PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
O dom das lágrimas
Sexta-feira, 25 de maio de 2018
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 22 de 31 de maio de 2018
«Trouxeram de Siracusa a relíquia das lágrimas de Nossa Senhora. Hoje estão aqui, e rezemos a Nossa Senhora para que nos conceda a nós e também à humanidade, que dele precisa, o dom das lágrimas para que possamos chorar: pelos nossos pecados e pelas tantas calamidades que fazem sofrer o povo de Deus e os filhos de Deus». Foi com estas palavras que o Papa Francisco iniciou a celebração. O relicário, que Francisco quis que fosse colocado ao lado do altar da capela, trouxeram-lho na tarde de quinta-feira da paróquia romana de Santa Maria das Graças «al Trionfale» onde, nestes dias, esteve no centro das iniciativas para a festa patronal.
Depois da celebração em Santa Marta, o relicário de Nossa Senhora das lágrimas, confiado ao reitor do santuário, prosseguirá a peregrinação nas cidades italianas: a próxima etapa é Livorno.
Depois, na homilia, o Papa sugeriu uma «notícia aos jornais e telejornais»: a esposa e o marido que vivem muitos anos juntos são à imagem e semelhança de Deus» e, por isso, deveriam ser dignos de mais notícia do que divórcios, separações e escândalos. Portanto, foi um convite a ver em positivo e a redescobrir «a beleza do matrimónio» a essência da reflexão do Pontífice, que partiu do trecho evangélico de Marcos (10, 1-12). «Jesus ensina à multidão» afirmou o Papa, fazendo notar que «o povo simples ouve o Senhor porque tem vontade, tem sede, sede de doutrina, sede de verdade; tem uma fé que procura crescer». E as pessoas simples também «intuem que o Senhor é um profeta, um mestre e seguem-no. Simplesmente ouvem».
Ao contrário, prosseguiu Francisco relendo o trecho do Evangelho, «estes fariseus, ou também doutores da lei, aproximaram-se e para o pôr à prova fizeram-lhe uma pergunta casuística, aquelas perguntas da fé “pode-se ou não se pode”, onde a fé é reduzida a um “sim” ou a um “não”». Mas «não o grande “sim” nem o grande “não” dos quais ouvimos falar, que é Deus», fez presente o Pontífice referindo-se ao trecho da carta do apóstolo São Tiago (5, 9-12). Não, insistiu, para os fariseus a questão é «pode-se ou não se pode». E «a vida cristã, a vida segundo Deus, segundo estas pessoas, consiste sempre no “pode-se” ou “não se pode”, para o pôr à prova».
Mas «quando ouve estas coisas, o Coração de Jesus sofre e vai além» explicou o Papa. «A pergunta é sobre o divórcio, sobre o matrimónio: parece que para eles, o matrimónio era “pode-se ou não se pode”; até que ponto devo ir em frente, até que ponto não». Ao contrário, observou Francisco, «Jesus vai além e chega à criação e fala do matrimónio que talvez seja a coisa mais bonita que o Senhor fez naqueles sete dias, são sete as etapas». Com efeito, lê-se no trecho de Marcos que «Jesus lhes disse: “desde o princípio da criação, Deus os fez varão e mulher. Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne”».
«É forte o que o Senhor diz», evidenciou o Pontífice. «Deus criou-os assim desde o início e não diz “são um só espírito, um só amor”, não: “uma carne”, não se pode dividir!». Mas, acrescentou, «deixa o problema da separação e vai à beleza do matrimónio, à beleza do casal que deve ser unido». E assim, afirmou o Papa, «o homem e a mulher deixam as suas famílias para empreenderem um novo caminho, um novo percurso». Por isso 'há uma rutura no homem e na mulher para iniciar o caminho: a rutura com o que era antes, com a família precedente: “deixa para devir” e depois toda a vida este caminho de ir em frente, não dois, mas um». Por conseguinte, «prosseguir assim na vida, um, e aquilo que é um deve permanecer um: eis o que diz o Senhor».
«Não devemos parar, como estes doutores, neste “pode-se ou não se pode” dividir um matrimónio» observou o Papa. «Às vezes, por desgraça, não funciona — explicou — e é melhor separar-se para evitar uma guerra mundial, mas esta é uma desgraça». Consideremos «antes o positivo». E nesta perspetiva, acrescentou, «apraz-me falar hoje disto, porque entre vós se encontram sete casais que celebram as bodas de ouro ou de prata». São casais, afirmou Francisco, que «vêm celebrar, isto é, rejubilar diante do Senhor por estes cinquenta anos, por estes vinte e cinco anos de caminho juntos».
«Cada um, quando chega a este ponto, reflete sobre o caminho percorrido e agradece ao Senhor» prosseguiu o Pontífice. «Recordo-me — confidenciou — de uma vez numa audiência geral, ao saudar as pessoas parei diante de um casal: eram jovens, nunca teria pensado que celebravam sessenta anos de casamento! Mas não pareciam tão idosos!». O facto é que «naquela época — acrescentou o Papa — casavam-se jovens; hoje, para que o filho case, a mãe tem que deixar de lhe passar a ferro as camisas, porque não quer ir embora de casa». Recordando aquele casal, Francisco confidenciou ainda: «Eu olhei para eles e disse: “sois felizes?”. E eles, que olhavam para mim, fitaram-se nos olhos e depois, quando olharam de novo para mim, tinham os olhos húmidos, e ambos responderam: “estamos apaixonados”. Depois de sessenta anos o amor era forte como o vinho bom: o tempo enobrece o vinho bom e quando envelhece torna-se ainda melhor».
«É verdade que há dificuldades, há problemas com os filhos ou até no próprio matrimónio, discussões, litígios» reconheceu o Pontífice. Mas «o importante é que a carne permaneça uma e tudo se supera, supera-se, supera-se». Pois, explicou, «este não é só um sacramento para eles», para os esposos, «mas também para a Igreja, como se fosse um sacramento que chama a atenção: “vede, o amor é possível!”». E «o amor é capaz de fazer viver apaixonados a vida inteira — recordou Francisco — na alegria e no sofrimento, com o problema dos filhos e o problema deles». Mas o importante, disse ainda, é «ir sempre em frente, na saúde e na doença, mas ir sempre em frente. É esta a beleza».
E «é tão bonito — explicou ainda o Papa — porque na Bíblia, no momento da criação, o Senhor os criou varão e mulher, à sua imagem os criou». Portanto, no «matrimónio o homem e a mulher são à imagem e semelhança de Deus». A ponto que a quem pergunta: «como é Deus?», pode-se sugerir que olhe «para aquele matrimónio que há tantos anos vai em frente, luta e faz filhos e vai em frente: repara, Deus é assim!». Precisamente aqueles dois esposos «são à imagem e semelhança de Deus». Deveras «o matrimónio é uma pregação silenciosa aos demais, uma pregação de todos os dias». E «é doloroso» constatar que um casal que vive há «muitos anos juntos não é notícia» nos jornais e telejornais». Ao contrário, a «notícia é o escândalo, o divórcio ou aqueles que se separaram: por vezes têm que se separar, como disse, para evitar um mal maior». Mas «a imagem de Deus não é notícia» insistiu Francisco, recordando ainda que «esta é a beleza do matrimónio»: os esposos «são à imagem e semelhança de Deus e esta é a nossa notícia, a notícia cristã».
«Devemos pensar mais nisto» sugeriu o Papa. «Não é fácil levar por diante a vida matrimonial, a vida de família, pois há tantos problemas — reconheceu — mas quando se consegue ir em frente e não se cai na falência, quanta beleza!». E, fez presente o Pontífice referindo-se à carta de Tiago, precisamente «para ir em frente, a primeira leitura falava-nos da paciência: talvez a virtude mais importante no casal — quer do homem quer da mulher — seja a paciência». E acrescentou: «Monsenhor Assunto Scotti, que trabalha aqui comigo, diz-me muitas vezes: “é preciso paciência”. Repete isto com muita frequência. Sim, para levar por diante um matrimónio é preciso paciência. É necessária paciência. Mas é a paciência que leva em frente esta imagem e semelhança de Deus».
Ao concluir, o Papa convidou a rezar «ao Senhor para que conceda à Igreja e à sociedade uma consciência mais profunda, mais bonita do matrimónio», de modo «que todos nós consigamos compreender e contemplar que no matrimónio há a imagem e a semelhança de Deus».
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