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CONFERÊNCIA DE IMPRENSA PARA A APRESENTAÇÃO
DOS LINEAMENTA POR OCASIÃO
DA XII ASSEMBLÉIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS
COM O TEMA: "A PALAVRA DE DEUS NA VIDA
E NA MISSÃO DA IGREJA"

DISCURSO DE D. NIKOLA ETEROVIĆ

27 de Abril de 2007

 

Observações preliminares

"Está escrito: "Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus"" (Mt 4, 4). Com estas palavras, Jesus Cristo afastou a primeira tentação do demónio que, depois de quarenta dias de jejum, queria induzir o Senhor a transformar as pedras em pão. O Mestre venceu a tentação, referindo-se à experiência do povo judeu e à sua memória da ajuda eficaz de Deus durante a travessia do deserto: "Sim, Ele fez-te sofrer e passar fome; depois, alimentou-te com este maná, que não conhecias e que os teus pais também não conheceram, para te ensinar que o homem não vive somente de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor" (Dt 8, 3).

As palavras aqui citadas situam-se na continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento e, ao mesmo tempo, indicam a especificidade própria do agir de Jesus Cristo e o profundo sentido que Ele infunde na Escritura. De resto, estas palavras são sempre actuais. Elas convidam também o homem contemporâneo, frequentemente atraído pela fascinação dos bens materiais, a considerar como prioritários Deus e a palavra que Ele dirige ao homem, obra das suas mãos (cf. Job 10, 3).
Tais palavras vêm espontaneamente ao pensamento, no momento de apresentar os Lineamenta da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que terá lugar de 5 a 26 de Outubro de 2008, sobre o tema: "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja".

Lineamenta: documento de preparação para a assembleia sinodal

Como se sabe, os Lineamenta são um documento importante para a preparação da assembleia sinodal. Ele tem como finalidade suscitar uma reflexão a nível de Igreja universal sobre o tema do Sínodo.

No Prefácio foi indicada brevemente a génese da escolha do tema e da elaboração dos Lineamenta. Segundo as indicações do Santo Padre Bento XVI, e em conformidade com quanto prevê o Ordo Synodi Episcoporum, a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos aceitou o parecer das Conferências Episcopais, das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, dos Departamentos da Cúria Romana e da União dos Superiores-Gerais, acerca das propostas dos temas mais actuais para a reflexão sinodal. A preferência dizia respeito à Palavra de Deus, tema que muitas vezes foi proposto para o aprofundamento sinodal, mas nunca com um consenso tão amplo. Num certo sentido, ele une-se ao tema da XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que teve lugar de 2 a 23 de Outubro de 2005, sobre o tema: "A Eucaristia: fonte e ápice da vida e da missão da Igreja". Efectivamente, na celebração da Santa Missa fala-se com frequência das duas partes essenciais: Liturgia da Palavra e Liturgia eucarística, às vezes denominadas as duas mesas que, na realidade, "estão tão estreitamente unidas entre si, que chegam a formar um único acto de culto" (Ordenamento Geral do Missal Romano, pág. 19). Obviamente, o tema da próxima Assembleia sinodal terá em consideração a Palavra de Deus em toda a sua vastidão, contudo sem se esquecer da sua ligação vital com a celebração da Eucaristia.

O Santo Padre Bento XVI aceitou de bom grado a proposta da maioria do Episcopado universal, que foi anunciada publicamente no dia 6 de Outubro de 2006.

Em seguida, o Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos reuniu-se duas vezes, no mês de Outubro de 2006 e, sucessivamente, em Janeiro de 2007 para elaborar com a ajuda de alguns peritos, o esquema e o conteúdo dos Lineamenta. Hoje, apresenta-se o resultado dos seus esforços. É necessário ter presente a dimensão representativa do Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, que é composto por doze membros, eleitos durante a última assembleia sinodal pelos seus irmãos e por três eclesiásticos nomeados pelo Santo Padre, segundo as normas do ordenamento do Sínodo dos Bispos.

A estrutura dos Lineamenta reflecte o tema da assembleia sinodal. Portanto, ela está dividida em três capítulos. O primeiro discorre sobre: Revelação, Palavra de Deus, Igreja; o segundo, sobre: A Palavra de Deus na vida da Igreja; e o terceiro, sobre: A Palavra de Deus na missão da Igreja. Obviamente, o texto é precedido por uma Introdução e encerra-se com uma breve Conclusão.

Introdução: por que um Sínodo sobre a Palavra de Deus?

Na Introdução indicam-se as principais motivações da escolha da Palavra de Deus para o aprofundamento sinodal. Em particular, ressalta-se a importância de se situar na Tradição viva da Igreja. A este propósito, os Lineamenta referem-se à Constituição dogmática Dei Verbum, aprovada pelos Padres do Concílio Vaticano II em 1965, depois de um debate aprofundado e vivo. A mais de 40 anos deste grande documento conciliar, é oportuno definir a nível da Igreja universal os resultados positivos suscitados no Povo de Deus, em particular no que diz respeito à renovação bíblica nos âmbitos litúrgico, teológico e catequético. Contudo, em conformidade com os Lineamenta, ainda permanecem abertos e problemáticos outros aspectos, como por exemplo os fenómenos de ignorância sobre a doutrina da Revelação e da Palavra de Deus, o notável desapego da Bíblia por parte de numerosos cristãos, o risco permanente de uma utilização incorrecta da Escritura, etc. A Assembleia sinodal terá uma finalidade predominantemente pastoral. Aprofundando as razões doutrinais, "tenciona-se estender e revigorar a prática de encontro com a Palavra como fonte de vida nos vários âmbitos da experiência, propondo por isso aos cristãos e a cada pessoa de boa vontade, caminhos justos e ágeis para poder ouvir Deus e falar com Ele" (n. 5).
Para facilitar a reflexão, depois de cada uma das partes dos Lineamenta são formuladas algumas interrogações relativas ao tema analisado. O Questionário, apresentado de modo completo no final do Documento, constitui um instrumento indispensável da metodologia sinodal. Facilitando o debate, ele ajuda a focalizar os pontos principais em vista das respostas que os organismos colegiais, supramencionados, são chamados a oferecer à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos. Como se sabe, tais respostas são sucessivamente estudadas pelo Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e, com o auxílio dos peritos, elaboradas no documento de trabalho da Assembleia sinodal, denominado Instrumentum laboris.

Capítulo I: Revelação Palavra de Deus, Igreja

No capítulo I, que é o mais longo, está representada a rica realidade da Palavra de Deus. Os Lineamenta descrevem-na, seguindo a economia da revelação, indicada pela Dei Verbum, ou seja, sublinhando o primado da iniciativa divina: "Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério da sua vontade" (Dei Verbum, 2). Trata-se de uma comunicação gratuita, que supõe uma profunda comunhão da parte do homem, destinatário da revelação de Deus. O homem, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), tem a capacidade de conhecer Deus mediante os recursos dele recebidos no mundo da criação. Todavia, depois do pecado, este conhecimento tornou-se obscuro e incerto, de maneira a invocar a verdade da Revelação, obra de Deus bom e misericordioso em favor dos homens. A Palavra de Deus acompanha o homem ao longo do seu percurso terrestre. Ela alcança o seu ápice na pessoa de Jesus Cristo, Palavra de Deus que se fez carne, plenitude da revelação.

Para tornar evidente a riqueza do termo "Palavra de Deus", os Lineamenta apresentam seis significados complementares de tal expressão (cf. n. 10). É importante tê-los todos em consideração, para evitar possíveis confusões ou reduções. De modo concreto, com a Palavra de Deus indica-se:

1) OVerbo eterno de Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, o Filho do Pai, fundamento da comunicação tanto no interior da Trindade como no seu exterior, uma vez que tudo foi feito por meio do Verbo (cf. Jo 1, 1-3; Cl 1, 16).

2) Daqui resulta como consequência lógica o facto de que o mundo criado "proclama a glória de Deus" (Sl 19 [18], 2). Com a sua Palavra, Deus criou o mundo no princípio do tempo, concedendo ao homem o dom de descobrir na criação o selo da sua sabedoria. "Efectivamente, da Palavra o homem recebe a palavra, para assim entrar em diálogo com Deus e com a criação" (n. 10 b).

3) A Palavra de Deus, na sua plenitude, é Jesus Cristo, Verbo encarnado, a Palavra por excelência, a última e definitiva Palavra de Deus, o Evangelho de Deus ao homem e ao universo.

4) Em vista do acontecimento da Palavra de Jesus Cristo, Deus Pai falou outrora no Espírito Santo por meio dos profetas (cf. Hb 1, 1). Ele continua a falar através dos Apóstolos, que anunciam o Evangelho de Jesus Cristo. "Assim, ao serviço da única Palavra de Deus, as palavras do homem são assumidas como palavras de Deus, que ressoam no anúncio dos profetas e dos Apóstolos" (n. 10 d).

5) A Palavra de Deus dos profetas e de Jesus Cristo está fixada, por divina inspiração, nos livros da Sagrada Escritura. O Cânone das Escrituras contém 73 livros, 46 do Antigo e 27 do Novo Testamento (cf. Catecismo da Igreja Católica, 120).

6) Porém, ela não permanece fechada nos escritos, mas continua a ser anunciada e ouvida ao longo da história da Igreja. A Palavra de Deus continua o seu caminho e o seu dinamismo na pregação viva da Igreja e nas múltiplas formas da evangelização.

A Deus que fala, o homem responde com a obediência da fé que se manifesta de modo particular na escuta deferente da Palavra como comunicação da verdade, convite permanente à conversão, manancial perpétuo de consolação e de esperança.

A Bem-Aventurada Virgem Maria, Nossa Senhora da Escuta, é o modelo de acolhimento da Palavra por parte do fiel, que a medita e realiza as suas potencialidades, fazendo delas um serviço de caridade.

A Palavra de Deus é confiada à Igreja, que a transmite fielmente a todas as gerações, favorecendo a sua grande vitalidade e fecundidade. Nesta recepção e transmissão da Palavra de Deus autêntica, é importante compreender de maneira correcta a relação entre Tradição e Escritura, que formam um único depósito sagrado da Palavra revelada por Deus. Ao Magistério da Igreja, que não é superior à Palavra, compete a tarefa de interpretar de maneira genuína a Palavra de Deus, tanto escrita como transmitida.

Ambas, a Escritura e a Tradição, comunicam a Palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo.

Tal inspiração constitui os livros bíblicos como Palavra de Deus confiada à Igreja, que o fiel aceita na obediência da fé. A inspiração do Espírito Santo garante também a unidade do Cânone como critério da interpretação da Sagrada Escritura, Palavra de Deus transmitida mediante a linguagem do homem.

À Igreja cabe a tarefa de interpretar a Palavra de Deus, atenta a um confronto sempre novo com a contribuição das ciências humanas, de maneira particular através das regras hermenêuticas, e procurando evitar os riscos da interpretação arbitrária e redutiva, como podem ser: o fundamentalismo, as leituras ideológicas ou simplesmente humanas, desprovidas do fundamento da fé; a oposição ou a separação entre a Palavra escrita, a forma do seu anúncio e a experiência da vida dos fiéis. A leitura da Bíblia, livro de Deus e do homem, deve ser feita com a correcta integração dos seus sentidos histórico-crítico e teológio-espiritual. Por conseguinte, o método histórico-crítico realmente válido deve ser enriquecido com outras formas de abordagem para alcançar o autêntico sentido da Sagrada Escritura. A este propósito, o Catecismo da Igreja Católica volta a apresentar os quatro sentidos da Sagrada Escritura (cf. nn. 115-119).

Enfim, o primeiro capítulo salienta a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento, que formam uma única economia da salvação. O Antigo Testamento faz parte da única Bíblia dos cristãos que estão conscientes da relação inseparável entre o Novo Testamento que, segundo a interpretação cristã, está escondido no Antigo, e do Antigo que se revela no Novo. Em conformidade com a conhecida expressão de Santo Agostinho: "Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet". A prática litúrgica, sobretudo na Liturgia da Palavra, ajuda os fiéis a redescobrirem constantemente a unidade entre os dois Testamentos. Com efeito, a primeira Leitura é geralmente tirada do Antigo Testamento, enquanto se põe em evidência o valor fulcral do Evangelho, sem esquecer o ensinamento dos Apóstolos nas respectivas Cartas ou nos Actos, regularmente propostos na segunda Leitura.

Capítulo II: A Palavra de Deus na vida da Igreja

Seguindo a lógica do tema sinodal, o capítulo II é dedicado à relação entre a Igreja e a Palavra de Deus. A Igreja, que é continuamente regenerada pela Palavra de Deus (cf. 1 Pd 1, 23), coloca-se primeiro "em religiosa escuta" (cf. Dei Verbum, 1), com admiração desvela a sua verdade e actualidade e, com fé humilde e confiante, aceita-a para depois a proclamar com fidelidade e vigor. Nela, descobre o plano de Deus sobre nós, sobre os homens e sobre o mundo.

Durante toda a sua história, o Povo foi sustentado pela Palavra de Deus. A Palavra de Deus incuta a força que os profetas transmitiam aos Judeus, Povo eleito. O Senhor Jesus dirigia-se aos Discípulos e à multidão, que se admiravam "com as palavras de graça que saíam da sua boca" (Lc 4, 22) e com o ensinamento que transmitia como quem tem autoridade (cf. Mt 7, 29). Fiéis ao ensinamento do Mestre de ensinar todas as nações (cf. Mt 28, 19), os Discípulos deram continuidade a esta obra na primeira comunidade, esforçando-se por que a transmissão da Palavra fosse feita até ao fim da história. Obviamente, durante a história da Igreja houve vários aspectos predominantes na leitura e na transmissão da Palavra. Após o Concílio Ecuménico Vaticano II, assistiu-se a uma renovação promissora, fundamentada sobre a centralidade da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.

Aberta à graça do Espírito Santo, a Igreja deixa-se permear e animar pela Palavra de Deus. O Espírito Santo, alma e exegeta da Sagrada Escritura, orienta a Igreja para toda a verdade (cf. Jo 16, 13), permitindo-lhe alcançar uma inteligência cada vez mais profunda da Palavra de Deus. A comunidade eclesial edifica-se na escuta da Palavra de Deus, sob a orientação do Espírito Santo que oferece aos fiéis a dádiva da iluminação, da conversão e da consolação.

A Igreja alimenta-se da Palavra de Deus de várias maneiras. Nos Lineamenta põem-se em evidência estas quatro:

1) A liturgia e a oração. Deus fala de modo particular na acção litúrgica, mas também na oração pessoal e comunitária. Efectivamente, mais do que um livro a Sagrada Escritura é uma realidade litúrgica e profética, uma proclamação e um testemunho do Espírito Santo a respeito do acontecimento de Cristo, que está presente na sua palavra quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura. Portanto, é importante prestar grande atenção a cada uma das formas de encontro com a Palavra de Deus na acção litúrgica, na Eucaristia, nos sacramentos, na liturgia das horas, na catequese mistagógica, nos sacramentais e nas várias formas de piedade popular. Obviamente, o primeiro lugar compete à Eucaristia, sobretudo na parte que diz respeito à Liturgia da Palavra.

2) A evangelização e a catequese. A Palavra de Deus revitaliza a obra da evangelização e da catequese. Aceitando a Palavra de Deus como seu tesouro precioso, a Igreja está consciente do seu máximo dever: transmiti-la a todos. Trata-se de vários aspectos do mistério da Palavra, do primeiro anúncio e catequese ao caminho de iniciação cristã, do percurso do ano litúrgico à formação permanente. É necessário valorizar todas as mediações da Palavra de Deus: Leccionários, Liturgia das Horas, Catecismos e celebrações da Palavra. Além disso, precisa favorecer o encontro directo com a Sagrada Escritura e uma autêntica introdução à Lectio Divina, promovendo uma catequese bíblica integrada na vida eclesial. São muito importantes o ensino da Bíblia nas escolas e o ensino religioso em geral. A este propósito, é necessário ter em consideração as mudanças sociais e culturais, comprometendo-se em prol de uma catequese que explique de modo particular as páginas da Bíblia, "difíceis" de serem compreendidas pela mentalidade contemporânea.

3) A exegese e a teologia. É conhecida a seguinte afirmação, contida na Dei Verbum: "O estudo das Sagradas Páginas há-de ser como a alma da Sagrada Teologia" (n. 24). Depois do Concílio Vaticano II, muito se fez neste campo. Todavia, o Espírito Santo impele a Igreja a envidar ulteriores esforços, para responder às expectativas e aos desafios dos homens de hoje. Por conseguinte, é necessário continuar a interpretar as Sagradas Escrituras em conformidade com o sentido da Igreja, no contexto da Tradição viva, valorizando a inestimável contribuição oferecida pelos Padres, em atenta consideração das indicações do Magistério. Segundo o Decreto Optatam totius, do Concílio Vaticano II, o almejado resultado de um estudo bíblico e teológico deveria encontrar uma síntese adequada tanto nos presbíteros como, por conseguinte, no Povo de Deus.
A relação entre a Revelação de Deus e o pensamento dos homens contemporâneos merece uma atenção particular, para reflectir sobre as actuais tendências antropológicas, sobre a relação entre a fé e a razão, sobre a construção de um mundo mais justo e pacífico. Trata-se de uma grande contribuição, que a comunidade cristã espera dos estudiosos da Palavra de Deus.

4) A vida do fiel. Conhecer, rezar e viver a Palavra de Deus constitui a suprema vocação do cristão. Os fiéis são convidados a conhecer cada vez melhor a Bíblia e portanto o Senhor Jesus, em conformidade com a célebre expressão de São Jerónimo: "Ignorar as Escrituras significa ignorar Jesus Cristo". Para dar fruto, este esforço há-de ser acompanhado pela oração, a fim de que se estabeleça um fecundo diálogo do homem com Deus que lhe fala. A condição para um encontro eficaz com a Palavra de Deus é, sobretudo, o espírito das bem-aventuranças, ou seja, a atitude de pobreza, de desapego das coisas e dos bens terrestres, para reservar o lugar à Palavra de Deus.

Para penetrar no pleno significado da Palavra que Deus Pai nos dirige na graça do Espírito Santo, é necessário fortalecer a Lectio Divina, com os seus diversos momentos: lectio, meditatio, oratio e contemplatio. Esta leitura exige uma preparação adequada dos presbíteros, das pessoas de vida consagrada e dos leigos que encontram na Palavra de Deus a primeira fonte de inspiração para a vida espiritual nas comunidades em que vivem. Ela orienta para um discernimento sapiencial da vida de todos os dias, iluminando o caminho do cristão ao longo das veredas muitas vezes sinuosas da história, rumo à meta da santidade.

Capítulo III: A Palavra de Deus na missão da Igreja

A Igreja tem a missão de proclamar Cristo, a Palavra de Deus que se fez carne. Em conformidade com a afirmação do Servo de Deus João Paulo II, a prioridade da Igreja no início do terceiro milénio é: "Alimentar-nos da Palavra, para sermos "servos da Palavra" no trabalho da evangelização" (Novo millennio ineunte, 40). É necessário ultrapassar as dificuldades que se interpõem ao anúncio da Boa Notícia, entre as quais a carência material de bíblias, em numerosas línguas. A este propósito, segundo as fontes da Aliança Bíblica Universal (2004), a Bíblia foi traduzida integral ou parcialmente em 2.355 línguas, enquanto que o número de línguas existentes no mundo chegaria a 6.700, das quais 3.000 seriam principais.

Além disso, é preciso assegurar uma interpretação autêntica das Sagradas Escrituras. Depois, os requisitos necessários para uma evangelização eficaz são: a confiança na força transformadora da Palavra no coração daquele que a ouve; o anúncio acompanhado pelo testemunho como manancial de conversão. De resto, ela deve realizar-se com uma atitude apropriada: com espírito de pobreza, humildade, coerência, franqueza, coragem e com a cordialidade de quem serve a Palavra.

Ainda hoje é válida a pedagogia do anúncio da Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, do Servo de Deus Paulo VI. Na sua primeira Carta Encíclica Deus caritas est, o Santo Padre Bento XVI frisa a estreita conexão entre a caridade, o anúncio da Palavra de Deus e a celebração dos sacramentos (cf. nn. 20-25). Ao recebermos a Palavra de Deus, que é amor, não podemos anunciar esta Palavra sem uma prática de amor, no exercício da justiça e da caridade.

Reiterando o princípio de que a Palavra de Deus deve estar à disposição de cada um em todos os tempos, de modo particular com uma apropriada pastoral bíblica, a níveis diocesano e nacional, é necessário admitir que a maioria dos cristãos não tem um contacto efectivo e pessoal com a Sagrada Escritura. Depois, alguns têm incertezas teológicas e metodológicas para uma recta compreensão e comunicação. Além disso, existe também o risco de interpretações subjectivistas e arbitrárias, que não favorecem a comunhão no interior da Igreja.

Portanto, é urgente promover uma pastoral sólida e credível da Palavra de Deus. Nisto é de grande ajuda o apostolado bíblico, destinado a difundir a prática bíblica com a oferta de subsídios oportunos. Em 1968, o Papa Paulo VI instituiu a Federação Bíblica Católica Mundial, da qual são membros quase todas as Conferências Episcopais. Ela tem a finalidade de difundir o texto da Bíblia nas várias línguas e conduzir o Povo ao conhecimento e à vivência dos seus ensinamentos através de traduções fiéis, aceitáveis também para o uso litúrgico. A este propósito, é importante lançar mão das novas formas de linguagem e de comunicação na transmissão da Palavra de Deus, através dos meios de comunicação social, com métodos catequéticos apropriados.

A Palavra de Deus tem um valor ecuménico extraordinário. Ela une os cristãos que, infelizmente, ainda hoje conhecem divisões de índoles doutrinal e disciplinar, em várias Igrejas e comunidades cristãs. Uma unidade integral somente será possível com um regresso às nascentes da Palavra, interpretada à luz da Tradição eclesial.

Além disso, a Bíblia tem uma grande importância no diálogo com as religiões não cristãs.
Ela é particularmente importante nas relações dos cristãos com o Povo judeu,
com o qual compartilham uma boa parte do cânone bíblico, que os cristãos denominam Antigo Testamento, expressão da Aliança que é sempre válida, uma vez que Deus permanece fiel às suas promessas (cf. Rm 9-11).

Embora ressalte o facto de que o cristianismo não é a religião do livro, mas da Palavra de Deus que se fez carne no Senhor Jesus Cristo, a Bíblia tem uma importância notável no diálogo com as religiões não cristãs, que dispõem dos seus próprios livros sagrados. Evitando todo o relativismo e todo o sincretismo, o diálogo inter-religioso deveria em sentido positivo ter o cuidado de conhecer as religiões não cristãs e as respectivas culturas que elas formam, para discernir as sementes do Verbo aí presentes. Não podemos cansar de frisar que a fé em Deus deve superar todas as formas de violência, tornando-se o âmago da promoção da justiça e da paz no mundo inteiro.

Não poucos homens que não se reconhecem numa determinada pertença confessional, contudo reconhecem a Bíblia como o "grande código" que, de forma especial no Ocidente, influenciou profundamente as várias culturas e os diversos modos de pensar e de agir dos povos. Portanto, também neste caso a Bíblia torna-se um válido instrumento de união, fundamento de um diálogo aberto, orientado em última análise para a descoberta do Evangelho, Boa Notícia para cada homem em todos os tempos.

Na Conclusão, a escuta da Palavra de Deus é indicada como característica da vida do fiel. Seguindo o exemplo de Maria de Nazaré, Mestra e Mãe da Igreja, o fiel deve criar espaço à Palavra de Deus a fim de que, pela graça do Espírito Santo, conquiste o seu coração e o converta, levando-o a descobrir as suas ricas potencialidades, abrindo-lhe horizontes de sentido, propostas de liberdade e orientando-o rumo à plena maturidade humana. Deixando-se impregnar pela Palavra de Deus, o fiel é chamado a vivê-la na comunidade eclesial e a anunciá-la com a sua voz, mas sobretudo com o exemplo da sua própria vida.

Contribuição do Santo Padre Bento XVI

Nos Lineamenta são frequentemente citadas as intervenções do Santo Padre Bento XVI acerca da Palavra de Deus e da sua importância para a vida e a missão da Igreja. Trata-se de um tema muito querido ao Sumo Pontífice que, como jovem teólogo perito, participou nos debates do Concílio Vaticano II, relativos à elaboração da Constituição Dogmática Dei Verbum, comprometendo-se sucessivamente na difusão de uma sua interpretação autêntica. Os Lineamenta citam, entre outras, a sua obra realizada em colaboração com Karl Rahner, Revelação e Tradição (Bréscia, 2006), que deixa entrever o rico conteúdo do conceito de Tradição no pensamento eclesial. Numerosas intervenções sobre esta temática, feitas ao longo de dois anos de Pontificado, indicam a grande consideração do Santo Padre pelo tema da Palavra de Deus. A este propósito, é necessário relevar a importância, já frisada no texto dos Lineamenta, de uma exegese católica que revele o pleno significado da Palavra de Deus através dos quatro sentidos da Escritura, acolhendo os resultados positivos do método histórico-crítico mas, contemporaneamente, ultrapassando os seus limites. Sobre esta temática, Sua Santidade reflectiu também no seu livro recentemente publicado, Jesus de Nazaré.

Trata-se de temas que devem ser ulteriormente aprofundados na XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, após uma adequada preparação. De resto, a tal propósito o Santo Padre Bento XVI expressou o desejo de que os Lineamenta, assim que forem publicados, venham a servir "como instrumento precioso a fim de que toda a Igreja possa aprofundar a temática da próxima Assembleia sinodal". Além disso, ele formulou "bons votos para que isto ajude a redescobrir a importância da Palavra de Deus na vida de cada cristão, de cada comunidade eclesial e também civil" (Discurso aos membros do Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos).

Não há dúvida de que os pronunciamentos do Santo Padre Bento XVI serão de grande ajuda na preparação e na reflexão sinodal sobre um tema de tamanha importância eclesial e social, como é a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.

Sublinhar a sua importância representa um convite constante ao homem contemporâneo, de elevar o olhar concentrado demasiadamente nas coisas materiais para poder descobrir os bens espirituais, a fim de que a Palavra de Deus se torne o seu alimento e ele possa conhecer e cumprir, como o Senhor Jesus, a vontade de Deus Pai (cf. Jo 4, 34). Neste sentido, a Palavra de Deus tornar-se-á farol para os seus passos e luz para o seu caminho (cf. Sl 119, 105), ao longo da sua peregrinação pelas veredas tortuosas da história, rumo à Pátria celeste.

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