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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
POR OCASIÃO DO 70° ANIVERSÁRIO DA
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM)

[Genebra, 29 de novembro de 2021]

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Diretor-Geral
Senhora Presidente
Distintos participantes!

Gostaria de manifestar as minhas felicitações à Organização Internacional para as Migrações pelos seus 70 anos de serviço aos migrantes. Este importante acontecimento na história da Organização, apesar dos múltiplos desafios apresentados pela pandemia de Covid-19, oferece a ocasião para renovar a visão e o nosso compromisso através de uma resposta mais digna ao fenómeno migratório.

Há dez anos, na 100ª Sessão deste Conselho, por decisão do meu amado predecessor, Papa Bento XVI, a Santa Sé, em conformidade com a sua natureza, os seus princípios e a suas normas específicas, optou por se tornar Estado-Membro desta Organização. As motivações básicas que levaram a tal decisão continuam a ser, ainda hoje, muito válidas e urgentes: [1]

1. Afirmar a dimensão ética dos deslocamentos populacionais.

2. Oferecer, através da sua experiência e da sua consolidada rede de associações espalhadas pelo mundo inteiro, a colaboração da Igreja católica para os serviços internacionais dedicados às pessoas desenraizadas.

3. Prestar assistência integral de acordo com as necessidades, sem distinções, com base na dignidade inerente de todos os membros da mesma família humana.

O debate sobre a migração não é realmente sobre os migrantes. Ou seja, não se trata apenas de migrantes: trata-se de todos nós, do passado, do presente e do futuro das nossas sociedades [2]. Não devemos deixar-nos surpreender pelo número de migrantes, mas encontrar-nos com todos eles como pessoas, vendo os seus rostos e ouvindo as suas histórias, procurando corresponder da melhor maneira possível às suas particulares situações pessoais e familiares. Tal resposta exige muita sensibilidade humana, justiça e fraternidade. Devemos evitar uma tentação hoje muito comum: descartar tudo o que incomoda [3]. Esta é precisamente a “cultura do descarte”, que já denunciei muitas vezes.

Na maioria das principais tradições religiosas, incluindo o cristianismo, encontramos o ensinamento que nos exorta a tratar os outros como queremos que nos tratem, e a amar o nosso próximo como a nós mesmos. Outros ensinamentos religiosos insistem que devemos ir além desta norma e que não podemos descuidar a hospitalidade em relação ao estrangeiro, pois «praticando-a, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos» (Hb  13, 2). Sem dúvida, estes valores universalmente reconhecidos devem guiar o nosso modo de tratar os migrantes na comunidade local e no âmbito nacional.

Muitas vezes ouvimos falar do que os Estados fazem para acolher os migrantes. Mas é igualmente importante interrogar-se: quais benefícios trazem os migrantes às comunidades que os recebem e como as enriquecem? Por um lado, nos mercados dos países de rendimento médio-alto, a mão de obra migrante é muito procurada e acolhida como modo de compensar a sua carência. Por outro, os migrantes são geralmente rejeitados e sujeitos a atitudes ressentidas por uma parte das suas comunidades de acolhimento.

Infelizmente, este padrão duplo deriva da predominância dos interesses económicos sobre as necessidades e a dignidade da pessoa humana. Tal tendência tornou-se particularmente evidente durante os “confinamentos” da Covid-19, quando muitos dos trabalhadores “essenciais” eram migrantes, mas não lhes foram concedidos os benefícios dos programas de ajuda económica para a Covid-19, nem sequer o acesso aos cuidados básicos de saúde e à vacinação.

Um dado ainda mais deplorável é que os migrantes sejam utilizados cada vez mais como moeda de troca, como peças num tabuleiro de xadrez, vítimas de rivalidades políticas. Como todos sabemos, a decisão de emigrar, de abandonar a terra natal ou o território de origem é, sem dúvida, uma das mais difíceis da vida.

Como se pode explorar o sofrimento e o desespero para progredir ou defender agendas políticas? Como podem prevalecer as considerações políticas, quando está em jogo a dignidade da pessoa humana? A falta básica de respeito humano nas fronteiras nacionais diminui todos nós na nossa “humanidade”. Para além dos aspetos políticos e jurídicos das situações irregulares, nunca devemos perder de vista a face humana da migração e o facto de que, acima das divisões geográficas das fronteiras, fazemos parte de uma única família humana.

Desejo aproveitar a oportunidade para fazer quatro observações:

1. Há necessidade urgente de encontrar formas dignas de sair das situações irregulares. O desespero e a esperança prevaleçam sempre sobre as políticas restritivas. Quanto mais rotas legais existirem, tanto menos provavelmente os migrantes se verão arrastados para as redes criminosas dos traficantes de pessoas ou para a exploração e os abusos durante o contrabando.

2. Os migrantes tornam visível o vínculo que une toda a família humana, a riqueza das culturas e o recurso para os intercâmbios em matéria de desenvolvimento e as redes comerciais, constituída pelas comunidades da diáspora. Neste sentido, o tema da integração é fundamental; a integração implica um processo bilateral, baseado no conhecimento mútuo, na abertura recíproca, no respeito pelas leis e pela cultura dos países de acolhimento, com um verdadeiro espírito de encontro e de enriquecimento comum.

3. A família migrante é um componente essencial das comunidades no nosso mundo globalizado, mas em demasiados países aos trabalhadores migrantes são negados os benefícios e a estabilidade da vida familiar, por causa de impedimentos legais. O vazio humano que se deixa trás, quando um pai ou uma mãe emigra sozinho é uma dura recordação do dilema angustiante que pressupõe a obrigação de escolher entre emigrar sozinho para alimentar a própria família ou gozar do direito fundamental de permanecer no país de origem com dignidade. 

4. A comunidade internacional deve abordar urgentemente as condições que dão lugar à migração irregular, fazendo assim da migração uma escolha bem informada e não uma necessidade desesperada. Para assegurar que a maior parte das pessoas que podem viver dignamente no próprio país de origem não se sintam forçadas a emigrar de modo irregular, são urgentemente necessários esforços para «criar melhores condições económicas e sociais [...] a fim de que a emigração não seja a única opção para quem procura paz, justiça, segurança e pleno respeito pela dignidade humana» [4].

Em última análise, a migração não é apenas uma história de migrantes mas de desigualdades, desespero, degradação ambiental, mudanças climáticas, mas também de sonhos, de coragem, de estudos no estrangeiro, de reunificação familiar, de novas oportunidades, de segurança, proteção e trabalho árduo mas digno.

Concluindo, a realização de uma adequada gestão global dos movimentos migratórios, uma sua compreensão positiva e uma visão eficaz do desenvolvimento humano integral podem parecer objetivos de longo alcance. No entanto, nunca devemos esquecer que não se trata de estatísticas, mas de pessoas reais, cuja vida está em jogo. Enraizada na sua experiência secular, a Igreja católica e as suas instituições continuarão a sua missão de acolhimento, tutela, promoção e integração das pessoas que se deslocam.

Agradeço-vos de coração e invoco a bênção do Senhor sobre todos vós, as nações que representais e os migrantes e as suas famílias.

Fraternalmente,

Francisco

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[1] Cf. Intervenção da Santa Sé na 100ª Sessão do Conselho da Organização Mundial para as Migrações, 5 de dezembro de 2011.

[2] Cf. Mensagem para o 105º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 29 de setembro de 2019.

[3] Cf. Discurso na Sessão Conjunta do Congresso dos Estados Unidos da América,  Washington, D.C., 24 de setembro de 2015.

[4] Mensagem do Santo Padre Francisco para o 100º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 5 de agosto de 2014.



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