PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE
O salário de Jesus
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 22 de 28 de Maio de 2015
O «salário» do cristão é «assemelhar-se a Jesus»: não há recompensa em dinheiro nem em poder para quem segue deveras o Senhor, porque o caminho é só de serviço e na gratuidade. Ao contrário, procurando um «bom negócio» mundano, com «a riqueza, a vaidade e o orgulho», cria-se «uma cauda de pavão» e dá-se inclusive um «contra-testemunho» na Igreja. Foi contra esta tentação que o Papa Francisco alertou.
Foi o «diálogo entre Pedro e Jesus» que sugeriu a meditação do Pontífice, iniciada precisamente pelo trecho de Marcos (10, 28-31) proposto pela liturgia do dia. Um diálogo, explicou, que se realiza depois do encontro com «aquele jovem que queria seguir Jesus: era bom, Jesus amou-o», como narra o Evangelho. Contudo o Senhor «disse-lhe que lhe faltava algo: que vendesse tudo o que possuía», que desse o dinheiro «aos pobres: “terás um tesouro no céu”». Mas «a estas palavras — afirmou o Papa — o jovem ficou abatido e foi embora entristecido».
Assim «Jesus retomou o discurso e disse aos discípulos: “Como é difícil para quem possui riquezas entrar no reino de Deus”». E «os discípulos ficaram desconcertados com suas palavras». Mas «Jesus replicou: “Filhos, como é difícil entrar no reino de Deus. É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino do céu”».
E eis o trecho evangélico da liturgia com Pedro que garante a Jesus: «Nós deixamos tudo e seguimos-te». Como quem diz: «E a nós, o quê? Qual será o nosso salário? Deixamos tudo». Em poucas palavras, «os ricos que nada deixaram — o jovem que não queria deixar as suas riquezas — não entrarão no reino de Deus, mas nós? Qual será o nosso ganho?».
A questão, frisou Francisco, é que «os discípulos entendiam Jesus pela metade, porque o conhecimento pleno de Jesus aconteceu quando o Espírito Santo desceu». E de facto Jesus responde-lhes: «Em verdade vos digo: quem tiver deixado a casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa da boa nova receberá cem vezes mais agora, no tempo presente em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, juntamente com perseguições». Praticamente «Jesus responde indicando outra direcção» e não promete «as mesmas riquezas que tinha o jovem». Precisamente «este ter muitos irmãos, irmãs, mães, pais, bens é a herança do reino, mas com a perseguição, com a cruz. E isto muda».
Eis porque, explicou o Papa «quando um cristão é apegado aos bens, faz a má figura de quem quer duas coisas: o céu e a terra». E «o termo de comparação é exactamente o que diz Jesus: a cruz, as perseguições, negar-se a si mesmo, sofrer a cruz todos os dias».
Por sua vez «os discípulos sentiam esta tentação: seguir Jesus mas depois qual será o fim deste bom negócio?». E, acrescentou Francisco, «pensemos na mãe de Tiago e João quando pediu um lugar para os seus filhos: “Ah, que este seja primeiro-ministro, e este ministro da economia”». Era «o interesse mundano no seguir Jesus»: mas depois «o coração desses discípulos foi-se purificando até ao Pentecostes, quando entenderam tudo».
«A gratuitidade no seguir Jesus é a resposta à gratuitidade do amor e da salvação que nos dá Jesus» esclareceu o Pontífice. «Quando se quer seguir Jesus e o mundo, quer com a pobreza quer com a riqueza», verifica-se «um cristianismo a metade, que deseja um ganho material: é o espírito da mundanidade». E «aquele cristão, dizia o profeta Elias, “coxeia das duas pernas”» porque «não sabe o que quer».
Assim, sugeriu Francisco, «a chave para entender este discurso de Jesus — sim, cem vezes mais, mas com a cruz — é a última palavra: “Muitos dos primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”». E «eis o que diz do serviço: “Quem se considera ou é o maior de entre vós, faça-se servo: o menor”». Não foi por acaso, recordou o Papa, que dizendo estas palavras Jesus «pegou naquela criança e a mostrou».
«Seguir Jesus sob o ponto de vista humano não é um bom negócio: é servir» insistiu o Pontífice. De resto foi exactamente o que «fez ele: e se o Senhor te der a possibilidade de ser o primeiro, tu deves comportar-te como o último, isto é no serviço. Se o Senhor te der a possibilidade de possuir bens, deves comportar-te no serviço, isto é, para os outros».
«São três os aspectos, os degraus que nos afastam de Jesus: as riquezas, a vaidade e o orgulho» afirmou o Papa. «Por isto — explicou — as riquezas são tão perigosas: levam-te a ser vaidoso e a pensar que és importante»; mas «quando te consideras importante, crias a cauda de pavão e perdes-te». Eis porque Jesus nos recorda o caminho: «Muitos dos primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros, e quem for o primeiro entre vós seja o servo de todos». É «um caminho de despojamento», o mesmo que «ele percorreu».
«Esta obra de catequizar os discípulos levou tanto tempo porque não entendiam bem o que Jesus dizia». Assim hoje, recomendou Francisco, «também nós devemos pedir-lhe: que nos ensine este caminho, esta ciência do serviço, a ciência da humildade, a ciência de ser os últimos para servir os irmãos e as irmãs da Igreja».
Para o Pontífice «é desagradável ver um cristão — leigo, consagrado, sacerdote ou bispo — que quer as duas coisas: seguir Jesus e os bens, seguir Jesus e a mundanidade». É «um contra-testemunho e afasta as pessoas de Jesus». Antes de prosseguir com a celebração da Eucaristia, o Papa convidou a pensar de novo na pergunta de Pedro: «Nós deixamos tudo: como nos pagarás?». E ter presente a resposta de Jesus porque «o preço que ele nos dá é ser semelhante a ele: este será o “salário”». E «assemelhar a Jesus», concluiu, é um «grande salário».
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