VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
À REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO E SUDÃO DO SUL
(Peregrinação Ecumênica de Paz no Sudão do Sul)
[31 de janeiro - 5 de fevereiro de 2023]
HOMILIA DO SANTO PADRE
Mausoléu "John Garang", Juba
Domingo, 5 de fevereiro de 2023
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As palavras do Apóstolo Paulo dirigidas à comunidade de Corinto, que ouvimos na II Leitura, quero hoje fazê-las minhas e repeti-las diante de vós: «Eu mesmo, quando fui ter convosco, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria, para vos anunciar o mistério de Deus. Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo e, Este, crucificado» (1 Cor 2, 1-2). A trepidação de Paulo é também a minha, ao encontrar-me aqui convosco em nome de Jesus Cristo, o Deus do amor, o Deus que realizou a paz através da sua cruz; Jesus, Deus crucificado por todos nós; Jesus, crucificado em quem sofre; Jesus, crucificado na vida de tantos de vós, em muitas pessoas deste país; Jesus, o Ressuscitado, vencedor do mal e da morte. Venho para vo-Lo proclamar, para vos confirmar n’Ele, porque o anúncio de Cristo é anúncio de esperança: na verdade, Ele conhece as angústias e os anseios que trazeis no coração, as alegrias e as canseiras que marcam a vossa vida, as trevas que vos oprimem e a fé que elevais ao Céu como um cântico na noite. Jesus conhece-vos e ama-vos; se permanecemos n’Ele, não devemos temer, porque, também para nós, cada cruz se há de transformar em ressurreição, cada tristeza em esperança, cada lamento em dança.
Por isso quero deter-me nas palavras de vida que Jesus nosso Senhor nos dirigiu hoje no Evangelho: «Vós sois o sal da terra. (...) Vós sois a luz do mundo» (Mt 5, 13.14). Estas imagens, que nos dizem a nós, discípulos de Cristo?
Em primeiro lugar, somos sal da terra. O sal serve para dar sabor à comida. É o ingrediente invisível que dá gosto a tudo. Por isso mesmo, desde a antiguidade, foi visto como símbolo da sabedoria, uma virtude que não se vê, mas que dá gosto à vida e sem ela a existência torna-se insípida, sem sabor. Mas Jesus, de que sabedoria nos fala? Ele usa esta imagem do sal imediatamente depois de ter proclamado aos seus discípulos as Bem-aventuranças: compreendemos assim que são elas o sal da vida do cristão. De facto, as Bem-aventuranças trazem à terra a sabedoria do Céu: revolucionam os critérios do mundo e do modo comum de pensar. E que dizem elas? Em poucas palavras, afirmam que, para ser bem-aventurado, isto é, plenamente feliz, não devemos procurar ser fortes, ricos e poderosos, mas humildes, mansos, misericordiosos; não devemos fazer mal a ninguém, mas ser pacificadores para com todos. Esta – diz Jesus – é a sabedoria do discípulo; é aquilo que dá sabor à terra que habitamos. Tenhamo-lo bem presente: se pusermos em prática as Bem-aventuranças, se encarnarmos a sabedoria de Cristo, daremos bom gosto não apenas à nossa vida mas também à sociedade, ao país onde vivemos.
Além de dar sabor, o sal tem outra função, que era essencial no tempo de Cristo: conservar os alimentos para não se corromperem estragando-se. Mas a Bíblia diz que havia um «alimento», um bem essencial que se devia conservar antes de qualquer outro: a aliança com Deus. Por isso, naqueles tempos, sempre que se fazia uma oferta ao Senhor, colocava-se um pouco de sal. Ouçamos o que diz a propósito a Escritura: «Não permitirás que falte o sal da aliança do teu Deus sobre a tua oblação; a todas as tuas ofertas juntarás sal» (Lv 2, 13). Assim, o sal recordava a necessidade primária de guardar o vínculo com Deus: porque Ele é-nos fiel, a sua aliança connosco é incorruptível, inviolável e duradoura (cf. Nm 18, 19; 2 Cro 13, 5). Por conseguinte, o discípulo de Jesus, enquanto sal da terra, é testemunha da aliança que Ele realizou e nós celebramos em cada Missa: uma aliança nova, eterna, inquebrável (cf. 1 Cor 11, 25; Heb 9), um amor por nós que não pode ser infringido nem mesmo pelas nossas infidelidades.
Irmãos, irmãs, somos testemunhas desta maravilha. Na antiguidade, quando pessoas ou povos estabeleciam entre si uma amizade, frequentemente estipulavam-na intercambiando-se um pouco de sal; nós, que somos sal da terra, estamos chamados a testemunhar a aliança com Deus na alegria, com gratidão, mostrando que somos pessoas capazes de criar laços de amizade, viver em fraternidade, construir boas relações humanas, impedir que prevaleçam a corrupção do mal, a patologia das divisões, a sujeira dos negócios iníquos, a praga da injustiça.
Hoje quero agradecer-vos por serdes sal da terra neste país. Entretanto, vendo tantas feridas, as violências que alimentam o veneno do ódio, a iniquidade que causa miséria e pobreza, poder-vos-ia parecer que sois pequenos e impotentes. Mas, quando vos assaltar a tentação de vos sentirdes inadequados, procurai olhar para o sal e seus grãos minúsculos: é um pequeno ingrediente que, uma vez espalhado sobre a iguaria, desaparece, derrete-se, mas é justamente assim que dá sabor a todo o conteúdo. De igual modo nós cristãos, apesar de ser frágeis e pequenos, mesmo quando nos parecem insignificantes as nossas forças se comparadas com a grandeza dos problemas e a fúria cega da violência, podemos oferecer uma contribuição decisiva para mudar a história. Jesus deseja que façamos como o sal: basta uma pitada que se derreta para dar um sabor diferente ao conjunto. E não podemos negar-nos, porque sem aquele pouco, sem o nosso pouco, tudo perde sabor. Comecemos precisamente do pouco, do essencial, daquilo que não aparece nos livros de história, mas muda a história: em nome de Jesus, das suas Bem-aventuranças, deponhamos as armas do ódio e da vingança para embraçar a oração e a caridade; superemos as antipatias e aversões que, com o passar do tempo, se tornaram crónicas e correm o risco de levar à contraposição de tribos e de etnias; aprendamos a colocar nas feridas o sal do perdão, que causa ardida mas cura. E, mesmo que o coração sangre pelas injustiças sofridas, renunciemos duma vez por todas a responder ao mal com o mal, e sentir-nos-emos bem cá dentro; acolhamo-nos e amemo-nos sincera e generosamente como Deus faz connosco. Salvaguardemos o bem que somos, não nos deixemos corromper pelo mal!
Passemos à luz, a segunda imagem usada por Jesus: Vós sois a luz do mundo. Uma conhecida profecia, em que Deus Se refere a Israel, diz: «Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra» (Is 49, 6). Ora tal profecia cumpriu-se, quando Deus Pai enviou o seu Filho; é Ele a luz do mundo (cf. Jo 8, 12), a luz verdadeira que ilumina todo o homem e todos os povos, a luz que brilha nas trevas e dissipa as nuvens de qualquer escuridão (cf. Jo 1, 5.9). Mas o próprio Jesus, luz do mundo, diz aos seus discípulos que também eles são luz do mundo. Isto significa que nós, acolhendo a luz de Cristo, a luz que é Cristo, tornamo-nos luminosos, irradiamos a luz de Deus.
E Jesus acrescenta: «Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão na casa» (Mt 5, 15). Trata-se também neste caso de imagens que então eram familiares: várias aldeias da Galileia estavam sobre as colinas, claramente visíveis de longe; e, nas casas, as candeias eram colocadas no alto, para iluminar os cantos todos; depois, quando deviam ser apagadas, cobriam-se com um objeto de argila chamado alqueire, que fazia faltar à chama o oxigénio apagando-a.
Irmãos e irmãs, o convite de Jesus para ser luz do mundo é claro: nós, seus discípulos, somos chamados a refulgir como uma cidade situada no alto, como um candelabro cuja chama nunca deve estar apagada. Por outras palavras, antes de nos preocupar com as trevas que nos rodeiam, antes de esperar que algo à nossa volta se clareie, somos obrigados a brilhar, a iluminar com a nossa vida e as nossas obras as cidades, as aldeias e os lugares que habitamos, as pessoas que frequentamos, as atividades que realizamos. É o Senhor que nos dá a força, a força de n’Ele sermos luz para todos; porque todos devem poder ver as nossas boas obras e, vendo-as – lembra-nos Jesus – abrir-se-ão com estupefação a Deus e dar-Lhe-ão glória (cf. Mt 5, 16): se vivermos como filhos e irmãos na terra, as pessoas descobrirão que têm um Pai nos céus. A nós, pois, é-nos pedido para arder de amor: não suceda que a nossa luz se apague, que desapareça da nossa vida o oxigénio da caridade, que as obras do mal tirem o ar puro ao nosso testemunho. Esta terra, tão bela e tão martirizada, precisa da luz que tem cada um de vós, ou melhor, da luz que cada um de vós é.
Queridos amigos, faço votos de serdes sal que se espalha e derrete generosamente para dar sabor ao Sudão do Sul com o gosto fraterno do Evangelho; de serdes comunidades cristãs luminosas que, como cidades situadas no alto, lancem uma luz benéfica sobre todos e mostrem que é belo e possível viver a gratuidade, ter esperança, construir todos juntos um futuro reconciliado. Irmãos e irmãs, estou convosco e desejo que experimenteis a alegria do Evangelho, o sabor e a luz que o Senhor, «o Deus da paz» (Flp 4, 9), o «Deus de toda a consolação» (2 Cor 1, 3), quer derramar sobre cada um de vós.
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SAUDAÇÃO FINAL
Obrigado, querido Irmão Stephen, por estas palavras. Saúdo o Senhor Presidente da República, juntamente com todas as autoridades civis e religiosas presentes. Chego agora ao termo desta peregrinação no meio de vós e desejo exprimir a minha gratidão pelo acolhimento recebido e por todo o trabalho realizado na preparação desta visita, que foi uma visita fraterna, feita a três.
Agradeço a todos vós, irmãos e irmãs, que em grande número vos deslocastes aqui de diferentes partes, fazendo muitas horas, se não mesmo dias, de estrada! Além da estima que me manifestastes, agradeço a vossa fé, a vossa paciência, todo o bem que fazeis e as canseiras que ofereceis a Deus sem desanimar, procurando seguir em frente. No Sudão do Sul, há uma Igreja corajosa, emparentada com a do Sudão, como nos recordava o Arcebispo, que mencionou a figura de Santa Josefina Bakhita: uma grande mulher que, com a graça de Deus, transformou o sofrimento suportado em esperança: «a esperança, que nascera para ela e a “redimira”, não podia guardá-la para si; esta esperança devia chegar a muitos, chegar a todos» – escreveu Bento XVI (Carta enc. Spe salvi, 3). Esperança é a palavra que quero deixar a cada um de vós, como um dom a compartilhar, como uma semente que dá fruto. Como nos lembra a figura de Santa Josefina, aqui a esperança está particularmente sob o signo da mulher e quero agradecer e abençoar, de maneira especial, todas as mulheres do país.
À esperança quero associar outra palavra, a palavra destes dias: paz. Com os meus Irmãos Justin e Iain, cuja presença agradeço de coração, viemos até aqui e continuaremos, os três juntos, a acompanhar os vossos passos, fazendo tudo o que pudermos para que sejam passos de paz, passos rumo à paz. Quero confiar este caminho de todo o povo connosco os três, este caminho da reconciliação e da paz a outra mulher: é a nossa mui terna Mãe, Maria, a Rainha da Paz. Acompanhou-nos com a sua presença solícita e silenciosa. A Ela, que agora invocamos, confiamos a causa da paz no Sudão do Sul e em todo o continente africano. A Nossa Senhora, confiamos também a paz no mundo, em particular nos numerosos países que se encontram em guerra, como a martirizada Ucrânia.
Queridos irmãos e irmãs, voltamos cada um de nós, os três, à própria sede, levando-vos ainda mais estreitos ao coração. Repito: estais no nosso coração, estais nos nossos corações, estais nos corações dos cristãos de todo o mundo. Nunca percais a esperança. E não se perca ocasião de construir a paz. Que a esperança e a paz habitem em vós, que a esperança e a paz habitem no Sudão do Sul!
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