Senhor Presidente
Tenho a honra de vos transmitir as saudações mais cordiais do Papa Bento XVI, a vós e aos Chefes de Estado e de Governo que se encontram aqui reunidos, bem como aos demais Representantes dos Estados-membro da Organização.
A minha voz deseja ser também o eco da voz dos católicos de todo o mundo que vêem nas Nações Unidas uma instituição sempre mais necessária para a paz e para o progresso da humanidade inteira.
Transcorreram sessenta anos depois daquele longínquo dia 26 de Junho de 1945, que viu nascer esta Organização destinada a concretizar os grandes objectivos proclamados no prefácio do seu Estatuto. Ao longo destes anos, muito foi realizado ao serviço da humanidade. Contudo, este Organismo, como qualquer realidade humana com o passar dos anos, deu sinais de desgaste.
Agora é evidente aos olhos de todos que ela precisa de uma renovação, para responder aos grandes desafios do tempo actual.
1. Actualidade da ONU
Evidentemente a ONU não é um supergoverno. Ela é, ao contrário, o resultado da vontade política de cada um dos Países membros. O povo comum, os milhares de pessoas que constituem este "we the people" de que fala a Carta das Nações Unidas, dizem agora aos responsáveis das Nações: dai-nos uma instituição moderna, capaz de estabelecer resoluções e de as fazer respeitar. Trata-se de um apelo que nos é feito por homens e mulheres desencorajados por muitas promessas feitas e não mantidas, por resoluções adoptadas e que não foram respeitadas. Que este brado faça surgir em nós a firme determinação de empreender uma reforma institucional da ONU, uma reforma que tenha em consideração as exigências reais dos nossos povos e não os equilíbrios de poder!
Podemos dizer que os mecanismos previstos nos capítulos VI e VII do Estatuto das Nações Unidas conservam todo o seu valor e contêm os critérios necessários para prevenir as ameaças contra a paz e para garantir a segurança colectiva. Mas hoje, este quadro jurídico deve ser completado pelos instrumentos jurídicos internacionais necessários no que se refere ao desarmamento, ao controle das armas, à luta contra o terrorismo e a criminalidade internacional, assim como à cooperação efectiva entre as Nações Unidas e os organismos regionais, a fim de resolver as situações de conflito.
2. As responsabilidades da ONU
A longa história das operações de paz (peacekeeping), com os seus bons êxitos e malogros, oferece um tesouro de experiências para desenvolver os meios de acção capazes, no futuro, de resolver os conflitos. Nesta perspectiva, a Santa Sé é favorável à criação de um organismo para restabelecer a paz nos países provados por conflitos armados. Por conseguinte, a Santa Sé é favorável à Peacebuilding Commission, que poderia traçar as linhas para uma estratégia ambiciosa e concretizá-la, a fim de superar os factores de rivalidades étnicas que estão na origem dos conflitos e que sempre os podem desencadear.
As tragédias que se verificaram nos Balcãs, no Médio Oriente e na África devem fazer-nos reflectir. O nosso actual compromisso comum para suscitar uma cultura capaz de prevenir os conflitos é importante, mas será conveniente também aprofundar o problema do emprego da força para desarmar o agressor. A "Responsabilidade de proteger" surgiu de um conceito político e jurídico muito importante, que se enriqueceu progressivamente ao longo dos sessenta anos de existência da ONU. Ele remete, no que forma o seu núcleo fundamental, para a preeminência da dignidade de todo o homem ou mulher como pessoa em relação ao Estado ou qualquer sistema ideológico.
Face a uma tal reforma da ONU, a Santa Sé pede aos Estados que tenham a coragem de prosseguir os debates acerca dos modos de aplicação e das consequências práticas do princípio da "Responsabilidade de proteger", para que sejam adequadamente resolvidas, com a intervenção do Conselho de Segurança e seguindo as indicações do capítulo VII do Estatuto da ONU, todas as situações nas quais as autoridades nacionais não querem ou não podem proteger as suas populações perante as ameaças internas e externas. O Estatuto das Nações Unidas, no seu Prefácio, esclarece justamente que as Nações Unidas surgiram "para preservar as gerações futuras do flagelo da guerra".
Com esta finalidade, esperar ou até superar os Millenium Development Goals permanece um dever de justiça ao serviço da dignidade humana e, ao mesmo tempo, uma condição indispensável para a paz e para a segurança colectiva, incluindo o que se refere à eliminação ou diminuição substancial do terrorismo e da criminalidade internacional.
3. O compromisso em favor do desenvolvimento
Se considerarmos agora o grande tema do desenvolvimento, é necessário reconhecer que, nos últimos anos, os governos fizeram gestos prometedores. A este propósito, por exemplo, a proposta de novos mecanismos para o financiamento do desenvolvimento (o US Millennium Challenge Account, o International Financial Facility, os Noveaux mécanismes de taxation internationale, propostos pelo governo francês e por outros Estados, etc.) e, em particular, as últimas decisões tomadas pelo G-8 em Gleneagles, são muito apreciadas pela Santa Sé. Mas, ainda é necessário trabalhar muito para alcançar uma mobilização económica e financeira solidária. Ela não pode deixar de ter em consideração a solução do problema da dívida dos países mais pobres e também dos países que têm entradas superiores mas que vivem graves dificuldades de endividamento com o estrangeiro, e deve ser acompanhada do relançamento da ajuda pública ao desenvolvimento (ODA, Official Development Assistance), com uma abertura generosa dos mercados aos países pobres.
É evidente que estas acções dos países desenvolvidos devem ser acompanhadas por um renovado sentido das suas responsabilidades por parte dos governos dos países em vias de desenvolvimento, que têm o dever de combater a corrupção, garantir a legalidade (rule of law) e, sobretudo, incrementar os esforços nos campos sociais do progresso, quer se trate da educação, da segurança do emprego e da assistência no campo da saúde básica para todos. À humanidade exposta às pandemias actuais e às novas que ameaçam desencadear-se, ao grande número de seres humanos que não tem acesso às curas básicas de saúde, à aspirina e à água potável, não podemos oferecer uma visão ambígua, simplista ou ainda pior, ideológica da saúde. Por exemplo, não seria melhor falar claramente da "saúde das mulheres e das crianças", em vez de usar a expressão "saúde reprodutiva"? É possível que se queira voltar a falar de um direito ao aborto?
4. A contribuição da Santa Sé
Senhor Presidente, a Santa Sé tem uma missão antes de tudo espiritual, mas precisamente por isso tem o dever de estar presente na vida das Nações e o compromisso de levar a justiça e a solidariedade aos homens. Nesta convicção, a Santa Sé reconfirma o seu apoio total aos objectivos desta Cimeira Mundial e fará o que estiver ao seu alcance para que ele dê rapidamente os frutos esperados e que possa chegar o quanto antes a uma era de paz e de justiça social. Uma frase pronunciada pelo saudoso Papa João Paulo II, durante a sua viagem apostólica ao Chile em 1987, permanece actual: "Os pobres não podem esperar". Obrigado!
*L'Osservatore Romano. Edição semanal em português n°39 p.4.