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INTERVENÇÃO DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ
NA REUNIÃO DE MADRID
SOBRE A SEGURANÇA E A COOPERAÇÃO NA EUROPA

DISCURSO DO REV. PADRE PAUL GROSSRIEDER, O.P.

Madrid, 5 de Novembro de 1981

 

Senhor Presidente

Uma vez mais se reencontra o País hospedeiro a preparar a nossa Plenária. É com prazer que aproveito tal circunstância para expressar novamente a vós mesmo, ao Secretário Executivo e à sua equipa de colaboradores o reconhecimento da delegação da Santa Sé. O vosso País recebe-nos com tal espírito de hospitalidade que já nem sequer sentimos má consciência ao abusar dele um tanto.

Os nossos trabalhos recomeçaram há uma semana. Cada um, ou quase, tomou as alturas à situação. Tanto as dificuldades provenientes das circunstâncias internacionais exteriores, como as internas à nossa assembleia, foram abundantemente expostas. O compromisso de nada poupar para obter resultados positivos substanciosos e equilibrados foi repetido. A delegação da Santa Sé compartilha esta dupla e paralela vontade de não se vendar os olhos diante da realidade e de chegar a um acordo significativo nos prazos previstos para a Plenária em Julho passado.

Mas não basta ficar apenas em declarar intenções. Depois de numerosas outras delegações, a da Santa Sé deseja por sua vez lançar algumas ideias capazes de balizar o caminho para se concluir satisfatoriamente a Reunião de Madrid.

Fiel à sua já tradicional atitude dentro da CSCE, mas fiel também ao Acto Final, a Santa Sé bate-se urna vez mais em favor do respeito do equilíbrio global do Documento de Helsínquia.

As nossas negociações não irão mais longe a não ser que se ajustem a esta condição. As diferentes componentes da nossa Carta de 1975 devem todas reflectir-se no futuro documento final de Madrid. Foi neste espírito que, depois da pausa da Páscoa, foram realizados progressos não indiferentes.

Porque se iria abandonar, nas questões cruciais ainda pendentes, a sabedoria contida no Acto Final? Porque se iria favorecer um ou outro dos problemas que esperam ainda ser resolvidos? Ceder a isso seria condenar-se antecipadamente a um revés. Isto, não só porque nos afastaríamos da lógica de Helsínquia, mas também porque as questões ainda por resolver estão intrinsecamente ligadas entre si.

Quem poderia pensar que o silêncio ou a falta de armas traria a paz se o ódio e o ressentimento habitassem ainda o coração de homens impedidos de encontrar um espaço para a vida do espírito? A paz não merecerá o seu nome enquanto as pessoas não puderem, todas e em toda a parte, gozar de uma expansão integral, nos seus corpos e na sua alma.

No nosso vocabulário helsinquiano e madrileno, isto traduz-se na fórmula seguinte: a Conferência sobre o Desarmamento na Europa e o VII princípio vão a par. Ou então embalamo-nos em ilusões.

Também a delegação da Santa Sé deseja, viva e firmemente, que se chegue a convocar uma Conferência sobre o desarmamento na Europa, porque está convencida de todo o esforço autêntico de negociações servir a causa da paz. Quanto aos seus aspectos técnicos, esta conferência ultrapassa muito as competências da Santa Sé. Por isso confia esta na perícia e na sabedoria política de todos, para que estas sessões sobre o desarmamento não concedam privilégio a ninguém e sirvam toda a gente, para que elas principiem em condições justas, quer dizer equitativas e realistas.

Em compensação, a experiência da Santa Sé é mais rica no campo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

Tendo "importância universal" e derivando "da dignidade inerente à pessoa humana", ultrapassam as fronteiras nacionais. Correspondem à aspiração de cada mulher e de cada homem, beneficiando, efectivamente e na igualdade, bens materiais e espirituais indispensáveis para o ser dos indivíduos.

Destes direitos e destas liberdades o Acto Final separa, ao lado dos que dizem respeito às minorias nacionais, a liberdade de consciência e de religião.

Na sua mensagem aos Chefes de Estado dos Países signatários do Acto Final, que serve de farol à delegação da Santa Sé, o Papa João Paulo II, por um lado, toma cuidado de situar a liberdade religiosa no quadro global dos direitos do homem e, por outro lado, traça o inventário dos seus elementos específicos, individuais e comunitários, privados e públicos, que são a aplicação dela.

Este documento ultrapassa um ensaio teórico da liberdade religiosa. Funda-se na experiência secular da Igreja católica, numa história que a vida e os sofrimentos de um número demasiado grande de pessoas continua a escrever ainda hoje. Funda-se numa actualidade vivida. As palavras e as frases da mensagem pontifícia estão impregnadas da experiência presente de crentes sinceros e interpretam aspirações comuns a todas as confissões cristãs ou não cristãs que existem na Europa. Mais que vidas do espírito são vidas vividas que forjam as convicções das Igrejas em matéria de liberdade religiosa. João Paulo II fez-se delas o porta-voz, quando se dirigiu em Setembro último aos Chefes dos Estados representados aqui.

Consciente da necessidade de proceder pouco a pouco, a Delegação da Santa Sé apresentou aqui em Madrid proposições relativas a alguns aspectos derivados do respeito e da aplicação da liberdade religiosa que mostram com urgência a necessidade de se encontrar solução. Num espírito de cooperação, ela esforçou-se igualmente por aderir a formulações aceitáveis por todos.

Durante as negociações do após Páscoa, um tempo não sem importância foi consagrado à redacção de textos relativos aos direitos do homem e à liberdade religiosa. Estes esforços, orientados pelo projecto de documento final de oito Países neutros e não alinhados, permitiram ver desenharem-se contornos do que poderia ser esta parte do documento final, contornos que a Santa Sé julgava aceitáveis. A sua Delegação lastimaria que se deteriorasse o espírito que reinara durante os trabalhos de redacção antes da pausa estiva. Isto, não tanto por solicitude de amor próprio como por preocupação de impedir que as tensões aumentem e degenerem em resultados negativos.

Uma paz sem progresso no respeito dos direitos do homem não seria senão paz adulterada, porque lhe faltaria o enraizamento no espírito e a liberdade das pessoas.

Senhor Presidente, sem cair em ilusões, a minha Delegação recusa deliberadamente ceder ao pessimismo. Chocamos, como é devido, com a dura realidade das vidas de tantos cidadãos e das relações internacionais actuais, mas não temos como missão esforçar-nos por limitar as tensões internacionais abrindo, para cada homem dos nossos países, horizontes de desenvolvimento espiritual, livres dos constrangimentos generalizados, próprios das sociedades permissivas e das suas miragens enganadoras, e libertos dos obstáculos mais visíveis, que ainda impedem directamente a expressão das convicções pessoais, incluindo as religiosas?

Pronta a contribuir para isso ela própria na medida dos seus meios, a Delegação da Santa Sé deseja que recomece muito seriamente o trabalho de redacção em todos os grupos, a fim de o ver resultar num documento final significativo pelo equilíbrio e pela substância.

 

 

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