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DISCURSO DO CARDEAL SECRETÁRIO DE ESTADO
 PIETRO PAROLIN POR OCASIÃO
DO SIMPÓSIO INTERNACIONAL PARA A DEFESA DA TERRA
NO 3º ANIVERSÁRIO DA ENCÍCLICA "LAUDATO SI'"

(5 de julho de 2018)

 

Desde a sua publicação em maio de 2015, a encíclica Laudato si’ foi bem recebida como forte contributo para compreender melhor e enfrentar de maneira eficaz uma série de questões atuais, até difíceis, que estão a desafiar a humanidade, com base na abordagem mais ampla e profunda da ecologia integral.

Precisamente do contexto da interrelacionalidade, segundo o qual «tudo está relacionado», o Santo Padre recorda-nos que a humanidade é guarda e não dona da criação. Com efeito, como frisa em diversas ocasiões, a rutura na relação do homem com Deus, com o próximo e com a criação deriva, na raiz, de um antropocentrismo desviado.

Para frisar a ampla receção da encíclica, vale a pena recordar que foi particularmente apreciada pela comunidade científica e que impressionou muito também os seguidores de outras confissões. No início da Laudato si’  o Papa Francisco evidencia: «Nesta encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum» (n. 3), convidando «a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta» (ibid., 14). O debate que alimentou na comunidade científica e entre diversos grupos religiosos talvez seja um claro sinal de disponibilidade a trabalhar pela sua concretização.

Nestas breves observações de abertura gostaria de frisar três aspetos que caracterizam de modo particular a Laudato si’.

Antes de mais, no contexto dos atuais e sempre correntes desafios ambientais da nossa época, há uma clara urgência no convite do Papa Francisco a cuidar da nossa casa comum. Todos sabemos quanto é precária hoje a situação do nosso planeta. Com efeito, a encíclica é uma resposta concreta e um dos desafios mais urgentes que a humanidade atualmente deve enfrentar, ou seja, o possível desabamento da casa que sustenta a nós e a todas as formas de vida.

Em segundo lugar, a Laudato si’  é importante pela sua mensagem de uma ecologia integral. Na Caritas in veritate o Papa Bento XVI observou que «o livro da natureza é uno e indivisível» (n. 51). A ecologia humana e a ecologia natural caminham de mãos dadas e são solicitudes inseparáveis da família humana. O Papa Francisco vê em São Francisco «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade [...]. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior» (Laudato si’ , 10). Segundo o Papa Francisco, tudo está interligado; a ponto que o «clamor da terra» está intimamente relacionado com o «clamor dos pobres» (ibid., 49). Por conseguinte, como membros da família comum, todos nos devemos unir para nos comprometermos na salvaguarda da nossa casa comum. Como escreve o Papa Francisco, «todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades» (ibid., 14).

Em terceiro lugar, a Laudato si’  acrescenta ao discurso ecológico uma dimensão profunda, uma atenção que com frequência falta nos debates sobre o meio ambiente. O Papa Francisco propõe nela uma visão profundamente espiritual do mundo natural, falando do “evangelho” da criação, que é também o título do segundo capítulo da encíclica. Ele frisa que «as convicções da fé oferecem aos cristãos — e, em parte, também a outros crentes — motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis» (ibid., 64). Também este é um aspeto da mensagem de ecologia integral do Papa; e está intimamente relacionado com a visão antropológica relacional da Laudato si’ . Como escreve o Pontífice: «A existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra» (ibid., 66). A nossa relação com Deus e com o próximo inclui necessariamente a nossa relação com a mãe Terra. Esta relação pode e deve ser harmoniosa; contudo, como observou o Papa Francisco no início da sua carta encíclica: «A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos» (ibid., 2). Como consequência desta violência que está nos nossos corações, a própria terra está oprimida e devastada, a vida do homem é ofendida numa cultura dominante do descarte, e a criação inteira está por um fio à beira da catástrofe. Por conseguinte, é urgente que mudemos o nosso sentido do progresso humano, a gestão da nossa economia e o nosso estilo de vida.

A doutrina católica da criação não considera o mundo um acidente. O nosso planeta, de facto o universo inteiro, é uma ação intencional de Deus que é oferecida como dom aos seres humanos. A criação é o primeiro passo na grande vocação do homem: criação, encarnação, redenção.

A humanidade não é pensada num segundo momento. Deus não tinha dois programas: primeiro o mundo, e depois a humanidade. O homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus, são parte intrínseca do universo e a sua vocação é «arar e preservar» tudo. Mas aradura e preservação não deveriam incluir domínio nem devastação. Um tal comportamento escarnece a dignidade e o respeito devido aos dons de Deus.

Nesta luz, deveria ser simples para nós compreender as preocupações do Papa Francisco em relação aos pobres e à natureza. Ele não oferece conselhos terrenos sobre a maneira de ser prudentes e práticos, mesmo se a sua mensagem tem imensas consequências concretas. Aliás, ele recorda-nos: a consequência fundamental da criação, que estabelece um tríplice nível de relações para a pessoa humana: com Deus Criador, com as outras pessoas humanas num vínculo de fraternidade e com o mundo como casa-jardim da nossa existência; as exigências fundamentais da nossa vocação para participar na obra de Deus como cocriadores; e, portanto, a nossa responsabilidade pela obra de Deus, que não esconde o seu rosto em nenhum aspeto da criação, pobre ou rico, natural ou humano, agora ou no futuro.