comum que toma o verbo “escutar” nas línguas africanas, para viver de maneira profunda os valores evangélicos, sem os trair com práticas e comportamentos culturalmente aceites mas contrários ao espírito de Cristo (cf. Mt 5, 17). Como diz o Apóstolo Paulo: «pois estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem a altura, nem a profundeza, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rom 8,38-39). II. Haurir a força da fé em Cristo 75. As Conferências Episcopais sublinham, na maior parte das suas respostas, que a ligação a Cristo, que constituiu os homens em filhos de Deus pelo baptismo, sustem as comunidades eclesiais na sua acção. Alimentam esta relação na escuta da Palavra de Deus, na fracção do pão eucarístico, e na prática do sacramento da reconciliação (cf. Act 2,42). 1. A presença operante de Cristo nas nossas vidas 76. Como um fermento nas nossas vidas, a fé em Cristo presente e actuante empenha-nos e torna-nos capazes de solidariedade e de partilha através da assistência aos pobres, aos doentes, aos órfãos, às viúvas, nos quais vemos o seu rosto (cf. Mt 25), para transmitir o seu amor, a sua bondade e a sua compaixão. Por meio dela, nós como discípulos de Cristo, desempenhamos o nosso trabalho com consciência. Ela estimula-nos para assumir as paróquias na medida das nossas possibilidades, a formação dos futuros sacerdotes e pessoas consagradas no seio das Comunidades Eclesiais Vivas. 77. Esta fé conduz-nos a Cristo, nosso modelo e nossa referência no coração das nossas interrogações. Nele, encontramos a orientação para as nossas vidas, pelo discernimento da vontade de Deus nosso Pai nas situações que atravessamos. Porque «ele mesmo foi provado em tudo como nós, excepto no pecado» (Heb 4, 15). 78. Porque Jesus Cristo é o Salvador e Senhor, conseguimos tomar iniciativas em vista da promoção da reconciliação, da justiça e da paz. Face às dificuldades, não recuámos diante dos combates contra os anti-valores e ficamos agarrados à nossa comunidade católica de fé sem fugir para soluções fáceis de salvação propostas pelas seitas. A Senhoria de Cristo encheu-nos de coragem, de temperança e de paz nos momentos de perseguição. Vivemos na esperança, porque dizia ele, «no mundo tereis muitas tribulações, mas coragem, eu venci o mundo» (Jo 16,33). E ainda «Eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos» (Mt 28,20). 2. Cristo, Pão da Vida 79. Como recordava ainda a Décima Segunda Assembleia Sinodal dos Bispos sobre a Palavra de Deus, é à mesa de Cristo Pão da Vida que os cristãos alimentam a koinonia (“comunhão fraterna”), [43] e a comunicam de seguida à sociedade. Os encontros eucarísticos 80. Na Eucaristia, Cristo faz-se presente no meio de nós e em cada um de nós. Doando-se a nós, confessam as Igrejas particulares, Ele reúne-nos e faz de nós um povo de filhos e filhas de Deus reconciliados e em harmonia com o Pai, e uns com os outros, para que, por sua vez, sejamos agentes da reconciliação, artesãos da paz e da justiça. Juntos na oferenda de Cristo a seu Pai, nós podemos, Nele, viver de acções e gestos de paz, de reconciliação, e consentir no sacrifício do dom de nós mesmos. Porque «Ele deu a sua vida por nós, e nós também devemos dar a nossa vida pelos irmãos» (1 Jo 3,16), a fim de que o Reino do Pai se estenda. A celebração eucarística vive-se, então, na sua dimensão de lugar de experiência espiritual onde o memorial de Cristo inspira nossa acções, nos dá a força para ir ao encontro dos outros em testemunho evangélico de fé e de amor. 81. A Eucaristia é sacramento de amor. E onde está o amor, não podem ter direito de cidadania o ódio, a vingança e a injustiça. Assim, uma comunidade edificada pela Eucaristia torna-se um autêntico sacramento de unidade, de fraternidade, de reconciliação no coração da humanidade. Porque nela, o Senhor quer coroar de sucesso todos os nossos esforços visando fazer do mundo um lugar de Glória para seu Pai, porque «a Glória de Deus, diz Santo Ireneu, é o homem vivo». [44] 82. É ainda neste sacramento de reconciliação com o nosso Pai que obtemos a cura para as nossas divisões, pela preparação penitencial, pela paz de Cristo dada e recebida, e pelo Pão da Vida partilhado, onde o próprio Jesus nos alimenta com o seu Corpo e com a sua Palavra. A força da Palavra de Deus 83. A Palavra de Deus alimenta a nossa fé e sustem o nosso empenho. Ela inspira a vida pessoal, ilumina os acontecimentos quotidianos e oferece critérios de discernimento na acção. 84. Força de coesão e de construção de comunidades cristãs e de sociedades mais justas e fraternas, a Palavra de Deus dinamiza de novo e revivifica os membros das nossas comunidades. [45] É importante, por isso, escutar, meditar e aprofundar a Palavra, lugar privilegiado onde se realiza o maravilhoso projecto de Deus acerca da pessoa humana e da criação. As experiências de certas famílias, onde a Bíblia está no centro das suas vidas e está ao serviço da educação das crianças, às relações entre cônjuges, atestam que a Palavra de Deus restaura a harmonia e a concórdia no lar, estreita os laços da família. A familiaridade com a Palavra de Deus escutada e partilhada em família alerta as consciências e protege de desvios como o concubinato, o adultério e o alcoolismo. Ela mantém o olhar dos seus membros fixados sobre Jesus Cristo. 85. Estas experiências convidam-nos a lutar contra o analfabetismo e a solicitar uma vasta solidariedade para reduzir o custo das bíblias, a fim de que cada cristão, ou pelo menos, todas as famílias tenham acesso a ela. Se é lida e explicada em grupos ou nas Comunidades Eclesiais Vivas, a Sagrada Escritura tornar-se-á fermento que renova e recria a nossa cultura para que ela gere mulheres e homens novos «à medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef 4,13). O sacramento da reconciliação 86. Fiel ao seu ministério de reconciliação do homem com Deus e dos homens entre si, a Igreja assegura aos seus filhos e filhas o serviço do sacramento da penitência, da reconciliação e do perdão. Pela prática habitual deste sacramento, os cristãos testemunham que aprendem a olhar em face suas vidas para confessar a experiência da misericórdia e da bondade de Deus [46] diante da sua miséria, seu pecado, suas faltas de amor. [47] Esta prática sacramental tornou-se um autêntico meio onde a graça de Deus os reconciliou consigo mesmos e com os outros. Progressivamente, aprenderam a entrar na lógica da reconciliação (cf. Mt 6,15; 18,23-35). Uma forma de celebração comunitária do sacramento, segundo as normas da Igreja, não poderia contribuir para aliviar as feridas das sociedades dilaceradas pelas experiências de violência, de conflitos e de guerras? III. Agir como Igreja-Família de Deus 1. Filhos e filhas do mesmo Pai no Filho único 87. Ainda que provenientes de origens diversas, a pertença a Cristo nos junta como irmãos e irmãs de uma mesma família de filhos e filhas de Deus. Assim sendo, convida-nos a transformar as nossas diferenças tribais, étnicas, raciais ou de classes sociais, que por vezes entravam a nossa marcha comum, para que a água do baptismo seja mais forte que o sangue (cf. Gal 3,27-28). 88. Porque fundada sobre a paternidade de Deus, a imagem da Igreja como família colocou em relevo os valores familiares africanos da solidariedade, da partilha, do respeito pelo outro, da hospitalidade, da coesão, etc. Este modelo abriu os corações e os espíritos para uma gestão dos conflitos pelo diálogo sob a “Árvore das Palavras” e pelos ritos de reconciliação, que, para nós discípulos de Cristo, são a Palavra de Deus, escutada e partilhada, [48] o sacramento da penitência e a Eucaristia que sela a comunhão. É o que nos ensina a experiência dos sínodos diocesanos, as jornadas sacerdotais, os fóruns de fiéis leigos, as Comunidades Eclesiais Vivas. 2. Sinal e instrumento de reconciliação 89. A Igreja Família torna-se sinal visível e instrumento de justiça, de paz e de reconciliação operada por Cristo em beneficio do género humano, quando vive em coerência com a sua identidade de família “sal da terra” e “luz do mundo”. [49] Um exemplo disto deu o Servo de Deus João Paulo II em Gorée (Senegal) em 1992 e no limiar do terceiro milénio em Roma (12 de Março 2000). Depois dele, os bispos do SCEAM retomaram o seu gesto em Gorée em 2003. A Igreja, sacramento da reconciliação 90. A Igreja no continente africano teve um papel notável na reconciliação aquando dos conflitos. É por isso que ela beneficia de grande credibilidade junto de muitas sociedades africanas. Não será isto um convite a empenhar-se ainda mais corajosamente na construção de pontes entre os homens? Por exemplo, a força de que fazem prova as comunidades eclesiais tendo origem no Espírito Santo, algumas delas dão o testemunho que, em nome da sua fé em Cristo, têm a coragem de tomar iniciativas para reconciliar, ao nível das Comunidades Eclesiais Vivas, os casais separados, as famílias em conflitos, as comunidades rurais divididas. A reconciliação autêntica: cura para a justiça e a paz 91. Como uma semente lançada à terra que cresce sem que nos apercebamos, assim o Reino de Deus cuja Igreja é o sinal e o instrumento. A eficácia da sua acção é invisível aos olhos humanos. A reconciliação que Cristo continua a operar através dela para a unidade do género humano é uma cura lenta e longa que exige de todos os cristãos que trabalhem com a fé de Moisés que, «resistiu, como se visse o invisível» (Heb 11,27). Curados pela unção do Espírito de Cristo, eles poderão agir para conciliar os homens entre si e restabelecer a paz nos corações e na sociedade. IV. Empenhar-se para uma África reconciliada 92. É sabido que a Igreja está profundamente empenhada na sociedade africana ao serviço de todos através das suas instituições de educação, de saúde e dos programas de desenvolvimento. Como é que estas instituições e comunidades (Conferências episcopais, dioceses, paróquias, Comunidades Eclesiais Vivas) podem manifestar esses mesmos sinais? 1. A Igreja, Família para as nações 93. As Comunidades Eclesiais Vivas incarnam esta preocupação da convivialidade familiar na Igreja. A vida cristã à escala humana vive-se neste contexto. As solidariedades positivas, como expressão da caridade cristã, vivem-se de modo exemplar nestas comunidades. E a Palavra de Deus, em certos meios, é lida, partilhada e vivida a este nivel. O papel dos animadores leigos das comunidades torna-se importante para assegurar um serviço de liderança que ajuda os membros a crescer na sua fé e no seu compromisso para uma sociedade reconciliada, justa e pacificada. Um trabalho teológico é, sem dúvida, esperado neste “lugar”. 94. A Igreja toma a família como modelo, ela deve trabalhar para que esta “igreja doméstica” seja a imagem da Sagrada Família onde o dom total de si ao outro é sinal de respeito, de disponibilidade e de colaboração (cf. Mt 2,13-14.19-23; Lc 2,21ss; Jo 2,1-12; 19,26-27; Act 1,14). Os casais e a família reclamam uma atenção especial. O casamento tradicional obriga por vezes mulheres cristãs a viver à margem da comunidade cristã. Que podemos fazer para que a celebração cristã do casamento se alicerce ainda mais na tradição africana da aliança matrimonial e que este última seja elevada e transformada pelos valores evangélicos do casamento cristão? [50] Que disposições adoptar para reduzir o custo tantas vezes elevado dos casamentos na Igreja e encorajar os mais pobres a celebrar o sacramento? A questão do casal cristão afecta naturalmente a da família. A complexidade do controlo dos nascimentos pede que a Igreja reflicta sobre o problema com a ajuda de peritos e em diálogo com os casais cristãos, no respeito pelos valores culturais africanos associados à vida, no respeito da lei moral como ensina a Igreja, e na utilização dos melhores conselhos médicos para o “planeamento familiar natural”. 95. Além disso, com o decréscimo da prática cristã, verifica-se em certas Igrejas particulares uma diminuição do tecido familiar eclesial. Há várias razões para isso. A falta de um projecto comum trava a Igreja no seu esforço pela paz e pela resolução dos conflitos. Os cristãos estão fragilizados porque não possuem uma sólida compreensão da sua fé para a viver e «dar razões da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede» (1 Pd 3,15). A Sagrada Escritura, que os deve ajudar, não entrou ainda nos seus modos de vida como fonte de aprendizagem da caminhada com Deus no coração do mundo e da história. Por vezes, recorreram até à feitiçaria e às práticas acima deploradas, ou deixaram-se influenciar pelas ideologias políticas e as seitas cristãs que atacam a Igreja católica. E para um grande número de cristãos, a Igreja é a hierarquia; eles não têm a consciência da dimensão do corpo místico com seus múltiplos membros. Não há dúvida que a falta de operários apostólicos nalgumas Igreja particulares e os problemas económicos com que elas se debatem, prejudicam a vontade de empreender projectos capazes de edificar este sentimento de ser Igreja. Além disso, a Igreja sofre com o facto de certos padres, religiosos e religiosas darem, por vezes, mau exemplo dedicando-se a práticas ocultas – o que pode acontecer até nas orações de cura e de libertação –, e a lutas de posicionamento social em vez de se dedicarem ao serviços dos mais pequenos. 2. O serviço da sociedade: saúde, educação e desenvolvimento socioeconómico 96. Em certas regiões do continente, as infra-estruturas de saúde, já de si insuficientes, são não somente destruídas pelas guerras, mas também se tornam ineficazes devido à incompetência e à corrupção. A expressão da solidariedade cristã e africana encontra-se assim posta à prova, particularmente nos lugares onde o número de doentes afectados por doenças endémicas é muito elevado. Noutras regiões, as estruturas de saúde são em número significativo; são capazes de acolher os doentes, os feridos de guerra e outros necessitados. Certas Seguradoras de Saúde materializam a vontade eclesial de solidariedade. E graças à ajuda tanto da Caritas e como das Comunidades Eclesiais Vivas, os mais pobres são assistidos, os doentes com sida acompanhados. As Associações de certas Igrejas particulares acompanham as famílias no planeamento familiar segundo os métodos naturais. A abnegação e a generosidade exemplar do pessoal que trabalha nas instituições de saúde tornam visível a solicitude da Igreja pelos doentes. 97. No sector da educação, numerosas Igrejas particulares colocaram em marcha estruturas, mas não sem dificuldade. Contudo, a sua gestão é difícil por causa do número excessivo de jovens e da falta de pessoal qualificado. Porque os jovens não têm espaços de lazer e de jogos para recreio, divertem-se em locais onde as más companhias os arrastam para a droga, a violência. Além disso, eles tornam-se vítimas de abusos sexuais e outros crimes, quando não são arrolados como soldados nas guerras ou explorados pelos trabalho nos campos ou nas minas.A situação piora quando se trata de órfãos ou mais genericamente quando falta o interesse, o acompanhamento e o controlo da família. Ora, as crianças têm direitos: [51] trabalhar com a juventude e para ela, é pensar no futuro de toda a sociedade. Esta tarefa impõe-se, por isso, a todos os cristãos. As escolas católicas partilham dessa preocupação, mas aquelas que não beneficiam de subvenções do estado têm dificuldade em se manterem ou mantêm-se com custos proibitivos para os pobres. Apesar disso, o desenvolvimento das universidades católicas no continente é notável. Diga-se que a dedicação e a atenção aos estudantes do ensino secundário e universitário por parte de todos os que trabalham no sector educativo são dignos de admiração e merecem o encorajamento de toda a Igreja. 98. Para além dos sectores específicos da saúde e da educação, a grande maioria das Igrejas particulares empenharam-se em diferentes áreas socioeconómicas ao serviço dos pobres, dos refugiados, dos nómadas, da juventude. Preocupam-se de modo particular com os católicos comprometidos na vida política e económica. 3. O diálogo ecuménico 99. Graças a alguns lugares habituais de encontros, a semana de oração pela unidade dos cristãos, a tradução da Bíblia nas línguas locais com a Aliança bíblica, o diálogo entre cristãos em África, inclusive com todas as confissões, mantém-se. Merecia ser ainda mais estimulado. 100. O desejo de prosseguir o diálogo com os nossos irmãos e irmãs cristãos enfrenta, entretanto, alguns obstáculos: por um lado, divergem as referências doutrinais, os princípios de hermenêutica bíblica, a natureza e a missão da Igreja, a moral e a disciplina eclesiástica, bem como os estilos litúrgicos; por outro lado, levantam-se a desconfiança, a rivalidade entre grupos cristãos e um fundamentalismo movido por complexos expressos, entre outras formas, pelo mimetismo no vestuário (hábitos clericais, insígnias episcopais, vestes litúrgicas). O deficit de tolerância e de compreensão mútua, bem como as acusações recíprocas, tornam os encontros muito difíceis. No espaço público, a Igreja católica é objecto de uma violenta agressividade por parte das seitas cristãs, instrumentalizadas pelos políticos para porem em causa os valores por ela defendidos: a família, o respeito pela dignidade e pela sacramentalidade da vida humana, a unidade. Malgrado os desafios, o diálogo deve continuar, e particularmente nos encontros nacionais e internacionais do Conselho Ecuménico das Igrejas. 4. A relação com a Religião Tradicional Africana 101. Com os adeptos da religião tradicional africana, a relação pastoral sugerida é a de um estudo simpático desta religião e da cultura que constitui a sua matriz, em vista de identificar os elementos bons e nobres, que o Cristianismo pode adoptar, purificando os que julgar incompatíveis com o Evangelho, para forjar uma cultura de reconciliação, justiça e paz. Uma tal aproximação facilitará a colaboração com os adeptos desta religião. Contribuirá para uma autêntica inculturação na Igreja. [52] Distinguiremos, contudo, os adeptos da RTA dos chauvinistas que a defendem como património nacional e fazem dela um objecto de orgulho nacional, embora muitas vezes não a pratiquem. 5. O diálogo com o Islão 102. Com os nossos irmãos e irmãs muçulmanos, a coabitação em certos meios é salutar e boa; noutros, pelo contrário, a desconfiança mútua impede um diálogo sereno: os conflitos que ocasionam os matrimónios com disparidade de culto constituem disso um exemplo. E a intolerância de certos grupos islâmicos cria hostilidades e alimenta preconceitos. Em nada ajudam as posições doutrinais tomadas por certas correntes a propósito da Jihad: como trabalhar para a paz através do diálogo e da reconciliação como a fé cristã nos recomenda? A tendência para politizar as pertenças religiosas é, além disso, um perigo que se revelou onde o diálogo fora iniciado. Contudo, no coração das crises, nalgumas regiões a colaboração na educação cívica e eleitoral deu frutos. Por vezes, certos muçulmanos acolheram positivamente os documentos das Conferências episcopais. Por vezes, as estruturas da Igreja serviram às comunidades muçulmanas para a distribuição de bens aos pobres e aos necessitados. A solidariedade de alguns meios muçulmanos com a Igreja é manifesta quando esta organiza encontros de reflexão sobre os problemas da sociedade: a coexistência pacífica, a corrupção e a pobreza, etc. E o respeito pela identidade religiosa das crianças muçulmanas nas nossas escolas católicas participa, de modo exemplar e eficaz, na educação da sociedade para a tolerância e para a paz.
IGREJA-FAMÍLIA DE DEUZ EM ACÇÃO: 103. Desde a Primeira Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, as Igrejas particulares procuram viver as orientações e directivas de Ecclesia in Africa e pôr em prática as suas recomendações, nomeadamente no que diz respeito à justiça, à paz e à união segundo o espírito da Igreja-Família de Deus. Esperam dos Padres da segunda Assembleia reflexões actualizadas que as mobilizem ainda mais no seu esforço, a nível pessoal, comunitário e institucional, e as orientem na busca dos caminhos da reconciliação, da justiça e da paz. 104. Enquanto discípulos de Cristo (bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e fiéis leigos) e dotados das armas da fé, a resposta mais apropriada que possamos dar é a conversão na via da santidade: pela escuta da Palavra, a via sacramental e os exercícios espirituais; pelo acolhimento da interpelação que nos vem do próximo, da sociedade e dos acontecimentos; pelo esforço de conversão moral; pela coerência entre a vida que levamos e a Palavra que anunciamos; pelo exercício fiel das responsabilidades confiadas a cada um; pelas obras de penitência, de misericórdia e de caridade; pelos nossos compromissos sociais contra a corrente dos critérios do mundo e por um estilo de vida simples, inspirado pelo Evangelho. Pois, a verdadeira natureza da evangelização é o encontro pessoal de Jesus Cristo na oração diária, nos sacramentos e na vida espiritual, convencidos que «se não for o Senhor a edificar a sua casa, em vão trabalham os construtores» (Sl 127,1). 105. Maria, Mãe de Deus, continua a ser o modelo por excelência para o testemunho dos discípulos de Cristo em África. Nela, cada cristão aprende a escuta obediente da Palavra de Deus que se faz carne na sua vida. Na verdade, o seu fiat conduzi-la-á ao pé da cruz (cf. Jo 19,25 ss): dá à luz o seu filho na pobreza, «por não haver para eles lugar na hospedaria» (Lc 2,7); preocupa-se com o seu filho que ficou no Templo, meditando porém as suas palavras (cf. Lc 2, 41-52); está inquieta com a alegria do jovem casal de Caná intercedendo por ele junto de seu filho (cf. Jo 2); faz companhia aos discípulos no Cenáculo à espera do Espírito Santo (cf. Act 1,14). Como é que a Mãe de Jesus pode ter o seu lugar no meio dos seus filhos e filhas postos à prova e atormentados, e convidá-los a fazer tudo aquilo que o seu Filho lhes disser (cf. Jo 2,5), acompanhando-os de novo nos acontecimentos gozosos, dolorosos e gloriosos da vida quotidiana? II. Os Actores e as Instituições 1. Os actores 106. Numa Igreja-Família de Deus, cada um tem a responsabilidade de levar a cabo a sua missão, de tal modo que o corpo familiar se sinta bem e aja de acordo com o espírito da família, que é o Espírito de Cristo, para um mundo segundo o coração de Deus. O exemplo de tantos pastores e fiéis leigos que viveram o martírio em nome da fé convida toda a Igreja em África a enveredar com firmeza pela via da santidade. Os bispos 107. A voz dos Bispos, servos da Palavra em comunhão com o Bispo de Roma e Pastor Universal da Igreja, ressoa em período de crise social como a duma sentinela sobre a cidade. [53] Perante os problemas políticos que dizem respeito às constituições, eleições, injustiças, violações de direitos humanos, etc., uma palavra profética sua constitui uma resposta à sede de justiça e de paz por parte do povo. A sua coragem e audácia fazem deles imagens vivas do “sal da terra” e da “luz do mundo”. 108. A acção do episcopado em favor dum mundo reconciliado manifesta-se nas cartas pastorais, nas revistas que difundem uma cultura de paz e na acção de colocar a doutrina social da Igreja ao alcance do maior número de cristãos. A criação e o apoio às estruturas apropriadas e o seu compromisso nos diálogos ecuménicos e inter-religiosos, tendo como preocupação a união dos corações, contribuem a forjar um ambiente de paz. E nos abismos que separam os dirigentes dos cidadãos, o diálogo que estabelecem com os líderes políticos e a informação que transmitem aos cristãos contribuem à pacificação. 109. Para favorecer ou restabelecer a justiça e a paz no seio da Igreja, é desejável que os bispos nomeiem sacerdotes e religiosos segundo critérios objectivos e não étnicos. Compete à Igreja-Família de Deus dotar-se de grupos de mediação nos diferentes níveis. Na verdade, acontece, por vezes, que o diálogo entre o bispo, o seu presbitério ou uma determinada porção do seu povo tenha dificuldade em se processar. Nos casos em que este ou aquele membro é responsável ou culpado de abusos, cabe à autoridade competente restaurar a confiança e recompor o tecido familiar eclesial. 110. A unidade colegial entre os bispos é essencial. Constrói-se e consolida-se na fraternidade afectiva e efectiva e na partilha de experiências pastorais. Para tal, a definição de métodos apropriados, a elaboração de programas pastorais eficazes, a organização da calendarização necessária a adopção duma linguagem justa são importantes. Os sacerdotes 111. Enquanto colaboradores sábios e prudentes dos bispos, os sacerdotes [54] partilham, de múltiplos modos, o ministério do ensino, nomeadamente através da pregação dominical que hão-de preparar com todo o esmero, pois esta ocasião permite-lhes fazer ouvir aos cristãos o apelo a serem artesãos da justiça, da paz e da reconciliação. Do mesmo modo, a administração dos sacramentos é também um lugar de educação e de formação da sensibilidade dos cristãos a esses mesmos valores, à luz dos quais cada um é convidado a avaliar a sua caminhada na senda de Cristo. 112. No dia-a-dia, os sacerdotes encontram-se com diferentes grupos de fiéis (conselhos pastorais ou outros). É para eles uma oportunidade para iniciar, guiar e moderar os exames de consciência à luz do Evangelho para uma existência cristã autêntica. Insuflar um espírito de amor e de verdade, de justiça e de paz nas exortações aos seus fiéis, na mediação de conflitos de casamento e de família, no apoio aos marginalizados e abandonados, e na aplicação de programas eclesiais constitui uma resposta singular da qual devem fazer um uso generoso. As pessoas consagradas 113. Os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica [55] conheceram um forte crescimento vocacional, sinal do dinamismo da Igreja na África. [56] Algumas respostas consideram que se trata duma fonte “de energia espiritual” que alimenta a Igreja. Através dos seus carismas próprios e do seu compromisso específico na Igreja, trabalham à implementação do Reino de justiça, de paz e de amor de Cristo, enquadrando a juventude (escolarizada, da rua, etc.), a ajuda aos pobres, às mulheres (nomeadamente as viúvas), o cuidado aos doentes e deficientes. Por sua parte, uma preocupação manifesta em colaborar com o ordinário local contribuirá para tornar visível a comunhão, da qual a Igreja Família quer ser o sinal profético para a África, no coração das nossas sociedades divididas. 114. As mulheres consagradas, pela sua vida e trabalho em comunidade, tendo Maria, Mãe de Deus, como modelo, contribuem a revelar ainda mais uma dimensão de Deus, pelo seu génio feminino de mansidão, de ternura e de disponibilidade na escuta como Maria, irmã de Lázaro (cf. Jo 11), ou a Samaritana (cf. Jo 4) ou pelo serviço fraterno como Marta (cf. Lc 8; Jo 11). A resposta aos desafios da reconciliação, da justiça e da paz pela proximidade parecem corresponder melhor aos dons da mulher. Também é em grande parte por ela e com ela, enquanto primeira colaboradora na missão de evangelização que devemos procurar novas respostas aos sofrimentos das nossas sociedades africanas. Os fiéis leigos na Igreja 115. De modo geral, o compromisso dos cristãos na sociedade confere-lhe um sabor particular quando inspirado pelos valores evangélicos. Muitos cristãos leigos, de forma individual ou em associação (de mulheres, de jovens, por profissão, etc.) dão mostras de coragem para levantar bem alto o archote da fé em contextos onde a justiça e a paz não são respeitadas. Tornam-se verdadeiros agentes de reconciliação, de modo particular graças à acção católica e às associações apostólicas ou espirituais de fiéis. 116. Os catequistas, esses arautos do Evangelho, continuam a ser valiosos animadores das comunidades cristãs. [57] Para melhorar o seu contributo, convém dar-lhes uma sólida formação no que toca à escrita e à doutrina, assim como uma justa remuneração para que possam cuidar dignamente da sua família e assegurar a escolaridade dos seus filhos. 117. O testemunho de numerosas cristãs em situações de conflito confirma que o génio feminino assumido no Espírito de Cristo é verdadeiramente gerador duma cultura de paz e não de violência, de vida e não de morte, de humanidade e não de barbárie. O papel das mulheres seria mais eficaz se a Igreja-Família lhes confiasse uma missão mais visível ou as envolvesse de modo mais claro, humanizando assim de forma substancial as sociedades africanas. 118. Os homens, no seu papel de esposos, pais e chefes de família, devem trabalhar no sentido de manter a unidade em família, favorecendo a paz, relações justas, relações harmoniosas com outras famílias nas Comunidades Eclesiais Vivas, e tornando-se artesãos da reconciliação, da justiça e da paz nas diferentes associações e movimentos de fiéis leigos das quais são membros. 2. Estruturas e instituições eclesiais 119. Para além do exemplo das nossas vidas, as instituições devem trazer consigo as marcas do espírito evangélico, cujos frutos são enunciados por S. Paulo: «caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança» (Gal 5, 22-23). As Conferências Episcopais 120. As cartas pastorais das Conferências episcopais, contra tudo aquilo que oprime os homens e as mulheres na sociedade, dão testemunho duma Igreja Família inquieta com a unidade. O seu apoio às Comissões Justiça e Paz e outras instituições eclesiais que trabalham nos campos da justiça, da paz e da reconciliação é valiosíssimo: a sua atenção pastoral aos fiéis leigos empenhados nos serviços públicos e privados, e às diferentes áreas profissionais através da presença de capelães anuncia, de modo vincado, que «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristeza e as angústias dos discípulos de Cristo; e (que) não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração». [58] O Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar 121. A visita de bispos ou de cristãos católicos doutros continentes para intercâmbios de experiências sobre a paz, para uma parceria e apoio eclesiais, quer sejam de natureza técnica ou financeira, consolida o impulso das Igrejas particulares e transmite a todos os cristãos uma mensagem de solidariedade positiva da Igreja universal. A título de exemplo, podem citar-se as relações do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagascar (S.C.E.A.M.) com as Conferências episcopais da Ásia e da Europa que devem ser estimuladas; à escala das Conferências episcopais nacionais e regionais, tais encontros existem. 122. Um crescimento da parceria entre os leigos e as igrejas dos diferentes continentes favoreceria o intercâmbio de peritos das diferentes áreas que dizem respeito à paz e à justiça, podendo colaborar com as instâncias internacionais em favor da justiça e da paz, em nome da sua fé comum em Jesus, o Príncipe da Paz. As Comissões Justiça e Paz 123. A todos os níveis da organização das nossas Igrejas particulares, as Comissões Justiça e Paz empenharam-se em despertar e formar as consciências dos fiéis para que estes se tornem sal do mundo e luz da terra. Formaram ao respeito dos direitos do cidadão e à luta contra a impunidade, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade, o tratamento indigno dos prisioneiros, etc. Em tempo de eleições, certas Comissões Justiça e Paz apresentaram programas de educação cívica e eleitoral. Algumas deficiências na sociedade e na Igreja foram rectificadas graças às suas intervenções. Nas Igrejas particulares que não dispõem de Comissões Justiça e Paz, as Caritas e outras instituições desempenham o mesmo papel. 124. No que diz respeito à acção, mostraram-se activas no acompanhamento de vítimas de todo o tipo de violência, sobretudo mulheres e crianças em busca de justiça. Em certos países, participaram na observação das eleições. 125. Algumas respostas às Lineamenta consideram que a Comissão Justiça e Paz exerceria ainda mais e de modo mais eficaz a sua missão, se fosse melhor entendida. Pois, dizem, é muitas vezes considerada como um instrumento que serve para estimular os leigos a lutar pela justiça e não como um verdadeiro instrumento de evangelização, graças à sua acção em favor da reconciliação, da justiça e da paz. Como ajudar a uma melhor compreensão das Comissões Justiça e Paz? Os seminários maiores e as casas de formação de religiosa 126. Impõe-se um maior discernimento na escolha e na formação sólida dos futuros sacerdotes [59] e pessoas consagradas, se os servos da Igreja Família devem ser guias e modelos das comunidades cristãs, artesãos da paz, reconciliadores e homens justos. Convém igualmente que a sua formação tenha em consideração os desafios da vida concreta das comunidades cristãs nas quais diferentes etnias, tribos, raças e origens sociais são chamadas a viver unidas pela mesma fé em Cristo. Para tal, o envolvimento dos leigos, homens e mulheres, na formação dos futuros sacerdotes contribuiria para os tornar maduros e equilibrados. 127. A formação de mulheres consagradas capazes de serem verdadeiras colaboradoras na vinha do Senhor requer que o seu programa de formação seja revisto, de tal modo que as disciplinas filosóficas e teológicas nele figurem oficialmente. O valor e a eficácia do ensino da Igreja, no que diz respeito à relação com a mulher, exprime-se pelo lugar que as mulheres consagradas ocupam na colaboração pastoral. Os programas de formação 128. As Igrejas particulares responderam aos desafios sociais com a apresentação de programas de formação à luz do ensino social da Igreja, [60] tendo como objectivo promover uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais próspera. O objectivo da formação em áreas como o direito, os costumes, a paz e o desenvolvimento, a educação cívica e eleitoral, a reconciliação e a boa governação, a alfabetização, a prevenção sanitária e os estilos de vidas (no caso do HIV/Sida, por exemplo), entre muitas outras, foi preparar os filhos e as filhas dos nossos países a tornarem-se actores de corpo inteiro, responsáveis pela gestão dos interesses públicos. Sentiu-se igualmente a necessidade de associar os agentes pastorais a tais programas para que participem de modo mais eficaz na edificação duma cultura de reconciliação, justiça e paz. 129. Aprende-se aí a purificar o tecido das relações sociais mediante um processo de reconciliação em profundidade (gestão de conflitos), acentuando de modo particular a justiça, condição duma paz verdadeira. Os cidadãos, tanto cristãos como não cristãos, aprendem a participar às decisões tomadas pelos dirigentes, que terão um impacto na sua vida, a controlar o trabalho dos eleitos e a participar na gestão das riquezas do seu país. Acima de tudo, há uma preocupação particular em formar a consciência, sobretudo a dos jovens, pois é aí que se joga o futuro das nossas sociedades. 130. Surgem certas dificuldades na difusão dos programas e no seu acompanhamento até às bases. O envolvimento das estruturas diocesanas, paroquiais e das Comunidades Eclesiais Vivas não seria um caminho viável? As instituições de saúde 131. Pessoas qualificadas e competentes escolhidas de acordo com este critério serão verdadeiros servos da paz do coração e do corpo, capazes de enfrentar os desafios actuais. O serviço de qualidade que aí encontramos, aberto a todos, sem distinção de raça, tribo, etnia ou religião, contribui a fazer da Igreja católica uma artesã da paz nos nossos países. 132. Com uma boa planificação da renovação do pessoal e da manutenção do material, a implementação de estruturas para cuidados especializados com a possibilidade de um acompanhamento médico rigoroso, as instituições eclesiais de saúde poderão contribuir à edificação duma sociedade que respeite a dignidade humana, desde o primeiro momento da vida até aos seu termo natural: «Como não se preocupar com os atentados contínuos contra a vida, desde a sua concepção até à morte natural», perguntava o Santo Padre Bento XVI, admirado por ver que em regiões como a África, onde há uma tradição cultural pelo respeito da vida, se pretende banalizar o aborto através do Protocolo de Maputo. [61] As instituições educativas 133. O envolvimento da Igreja no sistema educativo é um acto evangélico maior para salvar todo o homem, de modo a preparar para amanhã uma sociedade sã, pacífica e responsável. Nas regiões ou países onde as instituições da Igreja foram confiscadas pelo Estado, esforços foram envidados para o seu retrocesso, de modo a que voltem a estar ao serviço das populações. 134. Para que os serviços educativos se tornem melhores, é necessário aperfeiçoar as condições daquele que ensina e a sua competência, oferecer, em concertação com o Estado, uma formação escolar ao alcance de todos, incluir os pais no enquadramento dos jovens por meio de associações e seminários sobre a educação, propor um programa de educação integral (intelectual, moral, espiritual, humana e profissional), estimular a tutoria e os intercâmbios de programas, reconhecer os méritos e tomar iniciativas de auto-financiamento. Estas são vias importantes para um futuro de paz e bem-estar. As universidades 135. As universidades devem dar resposta à sua vocação de universitas, mostrando o exemplo de integração da unidade na diversidade (unitas in diversiis), num trabalho de pesquisa académica de alto nível, onde as ciências dialogam com a Palavra de Deus, fonte de paz autêntica para os espíritos sedentos de verdade: verdade do homem (indivíduo e sociedade), verdade de Deus. É sendo fiéis à sua identidade católica, ajudadas por um programa de iniciação à teologia católica para todos os estudantes, por exemplo, que as universidades católicas hão-de revelar-se promotoras duma abertura autêntica ao universal, antídoto contra as identidades que se fecham sobre si mesmas. 136. As respostas efectivas ou potenciais das nossas universidades e instituições académicas aos desafios da reconciliação, da justiça e da paz são o ensino dos direitos fundamentais da pessoa humana, a iniciação dum público mais abrangente de pessoas simples ao espírito das leis do seu país, a proposição de conferências-debate sobre questões de corrupção, pobreza e injustiças, e a produção de estudos sérios sobre a cultura da justiça e da paz nos meios urbano e rural, para depois transformá-las. 3. Os fiéis cristãos na sociedade 137. A Igreja opera na sociedade como comunidade e através dos seus membros, nomeadamente os fiéis leigos. A confiança granjeada pela Igreja na sociedade é o fruto da acção do Espírito Santo que anima a fé dos cristãos em Cristo e apoia o seu compromisso. A exemplo da sagrada família de Nazaré, uma família cristã [62] que vive segundo os valores familiares do amor e da fraternidade, da compaixão e da misericórdia, de abertura às outras famílias (cf. Lc 2,44), cuja segurança económica è suficiente, torna-se um lugar de serenidade, de paz e de harmonia contagiosa. Dado que a família é a célula da sociedade, será necessário promover este tipo de famílias em tal número que cheguem a alcançar grande impacto na sociedade e na Igreja. Esta fé é vivida no modo desinteressado de encaminhar a ajuda aos pobres, àqueles que são esquecidos, aos débeis, de participar activamente na resolução dos problemas sociais e de procurar com determinação a unidade. É, no entanto, através dos leigos, verdadeiros mensageiros do Evangelho, que a Igreja garante a sua presença efectiva no coração das instituições seculares. Na política 138. As luzes do mundo segundo o espírito do evangelho são aqueles e aquelas que se comprometeram com abnegação e coragem, espírito de serviço e preocupação pelo bem comum, pelo respeito dos direitos humanos, e que lutam contra a ditadura, a corrupção, por uma gestão sadia e honesta de todos os recursos naturais e humanos, sacrificando-se para construir e consolidar a democracia a fim que o direito reine no Estado. Graças a esses homens e essas mulheres que dão credibilidade à acção política, o testemunho cristão forjará uma cultura de vida, paz e justiça nas nossas sociedades africanas. Uma maior presença em posição de liderança por parte de cristãos e cristãs, testemunhas dos valores da credibilidade, responsabilidade, justiça, integridade, etc., dará um outro sabor à política africana. Nas forças armadas 139. Homens e mulheres das forças armadas viram nas suas fileiras companheiros de armas, membros da Igreja, testemunhar um patriotismo exemplar no respeito pela deontologia militar, os bens e as pessoas, garantir a segurança dos mais fracos em períodos de conflito e mesmo de guerra, e mostrarem-se disponíveis a qualquer momento para defender a integridade territorial do seu país. Esses são valores que deveria encarnar qualquer cristão alistado no exército em África, de modo a que este seja um instrumento de justiça e paz. Tais cristãos esclarecidos e conhecedores dos perigos das armas devem levantar a voz contra a venda de armas nas zonas de conflito, invocar a força da Lei e não a das armas, opor-se ao recrutamento de crianças pelo exército e obedecer antes a Deus do que aos homens (cf. Act 5, 29). Na economia 140. Deve ser encorajado e apoiado o exemplo de numerosos cristãos e cristãs que, em nome da sua fé, criam empresas ou geram as que são públicas de modo eficaz e edificante: vivem do seu trabalho, produzem riquezas, pagam os impostos e todas as taxas para o Tesouro do Estado, atribuem salários justos, combatem o esbanjamento dos recursos naturais, regulamentam os mecanismos de importação e exportação, etc. Essas forças vivas devem crescer ainda mais, pois são elas que, pela sua capacidade transformadora, hão-de refrear a miséria e a pobreza. Para além disso, esses cristãos e cristãs modelos devem tornar-se mediadores entre as populações impotentes e as estruturas internacionais do comércio [por exemplo: a Organização Mundial do Comércio (OMC)], os homens da finança susceptíveis de conceder créditos, etc., de modo a melhorar as condições de trabalho dos mais fracos: proteger a sua produção, facilitar o escoamento dos seus produtos a um preço justo. Na educação 141. Os jovens católicos [63] de certas regiões são propagadores dos valores evangélicos. Transmitem aquilo que eles mesmo receberam através da educação cristã à vida e ao amor. Cabe, por isso, a todos os adultos cristãos a tarefa de transmitir à juventude os valores do discípulo de Cristo para que, por sua vez, se tornem sal e luz. Essa transmissão será mais eficaz se os jovens entrarem em contacto com verdadeiros líderes que incarnem os valores que lhes são ensinados, por exemplo, o esforço e a assiduidade no trabalho, e cujo exemplo se dá como palavra verdadeiramente performativa. Na saúde 142. Na sua formação, os agentes de saúde comprometem-se por meio do juramento de Hipócrates a protegerem a vida. Cristãos e cristãs que fazem parte do corpo médico em África deram o mote com competência, coragem, por vezes heroísmo, na protecção da vida que começa (recusando o aborto) ou acaba (recusando a eutanásia), na assistência abnegada às vítimas do HIV/Sida, etc. Tais exemplos devem ser divulgados e apresentados como modelo. Conviria ainda que infra-estruturas de saúde, promotoras desse espírito evangélico, permitissem o acesso dos mais desfavorecidos aos cuidados de saúde. Se os fiéis do corpo médico ajudarem a melhorar a higiene e a saúde das franjas mais esquecidas da sociedade, serão reduzidos os focos de revolta e de agressividade que gangrenam o corpo social e comprometem a paz. Nos meios da cultura 143. Num tempo em que a mundialização tende a propagar ainda mais o domínio dum modelo cultural único e a negação da vida, pôr em relevo os valores das culturas africanas enquanto riqueza da criação e purificá-las de tudo aquilo que aliena e envilece contribuiria ao aparecimento em África de sociedades reconciliadas consigo mesmas, pacíficas e felizes por viverem umas com as outras, em vez de sociedades inimigas e carregadas de ódio. Nos media 144. Os media e as novas tecnologias da informação e comunicação constituem o novo areópago do nosso século. Porque favorecem o encontro entre os povos e as culturas e constituem uma abertura para o mundo, os meios de comunicação social são um espaço eficaz de formação das consciências e de sensibilização, sendo de louvar os esforços dos fiéis preocupados em anunciar os valores evangélicos da paz, da misericórdia, do amor e da unidade. Estes devem ser encorajados para que, à sua imagem, um número crescente de católicos propaguem nas nossas sociedades africanas, através desses meios, informações justas, credíveis e construtivas, e mensagens de alegria, amizade e amor fraterno. Nos organismos internacionais 145. Adoptar a opção preferencial pelos pobres – pois recusar ser pobre é a reivindicação dum direito humano fundamental, alicerçado no destino universal dos bens da terra –, [64] lutar pela redução da dívida dos países pobres e transcender as barreiras sejam elas quais forem (raça, tribo, religião, nação, ideologia) em nome da humanidade comum e da dignidade de filhos e filhas de Deus, é uma tarefa que alguns cristãos se atribuíram no âmbito de organizações internacionais. Este é um esforço que contribui a edificar uma África de paz e de vida. Poderíamos fazer ainda mais, informando as populações sobre o papel e a função das instituições internacionais, conseguindo que numerosos fiéis se envolvam nessas instâncias de modo que seja quebrado o jugo da dívida dos países pobres.
146. A Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos constitui um momento importante para a Igreja-Família de Deus em África. É um kairos (cf. Mc 1,15). Como dizia o Apóstolo Paulo aos Coríntios: «É este o tempo favorável; este é o tempo da Salvação» (2 Cor 6,2). Este tempo é favorável à reconciliação de cada um com Deus e com os outros, uma reconciliação geradora de justiça e de paz. À imagem do próprio Jesus na cruz, todos os discípulos de Cristo em África – que receberam «a Palavra no meio de muitas tribulações com a alegria do Espírito Santo» (1 Tes 1,6) – devem «destruir o muro de inimizade que os separava» (Ef 2, 14). Na verdade, «a tribulação produz a constância; esta produz a virtude a toda à prova; e esta a esperança […] porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido» (Rom 5, 3-5). É Ele quem guia «os nossos passos no caminho da paz» (Lc 1, 79) e nos confia «o ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18). 147. A necessidade de reconciliação nos dias de hoje do continente é cada vez mais urgente. A reconciliação, da qual a África está sedenta para regenerar a família humana, consegue-se com uma justiça mais que humana, uma paz mais profunda do que a simples ausência de guerras e o silêncio das armas. Com o Santo Padre Bento XVI, os fiéis são convidados a implorar o Espírito Santo que nos reconciliou no seu Filho e que trabalha o coração dos homens. «O Espírito é também força que transforma o coração da comunidade eclesial, para ser, no mundo, testemunha do amor do Pai, que quer fazer da humanidade uma única família, em seu Filho». [65] Convencidos que Deus «no meio da humanidade, dividida em contínua discórdia, […] sempre [... leva] as pessoas a procurar a reconciliação», sabemos que o Espírito Santo move os corações dos homens para que «os adversários se dêem as mãos e os povos procurem reencontrar a paz» [66] (cf. 2 Cor 5,18). Pois, a civilização do amor é uma tarefa da qual ninguém se pode se cansar. 148. A Igreja-Família de Deus em África, fiel à sua vocação de anunciar o Evangelho, a Boa Nova, quer estar sempre mais disponível para a missão ad intra, no seu próprio continente, e ad extra, junto das Igrejas particulares dos outros continentes que a solicitam. [67] A essa disponibilidade para serem «testemunhas … até aos confins do mundo» (Act 1,8), os cristãos e as comunidades eclesiais do continente querem também abrir o seu coração aos imigrantes vindos doutros países e continentes. Esta dinâmica evangélica reforçará o serviço da Igreja-Família de Deus no caminho da reconciliação, da justiça e da paz. 149. Com Maria, procuremos estar disponíveis para a acção do Espírito Santo para que renove, em nós e através nós, a face da terra: Santa Maria, Mãe de Deus, Protectora de África, Pela tua obediência ao Pai e pela graça do Espírito Santo Mãe de ternura e de sabedoria, Mãe, cheia de Misericórdia e de Justiça, Mãe do Perpétuo Socorro, Rainha da Paz, rogai por nós!
Notas
[1]
Cf. S. Cipriano de Cartago,
De Catholicae Ecclesiae unitate:
SC 500, Éditions du Cerf, Paris 2006.
[2]
As designações variam mas a realidade é idêntica: Comunidade Eclesial Viva (CEV); Comunidade Cristã de Base (CCB).
[3]
Cf. Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos,
Lineamenta,
Préfacio de S.E. Mgr Nikola Eterovi?, Cidade do Vaticano 2006, p. IV.
[4]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica
Reconciliatio et paenitentia (02.12.1984), 2:
AAS 77 (1985) 186-188.
[5]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 113-114; 120:
AAS 88 (1996) 66-68; 71.
[6]
Bento XVI,
Angelus (22.02.2009):
L’Osservatore Romano (23-24.02.2009), p. 1; S. Inácio de antioquia,
Ad Romanos, Pref.: Funk F.,
Opera Patrum Apostolicorum, vol. 1, Tubingae 1897, p. 124; Concílio Ecuménico Vaticano II,
Lumen gentium, 13.
[7]
Cf. ibidem, 105-139 et passim: AAS 88 (1996) 63-80.
[8]
Cf. idem, 108: AAS 88 (1996) 65.
[9]
Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos,
Lineamenta, 1, Cidade do Vaticano 2006, p. 1.
[10]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 70:
AAS 88 (1996) 45.
[11]
Cf. idem, 106: AAS 88 (1996) 64.
[12]
Cf. idem, 58: AAS 88 (1996) 37.
[13]
Cf. idem, 89: AAS 88 (1996) 56.
[14]
Cf. AMECEA-IMBISA,
Message The Role of the Church in Development in the light of the African Synod (20.08.1995), §6.
[15]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 80:
AAS 88 (1996) 52.
[16]
Cf. idem, 115: AAS 88 (1996) 68-69.
[17]
Cf.
idem, 17; 70:
AAS 88 (1996) 13; 45.
[18]
Cf. idem, 68: AAS 88 (1996) 42-44.
[19]
Cf. idem, 106: AAS 88 (1996) 64.
[20]
Cf. idem, 71; 124: AAS 88 (1996) 46; 72-73.
[21]
Cf. idem, 109: AAS 88 (1996) 65.
[22]
Cf. idem, 116: AAS 88 (1996) 69.
[23]
Cf. idem, 104: AAS 88 (1996) 63.
[24]
Simposio das Conferências Episcopais de África e Madagascar (SCEAM - SECAM),
Actas da 7ª Assembleia Plenária (Kinshasa 1984), 167.
[25]
Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes, Instrução
Erga migrantes caritas Christi (03.05.2004), 10:
AAS 96 (2004) 767-768.
[26]
Cf. Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos,
Lineamenta, 20, Cidade do Vaticano 2006, p. 13-14.
[27]
Cf. Concilio Ecuménico Vaticano II,
Gaudium et spes, 78; Pontifício Conselho «Justiça e Paz»,
Compêndio da doutrina social da Igreja, 134.
[28]
Paulo VI,
Mensagem para a celebração do Dia da Paz «Se queres a Paz, trabalha pela Justiça» (08.12.1971):
AAS 63 (1971) 868.
[29]
Cf. João Paulo II,
Mensagem para a celebração do Dia da Paz «Não há Paz sem Justiça, não há Justiça sem perdão» (08.12.2001):
AAS 94 (2002) 132-140.
[30]
Bento XVI,
Discurso aos bispos do Mali em visita ad limina (18.05.2007):
L’Osservatore Romano, Ed. Port. (26.05.2007), p. 7.
[31]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995),113:
AAS 88 (1996) 66-67.
[32]
Paulo VI, Carta Apostólica
Octogesima adveniens (14.05.1971), 17:
AAS 63 (1971) 414.
[33]
Bento XVI,
Mensagem para a celebração do Dia da Paz «Família humana, comunidade de paz» (08.12.2007), 14:
L’Osservatore Romano, Ed. Port. (15.12.2007), p. 9.
[34]
Idem, 3: L’Osservatore Romano, Ed. Port. (15.12.2007), p. 8.
[35]
João Paulo II,
Mensagem para a celebração do Dia da Paz «Não há Paz sem Justiça, não há Justiça sem perdão» (08.12.2001), 14:
AAS 94 (2002) 139.
[36]
Idem, 15:
AAS 94 (2002) 139.
[37]
Idem, 3: AAS 94 (2002) 133.
[38]
Bento XVI,
Mensagem para a celebraçao do Dia da Paz «Combater a pobreza, construir a paz» (08.12.2008), 10:
L’Osservatore Romano, Ed. Port. (15.12.2007), p. 8.
[39]
Cf. Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (1409.1995), 48:
AAS 88 (1996)31.
[40]
Cf. idem, 47: AAS 88 (1996) 30.
[41]
XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (2008),
Verbum
Domini in vita et missione Ecclesiae, Mensagem nº15.
[42]
João Paulo II,
Viagem Apostólica a África, Discurso aos Bispos do Kenya
(07.05.1980), 6:
AAS 72 (1980) 497.
[43]
Cf. XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (2008),
Verbum
Domini in vita et missione Ecclesiae, Mensagem
nº 10; Concílio Ecuménico Vaticano II,
Dei Verbum, 21.
[44]
Santo Ireneu, Adversus Hereses, IV, 20, 7: SC 100, 648.
[45]
Cf. Bento XVI,
Carta aos participantes na Assembleia Geral da Federação Bíblica Católica (12.06.2008):
L’Osservatore romano, Ed. Port. (05.07.2008), p. 8.
[46]
Cf. Santo Agostinho,
Confessionum libri tredecim, Liber 10, Cap. 33, 50:
PL 32, 800.
[48]
Cf. Santo Agostinho, Sermo LVI, 7, 11: PL 38, 381-382.
[48]
O método da
Lectio divina praticado pelo Instituto de Lumko (África do Sul), chamado “Seven Steps”, foi adoptado por um determinado número de países.
[49]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica
Reconciliatio et paenitentia (0212.1984), 8-9:
AAS 77 (1985) 200-204.
[50]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (1409.1995), 50:
AAS 88 (1996) 31-32.
[51]
Cf. Organização das Nações Unidas (O.N.U.),
A Convenção Internacional sobre os direitos das crianças (20.11.1989).
[52]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 78:
AAS 88 (1996) 56.
[53]
Cf. idem, 98: AAS 88 (1996) 61.
[54]
Cf. idem, 97 e 96 (os diáconos): AAS 88 (1996) 60.
[55]
Cf. idem, 94: AAS 88 (1996) 58-59.
[56]
Cf. Secretaria Status Rationarum Generale Ecclesiae,
Annuarium statisticum Ecclesiae 2006, Città del Vaticano, p. 43.
[57]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 91:
AAS 88 (1996) 57.
[58]
Concílio Ecuménico Vaticano II, Gaudium et spes, 1.
[59]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 95:
AAS 88 (1996) 59-60.
[60]
Cf. Pontifício Conselho «Justiça e Paz»,
Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
[61]
Bento XVI,
Discurso ao corpo diplomático(08.01.2007):
L’Osservatore Romano, Ed. Port. (13.01.2007), p. 8.
[62]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal
Ecclesia in Africa (14.09.1995), 92:
AAS 88 (1996) 57-58.
[63]
Cf.
Idem, 93:
AAS 88 (1996) 58.
[64]
Cf. Pontifício Conselho «Justiça e Paz»,
Compêndio da Doutrina Social da Igreja. 171-175.
[65]
Bento XVI, Carta Encíclica
Deus Caritas est (25.12.2005), 19:
AAS 98 (2006) 233.
[66]
Prefácio da Oração eucarística sobre a reconciliação.
[67]
Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-sinodal Ecclesia in Africa (14.09.1995), 130; 134-135: AAS 88 (1996) 75; 77; Concílio ecuménico Vaticano II, Ad gentes, 20.
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