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DISCURSO DO OBSERVADOR PERMANENTE
  DA SANTA SÉ JUNTO DA ONU SOBRE AS
 "CAUSAS DOS CONFLITOS E PROMOÇÃO
 DA PAZ E DO PROGRESSO DURADOURO NA ÁFRICA"

14 de Dezembro de 2001

 


Senhor Presidente

Saturado de problemas, o continente africano enfrenta numerosos conflitos no interior dos Estados e entre os Estados. O Secretário-Geral das Nações Unidas apresentou na sua relação as causas dos conflitos na África (cf. As causas de conflito e a promoção de uma paz e um progresso duradouros na África. Relação do Secretário-Geral, II). Ainda hoje, em muitos países do continente, a vida de populações civis inocentes, de milhões de homens, mulheres e crianças, é posta em perigo por estes conflitos armados. Estes conflitos são quase esquecidos no cenário mundial, enquanto os protagonistas internacionais se mobilizam noutras regiões do planeta, a fim de fazer cessar a violência e instaurar a paz.

A África de hoje tem urgente necessidade de paz. Ela precisa de um apoio resoluto da comunidade internacional não só para fazer cessar as guerras em curso, mas também para combater as causas profundas dos conflitos para instaurar uma paz duradoura no continente. Trata-se, como recorda tão bem o projecto de declaração ministerial acerca do papel do sistema das Nações Unidas a respeito do apoio que deve ser dado aos esforços dos países africanos, de os ajudar "na luta que eles fazem para instaurar uma paz duradoura, eliminar a pobreza e alcançar um progresso duradouro, para integrar também o continente africano na economia mundial" (E/2001/L.20, 2).

O Papa Paulo VI deu provas de uma intuição profética quando declarou, há mais de trinta anos, que "o desenvolvimento é o novo nome da paz" (Encíclica Populorum progressio, 76-80). De facto, como teve ocasião de recordar o Papa João Paulo II na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz do ano passado, "não pode haver paz verdadeira se não for acompanhada pela equidade, verdade, justiça e solidariedade. Destina-se a fracassar qualquer projecto que pretenda separar dois direitos indivisíveis e independentes, o direito à paz e o direito a um progresso integral e solidário" (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2000, n. 13). Por outras palavras, não pode haver paz duradoura sem progresso, nem progresso sem paz duradoura.

Ao mesmo tempo, não há dúvida de que as condições necessárias para a promoção do progresso duradouro e da paz não se podem sincronizar sem a instauração de uma democracia participativa, que permita que os povos da África sejam os artífices do seu futuro. Trata-se sobretudo de promover o bom governo, o respeito dos direitos humanos fundamentais na sua universalidade e indivisibilidade (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1999, 3) bem como das liberdades fundamentais, como o exige um Estado de direito, e como requer a dignidade inalienável da pessoa humana, que constitui o seu fundamento último.

Sequiosa de paz, a África também procura a reconciliação entre os seus diferentes componentes a nível tanto local, como nacional, regional e continental. Por isso, os esforços para promover o progresso da África deverão ao mesmo tempo integrar a preocupação por restaurar as relações sociais interrompidas, restabelecer a confiança recíproca, suscitar a alegria da coexistência pacífica e da aceitação mútua. A respeito disto, as comunidades religiosas desempenharam e ainda desempenham um papel de primeiro plano como alertadores das consciências, agentes e laços de reconciliação e de perdão, sem os quais não se pode verificar a paz duradoura.

Senhor Presidente, o mundo foi testemunha de demasiadas situações de violência e de conflitos que tiveram as suas origens na desigualdade económica e no desespero. A Santa Sé exprimiu-se várias vezes a este respeito, sobretudo em duas das suas mais importantes encíclicas sociais, Populorum progressio e Sollicitudo rei socialis, nas quais Sua Santidade João Paulo II disse principalmente:  "Na realidade, se a questão social adquiriu uma dimensão mundial, foi porque a exigência de justiça só pode ser satisfeita a este nível. Ignorar esta exigência, significaria correr o risco de fazer surgir a tentação de uma resposta violenta por parte das vítimas da injustiça, como se verificou, dando origem a numerosas guerras. As populações excluídas de uma partilha equitativa dos bens originalmente destinados a todo o mundo poderiam perguntar:  por que não responder com a violência àqueles que são os primeiros a cometer uma violência? (Encíclica Sollicitudo rei socialis, 10).

Outro problema crucial que continua a pesar sobre o futuro dos povos africanos é, sem dúvida alguma, o da dívida internacional dos países do continente. No momento da preparação do Jubileu do Ano 2000, o Santo Padre quis realçar, como um dos aspectos característicos desta preparação, "o empenho pela justiça e pela paz num mundo como o nosso, marcado por tantos conflitos e por intoleráveis desigualdades sociais e económicas". Com a mesma intenção, convidou, "por outras palavras, a pensar numa redução parcial, ou no perdão total, da dívida internacional que pesa sobre o destino de numerosas nações" (Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, 51).

Num contexto em que a palavra principal se tornou a mundialização, e onde os riscos de marginalização e de exclusão dos mais desfavorecidos são reais, o Papa João Paulo II não deixou de recordar à consciência do mundo a urgência e o dever de solidariedade com os pobres. E ele sente-se feliz por as Nações Unidas terem escolhido fazer um apelo à solidariedade com a África através da sua importante iniciativa sobre a Nova Ordem do Dia das Nações Unidas para o progresso da África nos anos 90 (cf. Nova Ordem do Dia das Nações Unidas para o progresso da África nos anos 1990, 3), que tem por mérito salvar a África do esquecimento chamando a atenção dos governantes, tanto dos africanos como dos demais, sobre os desafios económicos, sociais e políticos deste continente.

No momento em que fazia o balanço do caminho percorido neste sentido, o Papa sentiu-se feliz ao constatar os esforços realizados pelos Parlamentos dos Estados credores que "votaram uma substancial diminuição da dívida bilateral que pesa sobre os países mais pobres e os mais endividados", e formulou "votos para que os respectivos Governantes completem rapidamente estas decisões parlamentares". Por outro lado, ele julgou problemática "a questão da dívida multilateral contraída pelos países mais pobres perante Organismos financeiros internacionais" e desejou "que os Estados membros destas Organizações, sobretudo os que detêm mais poder decisional, consigam obter o consenso necessário para alcançar a solução rápida para uma questão da qual depende o processo de desenvolvimento de numerosos países, com pesadas consequências para a situação económica e existencial de numerosas pessoas" (João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 14).

Congratulando-se pela nova iniciativa das instituições financeiras internacionais, que consiste na elaboração das estratégias para combater a pobreza, com a participação sobretudo dos Governos e da sociedade civil dos países envolvidos, é urgente tomar medidas apropriadas a fim de garantir uma colaboração franca entre os Governos e a sociedade civil, e uma ampla participação desta, de forma a não sufocar a voz de tantos milhões de pobres e marginalizados, para os quais a iniciativa da ONU se propõe melhorar as condições de vida. Trata-se sobretudo de garantir que os fundos que provêm da diminuição da dívida sejam investidos nos sectores que estão relacionados com a vida dos pobres, tais como a educação e a saúde. Mediante a sua presença entre os marginalizados e os excluídos, as comunidades religiosas encontram-se na vanguarda na defesa dos que são discriminados. A este propósito, elas podem garantir, sobretudo na África, que aquilo que se destina aos pobres lhes seja efectivamente entregue num movimento de solidariedade vivida. É também desejável que as condições de acesso a este programa sejam o mais flexíveis possível e que o número dos países que possam beneficiar desta iniciativa se veja aumentar, tendo em conta principalmente os países que sofrem devido à guerra.

Senhor Presidente, não podemos deixar de inserir neste contexto este premente apelo do Papa, que se interrogava no início deste novo milénio:  "É possível que no nosso tempo ainda haja pessoas que morrem de fome, que estão condenadas ao analfabetismo, privadas das curas médicas mais elementares, que não têm um tecto sob o qual se abrigar?

O quadro da pobreza pode estender-se indefinidamente se às velhas pobrezas acrescentarmos as novas, pobrezas estas que se encontram muitas vezes em sectores e em categorias que não estão privadas dos recursos económicos, mas expostas ao desespero do não-sentido, à chaga da droga, à solidão da velhive ou da doença, vivem no erro ou são discriminadas socialmente" (Novo millennio ineunte, 50).

Perante esta situação, a Santa Sé lança um premente apelo a uma nova solidariedade com os pobres e os marginalizados do mundo, sobretudo com os da África, e formula votos, Senhor Presidente, para que seja dedicada uma especial atenção à nova iniciativa africana para o desenvolvimento, e para que sejam mobilizados os recursos necessários, a fim de apoiar os esforços dos países africanos na construção de um futuro melhor para o continente, cuja realização só pode contribuir para o advento de um mundo melhor, no qual reinem a justiça e a paz para todos. Muito obrigado!

 

 

 

 

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