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SEGUNDA SESSÃO DA
16ª ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS (2 a 27 de outubro de 2024)
1ª CONGREGAÇÃO GERAL

DISCURSO INAUGURAL DO PAPA FRANCISCO

Sala Paulo VI
Terça-feira, 2 de outubro de 2024

[Multimídia]

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Queridos irmãos e irmãs,

A partir do momento em que, no mês de outubro de 2021, a Igreja de Deus foi “convocada em Sínodo”, percorremos juntos uma parte do longo caminho para o qual Deus Pai chama desde sempre o seu Povo, enviando-o entre todos os povos para levar o alegre anúncio de que Jesus Cristo é a nossa paz (cf. Ef 2, 14) e confirmando-o na sua missão com o dom do Espírito Santo.

Esta Assembleia, guiada pelo Espírito Santo, que “dobra o que é duro, guia no escuro, o frio aquece” (Sequência de Pentecostes), deverá oferecer o seu contributo para a construção duma Igreja sinodal em missão, que saiba sair de si mesma e habitar as periferias geográficas e existenciais, tendo o cuidado de estabelecer vínculos com todos, em Cristo nosso Irmão e Senhor.

Um autor espiritual do século IV escreveu um texto que poderia resumir o que acontece quando ao Espírito Santo são dadas condições para agir a partir do Batismo que gera todos com igual dignidade (cf. Macário de Alexandria, Homilia 18, 7-11: PG 34, 639-642). As experiências por ele descritas permitem-nos reconhecer o que aconteceu nestes três anos e o que poderá ainda acontecer.

A reflexão deste autor espiritual ajuda-nos a compreender que o Espírito Santo é um guia seguro, e a nossa primeira tarefa é aprender a distinguir a sua voz, porque Ele fala em todos e por meio de todas as coisas. Este processo sinodal fez-nos experimentar isso.

O Espírito Santo acompanha-nos sempre. É consolação na tristeza e no pranto, sobretudo quando – precisamente por causa do amor que nutrimos pela humanidade – diante do que não corre bem, das injustiças dominantes, da nossa obstinada resistência a responder ao mal com o bem, da dificuldade em perdoar e da falta de coragem na procura da paz, somos tomados pelo desânimo, parece não haver mais nada a fazer e nos entregamos ao desespero. E tal como a esperança é a virtude mais humilde, mas também mais forte, o desespero é o que há de pior.

O Espírito Santo enxuga as lágrimas e consola porque comunica a esperança de Deus. Deus nunca se cansa, porque o seu amor jamais se cansa.

O Espírito Santo penetra naquela dimensão da nossa existência que, muitas vezes, se assemelha bastante às salas dos tribunais, onde colocamos os acusados a depor e emitimos os nossos juízos, na maior parte das vezes de condenação. E precisamente Macário, na sua homilia, a diz-nos que o Espírito Santo, naqueles que o acolhem, acende um fogo “com tão intensa alegria e amor, que, se fosse possível, levariam todos no coração, sem qualquer distinção entre bons e maus”. Isto porque Deus sempre acolhe a todos, sempre; não esqueçamos: todos, todos, todos e sempre, até o último momento, a todos oferece novas possibilidades de vida. É por isso que devemos perdoar a todos e sempre, conscientes de que a disposição para perdoar resulta da experiência de ter sido perdoado. Um só pode não perdoar: aquele que não foi perdoado.

Ontem, durante a celebração da vigília penitencial, fizemos esta experiência. Reconhecemos que somos pecadores e pedimos perdão. Pusemos de lado o nosso orgulho, libertámo-nos da presunção de nos sentirmos melhores do que os outros. Mas, será que nos tornámos mais humildes?

Também a humildade é um dom do Espírito Santo: devemos pedi-la. Como diz a etimologia da palavra, a humildade devolve-nos à terra, ao húmus, e recorda-nos a origem, onde, sem o sopro do Criador, teríamos permanecido barro sem vida. A humildade permite-nos olhar para o mundo reconhecendo que não somos melhores do que os outros. Como diz São Paulo: “Não vos tenhais a vós mesmos na conta de sábios” (Rm 12, 16). E não se pode ser humilde sem amor. Os cristãos deveriam ser como aquelas mulheres descritas num soneto por Dante Alighieri, mulheres que sentem dor no coração, por causa da morte do pai da amiga Beatriz: «Vós que levais humílimo o semblante, baixos os olhos, denotando dor» (Vida Nova, XXII, 9). É a humildade solidária e compassiva de quem se sente irmão e irmã de todos, sofrendo a mesma dor e reconhecendo nas feridas e nas chagas de cada um, as feridas e chagas de Nosso Senhor.

Na oração, convido-vos a meditar sobre este lindo texto espiritual, e a reconhecer que a Igreja – semper reformanda – não pode caminhar nem renovar-se sem o Espírito Santo e suas surpresas, sem se deixar plasmar pelas mãos de Deus Criador, o Filho Jesus Cristo e o Espírito Santo, como nos ensina Santo Ireneu de Lião (cf. Contra as Heresias, IV, 20, 1).

Na verdade, desde que, no princípio, Deus fez surgir da terra o homem e a mulher; desde que Deus chamou Abraão destinando-o a ser uma bênção para todos os povos da terra e chamou Moisés para conduzir no deserto um povo libertado da escravidão; desde que a Virgem Maria acolheu a Palavra que a fez Mãe do Filho de Deus segundo a carne e Mãe de todos os discípulos e discípulas do seu Filho; desde que o Senhor Jesus, crucificado e ressuscitado, derramou o seu Espírito Santo no Pentecostes: desde então encontramo-nos a caminho, como “misericordiados”, para a realização plena e definitiva do amor do Pai. Não esqueçamos esta palavra: somos “misericordiados”.

Conhecemos a beleza e o cansaço do caminho. Percorremo-lo juntos, como um povo que, também neste tempo, é sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano (cf. LG, 1). Percorremo-lo com e por cada homem e mulher de boa vontade, nos quais a Graça opera ocultamente (cf. GS, 22). Percorremo-lo convictos da essência relacional da Igreja, velando para que as relações que nos são dadas e que nos são confiadas à nossa responsabilidade e criatividade, sejam sempre uma manifestação da gratuidade da misericórdia. Uma pessoa que se diz cristã, mas não entra na gratuidade e na misericórdia de Deus é simplesmente um ateu disfarçado de cristão. A misericórdia de Deus nos torna dignos de confiança e responsáveis.

Irmãs e irmãos, percorramos este caminho conscientes de ter sido chamados a refletir a luz do nosso sol, Cristo, como uma lua pálida que assume fiel e alegremente a missão de ser para o mundo sacramento daquela luz, que não parte de nós mesmos.

A XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, agora na sua Segunda Sessão, representa de forma original este “caminhar juntos” do povo de Deus.

A inspiração do Papa São Paulo VI, quando instituiu o Sínodo dos Bispos em 1965, revelou-se muito fecunda. Nos sessenta anos decorridos desde então, aprendemos a reconhecer no Sínodo dos Bispos um sujeito plural e sinfónico, capaz de sustentar o caminho e a missão da Igreja Católica, ajudando eficazmente o Bispo de Roma no seu serviço à comunhão de todas as Igrejas e da Igreja inteira.

São Paulo VI era bem consciente de que «este Sínodo, como qualquer instituição humana, com o passar do tempo pode ser aperfeiçoado» (Apostolica sollicitudo). A Constituição apostólica Episcopalis communio pretendia valorizar a experiência das várias Assembleias sinodais (ordinárias, extraordinárias, especiais), configurando explicitamente a Assembleia sinodal como um processo e não apenas como um evento.

O processo sinodal é também um processo de aprendizagem, no decurso do qual a Igreja aprende a conhecer-se melhor a si mesma e a identificar as formas de ação pastoral mais adequadas à missão que o seu Senhor lhe confia. Este processo de aprendizagem envolve também as formas de exercício do ministério dos pastores, particularmente dos Bispos.

Quando também decidi convocar, enquanto membros de pleno direito desta XVI Assembleia, um número significativo de Leigos e Consagrados (homens e mulheres), Diáconos e Sacerdotes, desenvolvendo o que já estava em parte previsto para as Assembleias anteriores, fi-lo em coerência com a compreensão do exercício do ministério episcopal expressa pelo Concílio Ecuménico Vaticano II: o Bispo, princípio e fundamento visível da unidade da Igreja particular, não pode viver o seu serviço senão no Povo de Deus, com o Povo de Deus, precedendo, estando no meio e seguindo a porção do Povo de Deus que lhe foi confiada. Esta compreensão inclusiva do ministério episcopal exige ser manifestada e reconhecida, evitando dois perigos: o primeiro é o da abstração que esquece a realidade fértil dos lugares e das relações, e o valor de cada pessoa; o segundo perigo é o da rutura da comunhão, colocando a hierarquia contra os Fiéis leigos. Não se trata certamente de substituir uns por outros, estimulados pelo grito: “agora é a nossa vez!”. Não, desta maneira não funciona: “agora toca-nos aos leigos”, “agora toca-nos aos padres”, não, assim não! Pelo contrário, é-nos pedido que nos exercitemos juntos numa arte sinfónica, numa composição que a todos nos una ao serviço da misericórdia de Deus, segundo os diferentes ministérios e carismas que o bispo tem como tarefa identificar e promover.

Caminhar juntos – todos, todos, todos – é um processo no qual a Igreja, dócil à ação do Espírito Santo e sensível para captar os sinais dos tempos (cf. GS, 4), se renova continuamente e aperfeiçoa a sua sacramentalidade, para ser testemunha crível da missão a que é chamada, para reunir todos os povos da terra no esperado único Povo quando, no final dos tempos, o próprio Deus nos sentará no banquete por Ele preparado (cf. Is 25, 6-10).

A composição desta XVI Assembleia é, portanto, mais do que um acontecimento contingente. Ela exprime um modo de exercer o ministério episcopal coerente com a Tradição viva das Igrejas e com o ensinamento do Concílio Vaticano II: o Bispo, como qualquer outro cristão, nunca pode pensar-se “sem o outro”. Assim como ninguém se salva sozinho, o anúncio da salvação precisa de todos, e que todos sejam ouvidos.

A presença na Assembleia do Sínodo dos Bispos de membros que não são bispos não diminui a dimensão “episcopal” da Assembleia. E digo isto por causa de algumas tempestades de falatórios que andaram de um lado para o outro. Nem sequer coloca qualquer limite ou derroga à autoridade própria de cada Bispo e do Colégio episcopal. Antes, assinala a forma que o exercício da autoridade episcopal é chamado a assumir numa Igreja que tem consciência de ser constitutivamente relacional e, portanto, sinodal. A relação com Cristo e entre todos em Cristo – os que estão presentes e os que ainda não estão presentes mas são aguardados pelo Pai – realiza a substância e molda a forma da Igreja em qualquer época.

As diferentes formas de exercício “colegial” e “sinodal” do ministério episcopal (nas Igrejas particulares, nos agrupamentos de Igrejas, na Igreja inteira) devem ser identificadas nos momentos oportunos, respeitando sempre o depósito da fé e a Tradição viva, respondendo sempre ao que o Espírito pede às Igrejas neste tempo particular e nos diferentes contextos em que vivem. E não esqueçamos que o Espírito é harmonia. Pensemos naquela manhã de Pentecostes: era uma tremenda confusão, mas Ele fez harmonia naquela confusão. Não esqueçamos que Ele é precisamente harmonia: não é uma harmonia sofisticada ou intelectual; é tudo, é uma harmonia existencial.

É o Espírito Santo que torna a Igreja permanentemente fiel ao mandato do Senhor Jesus Cristo e permanentemente ouvinte da sua Palavra. O Espírito conduz os discípulos à verdade completa (cf. Jo 16, 13). Ele guia-nos também a nós, que no Espírito Santo estamos reunidos nesta Assembleia, para dar uma resposta, após três anos de caminho, à questão de como ser Igreja sinodal missionária. Eu acrescentaria misericordiosa.

Com o coração cheio de esperança e de gratidão, consciente da exigente tarefa que vos está confiada a vós (e a nós também), desejo a todos que se abram com disponibilidade à ação do Espírito Santo, nosso guia seguro e nossa consolação. Obrigado.



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