PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Para superar o deserto
Terça-feira, 20 de março de 2018
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 13 de 29 de março de 2018
«Que a palavra de Deus nos ensine hoje este caminho: olhar para o crucifixo. Sobretudo no momento em que, como o povo de Deus, nos cansamos da viagem da vida», desejou o Papa comentando a primeira leitura, tirada do livro dos Números (21, 4-9).
O trecho, disse Francisco, narra um «momento de desolação, até de depressão do povo de Deus»: um povo que «caminhava no deserto», submetido à «prova da fome». Então, o Senhor «respondeu com o maná», mas os membros do povo «queriam carne, e Deus respondeu enviando codornizes». E depois, prosseguiu o Pontífice reconstruindo a cena bíblica, «faltava água e Deus respondeu sempre com a água. Mas eles cansavam-se de caminhar, andar, e rezavam ao Senhor». Portanto, «não eram maus, mas havia o cansaço de uma viagem longa, sem ver o fim». E até quando «chegaram perto da terra da qual deviam tomar posse, e Moisés enviou exploradores para ver como era» o povo que a habitava, eles «voltaram admirados» descrevendo «um povo cheio de riquezas, frutas, animais».
Em síntese, eram «entusiastas» e como prova «trouxeram também um grande cacho de uvas». Mas dado que os habitantes da terra prometida eram «pessoas fortes e altas», alguns membros do povo de Moisés, «um pouco céticos, queriam equilibrar a situação», e sugeriam que estivessem atentos, porque, diziam: «Estão bem armados, são mais fortes do que nós». Em suma, expuseram «todas as razões do perigo de ir para lá». E ao fazê-lo, observou o Papa, «consideravam a própria força, esquecendo-se da força do Senhor que os tinha libertado da escravidão de quatrocentos anos». Na realidade, «esquecem-se dos favores do Senhor. E começam a dizer: “Não vamos, matar-nos-ão, comer-nos-ão crus”; depois, a queixa e esta frase: “O povo não suportou a viagem”».
Atualizando a reflexão, o Papa comparou tudo isto com o tempo da vida em que «dizemos: “Basta!”»: como as «pessoas que começam uma vida para seguir o Senhor, para estar perto do Senhor», mas num dado momento parecem deixar-se superar pelas provações e dizem: «Basta! Paro, volto atrás». A propósito, o Pontífice observou o papel desempenhado pelas ilusões — «pensai no Egito, quanta carne, quantas cebolas, quantas coisas boas comíamos; comidas saborosas... nada faltava!» — exortando a ver «a parcialidade desta memória doentia, desta nostalgia deturpada: “Comíeis tudo aquilo, mas à mesa da escravidão”: tinham esquecido isto».
De resto, frisou com ênfase Francisco, «são estas as ilusões que sugere o diabo: faz-te ver a beleza de algo que deixaste, da qual te converteste no momento da desolação do caminho, quando ainda não alcançaste a promessa do Senhor». E «é um pouco assim o caminho da Quaresma», observou, acrescentando: «podemos conceber a vida como uma Quaresma», pois «há sempre provações e consolações do Senhor, há o maná, a água, os pássaros que nos servem de alimento...»; e não obstante isto, «essa refeição» do passado «era melhor». Mas «não te esqueças que a comias à mesa da escravidão!».
Portanto, voltando ao trecho bíblico, o Papa recordou que o povo protestava contra Deus e Moisés: «Por que nos fizestes sair do Egito, para nos deixar morrer no deserto? Pois não há pão nem água e estamos enjoados desta comida tão ligeira!». Parece até, comentou, que queriam «um cozinheiro que lhes preparasse algo saboroso». E esta, admoestou Francisco, «não é uma ilusão: isto acontece com todos nós, quando queremos seguir o Senhor mas nos cansamos».
Em tudo isto, perguntou o Papa, «o que é pior? Que o povo falou mal de Deus», foi a resposta. Moisés «julgava que falassem mal só dele, mas Deus disse-lhes claramente: “Não erres: não é contra ti, mas contra mim!”». E aqui é introduzida «a figura das serpentes», porque «falar mal de Deus é envenenar a própria alma: “Este Deus deixou-me só”; talvez não o digamos, mas sentimo-lo: “não me ajuda... tantas provações... este caminho árido, tudo está errado...”». Assim chegam «a desilusão do Deus que nos prometeu tanto» e «a falta de perseverança no caminho: “Paro aqui” — “Mas que farás aqui?” — “Não sei, se eu puder volto, caso contrário, fico...”. O coração deprimido, envenenado». Com efeito, «as serpentes são» precisamente «o símbolo do envenenamento, da falta de constância no seguimento do caminho do Senhor».
Eis, então, que «Moisés intercede: “Senhor, que fazemos com este povo?”», pergunta-lhe, visto que o patriarca «falava assim com o Senhor. A Bíblia diz: “Como entre amigos, cara a cara”». A ponto que se poderia dizer: «Negociava com o Senhor. Era esperto, bom, santo. E o Senhor diz-lhe: “Faz uma serpente...”».
Dado que «esta serpente curava todos aqueles que tinham sido mordidos, atacados pelas serpentes, por ter falado mal de Deus», ele «era profético: era a figura de Cristo na cruz». O próprio Jesus diz isto no Evangelho do dia (Jo 8, 21-30): «Quando elevardes o Filho do Homem, sabereis quem sou». Portanto, o crucifixo erguido «com a serpente. Eis — resumiu o Pontífice — a chave da nossa salvação, a chave da nossa paciência no caminho da vida, a chave para superar os nossos desertos: olhar para o crucifixo. Fitar Cristo crucificado». A propósito, o celebrante imaginou um diálogo entre um crente e o seu diretor espiritual: «Que devo fazer, padre?» — «Olhai para ele. Fitai as chagas. Entrai nas feridas. Fomos curados por aquelas chagas. Sentes-te envenenado, triste, sentes que a tua vida não corre bem, está cheia de dificuldades e até de doenças? Olha ali. Em silêncio. Olha. Em tais momentos fita o crucifixo miserável, ou seja, real: pois os artistas fizeram crucifixos bonitos, criativos, alguns até de ouro, com pedras preciosas. Nem sempre é mundanidade: ele quer significar a glória da cruz, a glória da ressurreição. Mas quando te sentires assim, olha para isto: antes da glória».
E a tal propósito, o Papa confidenciou uma recordação pessoal: «Quando eu era criança — não sei se contei isto — certa vez, numa sexta-feira santa, fazia-se a procissão das velas na paróquia, e a avó acompanhava todos. E vinha o Cristo deitado, em dimensões naturais, de mármore». Quando a procissão passava «nós ficávamos sempre, todos os anos, na plataforma, porque naquela rua o elétrico ia em duas direções. E a avó pedia que nos ajoelhássemos: “Olha bem para Ele: amanhã ressuscitará!”». Com efeito, naquela época, antes da reforma litúrgica de Pio XII, a ressurreição celebrava-se na manhã de sábado, não aos domingos. E depois a própria avó, na manhã de sábado, quando se ouviam os sinos da ressurreição», convidava-nos «a lavar os olhos com água, para ver a glória de Cristo. Fazia-nos ver ambos».
Eis a exortação conclusiva do Papa: «Ensinai os vossos filhos a ver» ambos, quer o crucifixo, quer a glória de Cristo. Com um esclarecimento: sobretudo «nos momentos duros, difíceis, um pouco envenenados por ter manifestado no nosso coração alguma desilusão contra Deus», é preciso fitar especialmente «as chagas, Cristo elevado como a serpente: porque Ele se fez serpente, aniquilando-se inteiramente para derrotar “a” serpente maligna».
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