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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AOS EMIRADOS ÁRABES UNIDOS
 (3-5 DE FEVEREIRO DE 2019)

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA DO SANTO PADRE
DURANTE O VOO A
BU DHABI-ROMA

 Terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

[Multimídia]


 

Gisotti:

Boa tarde, Santo Padre! Boa tarde a todos vós! Com frequência nós, jornalistas, usamos o adjetivo «histórico» e às vezes dizem-nos que o usamos um pouco demais, mas para esta viagem talvez esteja bem. Muitos o usaram em tantas línguas diferentes. Foi na verdade uma viagem curta no tempo, mas com um horizonte verdadeiramente largo, e todos esperam que os frutos, a partir das sementes destes dias, sejam de longa duração. Uma viagem que viu hoje, poucas horas atrás, o encontro com um povo congregado de tantos povos: os organizadores locais falavam em quase cem nacionalidades presentes. E ontem aquele Documento, de valor verdadeiramente extraordinário, uma surpresa, mas uma daquelas surpresas que – imagino – os colegas tiveram o prazer de contar; tal é a sua importância. Não sei se o Santo Padre quer, antes das perguntas, fazer uma pequena introdução.

Papa Francisco:

Antes de mais nada, bom dia e obrigado pela companhia. Foi uma viagem demasiado breve, mas uma experiência grande. Acho que cada viagem é histórica, e cada uma das nossas jornadas é escrever a história de cada dia. Nenhuma história é pequena, nenhuma. Toda a história é grande e digna; e ainda que seja feia, se a dignidade estiver oculta, sempre pode emergir. Muito obrigado pela vossa colaboração.

Gisotti:

Damos início às perguntas começando, como é tradição, pelos jornalistas locais. Este Documento, repleto de conteúdos, suscita verdadeiramente tantas perguntas, tantas reflexões. Santo Padre, o primeiro a fazer a pergunta é Imad Atrach, da «Sky News Arabia».

Imad Atrach:

Santidade, quais são os resultados próximos desta viagem e qual é a sua impressão sobre este país dos Emirados Árabes Unidos?

Papa Francisco:

Vi um país moderno, fiquei impressionado com a cidade, a limpeza da cidade... E também pequenas curiosidades: como fazem para regar as flores neste deserto? É um país moderno, acolhedor de tantos povos que vêm aqui. É um país que olha para o futuro. Um exemplo entre outras coisas: a educação das crianças; educam olhando para o futuro, sempre. Assim me explicaram! Outra coisa que me impressionou foi o problema da água: a aposta para o futuro, um futuro próximo, é tomar a água do mar e torná-la potável; e fazer o mesmo com a água da humidade do ar… Sempre estão à procura de coisas novas. E referia-me alguém: «Um dia faltar-nos-á o petróleo; estamos a preparar-nos para esse dia, porque haverá algo mais a fazer». É um país que olha para o futuro. Depois, pareceu-me um país aberto, não fechado. Mesmo quanto à religiosidade: o Islã é um islamismo aberto, não fechado, de diálogo, um islamismo fraterno e de paz. A propósito, destaco a vocação à paz que senti presente: apesar dos problemas de algumas guerras na região, senti isso. Além disso, para mim foi profundamente tocante o encontro com os sábios [o Conselho dos Anciãos], com os sábios do Islã, uma realidade profunda; eram de muitas proveniências, de várias culturas. E também isto indica a abertura deste país a um certo diálogo regional, universal e religioso. Depois, impressionou-me o Encontro Inter-religioso: um facto cultural forte; e além disso – mencionei-o no discurso – aquilo que fizeram aqui no ano passado sobre a proteção das crianças nos mass-media, na internet. Com efeito, hoje a pornografia infantil é realmente uma «indústria» que rende muito dinheiro e se aproveita das crianças. Este país deu-se conta disso e fez coisas positivas. Certamente haverá problemas e aspetos negativos, mas, numa viagem de menos de dois dias, estas coisas não se veem e, se se veem, a pessoa olha para o outro lado... E obrigado pela hospitalidade.

Gisotti:

Agora dirige-lhe a pergunta Nour Salman, da «Emirates News Agency».

Nour Salman:

Santidade, muito obrigado por esta oportunidade. A pergunta que temos para lhe fazer é esta: a Declaração de Abu Dhabi em prol da fraternidade humana está assinada… Como será aplicado este Documento no futuro? E que pensa a propósito de Sua Alteza Mohammed bin Zayed ter anunciado a construção da igreja de São Francisco e da mesquita do Imã Ahmed El-Tayeb?

Papa Francisco:

O documento foi preparado com muita reflexão e também oração. Tanto o Grande Imã com a sua equipe como eu com a minha rezamos tanto para se conseguir fazer este Documento. Porque, a meu ver, agora há apenas um grande perigo: a destruição, a guerra, o ódio entre nós. E se nós, crentes, não formos capazes de nos dar a mão, abraçar-nos, beijar-nos e também rezar, a nossa fé será derrotada. Este Documento nasce da fé em Deus, que é o Pai de todos e Pai da paz, e condena toda a destruição, todo o terrorismo, a começar pelo primeiro terrorismo da história que é o de Caim. É um Documento que se desenvolveu ao longo de quase um ano: idas, vindas, orações... Mas permaneceu assim, reservado, para amadurecer, para não dar à luz a criança antes do tempo, para que amadurecesse. Obrigado.

Gisotti:

Santo Padre, antes da próxima pergunta, há um presente do jornalista de Alittihad [oferece ao Santo Padre uma pintura]. Agora faz a pergunta o colega Joerg Seisselberg, da «ARD» alemã.

Joerg Seisselberg:

Santo Padre, foi uma viagem cheia de encontros, impressões, imagens. Ficou-me gravada na mente também a imagem da sua chegada: foi recebido com honras militares, com os aviões militares que traçavam no céu as cores do Vaticano. Pergunto-me: como se concilia isso com o Papa Francisco, com o Papa que vem com uma mensagem de paz? Nesses momentos, que sente e pensa? E, permanecendo no tema, o seu apelo pela paz no Iémen… Que reações recebeu nos seus encontros que lhe permitam esperar que esta mensagem seja acolhida, que se darão passos rumo à paz no Iémen? Obrigado.

Papa Francisco:

Obrigado. Eu interpreto todos os gestos de boas-vindas como gestos de boa vontade. Cada qual fá-los segundo a própria cultura. E aqui, que senti? Uma receção tão grande que quiseram pôr tudo em campo, pequenas coisas e grandes coisas, porque sentiam que a visita do Papa era coisa boa. Alguém falou mesmo de uma bênção: isto sabe-o Deus! Mas eles sentem a visita – se interpreto bem – como uma coisa boa, e quiseram fazer-me sentir que era bem-vindo. Sobre o problema das guerras: O senhor mencionou uma. Sei que é difícil dar uma opinião depois de dois dias e depois de ter falado sobre o assunto com poucas pessoas; mas posso dizer que encontrei boa vontade para iniciar processos de paz. Esta [atitude] pareceu-me ser um pouco o denominador comum, quando falei das situações de guerra (o senhor mencionou a do Iémen): encontrei boa vontade para iniciar processos de paz.

Gisotti:

Agora a pergunta é feita por Domenico Agasso de «La Stampa». Faz o seu segundo voo papal, mas esta é a primeira ocasião que tem para lhe fazer uma pergunta em conferência de imprensa no avião. Por favor, Domenico...

Domenico Agasso:

Santo Padre, depois da histórica assinatura de ontem aposta no Documento da fraternidade, quais serão – na sua opinião – as consequências no mundo islâmico, concretamente nos conflitos do Iémen e da Síria? E quais serão as consequências também entre os católicos, considerando o facto de haver uma parte de católicos que acusa Vossa Santidade de se deixar instrumentalizar pelos muçulmanos?

Papa Francisco:

Não apenas pelos muçulmanos! Acusam de me deixar instrumentalizar por todos, inclusive pelos jornalistas… Faz parte do [meu] trabalho. Mas há uma coisa que quero dizer. Isto, reitero-o claramente: do ponto de vista católico, o Documento não se desviou um milímetro do Vaticano II. Até aparece citado algumas vezes. O Documento foi feito no espírito do Vaticano II. E, antes de tomar a decisão «está bem assim, damo-lo por concluído assim» (pelo menos, da minha parte), quis fazê-lo ler a algum teólogo e, mesmo oficialmente, ao Teólogo da Casa Pontifícia, que é um dominicano, com a bela tradição dominicana, não de ir à caça de bruxas, mas de ver onde está a coisa certa… e ele aprovou. Se alguém sentir dificuldade, compreendo-o; não é uma realidade de todos os dias. Mas, não é um passo atrás, é um passo para a frente: um passo para a frente dado 50 anos depois do Concílio, que se deve desenvolver. Dizem os historiadores que, para um Concílio ganhar raízes na Igreja, são necessários 100 anos. Estamos a meio do caminho. E isto pode suscitar qualquer perplexidade, mesmo a mim. Sabem uma coisa? Ao ver certa frase [do Documento], disse para comigo: «Esta frase, não sei se é segura!» Era uma frase do Concílio… E surpreendeu-me também a mim! No mundo islâmico, existem opiniões diferentes: há algumas mais radicais, outras não. Ontem, no Conselho dos Sábios, havia pelo menos um xiita, com uma abertura universal muito grande, e falou bem. Entre eles – não conheço bem –, mas haverá discrepâncias. É um processo; e os processos amadurecem, como as flores, como a fruta.

Gisotti:

Obrigado, Santo Padre. Passamos agora ao grupo francófono, a Matilde Imberty, da «Radio France».

Matilde Imberty:

Boa tarde, Santo Padre. Está a concluir a visita aos Emirados e, dentro em breve, irá a Marrocos: também aqui uma viagem importante. Parece-nos que o Santo Padre escolheu falar com interlocutores muito concretos do Islã. É uma escolha de campo? Depois, mas sempre a propósito do Islã, o histórico Documento assinado ontem é muito ambicioso quanto à educação: na sua opinião, pode realmente tocar os fiéis muçulmanos? Obrigado.

Papa Francisco:

Sei, porque ouvi dizer a alguns muçulmanos, que [o Documento sobre a Fraternidade Humana] será estudado nas universidades, na al-Azhar seguramente, e nas escolas. Estudado; não imposto! Isto, a propósito do final da sua pergunta. Quanto à proximidade das duas viagens, é um pouco casual: eu queria ir a Marraquexe, ao encontro [a cimeira sobre A Global Compact], mas então havia algumas questões protocolares: não podia ir a um Encontro internacional sem fazer primeiro uma visita ao país e eu não tinha tempo. E, por isso, adiamos a visita, que será pouco depois desta. Foi o Secretário de Estado a Marraquexe. Trata-se duma questão de diplomacia e também de cortesia, mas não foi planificado. Em Marrocos, seguirei os passos de São João Paulo II, que esteve lá: foi o primeiro Papa a visitar o país. Será uma viagem aprazível. Chegaram convites ainda doutros países árabes, mas este ano não tenho tempo. Veremos se no próximo ano alguém – eu ou outro Pedro – irá! Obrigado.

Gisotti:

Temos Maria Sagrario Ruiz, da «Rádio Nacional de España». Obrigado.

Maria Sagrario Ruiz:

Boa tarde, Santo Padre! A diplomacia vaticana detém um longo historial da prática desta diplomacia dos pequenos passos na mediação de conflitos. Apraz-me lembrar concretamente o ano ‘78, quando João Paulo II, com a sua mediação, evitou uma guerra entre o seu país, a Argentina, e o Chile. Soubemos ontem que Nicolás Maduro – e voltamos à Venezuela – enviou uma carta ao Secretário de Estado Parolin, que conhece perfeitamente aquele país, manifestando a vontade que ele tem de recomeçar o diálogo. Todos os olhares, muitos deles, estão fixos no Papa Francisco e no Vaticano. Que está a fazer, ou pretende fazer, o Vaticano? Vossa Santidade disse que estava disposto a mediar, se eles lho pedissem. Em que estado estamos, a que ponto?

Papa Francisco:

Obrigado. A mediação entre a Argentina e o Chile foi verdadeiramente um ato corajoso de São João Paulo II, tendo evitado uma guerra que estava iminente. Há pequenos passos, e o último é a mediação. São pequenos passos iniciais, facilitadores, mas em toda a diplomacia e não só na do Vaticano: aproximar-se dum e do outro, para abrir possibilidades de diálogo. Assim se faz na diplomacia. Creio que as pessoas da Secretaria de Estado poderão explicar bem todos os diferentes passos que se podem fazer. Antes desta viagem, eu sabia que estava para chegar, pelo correio diplomático, uma carta de Maduro. Esta carta, ainda não a li. Veremos o que se pode fazer. Mas, para que se faça – pensemos no último passo – uma mediação, é preciso a vontade de ambas as partes: serão as duas partes a solicitá-la. Foi o caso da Argentina e do Chile. Na Venezuela, a Santa Sé esteve presente no período de diálogo em que participou também o seu compatriota, Rodríguez Zapatero: houve uma primeira reunião com Mons. Tscherrig e, depois, continuou Mons. Celli. E lá «[a montanha] pariu um rato»: nada, fumaça. Agora, não sei! Lerei aquela carta e verei o que se pode fazer. Mas, condição inicial é que ambas as partes o solicitem. Nós estamos sempre prontos… Sucede o mesmo quando se vai ao pároco porque há um problema entre marido e mulher. Vem um e pergunta-se-lhe: «Mas a outra parte vem ou não? Quer ou não?» Sempre as duas partes: o segredo está aqui. E, no caso dos países, esta é uma condição que os deve fazer pensar antes de pedir uma facilitação, a presença dum observador ou uma mediação. Ambas as partes, sempre. Obrigado. E… irei, à Espanha!

Gisotti:

Agora faz-lhe a pergunta Nicole Winfield, de «Associated Press».

Nicole Winfield:

Santo Padre, na semana passada, a revista feminina de L'Osservatore Romano publicou um artigo denunciando o abuso sexual das mulheres consagradas na Igreja – mulheres adultas, as freiras – pelo clero. Há alguns meses, também a União Internacional das Superioras Maiores fez uma denúncia pública deste problema. Sabemos que a reunião, dentro de poucas semanas no Vaticano, tratará do abuso de menores, mas pode-se pensar que a Santa Sé faça também algo para enfrentar este problema, talvez com um documento ou diretrizes? Obrigado.

Papa Francisco:

Responderei a isso mais adiante. Tu, continua aqui… Mas eu preferia esgotar [as perguntas sobre] a viagem; e depois a primeira pergunta a que responderei, será a tua. De acordo?

Gisotti:

Então, enquanto Nicole fica aqui, venha aqui ao microfone Maria Angeles Aconde, de «Rome Reports».

Maria Angeles Aconde:

Boa tarde, Santo Padre. Faço a pergunta, em nome do grupo de língua espanhola. Santidade, teve um encontro com o Conselho dos Anciãos; dentro do possível, que nos pode contar? Que temas tocaram? Vossa Santidade regressa a Roma, com a impressão de que a mensagem chegou aos seus interlocutores?

Papa Francisco:

Os anciãos são verdadeiramente sábios. Primeiro falou o Grande Imã, depois cada um deles, a começar pelo mais idoso que falava espanhol – sim, porque era da Mauritânia e tinha-o aprendido lá, idoso, com oitenta anos – até ao mais novo, que é o secretário e falou pouco, mas disse tudo num vídeo – a sua especialidade –, é um comunicador. Gostei daquele encontro, foi um momento muito belo. Falaram, começando com a palavra-chave «sabedoria» e, depois, «fidelidade». Assinalaram que a vida é um caminho onde esta sabedoria cresce e a fidelidade se reforça; e daí nasce a amizade entre os povos. Eram de várias... – não sei como explicar – um era xiita, outros de diferentes nuances... E, depois, este caminho de sabedoria e fidelidade leva-te à construção da paz, porque a paz é uma obra da sabedoria e da fidelidade: fidelidade humana, entre os povos, e tudo o mais. Fiquei com a impressão de ter estado no meio de verdadeiros sábios; e, para o Grande Imã, ter este Conselho é uma garantia.

Maria Angeles Aconde:

Está satisfeito… imagino eu!

Papa Francisco:

Sim, muito satisfeito. Obrigado.

Gisotti:

Temos também Sofia Barbarani, de «The National», que é um jornal muito importante para Abu Dhabi.

Sofia Barbarani:

Bom dia, a pergunta que lhe queríamos fazer (sempre do grupo de jornais de Abu Dhabi) era: Hoje uma menina trouxe-lhe uma carta; vimo-la correr para Vossa Santidade, quando estava no carro. Queríamos saber se já leu a carta e sabe o que diz...

Papa Francisco:

Não tive tempo. As cartas estão ali; estão a classificá-las para as ler depois.

Sofia Barbarani:

E pode-nos dizer a impressão que sentiu quando viu aquela menina vir ao seu encontro?

Papa Francisco:

Aquela menina é corajosa. Detiveram-na, e eu disse: «Não! Deixai-a vir!» Aquela menina tem futuro, tem futuro! E ousaria dizer: «Pobre marido!» [ri, riem] Tem futuro, é corajosa. Gostei, porque é preciso ter coragem para fazer aquilo. E, depois, seguiu-a outra, eram duas: viu a primeira e ganhou coragem.

Gisotti:

Há ainda outras perguntas sobre a viagem: Inés San Martín e Franca Giansoldati. Se puderem, sejam rápidas.

Franca Giansoldati:

Santidade, o Imã El-Tayeb falou, denunciou a islamofobia, o medo do Islã. Porque é que não se ouviu nada sobre a cristianofobia ou pelo menos sobre a perseguição dos cristãos?

Papa Francisco:

Verdadeiramente eu falei da perseguição dos cristãos, não naquele momento, mas falei disso muitas vezes. E, nesta viagem, também falei – não me lembro onde – mas falei sobre isso. Não sei; acho que o Documento tratava mais de unidade e de amizade, e eu destaquei isso. Lembro-me agora que o próprio Documento condena, condena a violência. E alguns grupos, que se dizem islâmicos – embora os sábios digam que isso não é o Islã –, perseguem os cristãos. Lembro-me daquele pai em Lesbos com três filhos. Teria trinta anos; não mais! Chorava e disse-me: «Sou islâmico; a minha mulher, minha esposa, era cristã, vieram os terroristas do Isis, viram a cruz e disseram-lhe: “Converte-te!” E ela disse: “Não! Eu sou cristã”. E degolaram-na na minha frente». Este é o pão diário dos grupos terroristas. Não só contra os cristãos, mas também a destruição, a destruição da pessoa. Por isso, o Documento é fortemente condenatório neste sentido.

Gisotti:

Sempre a propósito da viagem, Inés San Martín, de «Crux».

Inés San Martín:

Santo Padre, na realidade trata-se duma questão relacionada com a que acaba de fazer a minha colega, pois não tivemos tempo de coordená-las. Mas, como lhe disse na viagem passada, tive a oportunidade de entrevistar o arcebispo de Mossul no Iraque, que sempre disse que estão à sua espera e nega que os bispos estejam divididos a tal respeito; disse simplesmente que estão à espera de Vossa Santidade. O Santo Padre falou da liberdade religiosa, disse que a liberdade religiosa é mais do que a simples liberdade de culto. Pode-nos falar um pouco mais deste tema? Porque hoje fomos, ou melhor, já estamos a regressar dum país que é conhecido pela sua tolerância. Contudo muitos dos católicos que hoje estavam no Polidesportivo puderam, pela primeira vez desde que chegaram aos Emirados Árabes Unidos, ser abertos quanto à sua fé e às suas crenças. Então, se é possível uma mudança, esta prolongar-se-á para além do dia de hoje?

Papa Francisco:

Os processos têm um princípio, não é verdade? Pode-se preparar um ato e, feito o ato, há um antes e um depois. Creio que a liberdade está sempre em processo, deve estar em processo, cada vez mais; não se deve parar. Impressionou-me uma conversa que tive, antes de sair, com um rapaz de 13 anos em Roma que me queria ver. Quis ver-me, e atendi-o. Disse-me ele: «Bem! Algumas coisas parecem-me interessantes, mas quero-lhe dizer que sou ateu. Como ateu, que devo fazer para me tornar um homem de paz?» Respondi-lhe: «Faz aquilo que sentes [que deves fazer]». E falei com ele um pouco. Gostei da coragem do rapaz: é ateu, mas procura o bem, procura este caminho da paz. Também este é um processo, um processo que devemos respeitar e acompanhar. Acompanhar todos os processos para o bem, todos, seja da «cor» que forem. E creio que estes são passos em frente. Obrigado.

Gisotti:

Santo Padre, o tempo está a chegar ao fim. Mas há uma resposta prometida...

Papa Francisco:

É verdade! Os maus-tratos às mulheres são um problema. Ousaria dizer que a humanidade ainda não amadureceu, a mulher ainda é considerada «de segunda classe». Começamos daqui – um problema cultural – e, depois, chega-se ao feminicídio. Há países onde os maus-tratos às mulheres chegam ao feminicídio. E, antes de chegar à sua pergunta concreta, uma curiosidade, que me referiram; mas vós indagai para saber se é verdade ou não. Disseram-me que a origem das joias femininas teve lugar num país muito antigo – não sei bem, mas do Oriente –, onde havia a lei de expulsar a mulher, despedi-la [repudiá-la]. Se o marido, naquele país – não sei se é verdade ou não –, lhe dizia: «Vai-te embora!», naquele momento, com o que trazia vestido, tinha que sair, sem levar nada. E então as mulheres começaram a fazer joias, de ouro e pedras preciosas, a fim de ter algo para sobreviver. Não sei se é verdade ou não, mas é interessante! Indagai. Agora a sua pergunta [sobre o abuso das religiosas por parte dos clérigos]. É verdade! Dentro da Igreja, houve clérigos que fizeram também isso; numas culturas, é um pouco mais forte do que noutras; não é algo que todos fazem, mas houve padres e mesmo bispos que o fizeram. E creio que se faça ainda, porque não se trata de algo que acaba, logo que te dás conta disso. E assim o problema continua. Estamos a trabalhar nisso, há algum tempo. Suspendemos alguns clérigos, expulsos por isso. E também – mas não sei se já terminou o processo – tivemos que dissolver alguma congregação religiosa feminina que padecia disso, uma forma de corrupção. Não posso dizer: «Na minha casa, isso não existe...». É verdade! Deve-se fazer algo mais? Sim. Temos vontade de o fazer? Sim. Mas é um caminho que vem de longe. O Papa Bento XVI teve a coragem de dissolver uma congregação de certo nível, porque nela entrara uma forma de manipulação das mulheres, inclusive uma manipulação sexual [como explicou o diretor interino da Sala de Imprensa, o Santo Padre, ao usar o termo escravidão, pretendia dizer «manipulação», uma forma de abuso de poder que se traduz também em abuso sexual] por parte dos clérigos ou do fundador. Às vezes, o fundador tira a liberdade, deixa as freiras sem liberdade e pode chegar a isto. A propósito do Papa Bento, gostaria de assinalar que é um homem que teve a coragem de fazer muitas coisas neste campo. Conta-se que ele possuía toda a papelada, todos os documentos, sobre uma organização religiosa que tinha corrupção no seu interior, sexual e económica. Ele [ainda cardeal] debruçava-se sobre o caso, mas havia filtros, e não podia chegar ao problema. No fim, o Papa [São João Paulo II], com o intuito de compreender a verdade, fez uma reunião, e Joseph Ratzinger foi lá com a pasta e todos os seus documentos. E, quando voltou, disse ao seu secretário: «Coloca no arquivo; venceu a outra parte». Não devemos escandalizar-nos com isto; são passos dum processo. Mas depois, tendo-se tornado Papa, a primeira coisa que disse foi: «Traz-me do arquivo aquela papelada», e começou... Os «contos folclóricos» sobre o Papa Bento XVI mostram-no tão bom, sim, porque é bom – um bocado de pão não seria melhor que ele –, é bom! Mas mostram-no também frágil, quando, de frágil, ele não tem nada! Foi um homem forte, um homem consequente nas coisas. Ele começou... E lá, naquela congregação, havia este problema que a senhora referiu. Reze para que possamos prosseguir. Eu quero prosseguir... Há casos, em algumas congregações (especialmente novas), e mais numas regiões do que noutras. Sim, esta é a situação. Estamos a trabalhar.

Gisotti:

Obrigado, Santo Padre. E obrigado a todos vós. Mas há uma surpresa final para uma colega que atingiu uma meta, muito, muito importante.

Papa Francisco:

Disseram-me que festejamos o 150º aniversário de Valentina [Alazraki, na sua 150ª viagem papal]! [ri, riem] Eu, porém, não a vejo tão mumificada assim! É uma mulher que tem raízes interessantes. Uma vez disse-lhe: «Se a senhora precisar de fazer uma análise ao sangue, fará corar o hematologista!»

Muito obrigado. Rezai por mim! Não vos esqueçais, preciso disso. Obrigado.

 



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