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SECRETARIA DE ESTADO HOMILIA DO CARDEAL ANGELO SODANO, LEGADO PONTIFÍCIO, AO FUNERAL DA MADRE TERESA 13 de Setembro de 1997 Queridos Irmãos e Irmãs no Senhor Ilustres Autoridades da Índia e do mundo inteiro Missionárias da Caridade enlutadas Chegou a hora de darmos o derradeiro adeus à saudosa Madre Teresa. Viemos aqui de muitas partes do mundo para demonstrar o nosso afecto e gratidão, e para lhe prestar a devida homenagem. Do arrefecido ataúde a inesquecível e querida Madre continua a falarnos, e parece repetir-nos as palavras do Senhor: «Há mais felicidade em dar que em receber!» (Act 20, 35). 1. Aqui está o âmago do Evangelho, a mensagem evangélica do amor de Deus por nós, Suas criaturas, e do nosso amor por Ele ÂÂ um amor que se deve tornar real e efectivo nos nossos relacionamentos mútuos. A Madre Teresa de Calcutá compreendeu plenamente o Evangelho do amor. Compreendeu-o com todas as fibras do seu espírito indómito e com cada partícula de energia do seu frágil corpo. Praticou-o com todo o seu coração, mediante o trabalho quotidiano das suas mãos. Ultrapassando as fronteiras das diferenças religiosas, culturais e étnicas, ensinou ao mundo esta lição necessária e salutar: «Há mais felicidade em dar que em receber!». 2. No termo de um século que conheceu terríveis extremos de escuridão, a luz da consciência não se extinguiu completamente. Santidade, bondade, amabilidade e amor ainda são reconhecidos quando se manifestam no palco da história. O Santo Padre João Paulo II deu voz àquilo que inúmeras pessoas de todas as condições viram nesta mulher de fé inabalável: a sua extraordinária visão espiritual, o seu amor solícito e abnegado a Deus em cada pessoa que encontrava, o seu absoluto respeito pelo valor de cada vida humana e a sua coragem de enfrentar tantos desafios. Sua Santidade, que conhecia muito bem a Madre Teresa, deseja que esta cerimónia fúnebre seja uma grandiosa oração de agradecimento a Deus por a ter dado à Igreja e ao mundo. 3. A história da vida da Madre Teresa não é apenas uma mera empresa humanitária, como ela mesma teria sido a primeira a declarar. É uma história de fé bíblica. Esta só pode ser explicada como uma proclamação de Jesus Cristo ÂÂ usando as suas próprias palavras ÂÂ «amando-O e servindo-O na aparência sofredora dos mais pobres entre os pobres material e espiritualmente, reconhecendo neles e restituindo-lhes a imagem e a semelhança de Deus» (Constituições das Missionárias da Caridade, I, 1). Houve quem dissesse que a Madre Teresa poderia ter feito mais para combater as causas da pobreza no mundo. Ela estava consciente desta crítica e, encolhendo os ombros, parecia dizer: «Enquanto continuais a discutir sobre as causas e as explicações [da pobreza], ajoelhar-me-ei ao lado dos mais pobres entre os pobres e atenderei às suas necessidades». Os mendigos, os leprosos e as vítimas da SIDA não precisam de debates e de teorias; eles têm necessidade de amor. Os famintos não podem esperar que o restante do mundo encontre a solução perfeita; eles têm necessidade da solidariedade efectiva. Os moribundos, os portadores de defiências e os nascituros inermes ÂÂ que não são tidos em consideração nas ideologias utópicas, as quais particularmente nos últimos duzentos anos procuraram forjar um mundo perfeito ÂÂ têm necessidade de uma amorosa presença humana e de uma mão solícita. A herança espiritual que a Madre Teresa nos deixa está totalmente inserida nas palavras de Jesus, contidas no Evangelho de Mateus: «Em verdade, em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um dos menores dos Meus irmãos, foi a Mim que o fizestes» (25, 40). No silêncio, na contemplação e na adoração devota diante do Tabernáculo, ela aprendeu a ver o autêntico rosto de Deus em cada ser humano sofredor. Na oração, descobriu a verdade essencial que está na base da doutrina social da Igreja e da sua obra religiosa e humanitária, em todos os tempos e em cada um dos recantos do mundo: Jesus Cristo, o Verbo que Se fez carne, o Redentor da humanidade, quis identificar- Se com cada pessoa, em particular com os pobres, os doentes e os necessitados ÂÂ «foi a Mim que o fizestes». 4. A Madre Teresa de Calcutá acendeu uma chama de amor que agora as suas filhas e os seus filhos espirituais, as Missionárias da Caridade, devem levar adiante. O mundo tem imensa necessidade da luz e do calor desta chama. A homenagem que agora estamos a tributar à memória desta humilde religiosa, cujo grande amor pela Índia e por esta cidade de Calcutá não a tornou menos cidadã do mundo, será vã se nós ÂÂ crentes, homens e mulheres de boa vontade em toda a parte ÂÂ não continuarmos a partir do ponto onde ela parou. Os pobres ainda estão connosco! Dado que são o reflexo do Filho crucificado de Deus, eles devem estar no centro da nossa solicitude pessoal, da nossa acção política e do nosso compromisso religioso. No domingo passado, na oração do «Angelus», o Santo Padre recordou a Madre Teresa com as seguintes palavras: «O fruto da oração é a fé, o fruto da fé é o amor, o fruto do amor é o serviço e o fruto do serviço é a paz!» (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 13 de Setembro de 1997, pág. 1). Comecemos a melhorar o mundo dirigindo-nos em humilde oração a Deus, Criador de tudo o que existe. Renovemo-nos na fé! O nosso coração esteja repleto de amor genuíno! Cada um faça pessoalmente algo de útil e de empenhativo a favor de quem se encontra em necessidade! Somente quando aprendermos a ver o próximo como nossos amados irmãos e irmãs, independentemente de quão diferentes e distantes estejam de nós, a humanidade aprenderá os caminhos da paz. Então, deveras teremos feito «algo de belo para Deus». Enquanto confiamos a nossa irmã à sua recompensa celestial, oxalá todas as pessoas que admiraram esta mulher extraordinária se empenhem no sentido de aprender a exigente lição que ela ensinou ao mundo, uma lição que é também a vereda rumo à nossa felicidade humana: «Há mais felicidade em dar que em receber!». 5. Querida Madre Teresa, o consolador dogma da comunhão dos Santos permite-nos sentir-nos ainda mais próximos de ti. A Igreja inteira agradece-te o luminoso exemplo e promete fazer dele a sua própria herança. Hoje, em nome do Papa João Paulo II que me enviou aqui, dirijo-te o derradeiro adeus terrestre e, em seu nome, agradeço-te tudo o que fizeste pelos pobres do mundo. Eles são os predilectos de Jesus. São inclusivamente os predilectos do nosso Santo Padre, Seu Vigário na terra. É em seu nome que deposito sobre o teu ataúde a flor da nossa mais profunda gratidão. Querida Madre Teresa, descansa em paz! |