PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE
Da estupefacção ao poder
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 17 de 23 de Abril de 2015
O cristão deve livrar-se da «tentação» de passar da «maravilha religiosa do encontro com o Senhor» ao cálculo para se aproveitar dele com finalidades de poder, cedendo assim ao espírito de mundanidade. A reflexão do Papa partiu do trecho evangélico de João (6, 22-29) que narra como a multidão, por interesse material, procurava Jesus depois da multiplicação dos pães e dos peixes. O Evangelho, recordou o Papa, «diz que, depois do jejum e das tentações no deserto, Jesus estava cheio da força do Espírito e começou a pregar». Assim «foi a Nazaré, onde tinha crescido». E «ali anunciou a sua missão com aquele trecho do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova, para anunciar aos oprimidos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para mandar em liberdade os cativos, para anunciar o ano da graça do Senhor”».
Precisamente «esse — afirmou Francisco — era o seu programa, essa era a sua missão. Jesus conclui o seu discurso dizendo: «Hoje foi cumprida esta escritura». Portanto, iniciou a sua missão com o anúncio. Depois «começa a fazer milagres, os sinais, as curas: estas curas que as pessoas observavam» e assim «acreditavam nele e levavam-lhes os doentes». Mas «Jesus fazia isso porque era a sua missão». Por conseguinte, eis «outro trecho, as catequeses de Jesus: ensinava ao povo com as bem-aventuranças, com muitas parábolas».
Portanto, realçou o Santo Padre, «vemos três etapas: o anúncio da sua missão, o seu trabalho de levar a saúde, o bem, a cura, e as catequeses». E «as pessoas seguiam-no e diziam: “Nunca ouvimos um homem falar deste modo”». Praticamente, reconheciam que falava «como um que tem autoridade, aquela força do Espírito que Jesus tinha».
O Evangelho, prosseguiu Francisco, diz-nos que «uma certa vez as pessoas seguiram Jesus e permaneceram todo o dia ouvindo a sua catequese». Contudo, ele «deu-se conta que estavam famintos e todos conhecemos como findou a história: havia só cinco pães e Jesus multiplicou os pães e as pessoas maravilharam-se». Portanto, «os milagres de Jesus, as suas palavras, levavam as pessoas a ficar estupefactas», a ponto de os fazer dizer: «Mas este homem é o profeta, é o homem de Deus!».
Porém, disse o Pontífice, as mesmas pessoas, «depois de terem sido saciadas, começaram a sentir algo diferente». Ou seja, diziam: «Aproveitamos deste homem, aproveitemos bem dele, façamo-lo rei!». Praticamente, «da estupefacção religiosa deslizam rumo ao poder». Mas «Jesus sobe ao monte», recordou o Papa referindo-se expressamente ao Evangelho da liturgia. Portanto, «esta gente procura-o no dia seguinte e não o encontra, mas faz alguns cálculos». E diz: «Não subiu ao barco, mas há um só barco aqui, não compreendemos bem». No final «encontra-o do outro lado do mar».
E quando viu toda aquela multidão que acorria, «Jesus recebe-a com muita bondade». Perguntam-lhe: «Rabi, quando vieste para cá?». E ele, sempre «com muita bondade, respondeu-lhe: “Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais — como para dizer, não pelo maravilha religiosa que vos leva a adorar a Deus — mas porque comestes dos pães e vos fartastes”». E assim «corrige esta atitude».
Uma atitude, contudo, que «se repete nos Evangelhos», observou Francisco. «Numerosos seguem Jesus por interesse», até «entre os seus apóstolos», como «os filhos de Zebedeu, que queriam ser, um, primeiro ministro e, outro, ministro da economia: ter poder».
Portanto, admoestou o Papa, «aquela unção de levar aos pobres a boa nova, a libertação dos oprimidos, a vista aos cegos, a liberdade aos prisioneiros e anunciar um ano de graça, dado que perde isto de vista transforma-se em algo de poder». E também «no dia da Ascensão acontece o mesmo», quando os apóstolos perguntam: «É este o tempo em que reconstruirás o reino de Israel?». Em síntese, explicou o Pontífice, «sempre houve esta tentação de passar daquela maravilha religiosa — esta é a palavra — que Jesus nos dá no encontro connosco, de nos aproveitarmos dele».
Aliás, «esta foi também a proposta que o diabo fez a Jesus nas tentações: um, sobre o pão; outro, sobre o espectáculo». Isto é: «Mas fazemos um bonito espectáculo, assim toda a gente acreditará em ti!». E depois a terceira tentação, «a apostasia; ou seja, a adoração dos ídolos». E «esta é uma tentação quotidiana dos cristãos, nossa, de todos nós que somos a Igreja: a tentação não do poder, da potência do Espírito, mas a tentação do poder mundano». Deste modo, «cai-se naquela tepidez religiosa à qual nos leva a mundanidade, aquela tibieza que acaba quando cresce e se transforma naquela atitude a que Jesus chama hipocrisia». A ponto de dizer aos discípulos: «Guardai-vos com cuidado do fermento dos fariseus e dos doutores da lei». Portanto, «fermento, pão: guardai-vos da hipocrisia».
Com efeito, deste modo acabamos por nos tornarmos «cristãos de nome, de atitude exterior, mas o coração está no interesse». A este propósito, Francisco repetiu as palavras de Jesus à multidão que o seguia, citadas por João no seu Evangelho: «Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais mas porque comestes dos pães e vos fartastes». Exactamente «esta é a nossa tentação quotidiana: deslizar na mundanidade, nos poderes e assim debilita-se a fé, a missão. Debilita-se a Igreja».
Antes de prosseguir a celebração, «com Ele presente no altar», Francisco pediu ao Senhor na Oração «que nos dê esta graça da estupefacção do encontro e nos ajude também a não cair no espírito da mundanidade, ou seja, naquele espírito que por detrás ou sob uma verniz de cristianismo nos levará a viver como pagãos».
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