PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE
Encantados pela serpente
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 22 de 28 de Maio de 2015
Ilusão de felicidade e de poder, falta de horizontes e de esperança. A difícil relação do homem com a riqueza esteve no centro da reflexão do Papa.
A liturgia do dia propunha o trecho evangélico de Marcos (10, 17-27) que narra sobre o jovem rico, um episódio que — disse o Pontífice — se poderia intitular: «O percurso que vai da alegria e da esperança para a tristeza e o fechamento de si mesmo». De facto, aquele jovem «queria seguir Jesus, viu-o e correu ao seu encontro, entusiasmado, perguntando-lhe: “Que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?”». E, depois do convite a seguir os mandamentos, o Senhor exorta-o: «Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu». E o jovem, «ficou abatido e foi embora entristecido. Com efeito, possuía muitos bens».
Passou do entusiasmo para a tristeza: «Queria seguir Jesus e foi-se embora por outro caminho». O motivo? «Estava apegado aos seus bens. Tinha muitos bens. E na balança venceram os bens».
Francisco frisou a atitude clara de Jesus diante de tal reacção: «Disse aos seus discípulos com convicção: “Como é difícil para quem possui riquezas entrar no reino de Deus”». De facto — explicou — «há um mistério na posse das riquezas. Elas têm a capacidade de seduzir, de nos levar a uma sedução e de nos fazer crer que estamos num paraíso terrestre». Em relação a isto, o Papa citou um exemplo: «Recordo nos anos setenta quando vi pela primeira vez um bairro fechado, de pessoas ricas; era fechado para se defender dos ladrões, para estarem seguros». Havia também pessoas boas, mas estavam fechados naquela espécie de «paraíso terrestre». Isto acontece, disse, «quando há um fechamento para defender os bens»: perde-se o «horizonte». «É triste uma vida sem horizontes».
Neste ponto o Pontífice foi mais a fundo: é preciso considerar, recordou, que «as coisas fechadas se arruínam, entram em corrupção. O apego às riquezas é o início de todos os tipos de corrupção, em toda a parte: corrupção pessoal, nos negócios, até na pequena corrupção comercial — como aquela, explicou o Papa, de quantos subtraem um grama no peso justo de uma mercadoria — corrupção política, corrupção na educação...». Quantos «vivem apegados ao próprio poder, às próprias riquezas, acreditam que estão no paraíso. Estão fechados, não têm horizontes nem esperança. No final terão que deixar tudo».
Para fazer compreender melhor este conceito, o Pontífice evocou a parábola na qual Jesus fala do homem que com roupas elegantes «todos os dias oferecia lautos banquetes». Ele «era tão fechado em si mesmo que não via além do seu nariz: não via que à porta da sua casa havia um homem que tinha fome e estava doente, cheio de chagas». O mesmo acontece a nós: «o apego às riquezas faz-nos acreditar que tudo está bem, que existe um paraíso terrestre, mas tira-nos a esperança e os horizontes. E viver sem horizontes é estéril, viver sem esperança é triste».
Mas, esclareceu Francisco, estamos a criticar o «apego» e não a «boa administração das riquezas». Com efeito, as riquezas «existem para o bem comum, de todos», e se o Senhor as concede a alguém é «para o bem de todos, não para si mesmo, não para que as encerre no seu coração, que depois com isto se torna corrupto e triste». Jesus usa uma expressão forte: «Como é difícil para quem possui riquezas entrar no reino de Deus». As riquezas, disse o Papa, «são como a serpente no paraíso terrestre, encantam, enganam, fazem-nos acreditar que somos poderosos, como Deus. E no final tiram-nos o melhor, a esperança, e colocam-nos no desprezível, na corrupção». Por isso Jesus afirma: «É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino do céu».
Disto deriva um conselho válido para cada um: quem possui riquezas deve fazer referência «à primeira bem-aventurança: “Felizes os pobres de espírito”, isto é, despojar-se deste apego e fazer com que as riquezas que o Senhor lhe concedeu sejam para o bem comum». A «única maneira» de agir é «abrir a mão, abrir o coração, abrir os horizontes». Se, ao contrário, «manténs a mão fechada, o coração fechado como o homem que oferecia banquetes e vestia roupas luxuosas, não tens horizontes, não vês os outros que têm necessidade e acabarás como aquele homem: distante de Deus». O mesmo aconteceu ao jovem rico: «tinha o caminho para a felicidade, procurava-a e... perdeu tudo». Por causa do seu apego às riquezas «acabou como um derrotado».
Portanto, concluiu o Pontífice, devemos pedir a Jesus a graça «de não permanecer apegados às riquezas» para não correr o perigo «do fechamento do coração, da corrupção e da esterilidade».
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