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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
POR OCASIÃO DA 1ª REUNIÃO DOS ESTADOS-PARTE NO TRATADO
SOBRE A PROIBIÇÃO DAS ARMAS NUCLEARES,
LIDO POR DOM PAUL R. GALLAGHER,
SECRETÁRIO PARA AS RELAÇÕES COM OS ESTADOS
E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS  

A Sua Excelência  o Embaixador
Alexander Kmentt
Presidente da Primeira  Reunião dos Estados-Partes
no Tratado sobre a proibição  das armas nucleares

Estou feliz por saudar Vossa Excelência e os distintos participantes por ocasião desta primeira Reunião dos Estados-Partes no Tratado sobre a proibição das armas nucleares.

Na minha mensagem à conferência diplomática convocada há cinco anos para negociar este Tratado, perguntei: «Por que estabelecer este exigente e clarividente objetivo no atual cenário internacional caraterizado por um clima instável de conflitualidade, que é ao mesmo tempo causa e indicação das dificuldades que se encontram ao promover e fortalecer o processo de desarmamento e de não proliferação nucleares?» (Mensagem para a Conferência das Nações Unidas finalizada a negociar um instrumento juridicamente vinculante para proibir as armas nucleares, que leve à sua total eliminação , 23 de março de 2017).

Neste momento particular da história, em que o mundo parece estar numa encruzilhada, a visão corajosa deste instrumento jurídico, fortemente inspirado por argumentações éticas e morais, parece ainda mais oportuna. Com efeito, esta reunião tem lugar num momento que, inevitavelmente, exige mais reflexão sobre a segurança e a paz. No contexto atual, falar de desarmamento ou apoiá-lo pode parecer paradoxal para muitos. No entanto, devemos permanecer conscientes dos perigos de abordagens míopes da segurança nacional e internacional e dos riscos de proliferação. Como todos sabemos, se não o fizermos, o preço será inevitavelmente pago por um número de vidas inocentes tiradas, e medido em termos de carnificina e destruição. Por conseguinte, renovo enfaticamente o meu apelo a fazer silenciar todas as armas e a eliminar as causas dos conflitos através do recurso incansável à negociação: «Quem faz a guerra esquece a humanidade» (Pós-Angelus , 27 de fevereiro de 2022).

A paz é indivisível, e para ser verdadeiramente justa e duradoura, deve ser universal. É um modo de raciocinar enganador e contraproducente pensar que a segurança e a paz de uns estão separadas da segurança coletiva e da paz de outros. É também uma das lições que a pandemia da Covid-19 demonstrou tragicamente. «A segurança do nosso próprio futuro depende da garantia da segurança pacífica dos outros, pois se a paz, a segurança e a estabilidade não forem fundadas no plano global, jamais serão gozadas. Somos responsáveis individual e coletivamente pelo bem-estar, quer presente quer futuro, dos nossos irmãos e irmãs» (Mensagem por ocasião da Conferência sobre o impacto humanitário das armas nucleares , 7 de dezembro de 2014).

A Santa Sé está certa de que um mundo livre de armas nucleares é necessário e ao mesmo tempo possível. Num sistema de segurança coletiva, não há lugar para armas nucleares e outras armas de destruição de massa. Com efeito, «se tomarmos em consideração as principais ameaças contra a paz e a segurança, com as suas múltiplas dimensões neste mundo multipolar do século xxi , como por exemplo o terrorismo, os conflitos assimétricos, a segurança informática, as problemáticas ambientais, a pobreza, muitas dúvidas emergem acerca da insuficiência da dissuasão nuclear para responder de modo eficaz a tais desafios. Estas preocupações assumem ainda mais consistência quando consideramos as catastróficas consequências humanitárias e ambientais que derivam de qualquer utilização das armas nucleares com efeitos devastadores indiscriminados e incontroláveis no tempo e no espaço» (Mensagem para a Conferência das Nações Unidas finalizada a negociar um instrumento juridicamente vinculante para proibir as armas nucleares, que leve à sua total eliminação , 23 de março de 2017).  Também não podemos ignorar a precariedade que deriva da simples manutenção destas armas: o risco de acidentes, involuntários ou não, que poderiam conduzir a cenários verdadeiramente preocupantes.

As armas nucleares são uma responsabilidade pesada e perigosa. Representam um “multiplicador de risco” que proporciona apenas a ilusão de uma “espécie de paz”. Desejo reafirmar aqui que a utilização de armas nucleares, bem como a sua mera posse, é imoral. Procurar defender e garantir a estabilidade e a paz através de uma falsa sensação de segurança e de um “equilíbrio do terror”, sustentado por uma mentalidade de medo e desconfiança, conduz inevitavelmente a relações envenenadas entre os povos e dificulta qualquer forma possível de verdadeiro diálogo. A sua posse leva facilmente a ameaças da sua utilização, tornando-se uma espécie de “chantagem” que deveria ser abominável para as consciências da humanidade.

A este respeito, «todos devem estar convencidos de que nem a renúncia à competição militar, nem a redução dos armamentos, nem a sua completa eliminação, que seria o principal, de modo algum se pode levar a efeito, se não se proceder a um desarmamento integral, que atinja o próprio espírito, isto é, se não trabalharem todos em concórdia e sinceridade, para afastar o medo e a psicose de uma possível guerra» (Papa João XXIII , Pacem in terris ).

Por estas razões, é importante reconhecer a necessidade global e premente da responsabilidade a diferentes níveis. Tal responsabilidade é partilhada por todos e abrange dois níveis: em primeiro lugar, um nível público, como Estados-membros da mesma família de nações. Em segundo lugar, um nível pessoal, como indivíduos e membros da mesma família humana e como pessoas de boa vontade. Qualquer que seja o nosso papel ou status , a cada um de nós correspondem vários níveis de responsabilidade: como podemos eventualmente imaginar de apertar o botão para lançar uma bomba nuclear? Como podemos, em boa consciência, empenhar-nos em modernizar os arsenais nucleares? É oportuno que este Tratado reconheça também que a educação para a paz pode desempenhar um papel importante, ajudando os jovens a tomar consciência dos riscos e consequências das armas nucleares para as gerações presentes e futuras.

Os tratados de desarmamento existentes são muito mais do que meras obrigações jurídicas. São também compromissos morais baseados na confiança entre Estados e entre os seus representantes, enraizados na confiança que os cidadãos depositam nos seus governos, com consequências éticas para as gerações presentes e futuras da humanidade. A adesão e o respeito pelos acordos internacionais de desarmamento e pelo direito internacional não são uma forma de fraqueza. Pelo contrário, constituem uma fonte de força e de responsabilidade, uma vez que aumentam a confiança e a estabilidade. Além disso, como no caso deste Tratado, oferecem cooperação e assistência internacional às vítimas e também ao meio ambiente: aqui o meu pensamento dirige-se aos Hibakusha, os sobreviventes dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, e a todas as vítimas dos testes de armas nucleares.

Concluindo, ao lançar as bases para a implementação deste Tratado, desejo encorajar-vos, representantes dos Estados, organizações internacionais e sociedade civil, a prosseguir no caminho que escolhestes para promover uma cultura de vida e paz baseada na dignidade da pessoa humana e na consciência de que somos todos irmãos e irmãs. Por sua vez, a Igreja católica permanece irrevogavelmente empenhada em promover a paz entre povos e nações e em incentivar a educação para a paz através das suas instituições. Este é um dever ao qual a Igreja se sente vinculada perante Deus e todos os homens e mulheres do nosso mundo. Possa o Senhor abençoar cada um de vós e os vossos esforços ao serviço da justiça e da paz.

Francisco



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