CARTA DO CARDEAL ANGELO SODANO
Senhor Presidente A Santa Sé, que tem seguido sempre atentamente a acção multilateral interamericana, deseja com esta carta reiterar a sua simpatia pela Organização dos Estados Americanos, que neste ano celebra o cinquentenário da sua Carta constitucional e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e cujos membros, reunidos recentemente em Santiago do Chile, renovaram de forma unânime o seu compromisso com a democracia, o desenvolvimento equitativo e sustent ável, e a defesa dos direitos humanos. A Santa Sé não pode deixar de expressar a sua satisfação pela sintonia de todos os documentos interamericanos de direitos humanos com uma visão integral do homem e da sua natureza, e pelo empenho em lhes dar plena vigência, diante do novo milénio. A consecução dos direitos humanos é o ponto de partida e o objectivo último de qualquer construção política e social. A sua plena vigência exige, contudo, a efectiva recepção dos documentos multilaterais pelas legislações nacionais, a busca perseverante de uma administração de justiça eficaz, universal e independente, e a assunção da responsabilidade de os defender e viver os correspondentes deveres por parte de todos os cidadãos. Mesmo assim a arquitectura jurídica de defesa dos direitos humanos ficaria incompleta, se não fosse acompanhada por uma clara referência aos valores subjacentes aos textos positivos, e por um estilo de vida solidário. Com efeito, nenhuma construção legal é por si mesma imune à manipulação ou corrupção, fruto do egoísmo e da falta de valores. Se por uma mal-entendida neutralidade ideológica se pretendesse eliminar qualquer conexão entre as normas éticas objectivas e a ordem jurídica, acabar-se-ia por reduzir a luta pelo direito a questões de linguagem, de dialéctica e de procedimentos, e correr-se-ia o risco de impor como direito o que é só o egoísmo de alguns. No seu último discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, Sua Santidade João Paulo II afirmava que «aqueles que são garantes da lei e da coesão social dum país, ou os que dirigem organizações internacionais criadas para o bem da comunidade das nações, não podem iludir a questão da fidelidade à lei não escrita da consciência humana... que é o fundamento e o garante universal da dignidade humana e da vida em sociedade» (cf. Discurso durante a Audiência de apresentação de bons votos pelo novo ano, 11 de Janeiro de 1998, n. 5). Uma cultura dos direitos humanos supõe uma cultura de responsabilidade e solidariedade, porque todos devem estar conscientes de que o respeito e a promoção dos direitos básicos hão-de ser parte essencial da própria vida e de todas as acções que se entrelaçam no grande tecido social. Em Dezembro passado, Sua Santidade João Paulo II recordava aos Bispos de todo o continente «o facto preocupante que são ainda as situações em que vivem muitos dos nossos irmãos e irmãs:... pobreza extrema, exploração, violência...» (cf. Discurso de encerramento da Assembleia Especial dos Sínodo dos Bispos para a América, 11/12/1997, n. 2). Mais adiante, na mesma exposição, acrescentava que «o contrário do amor não é necessariamente o ódio; pode sê-lo a indiferença, o desinteresse ou a falta de atenção» (ibid., n. 3 § 3°). Por isso mesmo, só um firme compromisso de solidariedade fará com que existam as convicções necessárias para que as declarações não sejam letra morta. A afirmação de alguns valores básicos prévios a qualquer formulação legal, o firme e constante compromisso de pôr em prática os instrumentos jurídicos, e a concepção solidária da vida individual e social são os três pilares sobre os quais se deve apoiar a plena vigência dos direitos solenemente declarados nos documentos internacionais. Também a reforma e a actualização do sistema jurídico interamericano, o melhoramento da administração da justiça em cada um dos países membros e o progresso na cooperação e na integração do continente devem fazer-se sempre dentro do contexto desses princípios. A Santa Sé compartilha a satisfação dos Estados Americanos pelos recentes progressos na cooperação e na integração regional, e deseja vivamente que os seus benefícios cheguem aos últimos rincões do hemisfério e às pessoas mais pobres e necessitadas. Na sua particular proximidade aos países do Continente, ela ousa afirmar que a fidelidade aos valores e princípios que inspiraram a Carta da Organização dos Estados Americanos e a Declaração Americana dos Direitos Humanos será a mais segura garantia da feliz consecução dos compromissos e tarefas que os Estados do Hemisfério assumiram ao aproximar-se o próximo milénio. Vaticano, 30 de Maio de 1998.
Ângelo Card. SODANO
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