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Cardinal Agostino CASAROLI, Homélie durant l’ordination épiscopale de Mgr Alberto Tricarico, Pro-Nonce apostolique en Thailande* Fatima, 27 avril 1987 «Eis o dia que fez o Senhor, nele exultemos e nos alegremos!» 1. É um dia de alegria que, unidos na fé e no amor de Cristo, aqui vivemos hoje: porque é Páscoa, porque estamos em Fátima e pela circunstância que nos congrega em torno do Altar do Senhor. A. Como sabeis, amados irmos e irmãs, nos primórdios da Igreja, a Páscoa era celebrada numa festa ininterrupta, na plenitude da alegria, desde a Vigília pascal, até a Ascensão e ao Pentecostes; o quinquagésimo dia – o Pentecostes – era o ponto culminante desse «dia que fez o Senhor», do dia que não conhece ocaso e pelo qual «a humanidade exulta sobre a terra inteira». B. A esta alegria pascal, junta-se a alegria pelo espaço sagrado em que nos encontramos: é Fátima! E para um peregrino estaria tudo dito. Nestas «Casas da Mãe de Deus», como se exprimiu o Santo Padre - aquando da sua peregrinação a este Santuário - os homens «sentem particularmente viva a presença da Mãe» que lhes foi dada por testamento singular, no monte Calvário. Os peregrinos vem aquí, portanto, para estar com a sua Mãe, para a natural efusão de afecto e abertura de coração que se tem com a Mãe, falando-lhe de tudo: das coisas que só Mãe se dizem, certos de que o Filho primogénito, Jesus Cristo, que Ela deu à luz em Belém, o único Mediador entre Deus e os homens, entende e atende tudo o que passa pelo «coração» desta Mãe extremosa, a santíssima Mãe de Deus e sempre Virgem Maria. C. O terceiro motivo de alegria, o motivo ocasional, é a Ordenação Episcopal de Monsenhor Alberto Tricarico: a chancela na aceitação, por parte da Igreja, do chamamento de um dos seus filhos à plenitude do Sacerdócio. Uma Ordenação episcopal é sempre graça confortadora. À alegria da Páscoa, à alegria de Fátima, junta-se hoje o júbilo por esta particular esperança de renovação para a Igreja, com um novo Bispo que lhe é dado. 2. Estamos em Eucaristia, Eucaristia de júbilo e esperança, que, como sempre, se orienta para a comunhão: Comunhão sacramental do Corpo e Sangue do Senhor, precedida pela comunhão do Pão da Palavra da vida; mas isso supõe e, ao mesmo tempo, visa intensificar a «comunhão nos mesmos sentimentos», naqueles «sentimentos que havia em Cristo Jesus» a convergirem numa única oblação com Ele, Vítima e Sacerdote da nova Aliança. 3. O trecho da PRIMEIRA LEITURA da Liturgia da Palavra deste dia é prevalentemente uma oração, em nome de Jesus, para obter o dom do Espírito e a coragem para evangelizar «com desassombro» a Boa Nova da Salvação: Cristo Redentor. É Ele, afinal, o motivo da perseguição contra os Apóstolos; e permanece o «sinal de contradição», anunciado pelo velho Simeão. Uma visão de fé da falta de liberdade religiosa ou da perseguição religiosa nos dias de hoje, como, paradoxalmente, mesmo a ausência de contradição à mensagem interpeladora do Evangelho, têm aqui um ponto de aferimento e sobretudo, talvez, um convite a aprimorar o estilo e intensidade da oração. Hoje, em Fátima, onde a «Senhora da Mensagem» tanto insistiu na oração, estamos também nós a implorar, para nós, para toda a Igreja e sobretudo para o novo Bispo, com o dom do Espirito, o desassombro para anunciar a Palavra de Deus. 4. Na primeira Eucaristia, na última Ceia, Jesus no colóquio de adeus com os Apóstolos, numa como que aplicação para o grupo dos Doze do Sermão da Montanha e, em especial das Bem-aventuranças, falara-lhes com insistência do «mandamento novo» e da incompreensão do mundo e fizera-lhes a promessa solene: «Eu pedirei ao Pai e ele vos dará outro Confortador, para estar convosco para sempre... Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse... guiar-vos-á para a verdade total» (Jo 14, 16.26; 16, 13). Algum tempo depois, quando os onze Apóstolos já tinham ido para a Galileia, o manso e humilde Jesus de Nazaré, apresentou-se-lhes em toda a sua majestade de Filho de Deus ressuscitado e de Senhor da história; e falou-lhes nestes termos: «Todo o poder me foi dado no céu e na terra. Ide pois, ensinai todas as gentes, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo». E foi a separação, a Ascensão aos céus (cf. Mt 28, 18-20). A plenitude do dom do Espirito da Verdade resta ainda promessa: «Entretanto ficai na cidade até serdes revestidos com a força lá do Alto» (cf. Lc 24,44 ss). E os Apóstolos assim fizeram. Voltaram para Jerusalém, e subiram para o Cenáculo, onde «perseveraram concordes na oração... com Maria a Mãe de Jesus» (Act 1, 14) na expectativa do Pentecostes. E nessa oração imploravam o dom do Alto, o Espírito Santo, a força de que haviam de ser revestidos. Nesta hora, Fátima tem alguma analogia com o Cenáculo de Jerusalém. No Cenáculo, Maria orava com os Apóstolos e pelos Apóstolos, implorando o Espirito Santo e as graças de que precisavam, para «anunciar com desassombro a Palavra de Deus». Rainha dos Apóstolos, dos Apóstolos de todos os tempos, estamos certos de que Ela continua a interceder, hoje e aqui, connosco, com aquela mediaçáo maternal junto de Cristo, Mediador único, que se esboçou nas Bodas de Caná da Galileia. Mas hoje como então, Ela continua a repetir: «Fazei tudo o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). E o que nos diz hoje, aqui em Fátima, Cristo Senhor? 6. No diálogo com Nicodemos - a segunda leitura - vemos um homem com um fundo de rectidão, em atitude de procura; esperava obter de Cristo a resposta a algumas interrogações e receber ilustração acerca do Reino de Deus. Sem mais palavras, Jesus propõe as exigências da sua mensagem: para ter acesso ao Reino é preciso ser regenerado pelo Espírito, nascer de novo. É uma regeneração e nascimento que, no sentido óbvio, indicam as águas lustrais do Baptismo; implicitamente, porém, indicam a condição pascal da vida cristã, que é em nós enxertada pelo mesmo Sacramento: a condição de quem «foi imerso, à semelhança da morte de Cristo» e foi sepultado com Ele, no sepulcro simbólico da água, e com Ele ressuscitou para caminhar numa vida nova (cf. Rom 6,4) Quem a vive anela cada vez mais pelas «coisas lá de cima», com o olhar do coração fixo na meta: «Quando Cristo, nossa vida, aparecer, então também nós, revestidos de glória, havemos de aparecer com Ele» (cf. Col 3, 1-5). Nicodemos não entende à primeira essa alteração completa das próprias perspectivas; é algo que ultrapassa as leis da lógica racional: nascer de novo, nascer do Alto, deixar-se guiar pela força da fé. Todo o homem que Cristo encontra deve «deixar-se» encontrar por Ele, sem medo da radicalidade do Evangelho. O próprio Evangelista João explica, em diversas passagens da sua Primeira Carta, o que é ser «gerado por Deus» e renascer segundo o Espírito. Tudo parte da fé pascal: a arma invicta que vence o mundo. 7. Um Bispo, um cristão também ele, homem assumido de entre os homens com as marcas da Redenção de Cristo, que lhe foram impressas quando «renasceu» pelo Baptismo, um dia começou a viver uma história pessoal linda, linda de encantar, no dia em que foi chamado ao Sacerdócio. Depois, quando ao Presbiterado vem juntar-se o Episcopado, então o eleito do Senhor, à semelhança dos Apóstolos, com o tríplice múnus de Sacerdote, Mestre da fé e Pastor, passa a fazer parte do Corpo episcopal que, unido pelo vínculo fraterno da colegialidade com os demais Bispos e da comunhão hierárquica com o Sucessor de Pedro, o Papa, representa a estrutura de suporte, se assim me posso exprimir, da realidade do Corpo Místico que é a Igreja, que tem Cristo como Cabeça e é vivificada pelo Espírito Santo. Aqui em Fátima, onde tem havido tantas Ordenações, já se terá falado muitas vezes da missão, das responsabilidades e dos específicos dons carismáticos e hierárquicos, com que Deus dota e enriquece os Bispos. Mas, certamente, será a primeira vez que se realiza aqui a Ordenação de um Bispo destinado a exercer o seu múnus não à frente de uma Diocese, mas como Representante Pontifício: Núncio ou Delegado Apostólico, numa determinada Nação ou área geográfica. 8. Num País de gloriosa tradição cristã, de fidelidade e constantes boas relações com a Sé Apostólica de Roma, a figura do Representante Pontifício-Bispo é assaz conhecida. Mas para alguém poderia apresentar-se menos claro o motivo pelo qual tenha de ser dotado com a dignidade episcopal uma pessoa que parece destinada a funções, embora elevadas e muito importantes, que constam de trabalho de escritório e de representação protocolar, não raro junto de homens de Estado e relativas a assuntos que não se afiguram sempre de carácter eclesiástico. A razão fundamental é precisamente porque os Representantes Pontifícios, em virtude do múnus indicado pelo próprio nome, estão encarregados de tornar presente, de alguma maneira - quer junto das Igrejas locais, quer junto dos Governos dos Países em que são acreditados - o Bispo de Roma, que, enquanto tal e sem tirar nada ao poder e és responsabilidades de cada um dos Bispos nas próprias Dioceses, foi constituído por Cristo Cabeça do Colégio Episcopal e Pastor da Igreja universal. Para a Igreja, o Padre Santo de Roma, como é tradicional dizer-se entre vós, é «o princípio e o fundamento visível da unidade não só dos Bispos, mas também da multidão dos fiéis» (Const. Lumen Gentium, 23), e o garante da comunhão eclesial. Foi a São Pedro e aos seus sucessores, como Bispos de Roma e à cabeça do Colégio episcopal, que o Senhor conferiu o supremo poder de «apascentar os seus cordeiros e as suas ovelhas» (cf. Jo 21, 15 ss);e, ao mesmo tempo, de supremo Mestre na fé. Com efeito, Aquele que pôs a quinta essência da amizade para com os «seus» – os Apóstolos – no facto de tudo o que ouviu ao Pai lh'o ter dado a conhecer (cf. Jo 15, 15), disse especificamente a São Pedro: «Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos» (Lc 22, 31). Este é o núcleo do ministério daquele que, solene e programaticamente, se designa como «Servo dos Servos de Deus». 9. Para fora do âmbito da Igreja, na continuidade com Cristo, também o Papa deve prestar um serviço de amor ao mundo inteiro, para o qual é destinada a «grande alegria para todo o povo», trazida por Jesus na noite de Belém. A Igreja, de facto, não pode declinar o empenho em tornar-se presente, apesar de todas as limitaçóes, nos processos da história, que na nossa época parecem frutificar de modo particular no âmbito de vários sistemas e de diversas concepções ideológicas do mundo, que nem sempre servem e por vezes não reconhecem o primado do homem. Além da vida e actividades propriamente eclesiais, há, pois, um serviço de amor, a que a caridade de Cristo impele o Papa e que ele é solicitado a prestar ao mundo. Também o mundo não cristão vê o Bispo como alguém dotado de autoridade moral, essencialmente espiritual e religiosa, conferidos pela natureza da sua função e o prestígio fundado em séculos de história. O recente Concilio do Vaticano escreveu páginas luminosas sobre as relaçóes da Igreja com o mundo contemporâneo, que evidenciam ao mesmo tempo esta continua e extensa responsabilidade do Sucessor de Pedro. Com efeito, nada do que se refere à vida e à actividade do homem como tal e às multiformes situações concretas em que ele deve permanecer fiel aos princípios éticos, tanto na existência pessoal como na convivência com os seus semelhantes, pode deixar indiferente a quem, entre outras tarefas, mostra, com desassombro, a vontade do Criador em relação às suas criaturas, especialmente àquelas que são dotadas de dignidade e responsabilidade de decisão pelas próprias acções. São muitos os campos abertos à solicitude do Romano Pontífice, Vigário de Cristo, como, por exemplo, o que se refere à justiça nas relações entre os seres humanos e as comunidades, à paz e cooperação entre os povos para o bem comum universal e para o progresso material e espiritual de todos, como o que se refere ao respeito pela vida e pelos direitos das pessoas. 10. Enviados a todas as partes do mundo, os Representantes Pontifícios têm de personificar aquele que os envia: junto dos Episcopados e dos outros componentes das Igrejas locais - Sacerdotes, Religiosos e Laicado - e junto de todos os membros da família humana. E também, quando há o exercício de funções diplomáticas junto dos Governos da Nação ou das Nações onde exerce a missão, ele deve ser o eco do pensamento e das preocupações do Papa, sobretudo onde há guerras, conflitos e tensões a ameaçar o homem: auscultador do que vai no coração do mundo, para lhe transmitir, confortadoramente, o que vai no coração do Papa. Em todos os momentos e em qualquer situação, eles não representam um Chefe político ou um homem de Estado; mas sim Aquele que, por sua vez, representa Cristo na sua Igreja e no mundo. É necessário que o Representante actue e sinta do mesmo modo que o seu Representado; é pois natural e bem compreensível que o Representante Pontifício esteja revestido, mais ainda do que da dignidade, do ânimo e do sentido de responsabilidade eclesial próprios de um Bispo. Sentir-se-á desse modo irmanado com o Papa e com os outros Bispos da Igreja de Cristo, no papel participado de «servo dos servos de Deus»: não um funcionário burocrático, nem um diafragma entre o Papa e os Bispos locais, ou uma figura antiquada no dinamismo da Igreja de hoje; mas um Bispo, que com os demais, em virtude da consagração episcopal e na comunhão hierárquica com o Pastor Supremo, compartilha na medida e nas formas especificas do serviço eclesial que lhe está confiado, «a solicitude por todas as Igrejas» (cf. 2 Cor 11, 28). 11. Por todos estes motivos, «neste dia que o Senhor fez» invocámos a especial assistência do Espírito Santo para o nosso irmão Monsenhor Alberto Tricarico. Para ele a seara «loureja» na área geográfica da antiga Cochinchina, um terreno «desbravado» para a primeira sementeira do Evangelho por missionários que, partindo desta «ocidental praia lusitana», aportaram e se estabeleceram em Malaca, ainda antes de aí chegar São Francisco Xavier. Quis a Providência que ele recebesse em Portugal o mandato e, segundo o seu próprio e vivo desejo, que se realizasse aqui a Ordenaçao episcopal; e irá trabalhar nesse «campo de Deus», constituído pela actual Tailândia, Laos, Malásia, Singapura e Bornéu, regiões onde ainda ressoa o eco longínquo da missionariedade da Igreja que está em Portugal. A experiência e dedicação ao serviço da Santa Sé de Monsenhor Tricarico, em diuturna actividade no Brasil, Austrália, Vietname, Canadá, México, Espanha, Países Escandinavos e em Portugal, com um período de serviço na Secretaria de Estado, são garantia de que saberá aí, como Representante Pontifício, anunciar com desassombro a Palavra de Deus. Para isso confiamos as nossas preces à Mãe da divina Graça, aqui em Fátima, onde quis ser ordenado Bispo. Que Maria Santíssima olhe com carinho materno pela sua pessoa, missão e serviço eclesial. Caro Monsenhor Tricarico: O caminho que agora se abre ao seu zelo de Sacerdote de Cristo e de Bispo da Igreja é belo, mas ao mesmo tempo difícil; não deixará, certamente de proporcionar-lhe consolações - como são os nossos votos - mas não será isento de dificuldades e de sacrifícios. Que o acompanhe sempre o eco do Salmo Responsorial deste dia, em que se canta a realeza divina de Cristo e a sua vitória contra os poderes terrenos, que São Paulo indica na sua ressurreição (cf. Act 13, 32 s.). Acompanhe-o este canto de esperança e de vitória: Acompanhe-o a força do Espirito Santo, a confiança que lhe demonstrou o Santo Padre, e a certeza da nossa oração a pedir que lhe seja concedida sempre «a plenitude do conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e inteligência espiritual» (cf. Col 1, 9). Amen!
*Archivio dell’Associazione – Centro Studi Card. A. Casaroli, Bedonia. |