HOMILIA DO CARDEAL ANGELO SODANO 28 de Junho de 1998
Senhor Patriarca de Lisboa e amados Concelebrantes «A toda a hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca (...) enaltecei comigo ao Senhor e exaltemos juntos o seu nome»: são palavras do Salmo 33, com as quais a solene liturgia desta Festa nos convida a louvar o Senhor e a dar-Lhe graças pela sua presença no meio de nós. Louvor a Deus pelo testemunho apostólico dado por São Pedro e São Paulo, que confirmaram com o sangue a pregação do Evangelho. Louvor a Deus pelas grandes figuras de Santos e Mártires que suscitou na Sua Igreja, ao longo de vinte séculos de história. Esta Santa Missa quer ser também louvor a Deus pela epopeia missionária realizada por tantos cristãos de Portugal que, sulcando os oceanos, levaram a Boa Nova de Jesus Cristo até às regiões mais distantes. Louvor a Deus pelo extraordinário dinamismo apostólico que distingue actualmente as novas Igrejas do Brasil, da África e da Ásia, nascidas ao longo destes quinhentos anos de sementeira do Evangelho. Louvor a Deus, enfim, pelo cuidado com que a Igreja portuguesa procura responder aos desafios que o início do terceiro milénio lhe traz, e descobrir os novos espaços humanos que esperam por um maior esforço evangelizador. 1. O empenho apostólico dos Santos Pedro e Paulo Neste empenho evangelizador servem- nos de exemplo os Apóstolos Pedro e Paulo. Foram os primeiros a partir anunciando o Evangelho de Cristo pelo mundo conhecido de então, inclusive sulcando as águas do Mar até chegarem às margens do rio Tibre, em Roma, tendo aí selado com o martírio o testemunho de Cristo. Todos os anos, no dia 29 de Junho, a Igreja reúne numa única celebração o martírio sofrido por Pedro na Colina do Vaticano, e por Paulo no lugar designado das «Três Fontes». Ouvimos na primeira leitura da Eucaristia a miraculosa libertação de Pedro, e o livro dos Actos dos Apóstolos descreve as viagens tormentosas que Paulo enfrentou. Sabemos que Pedro era pescador: geralmente não se assustava com as dificuldades do mar. Quanto a Paulo, não hesitou em atravessar as águas do Mediterrâneo sempre que o exigiram as suas viagens apostólicas; mas, quando era levado prisioneiro para Roma, a custo se salvou de uma furiosa tempestade, que fez encalhar o barco e o despedaçou ao largo da ilha de Malta; por Deus, os passageiros salvaram- se. 2. O espírito missionário dos portugueses Nestes dois Apóstolos, vemos representada toda aquela multidão imensa de missionários que, ao longo dos séculos, levaram o Evangelho até aos confins da terra. Como escreve na sua Carta aos Romanos (cf. 15, 24), São Paulo chegou a incluir nos seus planos apostólicos a evangelização da Península Ibérica, onde se pensava estar o «finis terrae». Mas, quanto fossem extensos tais confins da terra, ficaria estabelecido apenas com a gesta dos descobrimentos. Foram estes que deram ao Ocidente uma ideia realista do que era a face do orbe e do pouco que nele representava o mundo cristão. Sem este conhecimento experimental careceria, porventura, de sentido a visão mística de Santo Inácio de Loiola na qual lhe foi dado contemplar «toda a superfície e redondeza da terra e quantas almas nela jaziam nas trevas e se perdiam ». O novo horizonte da expansão portuguesa e espanhola proporcionou à evangelização missionária uma irradiação universal como nunca tinha acontecido nos quinze séculos anteriores da vida da Igreja. E quis Deus que, de entre os vários motivos que presidiram às descobertas, fosse exactamente o seu papel missionário a manter-se vivo e perene no presente. Desactualizaram-se as opções políticas, transformou-se a economia; mas a presença missionária, que gerou uma simbiose cultural inspirada no cristianismo, foi aquela que resistiu ao tempo, atravessou a história e é testemunhada hoje pelo menos nas 57 dioceses que tiveram origem a partir de Lisboa e nas 26 formadas a partir de Goa. Sei que numerosas efemérides comemorativas do nascimento de muitas delas têm sido ocasião para celebrações ao longo destes anos 90 com o termo previsto para o ano 2000, em que será celebrado o levantamento da primeira Cruz no Brasil. De muitos modos, pode-se constatar a extraordinária vitalidade dessas Comunidades irmãs, cujos cristãos se tornaram arautos do Evangelho entre vizinhos ou mesmo em terras distantes. De facto, se é admirável a expansão missionária efectuada a partir de Portugal europeu, igualmente extraordinária é também a que irradiou de Goa e de Cochim, de Macau e de Timor, de Malaca e de Singapura, de Angola e de Moçambique, de São Tomé e de Bissau, de Cabo Verde e do Brasil. 3. A fé dos pescadores Por todo o lado ressoa hoje a mesma confissão de Pedro: «Ó Senhor, Tu és o Messias! Ó Senhor, Tu és o Filho do Deus vivo». Estas palavras não são invenção humana, como Jesus explicou a Simão Pedro: «Não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus» (Mt 16, 17). Simão Pedro recebeu-as do Pai, nós recebêmo-las de Pedro e, assim, passando de mão em mão, o Pai do Céu quer fazer chegar a Boa Nova da Redenção a toda a criatura. Um dia Jesus exclamou, para quem quisesse ouvir: «Se alguém tem sede venha a Mim e beba! Do seio daquele que acredita em Mim, correrão rios de água viva» (Jo 7, 37). Esta «água viva» não é propriedade de ninguém, ou melhor, só a possui verdadeiramente quem, tendo-a encontrado, por sua vez a dá. Amados irmãos e irmãs, muitos de vós deixaram, nestes dias, as suas fainas diárias e as suas casas, e vieram com os seus barcos, os Santos da sua devoção e o testemunho da sua fé cristã, para prestarem juntos a sua homenagem a São Pedro pescador e Àquele que hoje é o seu Sucessor em Roma, João Paulo II. Trago de Roma a saudação afectuosa do Santo Padre para todos vós aqui presentes e, de modo especial, para quantos recolhem no mar a bênção de Deus para a mesa dos homens. Obrigado pela vossa fé! Obrigado pela solidariedade com que viveis as horas difíceis e às vezes trágicas da vossa vida! O meu sentido «obrigado » às vossas famílias que de longe vos acompanham e guardam na sua oração! 4. A necessidade de remar Amado povo do mar, a Virgem Mãe te guie como Estrela boa e segura ao longo de todas as marés! Que Ela guarde na vossa alma o tesouro maior, que é o fruto do seu ventre sagrado, Jesus! A vossa presença aqui é expressão dos sentimentos cristãos que vos animam. Como eu disse, só possuímos o que damos! Não é assim com o peixe que apanhais e vendeis Abandonado nos cabazes, de nada vos serve... Serve-vos só quando o passais a outrem. Que a vossa fé irradie ao vosso redor, iluminando a família e a sociedade, em todos suscitando uma santa «inveja» da felicidade eterna. Mantende viva a vossa fé em Cristo, amai a Igreja de que sois membros activos. À semelhança do que Cristo disse a Pedro, repito a todos: Sede pescadores de homens. Sobre a barca da Igreja todos nós devemos remar. Ninguém se pode limitar a ser espectador. «Toda a Igreja é chamada a evangelizar; no seu grémio, porém, existem diferentes tarefas evangelizadoras que hão-de ser desempenhadas. Tal diversidade de serviços na unidade da mesma missão é que constitui a riqueza e beleza da evangelização» (Evangelii nuntiandi,66). 5. As diversas responsabilidades Os primeiros responsáveis pela missão evangelizadora são os Sucessores dos Apóstolos, a saber, os Bispos, com os presbíteros seus cooperadores. Também hoje, na vanguarda desta obra, estão os Bispos, os sacerdotes e tantos religiosos e religiosas de Portugal. Apraz-me mencionar aqui os cerca de 900 missionários e os mais de 100 leigos portugueses comprometidos com a missão em mais de 52 países do mundo. Eles fizeram-se ao largo; não deixemos de os acompanhar, fazendo-lhes sentir a nossa solidariedade de todas as formas possíveis. Uma particular bênção do Santo Padre para todos. 6. Conclusão: Venha o vosso Reino! Todos unidos avançaremos assim no nosso compromisso apostólico a favor da vinda do Reino de Cristo. Rezemos e trabalhemos todos para isso. Esta é a nossa vocação: «Adveniat Regnum Tuum»! Devemos trabalhar até vir o Senhor. Irmãos e irmãs! Na segunda leitura, ouvimos que São Paulo, sentindo a morte próxima, escrevia ao seu discípulo Timóteo: «Chegou o momento de içar as velas... e partir». E conclui: «Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé» (cf. 2 Tim 4, 6-7). Assim possa suceder connosco. Amém.
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