XVI SESSÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO DOS DIREITOS HUMANOS DA ONU DISCURSO DE D. SILVANO TOMASI Genebra, 2 de Março de 2011
Senhor Presidente! No centro dos direitos humanos fundamentais estão as liberdades de religião, de consciência e de crença: elas influenciam a identidade pessoal e as escolhas essenciais, além de tornar possível beneficiar de outros direitos humanos. Como afirma a Declaração da ONU sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião ou crença, a dimensão espiritual da vida é uma parte imprescindível da existência humana. Porém, a proliferação de episódios de discriminação e de violência contra as pessoas, as comunidades de fé e os lugares de culto em várias regiões geográficas do mundo nega na prática o princípio proclamado pela lei. O conflito religioso é um perigo para o desenvolvimento social, político e económico. O conflito religioso polariza a sociedade, rompendo os vínculos necessários para fazer prosperar a vida social e relacional. Produz uma violência que priva as pessoas do mais fundamental de todos os direitos, o direito à vida. Lança as sementes do desânimo e da amargura que podem ser transmitidas durante gerações. Muitas vezes, a impunidade e o menosprezo de uma parte dos meios de comunicação acompanham tais tragédias. Uma recente pesquisa revela que entre 100 pessoas assassinadas por causa do ódio religioso, 75 são cristãs. Esta concentração da discriminação religiosa deveria preocupar todos. Todavia, nesta intervenção, o propósito da Santa Sé é reafirmar a importância do direito à liberdade religiosa para todos os indivíduos, todas as comunidades de fé e cada sociedade, no mundo inteiro. O Estado tem o dever de defender o direito à liberdade religiosa e, por conseguinte, a responsabilidade de criar as condições que tornam possível usufruir deste direito. Como está proclamado na Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião, no credo e noutros elementos, o Estado tem que cumprir várias obrigações no governo quotidiano da sociedade. Por exemplo, não pode absolutamente praticar discriminações religiosas nas suas leis, nas suas políticas, nem permitir de facto uma discriminação da parte dos funcionários públicos. Deve promover a tolerância religiosa e a compreensão na sociedade, objectivo alcançável só se os sistemas de educação ensinarem o respeito por todos e os sistemas judiciários, forem imparciais na implementação das leis e rejeitarem a pressão política que visa garantir a impunidade aos responsáveis de crimes contra os direitos direitos humanos de sequazes de uma religião específica. O Estado deveria apoiar todas as iniciativas que visam promover o diálogo e o respeito recíproco entre as comunidades religiosas. Deve aplicar as próprias leis que lutam contra a discriminação religiosa, com vigor e imparcialidade; garantir a incolumidade física às comunidades religiosas vítimas de ataques; e encorajar as maiorias para que permitam às minorias religiosas praticar a própria fé individualmente e na comunidade, sem ameaças nem impedimentos. O Estado deve promulgar leis que imponham aos empregadores a realização de «adaptações razoáveis», para que os funcionário possam praticar a própria religião. A liberdade de religião é um valor para a sociedade na sua totalidade. O Estado que defende este direito permite à sociedade beneficiar das suas consequências sociais: coexistência pacífica, integração nacional nas actuais situações pluralísticas, aumento da criatividade, pois os talentos de cada pessoa são postos ao serviço do bem comum. Pelo contrário, a negação da liberdade religiosa enfraquece qualquer aspiração democrática, favorece a opressão e reprime a sociedade inteira, que consequentemente pode explodir com efeitos trágicos. Deste ponto de vista, é também evidente que a liberdade de religião e de crença está complementar e intrinsecamente ligada ao da liberdade de opinião, de expressão e de agregação. Além disso, um contexto de verdadeira liberdade religiosa torna-se o melhor remédio para prevenir a manipulação da religião para fins políticos de conquista e conservação do poder e de opressão dos dissidentes, das comunidades de fé diferentes ou das minorias religiosas. Com efeito, a discriminação e o conflito religioso são raros, ou quase nunca, apenas o produto de diferenças nas opiniões e práticas religiosas. Por debaixo da superfície existem problemas sociais e políticos. Para obter os benefícios sociais da liberdade religiosa é necessário delinear medidas específicas que permitam o exercício concreto deste direito de prosperar. Senhor Presidente, desejo evidenciar algumas medidas a nível da ONU. O Relator especial sobre a liberdade religiosa poderia ser convidado a incluir regularmente as informações sobre as perseguições de grupos religiosos. Seria útil que o Departamento do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU monitorasse a situação das restrições governamentais e sociais à liberdade religiosa e informasse anualmente o Conselho dos Direitos Humanos. O artigo 20 do Acordo para os Direitos Civis e Políticos, relativo ao ódio religioso que incita as discriminações religiosas, levantou questões importantes, como as das relações entre diversos direitos e sobre as melhores formas para alcançar os objectivos legítimos. As leis sobre a blasfémia constituem um exemplo significativo. Os seminários finalizados a estudar o Artigo 20 e a propor boas práticas, são passos na justa direcção. Senhor Presidente, termino chamando a atenção para três falsas percepções, que envolvem a liberdade de religião e de credo. Em primeiro lugar, o direito a manifestar ou praticar a própria religião não é limitado aos actos de culto. Inclui também o direito a manifestar a própria fé através das obras de serviço social e caritativo. Por exemplo, proporcionar serviços de saúde e de educação através das instituições religiosas é uma forma importante para as pessoas viverem a própria fé. Em segundo lugar, as comunidades de fé têm as suas regras relativas aos requisitos para o ofício religioso e para o serviço nas instituições religiosas, inclusive nas estruturas de caridade. Estas instituições religiosas fazem parte da sociedade civil e não são ramificações do Estado. Por conseguinte, os limites que a lei internacional sobre os direitos humanos impõe aos Estados, no que diz respeito aos requisitos para os departamentos estatais e para o serviço público, não se aplicam automaticamente aos sujeitos não estatais. Como é reconhecido pela Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião e no credo, a liberdade religiosa confere às comunidades religiosas o direito de determinar os próprios requisitos. A tolerância religiosa inclui o respeito pelas diferenças de opinião nestas matérias e das diferenças entre uma instituição do Estado e uma religiosa. Em conclusão, o temor é que a liberdade de escolher e praticar outra religião, diferente da própria, esteja baseada no pressuposto de que toda a verdade é relativa e que não existe uma religião válida de forma absoluta. Este é o equívoco. O direito de seguir e de mudar religião baseia-se no respeito pela dignidade humana: o Estado deve permitir a cada pessoa procurar livremente a verdade. Senhor Presidente, o Estado tem o dever ético e legal de apoiar e tornar aplicável o direito à liberdade religiosa ou de convicção, porque é um direito humano fundamental e paralelamente é seu dever defender os direitos dos próprios cidadãos e procurar o bem-estar da sociedade. Como afirmou Sua Santidade o Papa Bento XVI, dirigindo-se este ano ao Corpo diplomático, a liberdade religiosa é «o caminho fundamental para a construção da paz. Com efeito, a paz constrói-se e conserva-se apenas na medida em que o homem pode livremente procurar e servir Deus no seu coração, na sua vida e nas suas relações com os outros».
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