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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Pastor entre o povo

Terça-feira, 30 de janeiro de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 06 de 8 de fevereiro de 2018

«Proximidade e ternura» são as atitudes do verdadeiro pastor que está sempre no meio do povo, preocupando-se com os problemas concretos, deixando-se tocar e indo pessoalmente onde é chamado, até ao esgotamento físico se for necessário. E sem nunca se armar em profeta, consulente espiritual ou curador, com horários de visita e lista de preços. E foi precisamente a figura do pastor, modelado no testemunho de Jesus sempre a caminho entre o povo, que o Papa Francisco quis repropor na missa deste dia.

O Pontífice iniciou a sua reflexão partindo de um excerto do Evangelho que «é mais para contemplar do que para refletir», como observou referindo-se ao trecho de Marcos (5, 21-43). «Contemplar», portanto, «como era uma jornada na vida de Jesus: Deus prometera que acompanharia o seu povo, caminharia com ele, e Deus acompanhou o seu povo e enviou Jesus para levar este caminho à plenitude».

Jesus, explicou o Pontífice, acompanha «o povo como um pastor. Não abre um escritório de consultas espirituais com um cartaz: “o profeta recebe segundas-feiras, quartas e sextas das 3h00 às 6h00. A entrada custa X ou, se preferirdes, podeis dar uma oferta”». O Senhor «não faz assim», afirmou o Papa, «nem sequer abriu um consultório médico com o aviso: “os doentes vêm em tal dia e serão curados”». Nada de tudo isto. Aliás, «Jesus anda no meio do povo».

«Quase toda a vida de Jesus, a vida pública, foi a caminho com as pessoas — disse Francisco — e quando ensinava havia sempre aquela palavra que se repete: “havia uma grande multidão”, a multidão que o seguia». E «ele preocupava-se que as pessoas compreendessem bem, e também se preocupava se tinham fome: dar de comer». Jesus estava sempre «no meio do povo: é assim o pastor, é esta a figura de pastor que Jesus nos dá e diz-nos a nós, pastores, como as pessoas devem ser acompanhadas: no meio do povo».

«Certa vez — confidenciou o Papa — um santo sacerdote, que acompanhava assim o seu povo, disse-me: “as pessoas são cansativas: chego ao fim do dia cansado”. E eu respondi-lhe: “Mas feliz?” — “Sim!”». E «aquele pastor não precisava de comprimidos para dormir: dormia muito bem, porque estava deveras cansado, mas com o cansaço real, não ideal; o cansaço de quem trabalha, daquela pessoa que trabalha e assim acompanha o povo».

No trecho do Evangelho, realçou Francisco, «lemos cinco vezes o verbo “tocar”». Jesus «é “tocado” pelo povo». Mas «também hoje vemos, quando o bispo, ou o pároco, vai em visita pastoral, as pessoas tocam para receber graças». Pois, acrescentou, «o povo é assim e se tu és pastor e estás no meio do povo, deves sentir isto». Na realidade, continuou o Pontífice, o Evangelho de hoje «diz mais: “Uma numerosa multidão o seguia e o apertava”». E quando a multidão «o aperta Jesus não diz: “não, estai ali”». Como se hoje disséssemos: «não toques no sacerdote, por favor, abri espaço que ele vem, quer seja o bispo ou o sacerdote». E assim, eis que Jesus «estava ali, no meio: era mais do que um sacerdote e do que um bispo, Jesus», e «deixava-se tocar, apertar: sentia todos».

No meio daquela multidão, narra Marcos no seu Evangelho, «inseriu-se este chefe da Sinagoga» de nome Jairo «e diz-lhe: “Mestre, a minha filha está a morrer». Como resposta «Jesus vai, caminha; não disse: “trazei-ma”», mas respondeu: «vou». Por conseguinte, «o pastor vai onde há problemas, vai onde estão as ovelhas, vai onde existem dificuldades». Responde sempre: «vou».

Ao prosseguir a releitura do excerto evangélico, Francisco indicou a figura «daquela velhota que, coitadinha, não sabia como se curar da doença: tinha fé, aquela mulher, e faz esta brincadeira “se eu tocar”» o manto de Jesus. Com efeito, pensava: «Se eu conseguir apenas tocar as suas vestes, serei salva». E Jesus «apercebe-se» daquele gesto da mulher, «porque Jesus estava atento aos gestos do povo». E «ao coração de Jesus nunca veio a ideia: “estas pessoas ignorantes, que não sabem teologia, esta gente supersticiosa...”, nunca!». Eis, ao contrário, a sua pergunta de pastor: «Quem me tocou?». E imediatamente a garantia: «Não temas. Vai em paz. A tua fé te salvou». E «assim resolve os problemas».

Francisco sugeriu uma meditação também acerca do momento em que, na narração evangélica, «chega a notícia da morte da menina». Ao pai, Jesus recomenda: «Não temas, somente tem fé!». E vai a casa da menina. «Parece que a Jesus — explicou o Papa — agrade ir ao encontro das dificuldades, dos problemas, quando as pessoas pedem».

Quando chegou «àquela casa», Jesus «tem que pagar a entrada: a entrada da ironia, do escárnio, porque as pessoas estavam ali, estavam ali as carpideiras que choravam, gritavam, como se fazia no oriente nas vigílias noturnas, nos velórios». E pede para não chorar, porque a menina dorme, não está morta. Com estas palavras, prosseguiu o Papa, Jesus aceita a ironia, mas «em silêncio vai em frente, paga com o esforço, com o cansaço, até com a vergonha, paga para fazer o bem».

E «depois, no final, com aquele gesto — afirmou — restitui à vida a jovem e entrega-a aos pais. E não diz: “o Senhor vos abençoe”, não faz uma cerimónia». Diz simplesmente: «Dai-lhe de comer». De resto, explicou Francisco, «Jesus está atento às pequenas coisas: isto vem à minha mente quando ressuscita o filho da viúva em Naim». E a narração do «Evangelho acaba assim: “E restituiu-o à sua mãe”». Jesus «dá, também aquela filha, restitui-a».

Estes são para mim os vestígios do modo de agir de Jesus, de caminhar com o seu povo, no meio do seu povo: proximidade e ternura» reafirmou o Pontífice. «Deus — acrescentou — esteve sempre próximo do seu povo, caminhou com o seu povo; foi terníssimo, como uma mãe: ele mesmo o diz através dos profetas». E também «Jesus, Deus e homem, faz com que esta proximidade do Pai seja real e concreta, assim como esta ternura».

«O pastor é ungido com o óleo no dia da sua ordenação: sacerdotal e episcopal» afirmou o Papa. Mas «o verdadeiro óleo, o interior, é o óleo da proximidade e da ternura». Ao contrário, ao «pastor que não sabe fazer-se próximo falta algo: talvez seja um dono do campo, mas não é um pastor». Porque «um pastor ao qual falta ternura será um homem rígido, que pune as ovelhas».

Por conseguinte, servem «proximidade e ternura; vemo-lo» na página do evangelho de Marcos proposta pela liturgia: «Jesus era assim e o pastor, como Jesus, termina o dia cansado, mas cansado por praticar este bem». Por isso «proximidade e ternura» são as «atitudes de um verdadeiro pastor».

«Hoje poderíamos rezar na missa pelos nossos pastores — sugeriu o Papa — para que o Senhor lhes conceda esta graça de caminhar com o povo, de estar presentes para o povo com muita ternura, com muita proximidade». E «quando o povo encontra o seu pastor, tem aquela sensação especial que se sente só na presença de Deus». Recorda isto precisamente a conclusão do excerto do Evangelho quando descreve os sentimentos dos presentes: «Eles ficaram estupefactos». É «a estupefação de sentir a proximidade e a ternura de Deus no pastor».

 



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