DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL
SOBRE O FUTURO DA TEOLOGIA ORGANIZADO
PELO DICASTÉRIO PARA A CULTURA E A EDUCAÇÃO
Sala das Bênçãos
Segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
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Estou feliz por vos ver e por saber que um número tão elevado de professores, investigadores e decanos, provenientes do mundo inteiro, se reuniram para refletir sobre o modo de herdar o grande legado teológico das gerações passadas e imaginar o seu futuro. Agradeço ao Dicastério para a Cultura e a Educação por esta iniciativa. E agradeço-vos de coração, queridas teólogas e teólogos, pelo trabalho que fazeis, muitas vezes escondido, mas realmente necessário! Espero que o Congresso marque o primeiro passo de um fecundo caminho comum. Soube que instituições académicas, associações teológicas e alguns de vós, individualmente, contribuíram para as despesas de viagem de outros com menos possibilidades. Isso é muito bom! Em frente, juntos! E quando a fé, o amor, toca nos bolsos, é um bem! [risos entre os participantes]. Quando paramos antes, é porque falta algo!
Em primeiro lugar, gostaria de vos dizer que, quando penso na teologia, me vem à mente a luz. Com efeito, graças à luz, a realidade sai da escuridão, os rostos revelam os seus contornos, as formas e as cores do mundo finalmente aparecem. A luz é bela porque leva a realidade a aparecer, mas sem se exibir. Algum de vós já viu a luz? Mas vejamos o que a luz faz: faz aparecer as coisas. Agora, aqui, admiramos esta sala, vemos os nossos rostos, mas não vislumbramos a luz, porque ela é discreta, gentil, humilde e, por isso, permanece invisível. A luz é gentil! O mesmo acontece com a teologia: faz um trabalho escondido e humilde, para que sobressaia a luz de Cristo e do seu Evangelho. Desta constatação deriva para vós um caminho: procurar a graça e permanecer na graça da amizade com Cristo, verdadeira luz que veio a este mundo. Toda a teologia nasce da amizade com Cristo e do amor pelos seus irmãos e irmãs, pelo seu mundo; este mundo, dramático e ao mesmo tempo magnífico, cheio de dor, mas também de beleza comovedora!
Sei que nestes dias trabalhareis juntos sobre o “onde”, o “como” e o “porquê” da teologia. Perguntemo-nos: teologia, onde estás? Com quem caminhas? O que fazes pela humanidade? Estes dias serão importantes para abordar estas questões, para perguntar se o legado teológico do passado ainda pode dizer algo aos desafios de hoje e ajudar-nos a imaginar o futuro. É um caminho que sois chamados a percorrer juntos, teólogas e teólogos. Recordo-me do que narra o Segundo Livro dos Reis. Durante o restauro do Templo de Jerusalém, foi encontrado um texto; talvez fosse a primeira edição do Deuteronómio, que se tinha perdido. Um sacerdote e alguns sábios leem-no; até o rei o estuda; pressentem algo, mas não o entendem. Assim, o rei decide confiá-lo a uma mulher, Culda, que o compreende imediatamente e ajuda o grupo de estudiosos — todos homens — a entendê-lo (cf. 2 Rs 22,14-20). Há coisas que só as mulheres intuem e a teologia precisa da sua contribuição. Uma teologia exclusivamente masculina é uma teologia incompleta. Ainda há um longo caminho a percorrer neste âmbito.
E agora que me seja permitido confiar-vos um desejo e um convite.
O desejo é o seguinte: que a teologia ajude a repensar o pensamento. Como sabemos, o nosso modo de pensar plasma até os nossos sentimentos, a nossa vontade e as nossas decisões. A um grande coração corresponde uma imaginação e um pensamento de vasto alcance, ao passo que um pensamento retraído, fechado e medíocre dificilmente pode gerar criatividade e coragem. Vêm-me à memória os manuais de teologia com que estudávamos. Tudo fechado, tudo “de museu”, de biblioteca, mas não nos fazia pensar.
A primeira coisa a fazer, para repensar o pensamento, é restabelecer-se da simplificação. Com efeito, a realidade é complexa, os desafios são diversificados, a história é habitada pela beleza e, ao mesmo tempo, ferida pelo mal, e quando não se pode ou não se quer suportar o drama desta complexidade, tende-se facilmente a simplificar. Mas a simplificação quer mutilar a realidade, dá à luz pensamentos estéreis e unívocos, gera polarizações e fragmentações. E o mesmo acontece, por exemplo, com as ideologias. A ideologia é uma simplificação que mata: mata a realidade, mata o pensamento, mata a comunidade. As ideologias nivelam tudo numa única ideia, que depois repetem de modo obsessivo, instrumental, superficial, como os papagaios.
Um antídoto contra a simplificação é indicado na Constituição apostólica Veritatis gaudium: a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade (Proémio, c). Trata-se de fazer “fermentar” conjuntamente a forma do pensamento teológico com a dos outros saberes: filosofia, literatura, artes, matemática, física, história, ciências jurídicas, políticas e económicas. Fazer fermentar os saberes, pois eles são como os sentidos do corpo: cada qual tem uma sua especificidade, mas precisam uns dos outros, como diz também o apóstolo Paulo: «Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se tudo fosse ouvido, onde estaria o olfato?» (1 Cor 12,17). Este ano celebramos o 750º aniversário da morte de dois grandes teólogos: Tomás de Aquino e Boaventura. Tomás recorda que não temos apenas um sentido, mas que os nossos sentidos são múltiplos e diferentes, a fim de que a realidade não nos escape (De Anima, lib. 2, lect. 25). E Boaventura afirma que, na medida em que se «crê, espera e ama Jesus Cristo», «recupera-se a audição e a visão [...], o olfato, [...] o gosto e o tato» (Itinerarium mentis in Deum, IV, 3). Contribuindo para repensar o pensamento, a teologia voltará a resplandecer como merece, na Igreja e nas culturas, ajudando todos e cada um na busca da verdade.
Este é o desejo. Agora, gostaria de vos fazer um convite: que a teologia seja acessível a todos! Desde há alguns anos, em muitas partes do mundo, há o interesse dos adultos em retomar a sua formação, incluindo a académica. Homens e mulheres, sobretudo de meia-idade, talvez já formados, desejam aprofundar a fé, querem percorrer um caminho e inscrevem-se muitas vezes numa faculdade universitária. Trata-se de um fenómeno crescente, que merece o interesse da sociedade e da Igreja. A meia-idade é uma fase especial da vida. É um tempo em que, geralmente, se goza de uma certa segurança profissional e de solidez afetiva, mas é também um tempo em que os fracassos se sentem de forma mais dolorosa e em que surgem novas interrogações, na medida em que se desintegram os sonhos da juventude. Nesta fase, pode-se ter uma sensação de abandono e, às vezes, a alma bloqueia-se. É a crise da meia-idade! Então, sente-se a necessidade de retomar uma busca, talvez às apalpadelas, talvez levado pela mão. E esta companheira de viagem é a teologia! Por favor, se algumas destas pessoas baterem à porta da teologia, das escolas de teologia, que a encontrem aberta! Fazei com que estas mulheres e homens encontrem na teologia uma casa aberta, um lugar onde poder retomar um caminho, onde poder procurar, encontrar e voltar a investigar. Preparai-vos para isto! Imaginai coisas novas nos currículos de estudo, para que a teologia seja acessível a todos!
Estimadas irmãs e irmãos, disseram-me que este não será um congresso clássico, em que poucos falam e os outros ouvem ou dormem! Ouvi dizer que todos estarão em condições de ser ouvidos e de se ouvir uns aos outros. Muito bem! Podemos aprender com todos, até das velhinhas, que são sábias! Peço ao Dicastério para a Cultura e a Educação que me dê a conhecer os resultados do vosso trabalho, pelos quais vos agradeço desde já. Abençoo-vos de coração. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Este trabalho é divertido, mas é difícil!
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L'Osservatore Romano, Edição semanal em português, Ano LV, número 50, quinta-feira 12 de dezembro de 2024, p. 4.
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