INTERVENÇÃO DO OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ DISCURSO DO ARCEBISPO SILVANO M. TOMASI Genebra, 26 de Junho de 2012
Senhor Presidente A salvaguarda permanece uma preocupação urgente. Com 42,5 milhões de pessoas forçadas a abandonar as próprias casas ou a viver em exílio por medo das perseguições ou da violação dos seus direitos humanos fundamentais e, em muitos casos, perante uma hostilidade que põe em perigo a sua vida por causa das crenças religiosas, a comunidade internacional é chamada a elaborar respostas criativas adequadas às circunstâncias actuais. Infelizmente, a tarefa é dificultada pelo facto de que, além dos clássicos conflitos armados, a migração forçada é exacerbada por mudanças climáticas, falta de alimentos, calamidades naturais e situações complexas criadas pelos senhores da guerra, pelos rebeldes e pelas regiões separatistas. Além disso, a vontade política de ajudar é enfraquecida pelas crises económicas e internas, que tornam a opinião pública menos generosa em oferecer asilo e que reduzem, em vez de ampliar, o número dos países dispostos a concedê-lo. Há sessenta e um anos, a Convenção de 1951 sobre o status dos refugiados foi um importante passo em frente; contudo, agora mostra alguns limites no atendimento das exigências de um mundos cada vez mais interligado, globalizado e complexo. Com base na compreensão actual do termo «refugiado», muitas pessoas não recebem a protecção adequada que lhes deveria ser oferecida em virtude dos seus direitos humanos e também do direito internacional relativo aos direitos humanos, assim como em virtude da nossa responsabilidade colectiva de solidariedade. A protecção destes grupos vulneráveis — refugiados, requerentes de asilo, pessoas desalojadas, migrantes abandonados a si mesmos e outras pessoas obrigadas a deslocar-se para sobreviver — é um imperativo internacional que exige uma abordagem positiva e institucionalizada à assistência humanitária. A dignidade inata de cada pessoa requer uma resposta, especialmente em situações de sofrimento e desenraizamento. Como afirmou há alguns dias o Santo Padre Bento XVI, por ocasião do Dia Mundial do Refugiado: «formulo votos a fim de que os seus direitos sejam respeitados sempre» (Angelus, 17 de Junho de 2012). A comunidade internacional pode adoptar uma abordagem não categórica à crise das migrações forçadas, prescindindo do status das pessoas envolvidas. Que a grande preocupação dos Estados e dos principais interessados seja proteger e promover os direitos humanos fundamentais de quantos são afastados com o uso da força das suas situações de normalidade nos países de origem. A assistência humanitária, independentemente da consideração do status da pessoa, deve enfrentar as necessidades imediatas e elaborar soluções a longo prazo que levem a uma vida normal. A abordagem não categórica à assistência humanitária é importante a fim de que cada pessoa possa ser reconhecida e ajudada. De facto, é necessário oferecer protecção e assistência a cada pessoa como aplicação dos seus direitos humanos e, ainda mais importante, em virtude da sua inalienável dignidade humana. Um passo útil para obter a protecção de todos os que buscam refúgio e tornar universal as obrigações jurídicas dos Estados relativos à protecção e à assistência das pessoas desalojadas internamente. Outro benefício da abordagem não categórica é constituído por uma oportunidade mais global para um novo restabelecimento sustentável, com tempos mais rápidos na determinação da sua actuação. Ao mesmo tempo, a unidade da família continua a ser um recurso importante, e até necessário, a fim de tornar eficaz qualquer solução a longo prazo. Também a educação é um recurso fundamental para a protecção. Deve ser oferecida quer aos meninos quer às meninas, a fim de lhes dar instrumentos para conseguir e para evitar cair vítimas do tráfico de seres humanos, de abusos e de outras atrocidades semelhantes. Estas políticas de protecção internacional devem continuar a ser inclusivas e não discriminatórias em relação à idade, ao sexo, à religião ou à raça. Concluindo, enquanto as diferenciações entre as categorias de pessoas em movimento são cada vez mais indistintas, o quadro normativo existente pode ser interpretado com verdadeira solicitude para os direitos humanos de todos e fortalecido com o sentido de solidariedade humana. A fim de remediar ao vazio na protecção, neste momento em que as condições políticas e económicas não parecem favoráveis às novas normas internacionais, as interpretações mais generosas deveriam encontrar amplo consenso, as políticas nacionais e regionais deveriam receber maior apoio e deveria ser desenvolvida a cooperação prática entre as instituições existentes que se preocupam com as pessoas deslocadas. Naturalmente, a solução melhor encontra-se em primeiro lugar nos corações que desejam a paz e na determinação política a trabalhar para prevenir os conflitos. O sistema de protecção precisa de uma maior atenção às políticas. Os países envolvidos devem ser ajudados a melhorar a sua capacidade de proteger, e devem ser tomadas medidas para banir e facilitar o afastamento, e os programas de segurança ligados à imigração não devem impedir a quantos pedem asilo em boa fé e às pessoas que tentam sobreviver, de obter a protecção territorial. Senhor Presidente As pessoas abandonam as suas próprias casas devido ao medo e ao desespero. No entanto, ainda mais importante, a sua decisão constitui um acto de fé e de esperança a fim de que a solidariedade da família humana e as acções da comunidade internacional continuem a testemunhar e a oferecer a compaixão e o apoio que lhes permitirão continuar a gozar dos seus direitos humanos e conduzir uma existência normal.
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