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INTERVENÇÃO DO REPRESENTANTE DA SANTA SÉ
O ARCEBISPO SILVANO M. TOMASI
NA 48ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
SOBRE A EDUCAÇÃO DA UNESCO

Genebra, 26 de Novembro de 2008

 

Senhor Presidente

1. A Delegação da Santa Sé concorda plenamente com o tema desta 48ª Conferência internacional sobre a Educação, segundo a qual o caminho para um futuro de convivência pacífica, de respeito recíproco e de enriquecimento através da conciliação dos dons de diferentes culturas e tradições começa "pela educação de todos". Esta educação deve ter em conta as exigências de cada pessoa e em particular as dos pobres e dos mais vulneráveis, de pessoas portadoras de deficiência, de jovens que vivem em áreas rurais e centros urbanos degrados, de jovens e adultos sem qualquer discriminação.

Uma sociedade verdadeiramente inclusiva requer uma educação igualmente inclusiva. A modalidade proposta corresponde às expectativas da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual celebramos o 60º aniversário nestes dias e que afirma:  "Toda a pessoa tem direito à educação... A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos" (Art. 26).

Senhor Presidente!

As crianças e os jovens têm várias exigências de aprendizagem. Além disso, por exemplo, em diversas áreas geográficas, moças e mulheres têm necessidade de políticas específicas e de planos eficazes para a igualdade de oportunidades e a integração social. Em particular, os Estados são chamados a desempenhar a tarefa da integração e encontram indicações claras na normativa internacional sobre os princípios a aplicar e sobre os objectivos a alcançar. Por outras palavras, todas as nações do mundo e as suas agências especializadas devem comprometer-se no "desenvolvimento integral do ser humano, o progresso económico e social e o desenvolvimento de todos os povos" [1]. Todas as nações são chamadas a reconhecer "que a pessoa humana é o sujeito central do processo de desenvolvimento e que portanto as políticas para o desenvolvimento devem fazer do ser humano o principal participante e beneficiário do desenvolvimento" [2]. Este tipo de abordagem "humana" e "integral" deveria informar por si mesmo as políticas e os projectos destinados a alcançar o segundo dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio:  a educação primária universal (cf. III, 19). Foram feitos muitos progressos. Todavia, na África subsariana cerca de 38 milhões de crianças em idade escolar ainda não frequentam a escola. Em todo o mundo, na maior parte dos campos de refugiados e dos centros de detenção a educação das crianças e dos jovens permanece bastante inadequada. O Relatório da Comissão Mundial sobre a Cultura e o Desenvolvimento "A nossa diversidade criativa" continua a demonstrar-se autêntica:  "Num mundo marcado pela desigualdade, os desafios da educação para as crianças vítimas e marginalizadas requerem abordagens flexíveis. A educação deveria alcançar quem ainda não o foi e integrar os marginalizados" [3].

2. Hoje, em particular, o caminho para a integração favorece o desenvolvimento. Embora uma economia baseada no conhecimento dê acesso a um emprego digno, é ainda mais importante promover a coesão social, a aceitação e o apreço recíproco na diversidade. A Delegação da Santa Sé compartilha a abordagem inclusiva da educação dado que não "relega a cultura à posição subsidiária de mera promotora do crescimento económico" [4], mas dispõe a pessoa ao encontro com os outros e a todas as aspirações do coração humano:  "Um desenvolvimento separado do seu contexto humano ou cultural é um desenvolvimento sem alma" [5].

A Declaração sobre a Educação Cristã do Concílio Vaticano II afirma:  "Todos os homens, de qualquer raça, condição e idade, enquanto participantes da dignidade da pessoa, têm o direito inalienável a uma educação que corresponda à própria vocação, acomodada à própria índole, à diferença de sexo, à cultura e às tradições pátrias e simultaneamente aberta à união fraterna com os outros povos, para favorecer a verdadeira unidade e paz sobre a terra" [6].

Na experiência da Igreja Católica esta abordagem inclusiva traduz-se em milhares de escolas, universidades e outras instituições educativas, presentes em áreas rurais e em centros urbanos.

3. A integração actua através da promoção de uma sociedade que respeita a dignidade de cada pessoa humana e vai além dos critérios de eficácia. A actual crise financeira é uma lição concreta:  só a pessoa que concebe as relações com os outros além dos critérios de produtividade e controle pode avaliar a realidade com equilíbrio e assumir a justa responsabilidade. Este tipo de educação pode contribuir para formar sujeitos e novas gerações para a participação social, a solidariedade, a superação da exclusão e a compreensão crítica da realidade. Ao mesmo tempo, uma educação inclusiva implica uma pluralidade de agências e agentes educativos, todos guiados pelo princípio de subsidiariedade que gera uma sinergia entre família, professores e educadores e os próprios jovens, organizações não-governamentais, igrejas, comunidades religiosas e outras pessoas que, de maneiras diferentes, contribuem para o processo formativo. Enquanto uma sociedade mais humana e inclusiva deveria tomar conta dos mais vulneráveis e a atenção das políticas educativas ao direito da criança é um aspecto significativo deste princípio a escola deveria ser um ambiente em que os educadores possam responder às exigências afectivas e cognitivas da criança, não só transmitindo-lhe noções, mas inclusive tornando-se significativos para as crianças nesta fase delicada da sua vida. Portanto, os educadores deveriam estar conscientes do facto de que desempenham o próprio serviço em colaboração com os pais, que são a primeira "agência educativa" e têm o direito e dever prioritários de educar os próprios filhos. Esta confluência de esforços é uma aplicação evidente do princípio de subsidiariedade basilar.

4. Um outro objectivo central de qualquer política educativa deveria ser o de pensar e organizar a escola como um ambiente no qual vários membros da comunidade escolar mantêm relações positivas entre si. Esta comunidade educativa é chamada a promover uma escola que seja lugar de formação integral através de relações interpessoais baseadas no respeito e na aceitação recíprocos. Deste ponto de vista, a integração não é uma ideologia que reduz todas as diferenças e perde de vista a situação da pessoa concreta, a sua vivência e as suas experiências, e isto deveria permanecer no centro de qualquer programa educativo. Recentemente, Sua Santidade Bento XVI observou:  "Cada verdadeiro educador sabe que para educar deve doar algo de si mesmo e que só assim pode ajudar os seus alunos a superar os egoísmos e a tornar-se por sua vez capazes de amor autêntico. Há já numa criança um grande desejo de saber e de compreender, que se manifesta nas suas contínuas perguntas e pedidos de explicações. Portanto a educação seria muito pobre se se limitasse a dar noções e informações, e deixasse de lado a grande pergunta em relação à verdade, sobretudo àquela verdade que pode servir de orientação na vida" [7].

Deste modo, a educação inclusiva adquire mais uma dimensão importante que favorece o diálogo entre pessoas e culturas na sua "diversidade criativa".
5. Concluindo, Senhor Presidente, uma educação inclusiva compreende todas as crianças e jovens no seu contexto existencial e todas as pessoas dedicadas à sua formação, que é um processo global que combina transmissão de conhecimentos e desenvolvimento da personalidade. De facto, as interrogações fundamentais que cada pessoa formula são relativas à busca do significado da vida e da história, da mudança e da dissolução, do amor e da transcendência. Na melhor das hipóteses, a educação fornece a todos os instrumentos para contribuir para uma participação criativa na comunidade, para reflectir e dar uma resposta apropriada às inevitáveis profundas interrogações sobre o significado, para viver com os outros e para descobrir a própria natureza e a dignidade intrínseca de criaturas espirituais.


Notas

[1] Assembleia geral, 1986, Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, Resolução 41/128, pág. 5.

[2] Idem supra, nota 1.

[3] Relatório da Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento:  "A nossa Diversidade Criativa", UNESCO, ctl-96/ws-6, 1996, pág. 32.

[4] Idem supra, nota 3, pág. 14.

[5] Idem supra, nota 3, pág. 48.

[6] Concílio Vaticano II, Declaração sobre a Educação Cristã, Gravissimum educationis, 1965, n. 1.

[7] Bento XVI, Carta à Diocese e à cidade de Roma sobre a tarefa urgente da educação, 21 de Janeiro de 2008.

 

 
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