DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS MEMBROS DA ASSEMBLEIA PLENÁRIA
DA PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA A AMÉRICA LATINA
Quinta-feira, 27 de junho de 2024
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Tenho o prazer de me encontrar convosco, membros e conselheiros da Pontifícia Comissão para a América Latina, que celebra a sua Assembleia Plenária. Agradeço ao Cardeal Robert Prevost pelas suas palavras. Saúdo muito cordialmente os membros, os convidados e o grupo que trabalha todos os dias a partir da Santa Sé ao serviço da Igreja na região.
As três perguntas a que procurareis responder nestes dias de trabalho são muito importantes: Que práticas promover em relação ao desenvolvimento da região, “tocando a carne sofredora de Cristo no povo”? Como evangelizar no âmbito social, promovendo a fraternidade diante do problema da polarização? Que serviço deve prestar a CAL às Conferências episcopais, ao CELAM e aos Dicastérios da Santa Sé?
Se olharmos com atenção, todas estas questões não se referem apenas a temas que a realidade atual nos obriga a enfrentar, mas fazem parte da reforma sinodal que toda a Igreja deve abraçar para fazer transparecer mais e melhor a verdadeira face de Jesus Cristo.
Com efeito, o Concílio Vaticano II convidou-nos a uma profunda renovação. É o que demonstram os discursos proferidos por São João XXIII e São Paulo VI no início da primeira e da segunda sessão dos trabalhos conciliares. O primeiro falou de atualização (São João XXIII, Discurso de inauguração do Concílio Vaticano II, 11 de outubro de 1962, n. 6). O segundo, de «florescente renovação da Igreja » (São Paulo VI, Discurso na abertura da segunda sessão do Concílio Vaticano II, 29 de setembro de 1963). Também o Decreto sobre o ecumenismo, do mesmo Concílio Vaticano II, afirma corajosamente que «a Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta contínua reforma de que, como instituição humana e terrena, tem sempre necessidade» (n. 6).
Nesta mesma linha, gosto de recordar as palavras incisivas do cardeal Ratzinger, quando pensava na “verdadeira reforma” da Igreja: «A reforma, cito, é sempre uma ablatio, uma remoção, para que a nobilis forma, o rosto da Esposa, se torne visível e, com ela, também do Esposo, o Senhor vivo. Tal ablatio, tal “teologia negativa”, é caminho para uma meta muito positiva. Só assim penetra o Divino, só assim é congregatio, assembleia, reunião, purificação, aquela comunidade pura pela qual ansiamos: uma comunidade em que o “eu” já não está contra outro “eu”» (Ser cristiano en la era neopagana, Madrid, 1995, 19).
Mediante a constituição Praedicate evangelium, eu quis colaborar precisamente para esta “ablatio” a fim de renovar a Cúria romana e, entre outras coisas, fazer da CAL uma “diaconia” que permita que Igreja na América Latina experimente a atenção e o afeto pastoral do Sucessor de Pedro (cf. Mensagem vídeo à Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, 27 de maio de 2022).
No entanto, atualmente a CAL não é apenas exemplo de renovação da Cúria romana, mas é também chamada a ser sujeito ativo que promova a transformação necessária de que todos precisamos, ou seja, que ajude com discrição, prudência e eficácia a fazer com que vivamos a sinodalidade — a dimensão dinâmica da comunhão (cf. ibid .) — para caminhar juntos na América Latina, impelidos pelo Espírito do Senhor.
Menciono as palavras discrição, prudência e eficácia para frisar que a CAL não é chamada a substituir os atores da vida eclesial latino-americana. Mas sim a encorajar todos eles, com a simplicidade e a profundidade de quem confia mais no envio e no serviço missionário do que no mero ativismo. Deste modo, a CAL deve promover com todos os interlocutores, tanto na Santa Sé como no CELAM, na CEAMA, na CLAR e todos os organismos eclesiais que servem direta ou indiretamente a Igreja na América Latina, um estilo sinodal de pensar, sentir e agir.
Neste sentido, providencialmente, a CAL e a Igreja na América Latina podem encontrar uma profunda fonte de inspiração em San Juan Diego. Como sabemos, ele era um indígena extremamente modesto e simples. A Virgem não o escolheu pela sua erudição, pela sua capacidade de organização ou pelas suas relações com o poder. Pelo contrário, Santa Maria de Guadalupe comove-se porque ele sabe que é pequenino: «Sou cauda, sou asa; eu próprio tenho que ser guiado, carregado aos ombros» (Nican Mopohua , n. 55). A consciência da sua incapacidade, aliada à descoberta do grande amor e proximidade que a Virgem Maria sente por ele, permite a San Juan Diego ir à procura do bispo, e ajudam-no a falar-lhe com caridade e clareza sobre aquilo que a Senhora do Céu lhe pedia. O bispo, que por sua vez tem um ministério a desempenhar, pede um sinal para poder acreditar. San Juan Diego obedece e encontra o sinal que procurava na colina de Tepeyac.
Nestas cenas podemos ver, com simplicidade e profundidade, a sinodalidade e a comunhão simultâneas. O fiel leigo proclama a boa nova, confiando fundamentalmente na dimensão eclesial e sobrenatural da sua missão, não tanto nas próprias forças. É uma bonita experiência de conversão sinodal! Esta mesma confiança permite-lhe também aceitar, sem complicações, a responsabilidade que o bispo tem no seio da comunidade. O resultado deste exercício sinodal e comunional não são apenas as rosas que aparecem diante de todos, não é somente a imagem milagrosa impressa na tilma [manto] do santo, mas também o início de um processo de reconciliação fraterna entre povos inimigos. Processo nunca perfeito, mas que sem dúvida contribuiu para o nascimento de uma nova realidade na América Latina. Em síntese, a sinodalidade ad intra dá frutos de fraternidade ad extra .
Este é o estilo inspirador que a CAL deve promover em toda a região latino-americana e, quando necessário, além das suas fronteiras. Inspirar, não impor. Inspirar, motivar e suscitar a liberdade para que cada realidade eclesial e social consiga discernir o próprio caminho, seguindo também as moções do Espírito, em comunhão com a Igreja universal. A CAL deve construir pontes de reconciliação, inclusão e fraternidade! Pontes que garantam que o “caminhar juntos” não seja uma mera expressão retórica, mas uma autêntica experiência pastoral!
Para concluir, gostaria de vos recordar que estamos próximos do Jubileu ordinário do ano de 2025. Na bula Spes non confundit observei: «Através do jovem Juan Diego, a Mãe de Deus transmitiu uma revolucionária mensagem de esperança que ainda hoje repete a todos os peregrinos e fiéis: “Não estou eu aqui, que sou tua mãe?”. Uma mensagem semelhante está gravada no coração de tantos Santuários marianos espalhados pelo mundo, destino de numerosos peregrinos, que confiam à Mãe de Deus as suas preocupações, dores e expetativas» (n. 24).
Estou confiante de que todos os membros da CAL participarão ativamente, convidando o povo de Deus a peregrinar e a proclamar a mensagem de esperança que toda a região deve ouvir e redescobrir urgentemente.
Santa Maria de Guadalupe, «Mãe do verdadeiro e único Deus, autor da vida» (Nican Mopohua , n. 26), nos ampare e encoraje a perseverar no esforço conjunto para fazer da Igreja uma comunidade cada vez mais segundo o estilo de Jesus. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.
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