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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Lógicas em confronto

  Quinta-feira, 8 de novembro de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 46 de 13 de novembro de 2018

Fazendo bem as contas, é melhor deixar que aquela ovelha tresmalhada da célebre parábola evangélica se perca e agarrar-se firmemente às outras noventa e nove, também porque corre-se um grande risco indo à sua procura durante a noite. Aos cálculos sem misericórdia do mundo, muito difundidos inclusive nas paróquias e nas dioceses com murmurações que silenciam os verdadeiros testemunhos, Jesus opõe a sua lógica que, ao contrário, prevê precisamente que se corram riscos para encontrar a ovelha tresmalhada. E celebrando a missa na quinta-feira, 8 de novembro, em Santa Marta, o Papa Francisco voltou a propor «a lógica do Evangelho contrária à lógica do mundo».

«Este encontro de Jesus ou este confronto com os chefes, os doutores da lei, faz-nos refletir muito: acerca deles e de Jesus» realçou o Pontífice, referindo-se ao trecho do Evangelho de Lucas (15, 1-10) proposto hoje pela liturgia. «Mas podemos analisar três palavras: o testemunho, a murmuração e a pergunta» sugeriu para introduzir a sua meditação.

«O trecho evangélico — explicou o Papa — começa com um testemunho: “Naquele tempo, aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para ouvi-lo”». Portanto, «Jesus falava com eles, almoçava com eles», mas eis que — lê-se no mesmo trecho evangélico — «os fariseus e os escribas murmuravam: “Este homem recebe e come com pessoas de má vida!”».

A questão, afirmou Francisco, é que «Jesus dá testemunho: algo novo para aquele tempo, porque ir ter com os pecadores tornava-te impuro, como quando se toca um leproso». Contudo, diante deste testemunho «os doutores da lei afastavam-se: “Este é um pecador, não o devo tocar, porque me torno impuro”». Ao contrário «Jesus dá o testemunho indo ter com eles».

«O testemunho na história nunca foi fácil, quer para as testemunhas — que muitas vezes pagam com o martírio — quer para os poderosos» disse o Papa. «Testemunhar significa quebrar um hábito, um modo de ser: para melhorar, para mudar» aquele hábito. «Por esta razão a Igreja vai em frente através dos testemunhos» insistiu Francisco. «O que atrai é o testemunho, não só as palavras que é verdade, ajudam, mas é o testemunho que atrai e faz crescer a Igreja».

«Jesus dá testemunho» reiterou o Pontífice, e isto «é algo novo, mas não tanto, porque a misericórdia de Deus existia também no Antigo Testamento». Porém, observou Francisco, «estes doutores da lei nunca compreenderam o que significava» a expressão «misericórdia quero, e não sacrifícios». Com efeito, prosseguiu o Papa, «liam, mas não entendiam o significado de misericórdia». Ao contrário, «Jesus, com o seu modo de agir, proclama esta misericórdia com o testemunho». E é por isso que «o testemunho quebra sempre um hábito, faz crescer, vai em frente e, além disso, faz-te arriscar. Vai em frente».

«Mas, o que provoca este testemunho de Jesus?». A resposta encontra-se na segunda palavra proposta pelo Papa: provoca «a murmuração». Lê-se no Evangelho: «Os fariseus e os escribas murmuravam: “Este homem recebe e come com pessoas de má vida!”». Portanto, perante as obras de Jesus, aquelas pessoas «não diziam “mas olha este homem parece bom porque tenta converter os pecadores”. Não, não, murmuravam». Com aquele estilo de «fazer sempre o comentário negativo para destruir o testemunho».

«Esta murmuração, este pecado de murmuração — frisou de novo Francisco — é quotidiano, tanto nas coisa pequenas quanto nas grandes». Sim, «também na própria vida, quantas vezes murmuramos porque não gostamos deste ou daquele». E deste modo «em vez de dialogar ou de procurar resolver uma situação conflituosa, murmuramos às escondidas sempre em voz baixa, porque não temos coragem de falar abertamente».

Uma forma de murmurar, «também nós o fazemos» reafirmou o Pontífice, que «se faz nas pequenas sociedades, na paróquia: quanto se murmura nas paróquias sobre muitas questões!». É suficiente «um testemunho que não seja do meu agrado ou uma pessoa da qual não gosto para desencadear imediatamente a murmuração». E «nas dioceses? As lutas “intradiocesanas”, as lutas internas das dioceses: conheceis isto».

A murmuração, acrescentou o Papa, acontece «também na política e isto é desagradável: quando um governo não é honesto procura manchar os adversários com a murmuração. Seja difamação ou calúnia, procura sempre» usar estes meios. Portanto, o Pontífice prosseguiu da seguinte forma: «E vós que conheceis bem os governos ditatoriais, porque vivestes isto, o que faz um governo ditatorial? Primeiro, apodera-se» dos meios «de comunicação com uma lei e através delas começa a murmurar, a denegrir todos os que constituem um perigo para ele».

«A murmuração é o pão nosso de cada dia a nível pessoal, familiar, paroquial, diocesano, social», reconheceu o Papa. Deveras «é precisamente um subterfúgio para não encarar a realidade, para não permitir que as pessoas pensem: enconde-se tudo com a murmuração». E disto, explicou Francisco, voltando ao trecho evangélico, «Jesus está ciente, mas Ele é bom, Jesus é misericordioso e em vez de os condenar por murmuração dá um passo». E «é a terceira palavra» que Francisco propôs na sua meditação: «a pergunta».

Em síntese, explicou, Jesus «usa o mesmo método que utilizam» os seus interlocutores. Com efeito, o Evangelho diz-nos que «eles vão ter com Jesus fazendo perguntas “para o pôr à prova”, com má intenção». E assim, por exemplo, perguntam-lhe: «Mestre, é porventura lícito pagar a taxa ao império que nos escraviza e que nos tirou a pátria?». Esta pergunta foi feita a Jesus precisamente para «o pôr à prova» disse o Pontífice. Como também esta: «Mestre, fiz um voto no altar, mas soube que os meus pais passam fome. É lícito que eu tire algo dali para o dar aos meus pais ou não?». Ou ainda: «Mestre, é lícito repudiar a própria esposa?». Em síntese, são pessoas que «procuram testá-lo para lhe fazer uma armadilha».

Porém, «Jesus utiliza o mesmo método», apesar de «vermos depois a diferença», e assim «narra-lhes esta parábola, dirigida diretamente a eles: “Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu, até a encontrar?”». Ouvindo a parábola de Jesus, «seria óbvio, normal, que eles entendessem» remarcou o Pontífice. Ao contrário «que pensa realmente essa gente? “Tenho noventa e nove, perdi uma, mas o que importa! Façamos um cálculo: começa o pôr-do-sol, está escuro. Arriscar na escuridão, ir? Deixemos que esta se perca e no orçamento figurará ganhos e perdas e salvamos o maior número».

Mas «esta é a lógica farisaica — afirmou o Papa — esta é a lógica dos doutores da lei: “Quem de vós?”» pergunta Jesus «e eles escolhem o contrário daquilo que disse Jesus, por isso não querem falar com os pecadores, não vão ter com os publicanos, porque “é melhor não se sujar com esta gente, é um risco, conservemos os nossos”».

«Jesus é inteligente na formulação da pergunta» observou Francisco, porque «entra na sua casuística, mas os deixa numa posição diferente em relação àquela justa: “Quem de vós?”. E ninguém diz: “Sim, é verdade”. Mas todos: “Não, eu não faria isto”». É por esta razão que «são incapazes de perdoar, de ser misericordiosos, de receber».

«Depois há outra palavra — prosseguiu o Pontífice fazendo sempre referência ao trecho do Evangelho de Lucas — mas para não me prolongar vou fazer apenas uma menção: a alegria». Porque «há alegria, há festa, mas esta gente não conhece a alegria: todos aqueles que seguem o caminho dos doutores da lei não conhecem a alegria do Evangelho».

Por conseguinte, «três palavras», resumiu Francisco: «O testemunho que é provocador, que faz crescer a Igreja; segunda palavra: a murmuração que é como um vigia, um guarda do meu interior a fim de que o testemunho não me fira; terceiro, a pergunta de Jesus». Aquela pergunta surgida da parábola e que nós esperávamos que eles dissessem: “Sim, é verdade, vou”» procurar a ovelha tresmalhada, «ao contrário» a resposta é «não, não, deixemo-la ali, salvemos estas». É «o pensamento oposto» em comparação com o de Jesus, concluiu o Papa, auspiciando «que o Senhor nos faça compreender esta lógica do Evangelho contrária à lógica do mundo».

 



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