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SECRETARIA DE ESTADO

 61ª SESSÃO DA COMISSÃO DOS DIREITOS DO HOMEM
 SOBRE O PROBLEMA DO ACESSO AOS REMÉDIOS NECESSÁRIOS
 PARA COMBATER AS EPIDEMIAS DO HIV/SIDA,
 DA MALÁRIA E DA TUBERCULOSE

DISCURSO DE D. SILVANO TOMASI, C.S.

 Genebra, 29 de Março de 2005

 

Senhor Presidente

As ameaças à vida e à dignidade humanas, ao desenvolvimento económico e social e à segurança mundial, apresentadas pelas enfermidades do Hiv/Sida, da tuberculose e da malária, que atingiram proporções epidémicas, exigem a atenção urgente tanto desta Comissão como de toda a comunidade internacional.

As previsões actuais, relativas às proporções destas doenças, são suficientemente alarmantes para garantir a dedicação de recursos financeiros, profissionais, investigativos e comunitários mais orientados e extensivos em todas as regiões do mundo, mas de maneira muito especial nos países onde a renda é mais baixa. A negação, a estigmatização, a discriminação e a complacência não podem ser toleradas, diante de cerca de quarenta milhões de adultos e de crianças que actualmente convivem com o Hiv/Sida; de seis mil mortes diárias relacionadas com o Hiv/Sida; de doze milhões de órfãos que perderam um ou ambos os pais, vítimas de enfermidades relacionadas com o Hiv/Sida; de cerca de dois biliões de pessoas infeccionadas pela tuberculose (TB), das quais em cada ano oito milhões são contagiadas pela tuberculose e dois milhões morrem; e de pelo menos um milhão, e talvez três milhões, de mortes anuais causadas pela malária. As projecções futuras, relativas ao impacto de tais enfermidades, são ainda mais angustiantes: calcula-se que a população dos países fortemente atingidos pelo Hiv/Sida será 14% inferior do que se prevê na ausência de tal síndrome; em muitos países, a perda da produtividade devida à tuberculose varia de 4% a 6% do Produto Interno Bruto (PIB); a presença da malária em tais proporções epidémicas bloqueia o progresso do desenvolvimento nos países mais pobres do mundo (1).

Contudo, tais estatísticas não descrevem adequadamente as dimensões dos direitos humanos nestas três epidemias principais. Antes de mais nada, a Delegação da Santa Sé está preocupada com a ameaça que o Hiv/Sida, a turberculose e a malária apresentam ao direito mais fundamental e sacrossanto: o da própria vida humana. O exercício deste direito à vida é mais subtil no meio das populações que vivem nos países menos desenvolvidos do mundo; das populações devastadas pela guerra e pelos conflitos e a violência em vasta escala; das populações oprimidas pela discriminação racial ou étnica e pela migração forçada; e das populações que são vítimas do tráfico humano e da violência doméstica. Estas mesmas pessoas são muitas vezes igualmente vulneráveis à infecção, com um impacto familiar, social e económico mais vasto, produzido por estas três epidemias principais.

Tais enfermidades interferem também com a realização do reconhecido direito ao desenvolvimento, um direito que a Delegação da Santa Sé promoveu e defendeu em numerosas circunstâncias. Uma responsabilidade concomitante com este direito é a da promoção do bem comum. Desta maneira, os residentes dos países de alta e média rendas não podem contentar-se com a prevenção da propagação do Hiv/Sida, da tuberculose e da malária nos seus ambientes mais "privilegiados", ou pelo menos beneficiar do melhoramento da qualidade de vida e da diminuição dos efeitos que ameaçam a vida, derivantes de tais enfermidades para as pessoas já infeccionadas, sem mobilizar a solicitude e a acção concreta com e por aqueles que, nos países de baixa renda, actualmente vivem desprovidos do acesso a tais intervenções médicas e científicas.

Enquanto o lucro pode constituir uma motivação aceitável para as pessoas que se ocupam do desenvolvimento dos tratamentos médicos e dos instrumentos diagnósticos destinados à cura destas enfermidades, ele não pode ser o único factor que determina ou bloqueia o acesso aos mesmos, por parte de todas as pessoas que têm necessidade de tal tecnologia.

Por conseguinte, a Delegação da Santa Sé quer evocar as palavras do Papa João Paulo II por ocasião da Campanha contra a dívida externa, no Grande Jubileu do Ano 2000, em relação à existência de "uma "hipoteca social" sobre toda a propriedade privada, conceito que hoje deve ser aplicado também à "propriedade intelectual" e ao "conhecimento". A lei do lucro, por si só, não pode ser aplicada àquilo que é fundamental para a luta contra a fome, a doença e a pobreza" (2).

A Delegação da Santa Sé está convencida de que o direito à saúde, que é reconhecido e salvaguardado por diversos organismos internacionais entre outros, pela presente Comissão pelos vários governos nacionais e pelos grupos de fé e das comunidades de base, só será mais adequadamente realizado, quando a solicitude pela salvaguarda dos direitos de propriedade intelectual, legítima em si mesma, for considerada na perspectiva mais vasta da promoção do bem comum, da construção da solidariedade global e da prioridade à vida e à dignidade das pessoas mais vulneráveis do mundo, muitas das quais podem ser incluídas entre as que lutam contra a enfermidade e o profundo impacto socioeconómico do Hiv/Sida, da tuberculose e da malária.

Enquanto se sente encorajada pelos recentes esforços a nível mundial, em vista de promover uma acessível e ulterior oferta de tratamentos médicos e de instrumentos diagnósticos disponíveis, destinados à cura destas três enfermidades muitos dos quais serão oferecidos em colaboração com os serviços de assistência à saúde e ao desenvolvimento, patrocinados por várias organizações religiosas a Delegação da Santa Sé observa com grande lástima que:

- somente cerca de 7% das pessoas infeccionadas pelo Hiv/Sida, nos países em vias de desenvolvimento, e necessitadas da combinação de uma terapia anti-retroviral, actualmente estão a receber tais benefícios (3);

- apenas cerca de 5% de mulheres grávidas infeccionadas pelo Hiv/Sida têm podido aceder aos tratamentos médicos que previnem a transmissão da infecção aos seus filhos, e que um número muito inferior de tais mulheres podem beneficiar de um tratamento anti-retroviral permanente, do qual têm necessidade para sobreviver e para poder cuidar dos seus filhos (4);

- a tuberculose está a aumentar em numerosos países em vias de desenvolvimento e nas nações em que vigem economias de transição; e que os tratamentos médicos para a tuberculose, resistentes a muitas drogas, continuam a não ser disponíveis para um grande número de pessoas doentes;

- as taxas e os impostos determinados por certos países, mesmo sobre itens tão essenciais como os mosquiteiros oferecidos pelos doadores, muitas vezes privam as populações mais necessitadas de uma protecção contra a malária.

Como conclusão, a Delegação da Santa Sé exorta a uma atenção contínua e a uma acção efectiva, da parte desta Comissão e de toda a comunidade internacional, a fim de atingir as finalidades nos campos da assistência à saúde e do desenvolvimento, que hão-de abordar as necessidades e os sofrimentos humanos, produzidos pelas três epidemias do Hiv/Sida, da tuberculose e da malária.


NOTAS

1. Cf. HIV/AIDS, Tuberculosis and Malaria: The Status and Impact of the Three Diseases, Fundo mundial para a luta contra o Hiv/Sida, a tuberculose e a malária, 2005.

2. JOÃO PAULO II, Mensagem para a Campanha contra a dívida externa, por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 2 de Outubro de 1999, pág. 8.

3. Cf. HIV/AIDS, Tuberculosis and Malaria: The Status and Impact..., op. cit.

4. "3 by 5" Progress Report, Organização Mundial da Saúde e UNAIDS (Sessão Especial da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas sobre o Hiv/Sida), 2005.

 

 

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