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 Pontifical Council for the Pastoral Care of Migrants and Itinerant People

People on the Move

N° 111 (Suppl.), December 2009

 

 

caridade e serviço PARA OS que trabalham

na rodovia e ferrovia

 

 

 

Revdo. Pe. Marian Litewka, cm

Membro da Equipe de Pastoral rodoviária

Brasil

A.- Fundamentação eclesial (documento de Aparecida e comentários)

“A diversidade de carismas, ministérios e serviços, abre o horizonte para o exercício cotidiano da comunhão, através da qual os dons do Espírito são colocados à disposição dos demais para que circule a caridade (cf. 1Cor 12,4-12). De fato, cada batizado é portador de dons que deve desenvolver em unidade e complementaridade com os dons dos outros, a fim de formar o único Corpo de Cristo, entregue para a vida do mundo” [Documento de Aparecida - DA, 162].

É importantíssimo que a caridade circule também pelas ruas, estradas e ferrovias, a fim de que todos os chamados por Deus possam tornar-se o único Corpo de Nosso Senhor (discípulos de Cristo).

Mas (perguntas a seguir são de São Paulo - Rm 10,14-15) “como poderão invocar aquele no qual não acreditaram? Como poderão acreditar se não ouviram falar dele [como poderão tornar-se discípulos de Cristo]? Como poderão ouvir se não houver quem o anuncie? Como poderão anunciar se ninguém for enviado?”.

Essas indagações de São Paulo estão na base de toda ação missionária da Igreja e das vocações missionárias. Igualmente, elas estão na base de toda e qualquer ação missionária da Igreja que se queira desenvolver nas ruas, estradas e ferrovias.

No entanto, alguém poderia argumentar, as pessoas que estão (ou trabalham) nas ruas, estradas e ferrovias não têm como ouvir a Palavra de Deus, p.ex., nas suas comunidades paroquiais? É claro que sim! Mas a vida moderna processa-se em vários ambientes e é necessário que a pregação do Evangelho atinja pessoas em todos esses ambientes, que dê sentido à vida delas em diversas situações (também no trabalho profissional). É importante que a fé seja vivida integralmente em qualquer ambiente! Caso contrário, o povo seria condenado a viver um tipo de esquizofrenia religiosa (p.ex., em casa, um homem acompanha a família e reza junto; no trabalho, acompanha colegas e debocha de Deus).

Para completar: diz DA [120] que “o discípulo e o missionário, [...], promovem a dignidade do trabalhador e do trabalho, o justo reconhecimento de seus direitos e de seus deveres, desenvolvem a cultura do trabalho e denunciam toda injustiça”. É um ótimo projeto (baseado no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja), pelo qual vale a pena lutar no transporte rodo e ferroviário. 

B. – Fundamentação bíblica e comentários

O conceito da caridade pastoral tem dois aspectos:

1) o socorro aos necessitados (paradigma do Bom Samaritano);

2) o serviço humilde à comunidade (“Quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão, porque eles estavam como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar muitas coisas para eles” [Mc 6,34]).

Mas tanto um como o outro dos aspectos, exigem uma atitude pastoral-missionária de sair ao encontro... Isso é o cerne da caridade pastoral e missionária.

Sintonizando com o principal do Documento de Aparecida (DA), o diálogo entre “ser discípulo” e “ser missionário” de Jesus Cristo, podemos dizer que: “ser discípulo” é uma atitude de FÉ, e “ser missionário” é uma atitude de caridade. Dentro desse entendimento, o sair ao encontro é uma atitude da caridade pastoral e missionária.

O primeiro aspecto da caridade pastoral e missionária (socorro aos necessitados), que será apresentado nos outros dias deste Encontro Continental, segue, em geral, o esquema: busca - acolhida fraterna - socorro - promoção. Digo que será apresentado nos outros dias deste Encontro, mas pode ser incluído também hoje (o que tentarei fazer no fim da presente exposição).

O segundo aspecto (serviço humilde à comunidade) segue o esquema: buscar (ou inserir-se na realidade) - colocar-se à disposição - ser aceito - servir. Este segundo aspecto (caridade e conseqüente SERVIÇO aos prestativos do transporte rodo e ferroviário) é o tema da nossa reflexão de agora. – Para não ficar apenas na teoria, vou passar a contar a experiência concreta de um trabalho pastoral nas estradas. 

C.- Metodologia pastoral à base da experiência concreta (pastoral rodoviária no Brasil)

a] Início e idéia-mestra: A Pastoral Rodoviária no Brasil teve início no ano de 1976. É um serviço religioso para profissionais do transporte e de serviços ligados a ele, visando principalmente os caminhoneiros. Há, no Brasil, cerca de 1.500.000 caminhoneiros (é um número aproximado, devido ao fato de que todas as estatísticas oficiais estejam bastante falhas).

Por ser um trabalho pastoral inédito (ao menos no Brasil), não havia parâmetros anteriores para ação concreta. Era necessário experimentar de tudo, num sistema de acerto-erro. Uma idéia, porém, ficou bem clara: precisava estar presente na estrada, participar da vida do pessoal do transporte e dos serviços rodoviários, e tentar ajudá-lo pela Boa Nova da Palavra de Deus.

b] Objetivo: É valorizar, pelo Evangelho, a quem vive e trabalha no ambiente rodoviário (bem de acordo com o DA [120-122]), é estar presente no meio do povo, e é marcar a presença da Igreja nas estradas. “O povo unido, pela força de Deus, jamais será vencido!” – é o lema da Pastoral Rodoviária.

c] Símbolo: O Bispo Diocesano de Ponta Grossa-PR, Dom Geraldo Micheletto Pellanda (hoje já falecido), impressionado com o volume de caminhoneiros que transitavam pela região de Ponta Grossa-PR, perguntava-se sobre o como levar o Evangelho a esses trabalhadores da estrada. Em 1965, estando em Roma, Dom Geraldo mandou fazer a cópia da imagem de “Madonna della Strada” (da igreja del Gesú) em cimento armado e a trouxe para o Brasil, pensando em alguma forma da ação pastoral voltada para o povo em trânsito. – A imagem brasileira de Nossa Senhora da Estrada, distribuída em várias formas (decalcoplásticos, estampas, etc.), nas estradas do Brasil, tornou-se o símbolo da Pastoral Rodoviária mais querido e procurado por todos.

d] Método usado: Visitas a postos de combustíveis, restaurantes rodoviários e lanchonetes, oficinas mecânicas, borracharias, postos de polícia rodoviária, e outros estabelecimentos ligados ao transporte. Tudo isso, para criar amizade, levar mensagens do Evangelho, conversar, oferecer lembranças, agendar missas, etc. No fim do dia (e da viagem diária), em geral, acontece a missa previamente agendada, denominada Missa Rodoviária ou dos Motoristas, no pátio (ou dentro) de um estabelecimento rodoviário. A Missa nos ambientes de trabalho rodo e ferroviário é importantíssima, porque – citando as palavras do Papa Bento XVI, incluídas no DA [128] – “só da Eucaristia brotará a civilização do amor que transformará a América latina e o Caribe para que, além de ser o Continente da esperança, seja também o continente do amor!”.  

D.- Situação atual da experiência concreta (pastoral rodoviária no Brasil)

a] O perfil das pessoas com quem trabalhamos: Os trabalhadores do transporte e dos serviços rodoviários são gente honrada e de muita fé. Na vida do caminhoneiro, o importante é Deus e a família. Das dificuldades enfrentadas pelos caminhoneiros, podemos apontar as que se referem à carga a ser transportada, pagamentos, estradas, distâncias, excesso de trabalho, saúde, convivência, e outros. O desafio maior, porém, é a solidão e o tempo vivido longe da família.

b] A equipe da pastoral rodoviária: Atualmente, os agentes prestativos da equipe são 3 padres vicentinos: o Padre Miguel Staron, C.M. (desde 1993), o Padre Germano Nalepa, C.M. (desde 1996) e eu. Durante 8 anos (1988-96), trabalhou conosco o Padre Zé-da-Estrada (Pe. José Carlos Chacorowski, C.M.). De 1983 até 1996, trabalharam também – continuamente e com heroísmo – irmãs da congregação de Religiosas Missionárias de Nossa Senhora das Dores. Eu (na Pastoral Rodoviária desde o início) estou agora de licença médica, em tratamento de saúde. – Trabalhamos em todo o território nacional. Passamos aproximadamente 230 dias por ano na estrada; a viagem diária corresponde a 100-300 km, em média. Desde 1981, usamos de caminhões-capelas para o nosso serviço.

c] Colaboradores leigos: Desde o início, contamos com auxílio de voluntários leigos, com maior ou menor envergadura de sua colaboração. O fundamental para nós foi encontrar pessoas que nos aceitaram no ambiente da estrada, apoiaram o nosso trabalho, ajudaram a corrigi-lo com suas sugestões e críticas (isso acontece continuamente nestes 32 anos da Pastoral Rodoviária).

d] Caridade missionária na estrada: Como acontecia com a Mãe de Jesus Cristo, também os missionários da estrada prestam e recebem serviços da caridade fraterna, numa contínua interação, sob a influência do Espírito Santo. Crescem na fé junto com o Povo Rodoviário.

O próximo passo deve ser: engajar os cristãos leigos da estrada no serviço da caridade missionária. Imaginem (como diria John Lennon): 1.500.000 missionários girando por todo o Brasil. Mas sejamos mais realistas: 150.000, ou até apenas 15.000, isso já seria sinal de uma estupenda graça de Deus...

e] Como se sustenta a pastoral rodoviária:

1.- Ajuda de alguns dos Srs. Bispos;

2.- Auxílio substancial da AÇÃO “ADVENIAT”

     (da Alemanha);

3.- O sustento principal e fundamental vem do Povo Rodoviário e dos participantes das Missas dos Motoristas.

f] Alguns detalhes: Pastoral Rodoviária no Brasil dispõe de um website www.pastrodo.com.br. – Temos à disposição um data-show que ilustra o nosso trabalho. – Em abril deste ano 2008, foi lançado, no Brasil, um filme comercial (“O Sal da Terra”) baseado na nossa experiência. 

E.- Alguns desafios pastorais nas Américas:

 

1) Pastoral Rodoviária (exemplo: Brasil);

2) Campanhas de promoção da vida e da fraternidade nas ruas e estradas (a desenvolver);

3) Semana de Trânsito (p.ex., no Brasil, Semana Nacional de Trânsito, 18-25/09/08, com o tema: “criança no trânsito”);

4) Pastoral Ferroviária (a desenvolver);

5) [Pastoral Aeroviária (exemplo: Bogotá)];

6) Pastoral de Taxistas (exemplo: Canadá);

7) Pastoral de Moto-boys (a desenvolver);

8) [Pastoral de usuários de metrô, ônibus urbanos e ferrovias (a desenvolver)];

9) Pastoral de Pedestres (“Nós criamos rodas, mas Deus criou os nossos pés”) – a desenvolver;

10) [Pastoral de Romeiros (sugestão de um leigo) – a desenvolver].

 

F.- Um esboço de projeto referente aos andarilhos nas estradas

1) Destinatários: andarilhos

  1. Pobres que giram pelas estradas, movidos pela compulsão psíquica, ou... (a personagem do andarilho do filme “o sal da terra”);
  2. Pobres que se deslocam a pé (por não terem dinheiro para pagar as passagens de ônibus e não conseguem caronas nos caminhões e automóveis) por extensos trechos das estradas, às vezes centenas de quilômetros;
  3. Tipos marginais, o que muitas vezes não significa que estejam à margem da lei, mas que estejam à margem da vida, ou da sociedade global.

2) Objetivo: proporcionar aos andarilhos um tratamento humano digno e fraterno nas etapas do seu caminho.

3) Como é a situação atual: os andarilhos

  1. São mal-vistos nos pátios de estabelecimentos rodoviários (por temor de que desagradem à freguesia normal), algumas vezes, barrados ou enxotados brutalmente;
  2. Dormem muitas vezes ao relento, com frio, nos gramados de canteiros, nos bosques vizinhos, ou em todos os “buracos” imagináveis; quando chove, às vezes, dormem no chão dos sanitários; como cama, serve-lhes o chão duro, raras vezes cobertos com papelão; para se cobrirem, contam com os próprios trapos, ou folhas de jornais, pedaços de papelão, pouquíssimas vezes usam algum cobertor;
  3. Quanto à comida, os restaurantes e lanchonetes não lhes negam a caridade, mas, em geral, para comer, são lhes servidos restos que sobram de almoço ou jantar; às vezes, alguma pessoa bondosa lhes paga a refeição normal;
  4. Quanto à carona, é difícil que um andarilho a consiga (o temor de assaltos na estrada exclui os andarilhos como possíveis caroneiros; neste ponto, caminhoneiros são mais corajosos e fraternos). 

4) Como seria possível reverter a situação atual?

  1. Mentalizar e conscientizar a quem trabalha nos estabelecimentos rodoviários e no transporte sobre a atitude cristã perante andarilhos;
  2. Construir num lugar apropriado da área dos estabelecimentos rodoviários uma casa de pernoite para andarilhos e mantê-la higienizada, bem como provida do necessário para um descanso digno;
  3. Quanto à comida e à carona, aceitar o sistema vigente, com alguns melhoramentos possíveis;
  4. Exemplo: A iniciativa de um posto de combustível no Município de Guarapuava-PR.

5) Quem poderia ser agente da reversão proposta?

  1. A equipe da Pastoral Rodoviária: para deslanchar o processo todo;
  2. Os proprietários dos estabelecimentos rodoviários: para aceitação da proposta, outras licenças, etc.;
  3. Os funcionários dos estabelecimentos rodoviários: é importante que os pobres ajudem outros mais pobres do que eles;
  4. Família Vicentina, pastorais sociais, organizações caritativas de diversos tipos, etc.;
  5. Todas as pessoas de boa vontade.

 

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