MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
POR OCASIÃO DA ENTREGA DO PRÉMIO
“PONTIFÍCIAS ACADEMIAS 2023”
Tenho o prazer de lhe dirigir uma mensagem por ocasião do Prémio das Pontifícias Academias. Honramos a investigação, a paixão e o compromisso de jovens estudiosos que quiseram dedicar o seu esforço intelectual e o seu amor pelo saber à interpretação de um legado linguístico e cultural de valor inestimável, como é o latim. Hoje, a Pontificia Academia Latinitatis atribui dois reconhecimentos importantes sobre dois temas exigentes: De rerum natura , sobre o latim e as ciências, e De re publica , sobre o latim e a política.
Em primeiro lugar, gostaria de felicitar os galardoados pelo seu compromisso em prol da língua latina e da sua relevância no mundo contemporâneo, como o testemunham as investigações do professor Enrico Piergiacomi, ativo no Department of Humanities and Arts dell’Israel Institute of Technology — Technion , em Haifa, centradas na ligação entre o pensamento clássico e as ciências modernas. Em particular, o grupo de estudiosos que colaboram na edição nacional da Opera Mathematica de Francesco Maurolico realiza um trabalho precioso sobre o grande erudito de Messina do século xvi , que não foi apenas um matemático, mas sobretudo um sacerdote e um humanista.
O latim é um tesouro de saber e pensamento, uma chave para aceder aos textos clássicos que forjaram o nosso mundo. Representa as raízes da civilização ocidental e, de muitos modos, a nossa própria identidade. É uma língua que abrange a filosofia, a ciência, a arte e a política, demonstrando assim o seu valor intrínseco como instrumento de reflexão e de diálogo, mais necessário do que nunca num mundo fragmentado como o nosso. A este propósito, os premiados oferecem-nos uma visão contemporânea e vigorosa do modo como esta antiga língua ainda pode falar-nos e estimular a nossa reflexão. A sua pesquisa não só investiga o pensamento dos grandes mestres do passado, mas também integra o seu saber num contexto moderno, aproximando-o dos desafios do nosso tempo. A obra dos participantes no concurso convida-nos a explorar o nexo entre os saberes científico e político, sob a égide de uma linguagem que se orgulha de uma história milenar.
O tema De rerum natura faz-nos pensar nas maravilhas da criação. Numa época em que estamos cada vez mais conscientes da fragilidade do meio ambiente, a reflexão sobre o mundo natural torna-se crucial. A ciência oferece-nos instrumentos para compreender as leis da natureza, para explorar o mistério da vida e para enfrentar os desafios ecológicos. No entanto, só através de uma interpretação ética, cultural e espiritual podemos compreender verdadeiramente o significado mais profundo do cosmos que nos circunda e do qual fazemos parte.
A visão da natureza, na sua totalidade, como dom de Deus, convida-nos a refletir sobre a nossa responsabilidade em relação à casa comum. Ciência e fé podem e devem dialogar: com efeito, ambas são chamadas a orientar a nossa compreensão do mundo. Em particular, o prémio atribuído recorda-nos que a ciência não pode reduzir-se a uma mera acumulação de dados, mas deve ajudar a compreender a complexidade e a beleza da criação.
O tema De re publica impele-nos a explorar os fundamentos e as estruturas da política, refletindo sobre o bem comum e a justiça. Em tempos de instabilidade social, a tradição latina constitui um valor, pois promove uma ligação estreita entre “assuntos públicos” e princípios fundamentais da reflexão. Quando é exercida com honestidade e integridade, a política é uma arte nobre, uma vocação ao serviço da comunidade, nunca do interesse particular.
A proposta de um ethos enraizado nos valores humanistas é, pois, um apelo a ações responsáveis, num clima de diálogo, respeito e inclusão. A política deve enfrentar as desigualdades e promover o bem de todos, especialmente dos mais vulneráveis. Nisto, a formação humana e cultural desempenha um papel essencial: somente cidadãos bem formados e conscientes podem ser atores de mudanças saudáveis na sociedade.
Em última análise, refletindo sobre estes dois âmbitos de estudo, De rerum natura e De re publica , vemos que o latim oferece um terreno fértil de exploração e síntese entre ciência, cultura e política. A investigação escrupulosa e sistemática dos premiados não é, pois, apenas uma contribuição académica, mas um verdadeiro apelo dirigido a cada um de nós. Por este motivo, o encontro de hoje não se limita a celebrar a investigação, mas convida-nos a reafirmar o nosso compromisso em prol de uma cultura de crescimento integral do homem (cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 40).
Então, interroguemo-nos: como podemos traduzir na vida diária as descobertas que hoje premiamos? Como podemos encorajar as novas gerações a empreender caminhos de investigação, a questionar-se e a não ter medo de explorar? Como podemos incutir nos jovens o gosto pela cultura e a ciência?
O dinamismo do pensamento e a criatividade, tão preciosas para a Igreja, brotam da redescoberta da beleza de um saber capaz de formar corações e mentes, construir pontes e derrubar muros. E, neste sentido, o latim, e com ele a herança intelectual da humanidade, podem tornar-se instrumentos de harmonia entre os povos, de promoção do respeito recíproco e da dignidade humana. Por isso, desejo que o prémio hoje atribuído se torne sinal de esperança e que a paixão dos galardoados inspire outros ao mesmo compromisso. Estou grato à sua dedicação e trabalho, assim como aos membros da Pontificia Academia Latinitatis e a todos os presentes.
Eminência Reverendíssima, exprimindo a minha alegria por esta iniciativa, concedo a Bênção Apostólica, que estendo a todos os colaboradores e membros das Pontifícias Academias. Que o Senhor torne cada vez mais fecundos os vossos esforços e o vosso compromisso.
Francisco
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L'Osservatore Romano, Edição semanal em português, Ano LV, número 43, quinta-feira 24 de outubro de 2024, p. 3.
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