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INTERVENÇÃO DO REPRESENTANTE DA SANTA SÉ
NA 53ª CONFERÊNCIA GERAL DA AGÊNCIA INTERNACIONAL
DE ENERGIA ATÓMICA

DISCURSO DO ARCEBISPO MARCELO SÁNCHEZ SORONDO

Viena, 14-18 de Setembro de 2009

 

Senhora Presidente
Senhor Director-geral
Senhores participantes

Na qualidade de chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, é uma grande honra para mim transmitir a esta conceituada assembleia a saudação do Santo Padre Bento XVI.

Estendo as minhas felicitações também à Senhora Presidente, pela sua eleição a Presidente da Conferência geral e garanto-lhe o apoio da minha Delegação.

Felicitações igualmente para o Reino do Camboja e a República do Ruanda por se terem tornado membros desta Agência.

As minhas felicitações vão também ao Embaixador Yukiya Amano pela sua eleição a Director-Geral da Agência. Trabalharemos juntamente com o Senhor para promover o uso pacífico da tecnologia nuclear.

Na sua recente encíclica Caritas in veritate, o Papa Bento XVI quis colocar em evidência os objectivos a perseguir e os valores a promover e defender incansavelmente, a fim de alcançar uma convivência humana verdadeiramente livre e solidária, capaz de promover eficazmente um verdadeiro desenvolvimento humano integral "de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática" (Caritas in veritate, 4).

"O risco do nosso tempo é que, à real interdependência dos homens e dos povos, não corresponda a interacção ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano" (Caritas in veritate, 9). Este risco assume ainda mais relevância diante dos numerosos desafios que se estão a manifestar no seio do chamado "renascimento nuclear", que está a emergir a nível mundial: penso nas problemáticas inerentes ao desarmamento e à não-proliferação das armas nucleares, ao crescimento da procura de energia, ao terrorismo, ao mercado ilegal de material nuclear, que envolve também actores não estatais. Desafios que só podem ser enfrentados seriamente se for cultivada uma cultura da paz fundada sobre o primado do direito e o respeito pela vida humana.

Neste âmbito, a AIEA pode e deve contribuir para favorecer a mencionada "interacção ética das consciências e das inteligências", essencial para responder eficazmente aos citados desafios, promover um verdadeiro desenvolvimento humano integral e deste modo satisfazer o próprio mandato da AIEA: "Acelerar e aumentar a contribuição da energia atómica para a paz, saúde e prosperidade em todo o mundo" (Art. II do Estatuto).

Aliás, retomando a palavra do Papa Bento XVI, "o desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e dos povos" (Caritas in veritate, 17). "Mas a liberdade humana só o é propriamente quando responde à sedução da técnica com decisões que sejam fruto de responsabilidade moral" (Caritas in veritate, 70). Daqui, a urgência de uma formação para a responsabilidade ética no uso dos conhecimentos científicos e técnicos que também, e sobretudo, no âmbito nuclear devem ser sempre aplicados com sentido de responsabilidade e para o bem comum, no pleno respeito pelo direito internacional, a favor de um autêntico desenvolvimento, respeitador do meio ambiente e sempre atento às populações mais desfavorecidas.

Também graças ao Technical Co-operation Programme, a AIEA pode e deve desempenhar um papel importante para favorecer uma aplicação mais responsável e apropriada dos conhecimentos nucleares, não só no campo da energia, mas também nos campos da medicina, da agricultura, da hidrologia, da segurança alimentar e do acesso à água potável. Trata-se de actividades que estão inseridas num contexto ético de desenvolvimento mais amplo, dado que têm repercussões importantes não só para as gerações presentes mas inclusive para as futuras: os financiamentos destinados para tais actividades devem ser vistos como investimentos para o futuro da humanidade.
Senhora Presidente!

"O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do reconhecimento que são uma só família, a qual colabora em verdadeira comunhão e é formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos outros" (Caritas in veritate, 53).

Isto comporta a necessidade de renovar aquela abordagem do multilateralismo impregnada pelo diálogo e pela cooperação honesta e responsável da parte de todos os membros da comunidade internacional. Cada Estado é chamado a perseguir o desenvolvimento e o bem comum dos povos e não o poder nacional, seja ele económico ou militar; o ponto de referência essencial, com efeito, continua a ser a pessoa humana, com a sua dignidade e os seus direitos fundamentais. Esta abordagem deve ser marcada pelo desenvolvimento e pela actuação de um novo paradigma de segurança colectiva, onde cada país reconheça os limites claros de confiar nas armas nucleares para a própria segurança. Na difícil encruzilhada em que a humanidade se encontra, caracterizada por uma interdependência cada vez mais estreita a nível económico, político, social e ambiental, perguntamo-nos: o uso da força representa uma solução sustentável no tempo? De facto, isso alimenta a desconfiança recíproca e faz referência a um sentido de prioridade deformado que compromete enormes recursos de um modo pouco clarividente. Devem ser desaprovadas as tentações de enfrentar novas situações com velhos sistemas. É preciso redefinir as prioridades e as escalas de valores com base nas quais mobilizar os recursos para objectivos de desenvolvimento moral, cultural e económico, baseados no facto de que desenvolvimento, solidariedade e justiça não são mais do que o verdadeiro nome da paz, de uma paz duradoura no tempo e no espaço.

Nesta direcção, as actividades de vigilância e de controlo da AIEA não devem ser entendidas como um limite aos interesses dos Estados, mas como uma garantia para a segurança e o bem comum de todos os povos. Também os programas civis penso na questão do uso dual exigem um controlo internacional eficaz, embora no respeito pela liberdade dos Estados.

Contudo, deve ser realçado que as ameaças à segurança derivam, no fundo, de atitudes e acções hostis à natureza humana. Portanto, é a nível humano que é preciso actuar, nos planos cultural e ético: "O desenvolvimento é impossível sem homens rectos, sem operadores económicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum. São necessárias tanto a preparação profissional como a coerência moral" (Caritas in veritate, 71). Se, a curto prazo, existe antes de mais a necessidade de medidas técnicas e legais para proteger materiais e bases nucleares e para prevenir actos de terrorismo nuclear, a longo prazo, ao contrário, são necessárias medidas de prevenção que possam incidir sobre as raízes culturais e sociais mais profundas da actividade criminosa e do terrorismo. Um papel especial deve ser reservado aos códigos de comportamento para os recursos humanos que, no sector nuclear, devem estar sempre conscientes dos possíveis efeitos da sua actividade. Mais uma vez, a actividade da AIEA neste campo é preciosa e deve ser reforçada.

Senhora Presidente!

A característica predominante que deve permear a obra realizada pela AIEA nas três áreas do seu mandado, ou seja, na tecnologia, na segurança e na verificação, deveria ser sempre a de unir e associar, não de dividir e opor: trabalhar juntos para a incolumidade e a segurança no campo nuclear; trabalhar juntos para o uso de uma tecnologia nuclear pacífica e segura, que respeite o meio ambiente e tenha sempre presente as populações mais desfavorecidas; trabalhar juntos para o desarmamento e a não-proliferação nuclear.

A hodierna crescente expansão de programas de energia nuclear para uso civil apresenta potenciais novos desafios ao regime de não-proliferação. Todavia, sem passos sérios e concretos rumo ao desarmamento, a base da não-proliferação será ulteriormente debilitada. O desarmamento e a não-proliferação de armas nucleares têm um grande valor político, porque afirmam a supremacia da confiança em relação às armas e da diplomacia sobre a força. Não-proliferação e desarmamento das armas nucleares são, como muitas vezes foi afirmado pela Santa Sé, interdependent and mutually reinforcing e a sua actuação transparente e responsável representa um dos principais instrumentos não só para a luta ao terrorismo nuclear, mas também para a realização concreta de uma cultura da vida e da paz, capaz de promover de modo eficaz o desenvolvimento humano integral dos povos.

Senhora Presidente!

A Santa Sé observa com satisfação alguns sinais positivos da vontade de colocar novamente o desarmamento nuclear no centro do debate internacional sobre a paz e a segurança. A tomada de diversas iniciativas e as posições assumidas nos últimos meses são passos encorajadores que suscitam uma esperança renovada no facto de ser alcançável o objectivo de um mundo sem armas nucleares. Isto dá esperança inclusive para o êxito da próxima conferência de exame do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), onde a comunidade internacional é chamada a dar passos concretos, transparentes e convincentes. A Santa Sé faz votos por que as negociações para o Tratado para a eliminação de materiais físseis (FMCT) comecem o mais rapidamente possível e sejam dados todos os passos para facilitar a entrada em vigor do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT). É de conhecimento público que a Santa Sé considera o CTBT um instrumento importante para alcançar o objectivo de um mundo sem armas nucleares, para não falar da sua potencial aplicação nos âmbitos civil e científico mediante o seu sistema de monitorização internacional.

Senhora Presidente!

O mero bem-estar material não elimina os riscos e os conflitos ligados à pobreza e à miséria culturais e morais dos homens e das mulheres: "Não é suficiente progredir do ponto de vista económico e tecnológico; é preciso que o desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro e integral" (Caritas in veritate, 23). Por este motivo, as políticas nucleares devem ser consideradas na perspectiva do "desenvolvimento integral do ser humano" (Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, pág. 5), que implica não só o desenvolvimento material, mas sobretudo cultural e moral de cada pessoa e de todos os povos. Estamos todos envolvidos neste projecto ambicioso e indispensável, quer fora quer dentro do sector nuclear, no campo público assim como no privado, a nível governamental e não governamental. Desta maneira, um compromisso comum pela segurança e pela paz poderá conduzir não só a uma distribuição equitativa dos recursos da terra, mas sobretudo, à edificação de uma "ordem, no plano social e no plano internacional, capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades" de todas as pessoas humanas (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 28).

Concluindo, Senhora Presidente, gostaria de expressar sincera gratidão ao Dr. Mohamed ElBaradei pelo seu trabalho incansável, profissional e imparcial na direcção da AIEA durante estes anos. A Santa Sé está convencida de que o desenvolvimento é o outro nome da paz. O trabalho do Dr. ElBaradei foi a favor do desenvolvimento e da paz. Admiramos os seus esforços e estamos gratos pelo seu trabalho.

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