PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Quinta-feira, 28 de março de 2019
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 16 de 16 de março de 2019
A questão da «fidelidade a Deus» é crucial. Assim como a decisão de estar «com Ele ou contra Ele» porque não há meios-termos. O Papa Francisco abordou sem rodeios a essência das escolhas fundamentais de cada pessoa.
«Pedimos juntos esta exortação do Senhor à conversão: “Escutai hoje a voz do Senhor: não se endureça o vosso coração”» afirmou o Pontífice referindo-se ao salmo responsorial. «Porque muitas vezes somos surdos — acrescentou — e não ouvimos a voz do Senhor. Sim, ouvimos o telejornal, os mexericos do bairro: isto sim, ouvimos sempre. A voz do Senhor, muitas vezes, permanece desconhecida». Mas, especificou, «sem ouvir a voz do Senhor, o nosso coração torna-se como a terra árida: sem água. Dias, meses, anos sem água. Fica ressequida. Por isso o Senhor diz: “Não se endureça o vosso coração”».
«Quando o Senhor faz este convite — afirmou o Pontífice, referindo-se ao excerto do profeta Jeremias (7, 23-28) — fala de experiência, e a primeira leitura oferece-nos uma descrição desta experiência de Deus diante do seu povo teimoso, que não o quer ouvir». E pronunciando estas palavras o Papa até bateu a mão sobre o atril, precisamente para fazer compreender o seu pensamento: a teimosia do homem que se considera «autossuficiente». «É a lamentação do Senhor — observou — neste trecho do profeta Jeremias: “A única ordem que lhes dei foi esta: ‘Ouvi a minha voz e Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo'”». É uma «promessa». Mas «o que faz o povo?». Escreve Jeremias: «Eles, porém, não me ouviram, não me prestaram atenção; endureceram a sua cerviz».
Neste ponto Francisco sugeriu que «cada um de nós ouça o que o Senhor diz do povo e pense se não se comportou deste modo». Lê-se no trecho de Jeremias: «Seguiram os maus conselhos dos seus corações empedernidos; viraram-me as costas». Como para dizer: «Não, o Senhor nada conta: prefiro isto, aquilo. Sim, Deus está ali mas faço do meu modo».
Depois, prosseguiu o Papa, «Jeremias faz a descrição: “Desde o dia em que os vossos pais saíram do Egito até hoje, Eu vos enviei todos os meus servos, os profetas, dia após dia. Eles, porém, não me ouviram”». Talvez eles tenham respondido: «sim, sim: amanhã te ouviremos». Prossegue Jeremias: «Endureceram a sua cerviz e agiram pior que os seus pais». E também: «Tudo isto lhes transmitirás, mas não te escutarão. Chamá-los-ás e não te responderão. E o Senhor termina com esta triste declaração que é um testemunho de morte: “A sua lealdade desapareceu”».
É «um povo sem fidelidade, que perdeu o sentido da fidelidade», reiterou o Pontífice. E «esta é a pergunta que hoje a Igreja quer que nos façamos, cada um: perdi a fidelidade ao Senhor? — Não, não, vou à missa todos os domingos — sim sim mas aquela fidelidade do coração: perdi a lealdade ou o meu coração endureceu, é obstinado, é surdo, não deixa o Senhor entrar, desenrasca-se sozinho com três ou quatro coisas e depois faz o que quer?». Esta, afirmou o Papa, «é uma pergunta para cada um de nós: todos devemos formulá-la, porque a Quaresma serve para isto, para cultivar de novo o nosso coração».
«“Escutai hoje a voz do Senhor” é o convite da Igreja, “não endureça o vosso coração”» prosseguiu Francisco. De resto, explicou, «quando alguém vive com o coração duro, sem ouvir o Senhor, não só não o ouve; de facto, há algo do Senhor que não lhe apraz, deixa de lado o Senhor com algum pretexto, desacredita o Senhor, calunia-o, difama-o».
A propósito, o Pontífice referiu-se ao trecho do Evangelho de Lucas (11, 14-23) proposto pela liturgia: «É aquilo que aconteceu a Jesus com o povo: Jesus realizava milagres, curava os doentes para mostrar que tinha poder de cura também das almas, dos nossos corações. E estes obstinados o que disseram? “É por meio de Belzebu, chefe dos demónios, que ele expulsa os demónios”».
«Desacreditar o Senhor — prosseguiu — é o penúltimo passo desta rejeição ao Senhor: não o ouvir, deixar que o coração se endureça como a terra que não é regada há anos, e depois desacreditá-lo: “Mas não, este milagre, é um feiticeiro” diziam de Jesus; “faz tudo com o poder do diabo, como todos os bruxos”».
Portanto, «desacreditar Jesus». E depois «só falta o último passo, do qual não há retorno, que é a blasfémia contra o Espírito Santo». No Evangelho vê-se que «Jesus procura convencê-los». Mas eles não o ouvem. A ponto que «no final, assim como o profeta acaba com aquela frase clara — “a lealdade desapareceu” — Jesus termina com outra frase que pode ajudar-nos: “Quem não está comigo está contra mim”». Com clareza o Papa recordou que não se pode dizer: «“Não, não, eu estou com Jesus, mas a uma certa distância, não me aproximo muito”. Não, não pode ser assim. Ou estás com Jesus ou estás contra Ele; ou és fiel ou és infiel; ou tens o coração obediente ou perdeste a fidelidade».
«Cada um de nós — sugeriu Francisco — pense hoje durante a missa e também durante o dia, pense: como está a minha fidelidade? Eu, para rejeitar o Senhor, procuro algum pretexto, alguma coisa e desacredito o Senhor?». Por isso não podemos «perder a esperança e estas duas expressões — “a fidelidade desapareceu” e “Quem não está comigo está contra mim” — ainda deixam espaço à esperança e a nós».
No final da homilia o Pontífice propôs «uma última palavra que ouvimos na aclamação ao Evangelho: “Retornai a mim com todo o coração, diz o Senhor, porque sou misericordioso e piedoso”». Então, insistiu, «o teu coração está empedernido, está duro. Sim, muitas vezes, desacreditaste-me por não me obedeceres, talvez até me tenhas caluniado. Mas ainda há tempo: “Retornai a mim com todo o coração, diz o Senhor, porque sou misericordioso e piedoso: esquecerei tudo. O importante é que venhas a mim. Isto é o que importa, diz o Senhor”. E assim esquece o resto». Portanto, concluiu Francisco, «este é o tempo da misericórdia, é o tempo da piedade do Senhor: abramos o coração para que Ele venha a nós».
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