DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
ÀS PARTICIPANTES NA XXI ASSEMBLEIA PLENÁRIA
DA UNIÃO INTERNACIONAL DAS SUPERIORAS GERAIS (UISG)
Sala Paulo VI
Sexta-feira, 10 de maio de 2019
Obrigado pela vossa presença. Preparei um discurso, mas ler discursos é maçador e então entrego-a à Presidente e ela vo-lo entregará. Gostaria de ter um diálogo convosco. Mas antes gostaria de comentar duas ou três pequenas coisas que a Presidente disse.
Sois pelos menos 850, de 80 países diversos — há muita variedade. Há trinta anos imaginei um encontro de Superioras-Gerais, cada uma com o próprio hábito [riem]: todas iguais no escondimento. Hoje, cada uma veste o hábito que a congregação escolheu: o hábito secular, o tradicional, um mais moderno, um hábito nacional: a presidente... Penso que o prémio será atribuído à Superiora das Irmãs de Jesus e Maria porque está muito elegante com o hábito indiano.
Muito obrigado. Obrigado pelo caminho de atualização que estais a percorrer. É arriscado. Sempre. É sempre arriscado crescer, contudo é mais arriscado assustar-se e não crescer. Porque agora não vês a crise, o perigo, mas no final sentir-te-ás pusilânime, pequena. Não uma criança: um infante, mas pior. Obrigado pelo vosso trabalho.
O problema dos abusos: não se resolve com as soluções da Igreja de um dia para o outro. Começou-se um processo. Ontem foi publicado outro documento e assim, lentamente, estamos a realizar um processo. Porque é uma situação da qual desde há 20 anos até agora não tínhamos consciência e estamos a tomar consciência, com muita vergonha, uma bendita vergonha!, pois a vergonha é uma graça de Deus. Sim, é um processo mas devemos ir em frente, avante num processo, passo a passo, para resolver este problema.
Algumas das organizações anti-abusos não ficaram satisfeitas com o Encontro de fevereiro [dos Presidentes das Conferências Episcopais]: “Não fizeram nada”. Eu entendo-as porque está em questão o sofrimento. E disse que se tivéssemos enforcado cem sacerdotes abusadores na praça de São Pedro todos teriam ficado contentes, mas o problema não se teria resolvido. Os problemas na vida resolvem-se com os processos, não ocupando espaços.
Depois, o abuso das religiosas é um problema sério, grave, estou ciente disto. Também aqui em Roma estão conscientes dos problemas, das informações que chegam. E não só o abuso sexual contra religiosas: também o abuso de poder e de consciência. Devemos lutar contra isto. E também o serviço das religiosas: por favor, serviço sim, escravidão não. Tu não te fizeste religiosa para seres a doméstica de um clérigo, não. Mas nisto, ajudemo-nos reciprocamente. Podemos dizer não, mas se a superiora disser sim... Não, todos juntos: escravidão não, serviço sim. Trabalhas nos dicastérios, neste, naquele, ou administrando uma nunciatura, um fenómeno, está bem assim. Mas doméstica, não. Se quiseres ser doméstica, faz como as religiosas do padre Pernet, da Assomption, que são enfermeiras, as domésticas nas casas dos doentes: ali sim, porque é serviço. Mas escravidão, não. Ajudemo-nos nisto.
Agora, o diaconado feminino. Quando me sugeristes para constituir uma comissão — porque a ideia é vossa — eu disse sim, constituí a comissão, que trabalhou bem, eram todos peritos, homens e mulheres teólogos, e chegaram até a um certo ponto, todos de acordo. Depois, cada um tinha a própria ideia, assim... entrego à Presidente — entrego-o oficialmente hoje — o resultado do pouco ao qual chegamos todos de acordo. Tenho comigo a relatio de cada um, pessoal, um que vai mais adiante, outro que pára num certo ponto... E isto deve ser estudado, porque não posso fazer um decreto sacramental sem um fundamento teológico, histórico. Trabalhou-se o suficiente mas é pouco: o resultado não é tão bom. Contudo é um passo em frente. Certamente, havia uma forma de diaconado feminino no princípio, sobretudo na Síria, naquela região; eu disse [durante a conferência de imprensa] no avião [voo de retorno da Macedónia]: elas ajudavam no batismo, em caso de dissolução do matrimónio, etc... a forma de ordenação não era uma fórmula sacramental, era por assim dizer — foi a informação que me deram, pois eu não sou perito nisto — como é hoje a bênção abacial de uma abadessa, uma bênção especial para o diaconado às diaconisas. Iremos em frente porque daqui a pouco eu poderia chamar os membros da comissão, verificar a que ponto chegaram. Entrego oficialmente o relatório conjunto; conservo — mas se alguma de vós tiver interesse, posso conceder — a opinião pessoal de cada um. Eles realizaram um bom trabalho, e agradeço por isto.
Sobre a função na Igreja. Procurai... Devemos completar a pergunta: qual é o trabalho da religiosa na Igreja, da mulher, e da mulher consagrada? E não erres pensando que seja só um trabalho funcional... Pode ser, sim, que o seja, um chefe de dicastério... Em Buenos Aires tive uma chanceler; há muitas mulheres chanceleres nos episcopados... Sim, pode ser, também funcionais; mas o importante é algo que vá além das funções, que ainda não amadureceu, que ainda não compreendemos bem. Digo “a Igreja é feminina”, “a Igreja é mulher”, e alguém replica: “Sim, mas esta é uma imagem”. Não, é a realidade. Na Bíblia, no Apocalipse chamam-na “a esposa”, é a esposa de Jesus, é uma mulher. Mas sobre esta teologia da mulher devemos persistir.
Gostaria de vos dizer isto. E agora temos 40 minutos para fazer as perguntas.
[Em alemão] Bruder Franziskus (irmão Francisco), sou franciscana como Vossa Santidade; estou aqui com as 850 superioras-gerais e representamos um grande número de religiosas que estão comprometidas em muitos ministérios da Igreja.
Langsam, bitte (Lentamente, por favor)
Falo por muitas mulheres que gostariam de servir o povo de Deus mas com os mesmos direitos, e esperamos hoje não só obter a resposta à questão do papel das mulheres na Igreja com base histórica e dogmática: certamente, temos necessidade também destas fontes da revelação, mas precisamos da força de Jesus, daquele modo com o qual Jesus tratou as mulheres. E quais respostas podemos encontrar hoje, no século xxi, para estas perguntas? Peço-lhe de coração que continue a refletir sobre isto, no âmbito da comissão, a fim de que não sejam consultadas apenas as fontes históricas e dogmáticas, mas procuremos compreender do que necessita a humanidade atual, as mulheres, os homens, todo o povo de Deus.
É verdade o que a irmã diz, que a Igreja não é só o Denzinger, isto é, a coleção de passos dogmáticos, de situações históricas. Isto é verdadeiro. Mas a Igreja desenvolve-se no caminho da fidelidade à Revelação. Não podemos mudar a Revelação. É verdade que a Revelação se desenvolve, a palavra é “desenvolver-se”. Progride com o tempo. E nós com o tempo compreendemos melhor a fé. O modo de entender a fé hoje, depois do Vaticano ii, é diferente da maneira de compreender a fé antes do Vaticano ii, porquê?, porque há um progresso da consciência, e a irmã tem razão. Esta não é uma novidade, porque a própria natureza da Revelação é um movimento contínuo para se esclarecer a si mesma, até a própria natureza da consciência moral. Por exemplo, hoje eu disse claramente que a pena de morte não é aceitável, é imoral, mas há cinquenta anos não se pensava assim. Mudou a Igreja? Não: desenvolveu-se a consciência moral. Um progresso. E os padres compreenderam isto. No século v viveu um sacerdote francês, Vincent di Lerins, que cunhou uma bonita expressão. Disse que a consciência da fé — digo-o em latim depois traduzo — «ut annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate»: isto é cresce, cresce com os anos; está em crescimento contínuo, não muda, cresce, alarga-se com o tempo. Compreende-se melhor, e com os anos sublima-se... E se vejo que o que penso agora está em conexão com a Revelação, está bem, mas se é algo estranho, que não está concernido na Revelação, também no campo moral, que não está em conformidade com a moral, não está bem. Por isso, sobre o caso do diaconado, devemos procurar o que havia no início da Revelação, e se houver algo, fazê-lo crescer e que amadureça... Se não houver alguma coisa, se o Senhor não quis o ministério sacramental para as mulheres não se vai em frente. E por esta razão vamos à história, ao dogma. Depois, gostei demais do que a madre disse porque não foi só isto que ela afirmou, há outros dois aspetos: um é o diálogo com o mundo no qual vivemos. Um diálogo de experiências. Este diálogo com o mundo provoca situações novas, que exigem respostas novas, mas estas respostas devem estar em harmonia com a Revelação. Há o diálogo, inclusive o progresso da fé e da moral — como expliquei — mas sempre com o fundamento. Segundo: a harmonia com a Revelação no diálogo. Não tenhais medo de dialogar, é importante. E o terceiro: o testemunho. E sobre isto penso que o mais importante que a madre disse, que mencionou brevemente, foi a necessidade do testemunho. Portanto é verdade: não servem só os aspetos dogmáticos. Nós com o Denzinger não vamos a parte alguma na vida concreta. Sabemos como é a verdade, sabemos como é o dogma, mas o modo como o tratamos, como o fazemos crescer, é outra coisa. O Denzinger ajuda-nos porque contém toda a dogmática, mas devemos crescer continuamente. Fiz referência ao vosso hábito, de agora: “Mudastes o hábito, arruinastes a vida consagrada!”. Nada: no diálogo com o mundo, cada congregação viu como era melhor expressar o próprio carisma, exprimir-se. E esta que não tem hábito, aquela que tem um hábito assim assim, essa e aquela que têm outro hábito não são piores nem melhores: cada congregação faz o seu discernimento. E com isto chego à palavra-chave: discernir. Precisamos de discernir. Não é tudo branco ou preto, nem sequer cinzento. Tudo está a caminho, mas percorrendo a via correta, a estrada da Revelação. Não podemos caminhar por outra estrada. Penso que, embora não tenha respondido a todos os aspetos que havia na pergunta da madre, funcionalmente esta é a resposta. É verdade: não nos ajudarão apenas as definições dogmáticas, os aspetos históricos, não só. Mas não podemos ir além da Revelação e da explicitação dogmática. Compreendestes isto? Somos católicos. Se alguém quiser fazer outra Igreja é livre, mas...
Chamo-me irmã Francesca, sou das Irmãs de Santa Ana. Antes de tudo gostaria de dizer-lhe um imenso obrigada porque Vossa Santidade, sempre que realizamos a plenária, reserva este espaço de encontro connosco. É um desejo impossível a realizar-se, que Vossa Santidade estivesse presente na plenária, porque lá tiveram origem todas as sementes de esperança, o sentido da vida religiosa feminina neste mundo, no mundo de hoje. Não é só comovedor, é estimulante, dá força, perceber quantas sementes, com os hábitos diferentes, com os vários carismas e missões, estamos presentes onde há fragilidade, fragilidades humanas, crianças violentadas, homens que deixaram a própria pátria e muitas vezes estando lá, em lugares de guerra, onde é difícil, e ouvir estes testemunhos inclusive de cuidado do planeta, a partir das pequenas coisas, dizia-se: “uma borboleta de cada vez”, uma pessoa de cada vez. Sim, talvez a vida religiosa feminina não tenha uma grande visibilidade no mundo de hoje mas há e são tantas pequenas sementes. Por fim, gostaria de dizer, mas pessoalmente, não temos necessidade de ocupar espaços clericais para que este serviço seja visível, porque já é, e continuará a ser e para isto seria bom que na plenária da Uisg estivessem presentes também alguns homens, como auditores, para ouvir a realidade viva, não só lê-la em papel, ouvi-la das vozes das religiosas, foi também o que partilhamos nas mesas. Esta é vida, é real, existe, é a semente que muitas vezes morre e nós, superioras-gerais, fazemos experiência de muitas mortes mas sabemos que este é o caminho para a vida e neste nosso serviço de madres é-nos dada a experiência da graça de testemunhar, de ser testemunhas oculares de tanta vida. Uma pergunta. Aqui todas somos madres: dê-nos alguma indicação concreta, das que só Vossa Santidade sabe dar, para sermos servas, não diaconisas, servas, mães, neste nosso mundo atual. Antes de tudo, servas das nossas irmãs porque as fragilidades estão também dentro, e antes de tudo somos instrumentos, servas das servas de Jesus que são as nossas irmãs. Obrigada pela sua proximidade a cada uma de nós.
Obrigado. Seria importante que estivessem presentes observadores masculinos na próxima... É importante, para compreender estas nuances que num resumo nunca aparecem... Seria uma boa ideia. A irmã usou três palavras, três pilares: “fragilidade”, “mãe” e “serva”.
A maternidade da Igreja. Volto ao mesmo ponto: a Igreja é mulher, é mãe. Nós dizemos: creio na santa mãe Igreja. Falando sobre a fragilidade, o ponto de encontro com a fragilidade é o que nos faz entender o que aconteceu quando Deus enviou o seu Filho: Deus encontra a fragilidade maior. A fragilidade humana e assume a fragilidade maior, assume a nossa humanidade. Não tenhais medo das fragilidades, aliás, aproximai-vos da fragilidade humana. Aproximar-se da fragilidade humana não é um ato de beneficência social, mas é um ato teológico, é ir ao ponto de encontro entre Deus e uma mulher, encarnou-se... Hoje de manhã na Missa havia 25 religiosas do Cottolengo que celebravam o cinquentenário de vida consagrada, e, por vocação, elas viviam na fragilidade pois trabalham com deficientes, continuamente, alguns gravíssimos... Mas uma felicidade! Sentem-se mães. Esta criança, este jovem, não seria melhor se fosse cuidado por uma enfermeira do Estado? Não, uma religiosa, elas sentem a vocação pela fragilidade. E não só elas, muitas... Vós, superioras, quantas vezes deveis acariciar as fragilidades das irmãs! Carregar nos ombros as fragilidades das vossas comunidades; e, neste sofrimento, falar com uma irmã que deseja ir embora, falar com aquela outra que não está bem, compreendê-la, entrar no coração, ir em frente... O ministério com a fragilidade... Também nós as temos. Mas não devemos ter medo, porque é o espelho da encarnação do Senhor. E depois ser mães. Mães e servas. Podemos ser servos, sim, os homens podem ser servos, mas não mães. Pais sim, mas não mães. A maternidade da Igreja e a maternidade de Nossa Senhora têm um reflexo na mulher consagrada, um reflexo total. Também uma mãe de família a reflete, mas a consagrada tem o reflexo total: quem vê uma religiosa vê a Igreja e Maria. Na fragilidade, porque é mãe na fragilidade, consagrada, sem ter um filho seu... Esta renúncia... Não quero falar demasiado...
[Intervenção da presidente da Uisg] Gostaria simplesmente de dizer que durante esta semana tivemos algumas pessoas que contaram o que fazem. Uma delas trabalha na República Centro-Africana, e citou esta pergunta que muitos lhe dirigem: “Também vós desejais partir [ir embora] daqui?”, pois estão em regiões muito atormentadas, de guerra. Penso que esta pergunta reflete a fragilidade da qual fazemos parte. Se nós não estivermos nas zonas frágeis, talvez nem sequer podemos ser verdadeiramente mães.
É verdade o que dizes. Aquela pergunta — “também vós quereis partir?” — significa o povo desesperado que não quer ficar sem mãe. Bonito, não?
Antes de tudo um grande obrigada, Santo Padre. Nestes dias tratamos diversos temas, um deles foi o diálogo inter-religioso: obrigada por tudo o que Vossa Santidade faz neste âmbito. Penso inclusive no diálogo ecuménico, e trago no coração o sofrimento que toquei com a mão, que vi em muitas partes devido à divisão que existe entre os cristãos. Sei que Vossa Santidade já realizou muito neste setor. Pergunto: é possível dar algum passo a mais para alcançar esta comunhão entre os cristãos? Obrigada.
Obrigado. Penso que o ecumenismo se faz a caminho, sempre. É verdade que os teólogos devem estudar, debater... Mas há aquela anedota — que é verdade, disseram-me que é verdade — de quando São Paulo vi se encontrou com Atenágoras — gostaria de poder dizer Santo Atenágoras — o quel disse a Paulo vi: “Façamos assim: vamos juntos, e mandamos os teólogos para uma ilha a refletir e fazer teologia, e nós vamos em frente juntos”. Uma brincadeira mas dizem que aconteceu. Mas se não for verdade, é uma boa ideia. [O ecumenismo] faz-se sempre a caminho. Há pobres? Vamos juntos trabalhar com os pobres. Há migrantes? Juntos. Sempre unidos. Este é o ecumenismo do pobre, como eu chamo aquilo que se faz a caminho com as obras de caridade. Contudo, há outro ecumenismo: o do sangue. Quando matam os cristãos pelo facto de serem cristãos, não perguntam: “És anglicano? És luterano? És católico? És ortodoxo?”. Matam. E o sangue mistura-se. Recordo certa vez um pároco de Sankt Josef em Wannsee, perto de Hamburgo, encarregado de prosseguir a causa de um sacerdote guilhotinado pelos nazistas por ter ensinado o catecismo às crianças. Depois, um pastor luterano foi guilhotinado pelo mesmo motivo. E ele foi ter com o bispo, dizendo: “Não posso continuar a causa sem a causa do luterano, porque o sangue deles se misturou”. É o ecumenismo do sangue. Temos muitos mártires comuns. Paulo vi, quando canonizou os mártires de Uganda, eram catequistas metade católicos e metade anglicanos, mais ou menos, e no discurso de canonização mencionou o martírio dos anglicanos. Já Paulo vi disse isto. Há o ecumenismo do sangue. Devemos fazer o possível juntos. Por exemplo, venho da bênção de uma exposição sobre o tráfico [“Talitha kum”, inaugurada antes desta audiência diante da Sala Paulo vi]: trabalhamos todos juntos, católicos, evangélicos, todos, pois é um problema social que devemos ajudar a resolver. Penso que isto é importante: o ecumenismo faz-se a caminho, não se faz só com a reflexão teológica. Isto ajudará porque fizemos bons progressos, por exemplo com os luteranos, sobre a justificação... bons progressos. Mas não podemos permanecer parados enquanto não se resolverem todos os pontos teológicos. Os teólogos têm uma grande função na Igreja: que estudem e nos ajudem; mas nós, entretanto, devemos caminhar. E depois o ecumenismo da oração. São três. O ecumenismo da oração, o ecumenismo do sangue, o ecumenismo do pobre. Rezar uns pelos outros, inclusive uns com os outros. Isto, no que diz respeito ao ecumenismo. No diálogo inter-religioso, procuremos os valores comuns que temos, e isto está bem. Por exemplo, entre os valores comuns, o respeito que os muçulmanos têm pela vida do recém-nascido ou pelos não nascidos é maravilhoso.
[Em português] Sou irmã Marlise, das Irmãs do Imaculado Coração de Maria do Brasil. Querido Papa Francisco, assim sentimos Vossa Santidade, estou muito emocionada por estar aqui e também a irmã Carmen disse que nunca teria imaginado poder sentar ao seu lado. Nem eu teria imaginado poder estar aqui para me dirigir a Vossa Santidade e fazer-lhe uma pergunta. Fui encorajada pelas minhas irmãs de hábito brasileiras a vir aqui. Gostaria de lhe dizer que nos sentimos muito felizes e orgulhosas por ter um Papa latino-americano. Todas as latino-americanas presentes aqui sentem o mesmo. [Aplausos] Obrigada! Gostaria também de dizer que lhe agradecemos por todas as iniciativas, principalmente aquelas a favor dos pobres. Nós no Brasil e em vários países da América Latina estamos vivendo a situação de um povo muito sofredor e também em tantas outras partes do mundo, e Vossa Santidade é uma presença muito significativa no mundo para esta porção da humanidade: pobres, refugiados, vítimas do tráfico. Para a sua iniciativa de contraste ao tráfico humano também nós demos o nosso contributo no Brasil através da “Rede um grito pela vida” e queremos aprofundar e incentivar ulteriormente mais irmãs a participar nesta luta contra o tráfico de seres humanos. Está para iniciar o Sínodo sobre a Amazónia e gostaríamos de lhe perguntar qual contributo a vida religiosa consagrada pode oferecer de modo particular ao Sínodo sobre a Amazónia. Esta é a minha pergunta.
Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta: quem é mais importante, Pelé ou Maradona? [riem]. Na Amazónia é importante a presença da mulher para a sensibilidade dos povos indígenas e também a mulher é capaz — a religiosa, a consagrada — de entender melhor o problema tribal, porque não é um problema... Cada tribo, cada categoria indígena não é uma espécie de clube de futebol nem uma associação cultural. É vital, e só a mulher é capaz de compreender a vida. E a mulher consagrada, certamente, saberá procurar as estradas para lá chegar. Há problemas que algumas denominações religiosas têm com os indígenas, porque não entendem bem a sua estrada. Inclusive o problema da expressão litúrgica, a inculturação que uma congregação para o culto estuda tão bem: a sua inculturação litúrgica, que tem uma antiga tradição. Também na China o padre Ricci, na Índia o padre De Nobili: naqueles tempos já havia o problema da inculturação. Também há este problema. Penso que o vosso contributo ajudará muito a não errar na inculturação, e a acompanhar com o respeito, porque uma mulher consagrada é muito zelosa no respeito do modo como a vida cresce, do respeito em volta das irmãs de Santa Ana, da fragilidade. Uma mulher consagrada sabe mover-se com a fragilidade, de modo especial, de modo teologal.
Sou a Irmã Alice Drajea da Congregação das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, fundada pelos missionários combonianos. Sou a superiora-geral das Irmãs com sede em Juba, Sudão do Sul. Em primeiro lugar, gostaria de lhe transmitir as saudações da população do Sudão do Sul: as pessoas querem que eu lhe diga quanto elas se sentem gratas pelos gestos que Vossa Santidade teve com os presidentes do Sudão do Sul [aplauso]. Todos ficamos honrados e agradecidos por aquele gesto, mas muitas pessoas que vivem nas zonas rurais não tinham os meios para ver nem ler este evento. Em segundo lugar, gostaríamos de lhe agradecer pelo novo bispo da diocese de Torit. Como Congregação local baseada no Sudão do Sul, a única que agora está em crescimento, temos diante de nós muitos desafios, mas o desafio que gostaria de apresentar à sua atenção numa pergunta é o desafio no âmbito da Igreja. Vossa Santidade falou de um processo, que é algo positivo. No momento temos pelo menos três dioceses sem bispo, e as outras duas têm bispos que alcançaram a idade da renúncia, inclusive o nosso arcebispo Paulino Lukudu Loro. Agora, com a situação que há no Sudão do Sul, penso que temos necessidade de uma Igreja forte, uma diocese forte com pessoas que tenham uma guia. Porque, como diz o Evangelho, as ovelhas sem um pastor perdem-se. Portanto, a minha pergunta é: quanto pode funcionar e ir em frente uma diocese sem um bispo? Precisamos de um bispo. E a última pergunta: eu mesma e as pessoas do Sudão do Sul, pedimos-lhe que venha ao Sudão do Sul. Obrigada!
Muito obrigado. É verdade o que disse, faltam cinco bispos: dois já são idosos e as outras três dioceses estão vacantes. Tivemos dificuldade para nomear este último e dizem-me que estão a decorrer os processos de dois. Esperemos... Mas a irmã tem razão, e lá sofre-se muito porque alguns bispos, para visitar os católicos devem ir aos campos de refugiados porque a situação ainda não é clara. Esta é uma das coisas mais importantes: a nomeação dos bispos. Nem sempre se encontram candidatos adequados, deve-se esperar, mas pelo menos podemos dizer à irmã que rezaremos para que se encontrem bons bispos! Há também os defeitos humanos: é um bom sacerdote mas não pode ser bispo porque não possui esta dimensão, não desenvolveu aquela outra... Procurar um candidato não é fácil. Mas a irmã tem razão, acompanhemos isto com a oração. Estava prestes a ir ao Sudão do Sul, com o Arcebispo de Canterbury. Mas não foi possível. Prometemos que iremos juntos, o Arcebispo anglicano e eu. Talvez este ano — talvez, não é uma promessa! — quando for a Moçambique, Madagáscar, Maurício [em setembro], talvez seja o tempo de passar por lá. Quando digo “tempo” não é o tempo do relógio, mas o tempo maduro para lá ir. Quero ir. Tenho o Sudão do Sul no meu coração. Mas gostaria de dizer algo muito positivo do Sudão do Sul. Quando havia esta situação da qual não se sabia como sair, chegou aos dirigentes políticos a proposta de fazer um retiro espiritual aqui no Vaticano, dois dias, e fizeram-no. Almoçavam na sala comum na qual almoço também eu, e via-os ali à mesa como noviços: calados, comiam. Eles que faziam a guerra! Calados porque pensavam na meditação que tinha feiro o católico, o episcopaliano, o anglicano... mas para nos unirmos sempre. Nenhuma nação fez isto, só eles, são bons. E eu digo: Senhor, se tiveram esta coragem de dar um testemunho deste tipo, de vir fazer um retiro espiritual, concedei-lhes a possibilidade de ir em ferente! Lá, há o problema da pobreza e da fome. Gostaria de ir. E há um programa para poder realizar isto. Os bispos... são deveras [um ponto importante]... E também a vida religiosa: ajudai para que cresça bem, que sejam mulheres fortes, que levem em frente isto, pois será muito importante.
Gostei deste testemunho, daquele ângulo da geografia africana, que nos ajudará muito. E penso que ali alguém pode dizer: “E vós, quereis partir?” — “Não”, como afirmou a Presidente.
Agora é hora. Gostaria de continuar... mas levo a sério — se estiver vivo, não sei — o convite para participar pelo menos numa parte da próxima assembleia. Penso que a motivação que a religiosa deu é verdadeira, se estiver vivo irei. Caso contrário, recordai isto ao sucessor! Que faça o mesmo! Muito obrigado, rezai por mim e convido-vos a recitarmos juntos o Regina Caeli.
DISCURSO PREPARADO PELO SANTO PADRE E ENTREGUE DURANTE O ENCONTRO
Prezadas religiosas!
Estou muito feliz de poder receber-vos hoje, por ocasião da vossa Assembleia geral, e de vos desejar um tempo pascal repleto de paz, alegria e paixão para levar o Evangelho a todos os recantos da terra. Sim, a Páscoa é tudo isto, e convida-nos a ser testemunhas do Ressuscitado, vivendo uma nova etapa evangelizadora, marcada pela alegria. Ninguém nos pode roubar a paixão pela evangelização! Não há Páscoa sem missão: “Ide e proclamai o Evangelho a todas as criaturas!” (cf. Mc 16, 15-20). À sua Igreja o Senhor pede que indique o triunfo de Cristo sobre a morte, pede que nos mostre a sua Vida! Irmãs, ide e anunciai Cristo Ressuscitado como a fonte do júbilo que nada e ninguém nos pode tirar. Renovai constantemente o vosso encontro com Jesus Cristo Ressuscitado e sereis suas testemunhas, levando a todos os homens e mulheres amados pelo Senhor, de maneira particular a quantos se sentem vítimas da cultura da exclusão, a dócil e confortadora alegria do Evangelho.
Como a seu tempo afirmou São João Paulo II, a vida consagrada come qualquer outra realidade da Igreja está a atravessar um período “delicado e árduo” (Exortação Apostólica Vita consecrata, 13). Perante a diminuição numérica que a vida consagrada experimenta, em particular a feminina, existe a tentação do desânimo, da resignação ou do “entrincheiramento”, no “sempre se fez assim”.
Neste contexto repito-vos com aquilo que vos disse noutras ocasiões: não tenhais medo de ser poucas, mas sim de ser insignificantes, de deixar de ser luz que ilumine quantos estão imersos na “noite escura” da história. Também não tenhais medo de “confessar com humildade e ao mesmo tempo com grande confidência em Deus Amor, a vossa fragilidade” (Carta a todos os consagrados, 21 de novembro de 2014, I, 1). Aliás, tende medo: temei deixar de ser sal que dê sabor à vida dos homens e das mulheres da nossa sociedade. Trabalhai incansavelmente para ser sentinelas que anunciam a chegada da alvorada (cf. Is 21, 11-12); para ser fermento onde estiverdes e com quem vos encontrardes, embora isto, aparentemente, não vos traga vantagens tangíveis nem imediatas (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 210).
Há muitas pessoas que precisam de vós e esperam por vós. Pessoas que têm necessidade do vosso sorriso amigo que lhes restitua esperança; do amparo das vossas mãos ao longo do seu caminho; da vossa palavra que semeie esperança nos seus corações; do vosso amor à maneira de Jesus (cf. Jo 13, 1-15), que cure as feridas mais profundas causadas pela solidão, pela rejeição e pela exclusão. Nunca cedais à tentação da autorreferencialidade, do transformar-se em “exércitos fechados”. Não vos refugieis nem sequer “numa obra, para eludir a capacidade operacional do carisma” (A força da vocação, 56). Pelo contrário, desenvolvei a fantasia da caridade e vivei a fidelidade criativa aos vossos carismas. Com elas sereis capazes de “voltar a propor a criatividade e a santidade dos fundadores” (Exortação Apostólica Vita consecrata, 37), abrindo novos caminhos para levar o encorajamento e a luz do Evangelho às diferentes culturas em que viveis e trabalhais, nos mais diversificados âmbitos da sociedade, como eles fizeram na sua época. Juntamente com eles, sereis capazes de revisitar os vossos carismas, de ir às raízes, vivendo convenientemente o presente, sem ter medo de caminhar, “sem permitir que a água deixe de fluir [...]. A vida consagrada é como a água: quando é estagnante, apodrece” (A força da vocação, 44-45). Deste modo, sem perder a memória, sempre necessária para viver o presente com paixão, evitareis tanto o “restauracionismo” como a ideologia, seja ela de que tipo for, que fazem muito mal à vida consagrada e à própria Igreja.
E tudo isto com a vossa presença e o vosso serviço humilde e discreto, animado sempre pela oração gratuita e pela prece de adoração e de louvor. Rezar, louvar e adorar não significa perder tempo! Quanto mais estivermos unidos ao Senhor, tanto mais estaremos próximos da humanidade, de maneira particular da humanidade que sofre. “O nosso futuro será repleto de esperança”, como afirma o lema desta Plenária, e os nossos programas serão projetos de porvir, na medida em que nos detivermos todos os dias diante do Senhor, na gratuidade da oração, se não quisermos que o vinho se transforme em vinagre e o sal se torne insípido. Só será possível conhecer os projetos que o Senhor realizou para nós, se mantivermos os nossos olhos e o nosso coração orientados para o Senhor, contemplando a sua Face e ouvindo a sua Palavra (cf. Sl 33). Somente assim sereis capazes de despertar o mundo com a vossa profecia, caraterística distintiva e prioridade do vosso ser religiosas e consagradas (cf. Carta a todos os consagrados, 21 de novembro de 2014, ii, 2). Quanto mais urgente é descentrar-se para ir às periferias existenciais, tanto mais urgente é centrar-se n’Ele e concentrar-se nos valores essenciais dos nossos carismas.
Entre os valores essenciais da vida religiosa há a vida fraterna em comunidade. Constato com imensa alegria os grandes resultados alcançados nesta dimensão: comunicação mais intensa, correção fraterna, busca da sinodalidade na orientação da comunidade, acolhimento fraternal no respeito pela diversidade... mas, ao mesmo tempo, preocupa-me o facto de que haja irmãos e irmãs que levam a própria vida à margem da fraternidade; irmãs e irmãos que, há anos, estão ilegitimamente ausentes da comunidade e por isso acabei de promulgar um Motu Proprio, Communis vita, com normas bem definidas para evitar tais casos.
Quanto à vida fraterna em comunidade, preocupa-me também que haja Institutos nos quais a multiculturalidade e a internacionalização não são vistas como uma riqueza, mas como uma ameaça; e são vividas como conflito, e não como novas possibilidades que mostram o verdadeiro rosto da Igreja e da vida religiosa e consagrada. Peço aos responsáveis dos Institutos que se abram à novidade, própria do Espírito que sopra onde e como quer (cf. Jo 3, 8), e que preparem as gerações de outras culturas para assumir responsabilidades. Irmãs, vivei a internacionalização dos vossos Institutos como uma boa nova. Vivei a mudança de rosto das vossas comunidades com alegria, e não como um mal necessário para a conservação. A internacionalidade e interculturalidade não voltam atrás.
Estou preocupado com os conflitos geracionais, quando os jovens não são capazes de promover os sonhos dos anciãos, a fim de os fazer frutificar, nem os anciãos sabem acolher a profecia dos jovens (cf. Jl 3, 1). Como gosto de repetir: os jovens correm muito, mas os idosos conhecem o caminho! Numa comunidade são necessárias tanto a sabedoria dos anciãos como a inspiração e o vigor dos jovens.
Amadas religiosas, através de vós agradeço a todas as irmãs dos vossos Institutos, o grande trabalho que levais a cabo nas várias periferias em que vivem. A periferia da educação, onde educar significa vencer sempre, conquistar para Deus; a periferia da saúde, onde sois servidoras e mensageiras da vida, e de uma vida digna; e a periferia do trabalho pastoral nas suas manifestações mais diversificadas onde, dando testemunho do Evangelho com a vossa vida, mostrais o rosto materno da Igreja. Obrigado por aquilo que sois e pelo que realizais na Igreja. Nunca deixeis de ser mulheres! “Não é necessário deixar de ser mulher para se uniformizar” (A força da vocação, 111).
Ao mesmo tempo, peço-vos: cultivai a paixão por Cristo e a paixão pela humanidade. Sem paixão por Cristo e pela humanidade não há futuro para a vida religiosa e consagrada. A paixão levar-vos-á à profecia, a ser fogo que faz arder outras chamas. Continuai a dar passos na missão compartilhada entre diferentes carismas e com os leigos, convidando-os a participar em obras importantes, sem permitir que ninguém fique desprovido da necessária formação e do sentido de pertença à família carismática. Promovei os relacionamentos recíprocos com os Pastores, incluindo-os no vosso discernimento e integrando-os na seleção de presenças e ministérios. O caminho da vida consagrada, tanto feminino como masculino, é a vereda da inserção eclesial. Fora da Igreja e em paralelo com a Igreja local, as coisas não funcionam. Prestai muita atenção à formação, tanto permanente como inicial, e à formação de formadores capazes de ouvir, acompanhar e discernir, indo ao encontro de quantos batem à nossa porta. E, não obstante as provações que talvez estejamos a atravessar, vivei com alegria a vossa consagração. Esta é a melhor propaganda vocacional!
A Virgem vos acompanhe e vos proteja com a sua intercessão materna. Da minha parte, abençoo-vos de coração e concedo a minha Bênção a todas as irmãs que o Senhor vos confiou. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim!
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