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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 93ª SESSÃO
DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO

Genebra, 7 de Junho de 2005

Senhor Presidente

1. O futuro, que desafia e interpela a comunidade internacional e os países individualmente, está caracterizado por uma crescente consciência de que somente em conjunto poderemos progredir e encontrar o caminho recto para uma vida genuinamente humana. O rápido ritmo de mudança pode fazer surgir a dúvida e a tentação do isolamento e, temporariamente, desviar do caminho a seguir. Contudo, o processo de globalização continua: torná-lo abrangente e eliminar os obstáculos que impedem o seu impacto benéfico sobre todos, eis o compromisso que emerge desta 93ª Conferência Internacional do Trabalho.

Obviamente, o espírito de solidariedade e de empreendimento que deriva da singular colaboração tríplice dos Estados, dos trabalhadores e dos empregadores, evidencia um modelo de interdependência que pode enriquecer outras organizações internacionais, neste momento em que se buscam reformas que dediquem um serviço mais efectivo a toda a família humana.

2. Efectivamente, o caminho rumo a um trabalho decoroso, em benefício de uma vida digna, num mundo em que a globalização da solidariedade constitua um programa concreto, começa com os jovens e com a promoção da sua inserção no mundo do trabalho.

Sente-se que é urgente encontrar uma resposta ao facto de que, no mundo inteiro, menos de metade dos jovens na idade de trabalhar encontraram uma ocupação em 2004, e que cerca de 59 milhões de jovens de 15 a 18 anos estão empenhados em formas irregulares de trabalho.

João Paulo II levantou esta mesma interrogação, já durante a sua visita à sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1982: "Pode aceitar-se uma situação que leva ao risco de deixar os jovens sem a perspectiva de virem a encontrar um dia trabalho ou que, num caso ou noutro, cria o risco de os deixar marcados para toda a vida?(1). Nos países em vias de desenvolvimento, a escassez de tecnologias inovativas faz com que seja difícil traduzir as descobertas investigativas em iniciativas produtivas. É evidente a prioridade que deve ser dada à educação e à formação, especialmente numa economia baseada no conhecimento. Ao mesmo tempo, o desemprego juvenil deveria ser contextualizado, e toda a estrutura económica dos países em vias de desenvolvimento tem necessidade de ser sustentada na sua evolução e de se tornar capaz de competir imparcialmente no mercado mundial.

É de importância fundamental que os jovens tenham acesso a um trabalho decoroso. A sua criatividade, sustentada por uma adequada cultura técnica e por um profundo sentido de responsabilidade, pode compensar a sua experiência limitada e até mesmo criar novos trabalhos, através das microempresas, que os próprios jovens podem lançar com a concessão de créditos apropriados. As comunidades cujos jovens não dispõem de um trabalho perdem a própria esperança. Quando não é orientada para finalidades produtivas, a energia criativa dos jovens perde-se e desperdiça-se. Com efeito, infelizmente é concreto o risco de que a falta de oportunidades de emprego e de trabalho impele os jovens rumo ao submundo destruidor das drogas, da violência, das actividades criminosas e até mesmo do terrorismo.

Quando se dirigiu aos trabalhadores presentes na sua primeira Alocução do Angelus dominical, no dia 1 de Maio do corrente ano de 2005, o neo-eleito Santo Padre Bento XVI pôs em evidência o modo como a solidariedade, a justiça e a paz deveriam constituir "os pilares sobre os quais construir a unidade da família humana". O Papa exortou os trabalhadores a testemunhar, na sociedade contemporânea, o "Evangelho do trabalho". "Faço votos acrescentou por que não falte o trabalho especialmente para os jovens, e que as condições de trabalho sejam cada vez mais respeitosas da dignidade da pessoa humana" (1 de Maio de 2005).

3. A criação de um trabalho decoroso para todos, num mundo sustentável, constitui uma antiga base comum para um diálogo fecundo entre a Organização Internacional do Trabalho e a Doutrina Social da Igreja. É a dignidade de cada pessoa humana que exige o acesso ao trabalho em condições de segurança pessoal, de assistência à saúde, da justa remuneração e de um ambiente saudável. O trabalho é um direito e uma expressão da dignidade do homem. Por conseguinte, a minha Delegação considera o desemprego como uma "verdadeira calamidade social", enquanto oferece a sua ajuda às organizações internacionais, aos empregadores, aos sindicatos e aos governos, a fim de que unam as suas forças, revigorem as normas jurídicas de salvaguarda e promovam a realização das convenções já existentes. Em tal convergência de forças, é particularmente significativo recordar que a última Audiência oficial organizada pelo saudoso Papa João Paulo II cuja visita à sede da Organização Internacional do Trabalho e cuja magistral Carta Encíclica sobre o trabalho humano Laborem exercens permanecem uma contribuição duradoura foi concedida ao Director-Geral da própria Organização Internacional do Trabalho. E a presença do Director-Geral no funeral de João Paulo II e na inauguração do ministério de Bento XVI foi muito apreciada. Existe uma visão de conjunto, segundo a qual o trabalho constitui o motor para o desenvolvimento e para a eliminação da pobreza, para a descoberta dos recursos ocultos da natureza, a realização pessoal e profissional, a assistência familiar e a participação social no bem-estar da sociedade em geral.

4. Como reza um provérbio popular: "Pensa a nível global, actua no plano local"; se quisermos que os princípios fundamentais e as finalidades estratégicas façam a diferença, deverão ser incutidos na existência das pessoas. Segundo o conteúdo do Relatório do Director-Geral, exige-se um esforço comum em vista de "conservar e aumentar esta salvaguarda da perspectiva de um trabalho decoroso nas políticas económicas e sociais, tanto a nível local como nacional e internacional", e de definir programas nacionais de um trabalho decoroso, para progredir nesta direcção positiva. Além disso, é necessária uma abordagem mais determinada das categorias mais vulneráveis de trabalhadores. Uma acção coerente contra o trabalho forçado, no plano nacional e em colaboração com a comunidade internacional, pode erradicar esta forma de trabalho totalmente indecorosa, que não deveria existir no mundo moderno.

As previsões, formuladas pela primeira vez nesta Conferência, comentam-se por si mesmas: hoje em dia, no mundo inteiro, pelo menos 12,3 milhões de pessoas são vítimas do trabalho forçado. De tais pessoas, 9,8 milhões são exploradas por agentes privados, incluindo mais de 2,4 milhões no campo do trabalho forçado, como resultado do tráfico humano, que a nível planetário representa um movimento de capital equivalente a 32 biliões de dólares.

Outros 2,5 milhões de pessoas são obrigadas a trabalhar para o Estado ou para os grupos militares rebeldes (2). Obviamente, a pessoa humana é tratada como um instrumento de produção, a sua liberdade e dignidade são violadas e os seus direitos, que derivam do trabalho, acabam por ser sufocados. Quando o trabalho é separado do contexto mais vasto dos direitos humanos, prevalecem as piores formas de exploração.

5. Um importante sinal do dinamismo permanente da Organização Internacional do Trabalho é o seu compromisso perseverante em vista de centrar a sua atenção no trabalho forçado e igualmente em todos os sectores do mundo do trabalho que são mais marginalizados. Os trabalhadores do mar não foram esquecidos. Para os pescadores, um instrumento extremamente necessário, que contém em si a potencialidade de melhorar a vida de 90% destas pessoas particularmente deixadas de parte, é a Convenção que se espera seja aprovada e aberta à ratificação durante a presente Conferência. É difícil e por conseguinte representa uma conquista ainda maior produzir uma Convenção que tenha em consideração de maneira equilibrada, situações muito diferentes entre si, que vão desde os pequenos pescadores que pescam com uma rede do seu barco de madeira, visando o próprio sustento, até aos navios pesqueiros comerciais, alguns dos quais são tão sofisticados que chegam a constituir fábricas processadoras que flutuam sobre as ondas do mar. A pesca é uma profissão complexa e também perigosa, em que se verifica uma elevada taxa de acidentes de trabalho, de mortes e de ferimentos. Tanto a Convenção proposta: "O trabalho no sector da pesca", como as suas Recomendações podem tornar a pesca profissional mais segura e fazer dela um lugar de trabalho decoroso.

6. Pela primeira vez, estão a ser propostas uma abordagem e uma estrutura integradas para a protecção dos trabalhadores contra as lesões e as enfermidades relacionadas com o trabalho. A combinação de normas, de linhas de responsabilidade e de mecanismos clarividentes, em ordem a um acordo, deveria fortalecer a prevenção e aumentar o bem-estar dos trabalhadores e da sua produtividade. É uma observação dramática, saber que os acidentes mortais e não mortais são calculados em 270 milhões, e que cerca de 160 milhões de trabalhadores padecem de males relacionados com o ambiente de trabalho(3). É verdadeiramente apropriado e oportuno um instrumento que aborde com um renovado compromisso a questão da segurança e da saúde no mundo do trabalho.

7. Senhor Presidente, novas questões e problemáticas continuam a surgir de modo incessante, na medida em que evoluem a economia, os progressos tecnológicos e a organização globalizada da sociedade. O trabalho permanece um elemento fulcral na construção do futuro. Todavia, o protagonista do seu trabalho é a pessoa humana, e salvaguardar a sua dignidade e centralidade em todas as novas realidades constitui a melhor garantia para um mundo mais justo e pacífico.


Notas

1. João Paulo II, Discurso na 68ª sessão da Conferência da Organização Internacional do Trabalho, 15 de Junho de 1982, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 20.6.1982, pp. 12-14, n. 12.

2. Organização Internacional do Trabalho, A global alliance against forced labour [Uma aliança global contra o trabalho forçado], Relatório I (B), 93ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, 2005, pág. 10.

3. Organização Internacional do Trabalho, Promotional framework for occupational safety and health [Estrutura promocional para a segurança e a saúde no trabalho], 93ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, 2005, pág. 3.

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