PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE
Muito movimento
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 20 de 14 de Maio de 2015
No dia da festa de nossa Senhora de Luján, padroeira da Argentina, o Papa Francisco ofereceu precisamente pela sua pátria a missa celebrada em Santa Marta. E convidou a saber seguir os movimentos provocados em cada um de nós e em toda a Igreja pelo Espírito Santo: movimentos que aparentemente parecem causar confusão mas ao contrário desembocam sempre na unidade.
Logo no início da homilia o Papa recordou que «Jesus tinha prometido aos apóstolos o Espírito Santo e disse que o Espírito Santo lhes teria ensinado muitas coisas e recordado o que tinha ensinado». Assim «desde o primeiro momento da vinda do Espírito Santo, no mesmo dia da sua vinda, as águas começaram a mover-se: teve início um movimento na Igreja». Os discípulos, por seu lado, «estavam fechados, um pouco por medo, mas ali começou um movimento: saíram e Pedro fez o primeiro discurso ao povo».
Todos ouviam as palavras de Pedro na própria língua: cada um na sua. Ao ouvi-las, muitos «converteram-se e depois foram anunciar esta boa nova: Jesus estava vivo, o Senhor tinha ressuscitado». E começou portanto este movimento pelo mundo. E fez assim também o «apóstolo Filipe com aquele “ministro da economia” da Etiópia, que era um judeu, um prosélito judeu: anuncia-lhe a mensagem de Jesus, baptiza-o e vai à sua terra anunciar o Evangelho».
Francisco percorreu aqueles primeiros passos da evangelização narrados pelos Actos. «Os apóstolos — disse — começam a pregar em Jerusalém e, depois da cura daquele paralítico, que pedia esmola» diante da porta do templo chamada «Bela», Pedro e João «são chamados a juízo, são reprovados: começam as perseguições». E assim «desencadeia-se, depois da morte de Estêvão, outro forte movimento: as perseguições».
A este ponto, afirmou o Papa, surge «mais um problema». Ou seja, os primeiros discípulos, como Paulo e Pedro, puseram-se a caminho para pregar indo «visitar os judeus, mas encontraram também os pagãos». E «Pedro é o primeiro, porque foi a casa de Cornélio». Precisamente lá «começa outro movimento na Igreja e Pedro, o chefe, é criticado: “Mas ele é um pouco herege porque entrou na casa de um pagão, é impuro!». Por isso «Pedro sente esta falta de confiança de alguns da comunidade». E «são estes movimentos dentro da Igreja; movimentos de grupos que têm diversos pontos de vista».
Por seu lado, «Paulo começa a pregar a conversão também aos pagãos e estes ouvem a boa nova e convertem-se». Mas o grupo cristão que era «fechado, não compreendia», repetia: «Não, os pagãos não!». Chegando a lapidar Paulo e deixando-o «como se estivesse morto». Depois «procuram também ajuda no poder da sociedade: em Antioquia foram ter com as mulheres piedosas da nobreza e com os homens de alto nível para tentar esta acção contra os apóstolos».
Assim — prosseguiu o Papa — chegamos a este ponto, ao capítulo 15 dos Actos dos Apóstolos (22-31), onde se movem precisamente as águas em Antioquia, porque um grupo de cristãos, muito apegados à lei judaica, pretende impor as condições do judaísmo aos novos cristãos antes de os baptizar: por exemplo a circuncisão, e outras coisas». Mas «Paulo diz não». Eis que começa então «aquela luta interna entre eles, as águas movem-se». Com efeito, lê-se que eles faziam discussões afervoradas. «Discutiam com vigor porque era deveras muito movimento» explicou o Papa. E «como resolvem o problema? Reúnem-se e cada um dá a sua opinião; discutem, mas como irmãos e não como inimigos: não formam grupinhos para vencer; não vão ter com os poderes civis para se impor; não matam para triunfar: procuram o caminho da oração e do diálogo». E assim aqueles «que tinham posições contrárias dialogavam e punham-se de acordo: esta é obra do Espírito Santo».
O capítulo 15 dos Actos, afirmou Francisco, narra «o processo que termina» precisamente no trecho da liturgia de hoje, «com o primeiro concílio ecuménico, o concílio de Jerusalém». Assim, prosseguiu, «enviaram uma carta a quantos não sabiam o que fazer por esta pregação dos fechados: «Aos apóstolos e aos anciãos, vossos irmãos, aos irmãos de Antioquia, da Síria e da Cilícia que provêm dos pagãos, saúde! Soubemos que alguns de nós, aos quais não tínhamos dado encargo algum, vieram turvar-vos com discursos que arrasaram as vossas almas». Na prática «semearam joio», acrescentou o Papa, prosseguindo a leitura do texto: «“Pareceu-nos bem, por isso, que todos concordam em escolher algumas pessoas e enviá-las a vós juntamente com os nossos caríssimos Barnabé e Paulo” — que tinham sido considerados hereges — “homens que arriscaram a sua vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Enviamos portanto Judas e Sila, que vos referirão também eles directamente estas coisas”». Ao ler estas palavras o Pontífice frisou que no fim todos concordavam; e também que Barnabé e Paulo «tinham sido julgados hereges».
Depois Francisco leu, sempre dos Actos, «esta fórmula que é uma expressão solene: “Aprouve, pois, ao Espírito Santo e a nós não vos impor outra obrigação a não ser estas que são necessárias: abstende-vos das carnes oferecidas aos ídolos, do sangue, dos animais sufocados e das uniões ilegítimas». A propósito o Papa frisou que «tinha sido Pedro a pressionar para isto» com uma frase dita anteriormente: «Por que quereis tentar Deus, impondo um jugo que nem sequer nós, nem os nossos pais, fomos capazes de suportar?». Contudo o processo termina e «todos estão de acordo».
É precisamente «este — disse Francisco — o caminho do Espírito Santo, é esta a obra do Espírito Santo». Porque é ele «que move as águas, que faz um pouco de desordem, que parece que há tempestade, tormentas — pensai no dia de Pentecostes — e depois faz a harmonia, a unidade: tem estas duas características». E «numa Igreja onde nunca há problemas deste género — acrescentou — faz-me pensar que o Espírito não esteja muito presente». Certamente «numa Igreja na qual se discute sempre e se formam grupinhos e os irmãos se atraiçoam uns aos outros, ali não está o Espírito Santo». Com efeito «o Espírito é o que faz a novidade, que move a situação para ir em frente, que cria novos espaços, que dá a sabedoria que Jesus prometeu: “Ele vos ensinará”. Por conseguinte, o Espírito move mas também cria a unidade harmoniosa entre todos».
Eis quanto «nos ensina a leitura de hoje, e o primeiro concílio ecuménico», recapitulou Francisco repetindo de novo a fórmula com a qual o Espírito pôs todos de acordo. E prosseguindo a celebração, o Papa pediu «ao Senhor Jesus, que está presente entre nós, que nos envie sempre o Espírito Santo, a cada um de nós; que o envie à Igreja e que a Igreja saiba ser fiel aos movimentos que o Espírito Santo provoca».
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