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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Miserando atque eligendo

Quinta-feira, 21 de setembro de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 39 de 28 de setembro de 2017

Miserando atque eligendo. Há a essência e a raiz da missão de Jorge Mario Bergoglio na meditação proposta no dia da festa de São Mateus. O mote que o Papa escolheu para si a fim de relançar a atitude de Jesus em relação ao publicano é tirado da homilia 21 de São Beda o venerável, proposta no Ofício das leituras para a festa litúrgica do evangelista.

E as modalidades concretas, passo a passo, da conversão de Mateus — tal como foi fixada pelo Caravaggio exposto na igreja romana de São Luís dos Franceses — foram percorridas, atualizado-as, pelo Pontífice na sua homilia. «Este trecho do Evangelho de Mateus — fez presente o Papa, referindo-se ao excerto sugerido pela liturgia (9, 9-13) — narra a conversão de Mateus: como o Senhor o chamou, o escolheu para o seguir». E «podemos vê-lo em três excertos: o encontro, a festa e o escândalo».

Antes de tudo o «encontro»: «Jesus tinha acabado de curar um paralítico e quando estava para ir embora — talvez para sair, estavam à porta os cobradores de impostos — encontrou este homem chamado Mateus». E o Evangelho diz, precisamente, que Jesus «viu um homem chamado Mateus — e onde estava aquele homem? — sentado no banco dos impostos». Afinal Mateus «era um dos que faziam pagar os impostos ao povo de Israel, para os dar aos romanos: um traidor da pátria». A ponto que estes homens, acrescentou o Papa, «eram desprezados».

E Mateus, prosseguiu Francisco, «sente que Jesus olha para ele» e segundo o Evangelho lhe diz: “segue-Me”. E ele levantou-se e seguiu-o». Mas «o que aconteceu?» foi a pergunta sugerida por Francisco, referindo-se a este encontro. O que convenceu Mateus a seguir o Senhor? «Trata-se da força do olhar de Jesus» — explicou o Pontífice — que «certamente olhou para ele com muito amor, muita misericórdia: aquele olhar de Jesus misericordioso» significava: «Segue-me, vem». E Mateus, por sua vez, tinha «um olhar desanimado, olhando de esguelha, com um olho em Deus e o outro no dinheiro, apegado ao dinheiro tal como Caravaggio o pintou: precisamente assim, agarrado e olhando de esguelha e também com um semblante carrancudo, mal-humorado».

Ao contrário, o olhar de Jesus, é «amoroso, misericordioso». Face a este olhar eis que «a resistência daquele homem que queria dinheiro — era totalmente escravo do dinheiro — cedeu». Com efeito, o Evangelho diz-nos que Mateus «se levantou e o seguiu».

Na perspetiva desta «luta entre a misericórdia e o pecado», afirmou o Pontífice, é importante questionar-se: «Como entrou o amor de Jesus no coração daquele homem? Por que porta pôde entrar?». O facto é que, explicou Francisco, «aquele homem sabia que era pecador: sabia que não era amado por ninguém, e até era desprezado». Precisamente «aquela consciência de ser pecador abriu a porta à misericórdia de Jesus: deixou tudo e foi embora». Eis «o encontro entre o pecador e Jesus: Todos os pecadores que encontraram Jesus tiveram a coragem de O seguir, mas se não se sentissem pecadores não O podiam seguir». Por este motivo, disse o Papa, «a primeira condição para ser salvo é sentir-se em perigo; a primeira condição para ser curado é sentir-se doente». Por conseguinte, prosseguiu, «sentir-se pecador é a primeira condição para receber este olhar de misericórdia». E mais, acrescentou Francisco, «pensemos no olhar de Jesus: tão belo, tão bom, tão misericordioso, e também nós, quando rezamos, sintamos este olhar sobre nós: é o olhar do amor, o olhar da misericórdia, o olhar que nos salva» e nos sugere para «não ter medo».

Mateus, afirmou o Papa, «sentiu-se muito feliz e certamente, mesmo se não está no texto, convidou Jesus para almoçar em sua casa, como fizera também Zaqueu». É precisamente o momento da «festa». «Festejaram» afirmou o Pontífice, evidenciando que «depois daquele encontro foi feita uma festa com todos os pertencentes ao mesmo sindicato: eram todos iguais. E ele chamou os amigos que eram assim: pecadores, publicanos e certamente fizeram perguntas ao Senhor e Ele respondeu sentado à mesa naquela casa». Portanto, «estavam à mesa, comiam juntos com os pecadores: aconteceu o mesmo no almoço que Zaqueu fizera para festejar a conversão, o encontro com o Senhor». E «isto faz-nos pensar ao que Jesus diz no capítulo 15 de Lucas: haverá mais festa no céu por um só pecador que se converte do que por cem justos que permanecem justos». Esta é, precisamente, «a festa do encontro do Pai, a festa da misericórdia; e Jesus derrama misericórdia sobre todos».

Mas enquanto o Senhor «estava sentado à mesa» — é o terceiro momento depois do encontro e da festa — eis que «se apresenta o escândalo». O Evangelho, explicou Francisco, narra que «chegaram muitos publicanos e pecadores e se puseram à mesa com Jesus e com os seus discípulos». E «ao ver isto, os fariseus diziam aos seus discípulos: “Mas como?”». Porque, explicou o Papa, «um escândalo começa sempre com esta frase: “Mas como?”». Por isso, acrescentou, «quando ouvirdes uma frase como esta, cheira mal: por detrás está o escândalo, rasgam-se as vestes».

Com efeito, eis que os fariseus perguntam aos discípulos: «Por que come o vosso mestre juntamente com os publicanos e com os pecadores? O vosso mestre é um impuro, porque saudar esta gente contagia». Para eles «é a doença, a impureza de não seguir a lei, e a lei diz que não se pode estar com eles». Aliás, são pessoas que repetem que «a lei diz, a doutrina diz...: eles conheciam bem a doutrina, sabiam-na muito bem, sabiam como se devia andar pelo caminho do reino de Deus, conheciam melhor do que ninguém como se devia fazer». Mas, observou o Papa, «tinham esquecido o primeiro mandamento do amor e ficaram fechados nesta gaiola dos sacrifícios: “Façamos um sacrifício a Deus, respeitemos o sábado, tudo quanto se tem que fazer e assim salvamo-nos”». Mas não, relançou Francisco, porque «é Deus quem nos salva, é Jesus Cristo quem nos salva e estes não tinham compreendido, sentiam-se seguros, pensavam que a salvação vinha deles».

Por este motivo, perguntam aos discípulos: «mas como?»: precisamente aquele «“mas como?” que ouvimos tantas vezes dos fiéis católicos quando viam obras de misericórdia: mas como?». Ao contrário, «Jesus é claro, é muito claro: “Ide aprender”». Por isso «mandou que fossem aprender: “Ide aprender o que significa misericórdia, aquilo que eu quero, que não são sacrifícios, porque de facto eu não vim chamar os justos mas os pecadores». Portanto, afirmou o Pontífice, «se quiseres ser chamado por Jesus, reconhece que és pecador».

É claro, «há quem possa dizer: “Padre, mas é uma graça sentir-se pecador, a sério?». Sim, porque significa «sentir a verdade». Mas «não um pecador abstrato: pecador por isto e por aquilo. Pecado concreto, pecados concretos! E todos nós temos tantos!». Então «vamos ali e deixemo-nos olhar por Jesus com aquele olhar misericordioso cheio de amor».

Por conseguinte, disse Francisco repercorrendo os pontos essenciais da sua meditação, «o encontro entre a misericórdia e o pecado; a festa, porque Jesus nos disse que há festa quando um pecador se converte; e sempre o escândalo: há tantos, muitos, sempre, até na Igreja hoje». Talvez «digam: não, não se pode, é tudo claro, não, aqueles são pecadores, temos que os afastar». E «também muitos santos foram perseguidos ou suspeitados: pensemos em Santa Joana d'Arc, queimada na fogueira porque pensavam que era uma bruxa e condenada: uma santa! Pensai em Santa Teresa, suspeitada de heresia, pensai no beato Rosmini».

Em conclusão, o Papa relançou a expressão evangélica: «Quero misericórdia e não sacrifícios», recordando que «a porta para encontrar Jesus é reconhecer como somos, a verdade: pecadores. E ele vem e encontramo-nos: é tão bom encontrar Jesus!».

 



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