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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NUMA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
SOBRE O ENSINO DA RELIGIÃO NAS ESCOLAS

24 de Novembro de 2001

 

 


1. Na Declaração da Organização das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação assentes sobre a religião ou o credo observa-se que "a religião ou o credo, para quem quer que os confesse, constitui um dos elementos fundamentais na concepção da sua própria vida" (Preâmbulo). A recente Conferência mundial realizada em Durban (África do Sul), contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a relativa intolerância realçou que "a religião, a espiritualidade e o credo desempenham um papel central na vida de milhões de mulheres e de homens, no seu estilo de vida e no seu modo de tratar as  outras  pessoas"  (Declaração  de Durban, n. 6).

Esta "Conferência de consultação sobre a educação escolar, relativa à liberdade de religião e de convicção, à tolerância e à não-discriminação" realiza-se num momento verdadeiramente oportuno. Num mundo cada vez mais interdependente, sentimos a urgente necessidade de voltar a descobrir as raízes daquilo que a humanidade tem em comum. A educação religiosa constitui um instrumento poderoso para ajudar os crentes a intensificar os seus esforços, em ordem à realização da unidade da única família humana.

A educação escolar é um factor essencial na promoção do entendimento e da tolerância entre as comunidades religiosas. De igual forma, deve ser um elemento fundamental no meio das sociedades cada vez mais pluralistas e secularizadas, promovendo a tolerância entre todos, no que diz respeito à expressão religiosa, e fomentando a liberdade de religião para todos.

2. O problema da liberdade religiosa foi o objecto de reflexão de uma singular Declaração do Concílio Vaticano II. Sobre a questão específica da educação - numa linguagem que se reflecte tanto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (cf. 26, 3) como na Declaração da Organização das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação assentes sobre a religião ou o credo (cf. Dignitatis humane, 5) - a Declaração do Concílio Vaticano II realça o facto de que os pais "têm o direito de decidir, em conformidade com o seu próprio credo, a forma de educação religiosa a oferecer aos seus filhos" (n. 5); em seguida, acrescenta:  "Os pais não deveriam ser sujeitos directa ou indirectamente a cargas injustas, em virtude da sua liberdade de opção" (Ibidem). Os governantes têm a obrigação de garantir que os pais possam alcançar a plena realização destes direitos tão fundamentais.

A liberdade religiosa constitui um direito humano essencial e, sem dúvida, pode ser considerada como uma das pedras angulares do edifício dos direitos do homem, uma vez que diz respeito a um campo íntimo da existência humana e da identidade pessoal, ao relacionamento entre a pessoa e o Transcendente.

Cada religião, assim como cada cultura, é capaz de promover plenamente todos os direitos humanos e, com efeito, de fomentar o solo fértil em que o reconhecimento dos direitos do homem e o respeito pela dignidade de todos deve enraizar-se. É possível - como pode observar-se, por exemplo, na prática de inúmeros sistemas aplicados nas escolas católicas, que actualmente contam mais de 200.000 - que cada tradição religiosa eduque os seus membros mais jovens plenamente segundo os padrões do seu credo e, ao mesmo tempo, desperte neles um espírito de abertura e de respeito pelas tradições religiosas dos outros. As instituições educativas, estabelecidas por uma tradição religiosa em particular, podem permanecer abertas e ser plenamente respeitosas dos direitos dos filhos das diferentes tradições religiosas, em que se fundamentam. Esta Conferência poderia dar um início vantajoso ao processo de partilha das melhores práticas relativas a esta questão.

3. A citada Declaração do Concílio Vaticano II observa que a liberdade religiosa também inclui "o direito que os grupos religiosos têm, de não serem impedidos na livre demonstração do valor especial dos ensinamentos que lhes são próprios, em ordem à organização da sociedade e à inspiração da actividade humana em geral" (n. 4). Quando é apresentada no contexto do debate democrático, a questão religiosa tem o direito à plena cidadania em todas as sociedades. Negar o respeito a esta questão equivaleria a impor um limite à expressão pessoal dos mais profundos sentimentos do indivíduo. Infelizmente, com muita frequência a religião é apresentada com superficialidade na sociedade contemporânea, somente no contexto da divisão e da intolerância, e não em relação à sua capacidade de promover o respeito e a unidade.

Obviamente, a liberdade religiosa deve ser exercida de tal maneira que respeite de forma plena os pontos de vista e as tradições religiosas dos outros. Os currículos para a educação religiosa escolar - tanto nas instituições educativas religiosas como públicas - deveriam incluir programas que fomentassem um conhecimento e uma compreensão mais atentos e mais sensíveis em relação à vasta gama das tradições religiosas. A educação para o respeito sensível devido aos valores religiosos dos outros faz parte da instrução tanto dos crentes como dos não-crentes. A popularização fortemente malsã e negativa das tradições religiosas deriva da falta de conhecimento ou da escassez de um entendimento aberto e valorizador dos padrões das tradições religiosas do próximo.

As comunidades religiosas e os seus líderes deveriam fazer esforços urgentes a fim de impedir que se recorra aos elementos da religião para exacerbar as divisões históricas, étnicas, sociais ou políticas já existentes. Pelo contrário, os valores religiosos fundamentais deveriam orientar-se para a rejeição da violência como instrumento usado para a resolução das disputas. De maneira análoga, os chefes religiosos hão-de estar atentos a rejeitar as interpretações falazes dos valores religiosos que ofendem a dignidade do homem ou a unidade da família humana. Os sistemas escolares assentes na religião deveriam garantir, de modo especial, às meninas o pleno acesso à educação.

4. Quando o respeito mútuo se desenvolve entre os grupos religiosos, todos podem trabalhar de maneira mais eficaz pelo bem comum, sem que ninguém renuncie às suas mais profundas convicções. Torna-se possível resolver as tensões herdadas do passado. Consegue-se fazer uma nova leitura conjunta da história, em ordem a alcançar uma melhor compreensão das feridas que as comunidades religiosas individualmente podem ter causado ou padecido. Este é um tema que foi desenvolvido de forma particular pelo Papa João Paulo II, por exemplo, durante uma especial cerimónia de arrependimento, que teve lugar durante o Grande Jubileu do Ano 2000, ou durante as suas visitas aos significativos centros de culto das outras confissões e religiões.

Abordar com honestidade as tensões das gerações do passado gera uma vigorosa força destinada a edificar um futuro diferente e a dar início a um processo de reconciliação e de purificação. A formação dos futuros professores deve reservar uma atenção muito especial à sua capacidade de abordar com sensibilidade as problemáticas históricas da divisão. Quando for necessário, os livros de texto e os currículos escolares devem ser revistos para eliminar as apresentações prejudiciais ou deformadoras das outras tradições religiosas e dos acontecimentos históricos em geral.
A tarefa de promover o diálogo inter-religioso pertence, em primeiro lugar, aos próprios líderes religiosos. Este diálogo deve alargar-se até incluir o sector mais vasto possível de cada uma das comunidades religiosas, com especial atenção à juventude. Todas as instituições educativas podem e devem abrir-se a este diálogo respeitador, que reconhece os valores específicos das tradições religiosas de cada indivíduo e abre para os valores dos outros.

Formulamos votos a fim de que a presente Conferência de consultação dê um importante impulso a este processo de diálogo, de compreensão e de respeito a nível mundial.

 

 



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