SECRETARIA DE ESTADO INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 42ª SESSÃO DISCURSO DE D. GIAMPAOLO CREPALDI Nova Iorque, 11 de Fevereiro de 2005
Senhor Presidente! 1. Há quase dez anos, em Copenhaga, o Secretário de Estado da Santa Sé afirmou: "Uma sociedade que não está enraizada em valores sólidos, é uma sociedade sem sentido, privada do fundamento essencial sobre o qual ela se pode construir e estabelecer o desenvolvimento social desejado. Por isso, a Santa Sé alegra-se por que, depois da formulação dos princípios da Declaração deste Encontro, seja realçado o empenho de promover uma concepção de desenvolvimento social que seja 'político, económico, ético e espiritual'". 2. Sabemos que a partir de então, face à realidade das coisas e segundo um desejo razoável de eficiência, o conceito de desenvolvimento social perdeu esta qualidade de ser uma noção que engloba todos. Os responsáveis das nações assim como os especialistas quer trabalhem em instituições académicas ou em instituições internacionais dedicaram-se a uma tentativa da erradicação da pobreza que se baseia mais sobre a realização de resultados económicos medíveis. Isto é reflectido também em grande medida pelas perspectivas dos Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento (OMD), que são formulados com base em indicadores quantitativos. Mas, se por um lado, estes indicadores bem determinados e controláveis fazem parte do compromisso positivo da comunidade internacional neste sector, por outro correm o risco de fazer concentrar os esforços sobre a conclusão de resultados quantitativos a curto prazo em desvantagem da qualidade do trabalho para o desenvolvimento que exige, ao contrário, a paciência da partilha, da educação e da participação. 3. Por outro lado, é verdade que apesar dos sucessos indicados pelas estatísticas nos sectores do desenvolvimento social, por exemplo o da educação de base, determinadas regiões não só não alcançarão a finalidade de reduzir de metade as suas populações que vivem na pobreza extrema na data estabelecida pelos OMD, em 2015, mas alcançá-la-ão unicamente no espaço de um século e meio. É o caso, sobretudo, dos países da África Subsariana cujo crescimento do rendimento pro capite dos dois últimos decénios do século XX foi negativo: se por vezes a causa deve ser atribuída a um mau governo, nem sempre é assim. Como foi afirmado de maneira qualificada, certos países são prisioneiros da chaga da pobreza: demasiados pobres impedem o crescimento económico interno e, por conseguinte, o desenvolvimento, e ao mesmo tempo não atraem os investidores estrangeiros directos, porque estão desprovidos de infra-estruturas e de capital humano. Para que o seu desenvolvimento seja capaz de arrancar, eles precisam daquilo que foi definido "big push" nos investimentos públicos. 4. É preciso reconhecer que a comunidade internacional estuda cada vez mais as maneiras de imprimir este "big push", mas eles ainda não foram realizados. Em Monterrey, os países ricos comprometeram-se a dar efectivamente a ajuda pública ao desenvolvimento com 0,7% do seu Produto nacional (PNB). Mas também neste aspecto, é necessário não só que esta percentagem seja efectivamente atingida do que ainda estamos longe mas que seja consagrada directamente à eliminação da pobreza. De facto, no actual momento, metade da ajuda pública é destinada aos bens públicos globais, como por exemplo o estudo das mudanças climáticas, a luta ao terrorismo ou às pandemias, bens de importância fundamental, sem dúvida, mas que não têm impacto directo no melhoramento das condições de vida dos pobres e sobre as oportunidades para o seu progresso. Foram feitos progressos em relação à questão da dívida internacional dos países pobres, e é ainda necessário perseverar nos esforços por uma solução equitativa e definitiva. Mas é no âmbito das novas formas de financiamento que certos países doadores estão verdadeiramente para dar provas de imaginação e de boa vontade. A delegação que tenho a honra de dirigir aproveita esta ocasião para manifestar a sua satisfação a este propósito. Iniciativas como a International Finance Facility ou as aproximações através da fiscalização internacional merecem ser aprofundadas com uma atitude positiva e realista e, se for o caso, realizadas com solicitude. De facto, este big push, cujas economias dos países pobres têm necessidade com urgência, deve ser adicional, concessional, seguro e regular, quatro exigências insuperáveis respeitadas pelos mecanismos que acabei de mencionar. Por outro lado, para que este grande impulso seja eficaz, será necessário, nos países receptores, realizar estratégias adequadas de intervenções públicas que abranjam todos os sectores, cujos governos são directamente responsáveis e vigiar, ao mesmo tempo, pela melhoria do governo. 5. Para voltar ao ponto de partida da minha intervenção, gostaria agora de realçar o facto de que nos encontramos perante um verdadeiro desafio: trabalhar concretamente para a realização de resultados económicos positivos para eliminar a pobreza e salvaguardar, ao mesmo tempo, a concepção do desenvolvimento social que é a mesma de Copenhaga. Por conseguinte, desejaria propor em relação a isto algumas sugestões, umas de carácter mais pragmático e outras que realçam mais os valores e os princípios próprios da Igreja católica e a sua doutrina social. Gostaria de sublinhar em primeiro lugar que, a fim de obter o resultado esperado, é fundamental que os OMD sejam prosseguidos de maneira simultânea. A simultaneidade da sua realização significa, de facto, que se atribui a mesma importância e o mesmo valor a todos os aspectos da vida em comum. Em seguida, é necessário esclarecer os meios e os métodos de estudo das dinâmicas da pobreza. De facto, elas não beneficiam de instrumentos tão aperfeiçoados como aqueles de que dispõe o exame do estado de pobreza. Uma das causas deste fenómeno reside, por exemplo, na débil capacidade que os grupos desfavorecidos têm de fazer ouvir a sua voz. Existem instituições endógenas, quer se trate da comunidade camponesa ou da família alargada, que não são reconhecidas em certos esquemas institucionais. Elas vêem também a sua possibilidade de participação muito limitada. Onde está a sua opinião na elaboração dos quadros estratégicos de redução da pobreza? Seria necessário encontrar os caminhos e os meios para que a participação dos pobres no seu próprio progresso seja possível. Só um desenvolvimento social que parte de baixo terá raízes profundas e robustas. Por outras palavras, se é verdade que em várias ocasiões foi declarado, ao longo dos últimos decénios, que a erradicação da pobreza se tornou um imperativo moral, seria positivo, em vista da sua realização, considerá-la efectivamente como um bem público global e primário. Desta forma, será reconhecida a necessidade de despesas suplementares para enfrentar o fenómeno de free-riding que acompanha a pesquisa da satisfação de todos os bens públicos, quer nacionais quer internacionais. Por fim, todas as sugestões não darão frutos enquanto as condições morais não forem cumpridas. Trata-se da criação, a nível internacional, do sentido da justiça social que actualmente ainda não existe. Só respondendo às exigências da justiça social se poderá verdadeiramente estipular e tornar operacional esse "contrato social mundial" que foi tratado nos encontros internacionais depois da Declaração do Milénio ou do Consentimento de Monterrey. Para esta finalidade, é necessário superar as categorias do "interesse comum", do "proveito mútuo", nos quais actualmente se inspiram as políticas de ajuda ao desenvolvimento ou do financiamento ao desenvolvimento. É justamente nesta perspectiva que a vontade política necessária para realizar, por exemplo, as formas de financiamento enfrentadas pela fiscalização internacional, pode ser criada. Se no futuro imediato e sob um ponto de vista prático e razoável apresentar estes mecanismos como um sistema de fiscalização de financiamento, é preciso trabalhar para que eles sejam concebidos como expressão da justiça social internacional que tendem para estabelecer a igualdade entre os povos. Também a nível internacional, é necessário ter como finalidade o objectivo que é próprio dos rendimentos fiscais e da despesa pública nacional, isto é, que sejam "instrumentos de desenvolvimento e de solidariedade" (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 355). Por outras palavras, é necessário que, mesmo além das fronteiras nacionais, quem possui mais, quem dispõe de uma parte maior de bens e serviços comuns, se sinta responsável dos mais débeis e dispostos a partilhar com eles o que possuem (cf. Sollicitudo rei socialis, 39). Desta forma, encaminhar-nos-emos pela via que conduz à realização da "cidadania mundial", conferida a cada um devido à sua pertença à família humana, da qual fala o Papa João Paulo II na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano (n. 6).
|
|