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PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA

IV ENCONTRO MUNDIAL DAS FAMÍLIAS EM MANILA

DISCURSO DO CARDEAL ALFONSO LÓPEZ TRUJILLO
 NA INAUGURAÇÃO DO IV ENCONTRO MUNDIAL
DAS FAMÍLIAS 

 


Em.mo Cardeal Jaime Sin,
Arcebispo de Manila
Ilustres Delegados
Senhoras e Senhores

Tenho a grande honra de vos saudar em nome do Santo Padre. Foi João Paulo II que, em nome de Cristo, nos reuniu. Ele é o Papa da Família e da Vida. O seu particular amor por esta grande causa, que é a família, e tudo o que ele realizou e fez pela família, é o seu dom à Igreja e ao mundo. O seu profundo Magistério guia-nos e ilumina-nos. O seu entusiasmo e dinamismo, como defensor da família e da vida, desperta-nos, no meio dos desafios, para a esperança.

O Santo Padre João Paulo II convocou a Igreja a fim de que se empenhe a fundo neste urgente e exigente dever de evangelização, que recolhe, num espírito de novidade, o conteúdo da Evangelii nuntiandi e relança a comunidade dos crentes perante os novos desafios.

A Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi de Paulo VI (8 de Dezembro de 1975) é o fruto amadurecido depois do Sínodo sobre a Evangelização. Trata-se, com certeza, do mais importante entre os documentos relativos aos Sínodos dos Bispos e aquele que teve mais impacto e influência.

O Santo Padre João Paulo II fala da Nova Evangelização, que é nova no seu ardor, nos métodos e novas expressões. Vejamos, agora, como isto diz respeito à família.

a) Nova no seu ardor

A presença renovada do Espírito, que revigora e volta a criar todas as coisas, é necessária:  "Flecte quod est rigidum, fove quod est frigidum, rege quod est devium" (Dobra o que é rígido, aquece o que está frio, orienta o que está desviado). Um ardor evangelizador que vem do ímpeto do Pentecostes e que passa através do Concílio, sustentado pela certeza da Palavra de vida e pela paixão de um anúncio renovado. A este respeito torna-se útil citar o n. 47 da Novo millennio ineunte"Deve ser assegurada também uma especial atenção à pastoral da família, ainda mais necessária na época actual, que regista uma crise generalizada e radical desta instituição fundamental. Na visão cristã do matrimónio, a relação entre um homem e uma mulher relação recíproca e total, única e indissolúvel corresponde ao desígnio original de Deus que, ofuscado na história pela "dureza do coração", foi restabelecido no seu esplendor primordial por Cristo, mostrando o que Deus quis "ao princípio" (Mt 19, 8). No matrimónio, elevado à dignidade de Sacramento, está expresso o "grande mistério" do amor esponsal de Cristo pela sua Igreja (cf. Ef 5, 32). Sobre este ponto, a Igreja não pode ceder às pressões de determinada cultura, ainda que generalizada e, por vezes, agressiva".

Os cristãos, sobretudo os lares, devem irradiar alegria e iluminar como lava incandescente, próxima do centro do fogo de amor que é Deus. Afastados de Deus (pela secularização), tudo se torna como lava arrefecida, segundo a bela expressão de Hans Urs von Balthasar(1).

b) Nova nos seus métodos

Em toda a parte, no âmbito da evangelização, a Igreja mostrou uma grande criatividade. A expressão "métodos" é, em si mesma, ampla e eles devem estar ao serviço da penetração do Evangelho à maneira de sal e fermento na sociedade. Será necessário descobrir e enriquecer diversos métodos nas múltiplas e bem sucedidas experiências nas dioceses, nas paróquias e nos movimentos apostólicos. Eles crescem, reforçam-se e oferecem, no campo da família e da vida, uma variedade estimulante, com diversos carismas.

c) Nova nas suas expressões

Estamos a enfrentar o complexo tema da linguagem:  "O próprio Cristo nos pede para proclamar a Boa Nova com uma linguagem que torne o Evangelho cada vez mais próximo das novas realidades culturais de hoje...". Temos em frente uma variedade de ambientes (por exemplo urbanos, rurais) e uma nova cultura que se vai impondo; uma questão especial é representada pela passagem da cultura da palavra para a da imagem e, em geral, tudo aquilo que deriva do progresso dos meios de comunicação que modelam uma "forma mentis" e nos quais a Igreja não pode estar ausente.
A pastoral da família e da vida deve procurar uma linguagem adaptada a um diálogo caracterizado pela proximidade, empenhado na verdade, que faça sentir a simpatia, a sensibilidade, o compromisso e a responsabilidade perante os dramas, as tensões e os conflitos numa Igreja Mãe que, pelo facto de ser mãe, não oculta a verdade e a vontade de Deus.

Parte da renovação criativa da pastoral da família e da vida (num Evangelho inseparável da missão da família, uma vez que a vida faz parte da procriação) olha para as estruturas nas Comissões das Conferências Episcopais e nas Dioceses, para dar impulso a uma pastoral orgânica na qual seja reconhecida a centralidade da família e a sua presença nas diversas dimensões da pastoral. Deve existir uam organização funcional. Um ponto de particular importância é a preparação dos Agentes de Pastoral. Felizmente, estão a multiplicar-se os Centros e os Institutos para a preparação académica e pastoral.

A nova Evangelização e a missão ad gentes comportam um desafio para a Igreja de hoje. As famílias cristãs, evangelizadas e evangelizadoras, têm um lugar privilegiado na vida das comunidades cristãs, seja dos povos de antiga tradição, seja também dos mais recentemente evangelizados.

Num ambiente de secularismo cada vez mais extenso, que tem a forma de um neopaganismo, não só se torna difícil acreditar e aderir pessoalmente às verdades sintetizadas no símbolo da fé ou ensinadas pela Igreja, como também é difícil transferi-las para o âmbito da vida. A Nova Evangelização, na realidade, parte desta ruptura em que está, frequentemente, ausente uma espontânea e serena integração entre a fé e a vida como, pelo contrário, acontece normalmente, onde tudo é penetrado por uma cultura cristã definida.

São introduzidos novos estilos de vida derivados de uma série, pelo menos implícita, de opções incompatíveis com um universo cristão e feitas em nome de um pluralismo que conduz à imposição e aceitação do códigos éticos que divergem dos valores cristãos.

A síntese incisiva da bem conhecida Carta a Diogneto diz:  "Os cristãos, de facto, não se diferenciam dos outros homens nem pelo território nem pela línguagem ou hábitos... Casam-se como todos, geram filhos, mas não expôem os recém-nascidos. Têm a mesa em comum, mas não o leito (2)". Não encontramos neste passo uma bela e sugestiva síntese  do  Evangelho  da  família e da vida?

A família deve tornar-se uma atraente testemunha da sua identidade, fundada sobre a comunidade de amor e de vida (totius vitae) entre um homem e uma mulher, na doação recíproca e total. A totalidade da doação mútua dá um fundamento e significado às características daquela comunhão:  a totalidade da doação exige e exprime a fidelidade e a exclusividade; trata-se de uma comunhão fecunda, aberta ao dom da vida, segundo a sua missão de procriação integral, não só biológica, mas que exige a educação, no "útero espiritual" (3) representado pela família, sobretudo nos primeiros anos de vida da criança. Introduzir uma separação entre os significados unitivo e procriativo (cf. Humanae vitae, 10 ss.) é também uma traição ao amor, pois que é como que uma limitação à doação recíproca, completa e total, que exige a estabilidade da comunhão até à morte.
Estes aspectos são hoje fortemente enriquecidos por uma reflexão teológica e estão, também, vinculados à rica nascente que é preciso explorar a fundo na mútua doação, sob o signo da ternura.

A Nova Evangelização exige que as famílias se organizem, se mobilizem, se façam responsavelmente presentes no campo da política, na procura das verdadeiras políticas familiares.

Um aspecto importante dessa políticas refere-se à orientação e oportunas correcções de que têm necessidade os meios de comunicação, em particular a televisão que entra, como uma intrusa, no interior das famílias, comprometendo o direito de os pais educarem.

As famílias, através de um diálogo franco com os políticos e os legisladores, devem chamar à responsabilidade, devem exprimir o seu desacordo e a sua oposição, na tentativa de tutelar a dignidade do amor e o direito à vida. Em proporção, são inúmeras as famílias que se mantêm fortes na sua missão, mesmo nos países mais atingidos pelas crises que enfraquecem a família.

A Nova Evangelização deve levar a uma conversão pessoal e social que se traduz num estilo de vida, segundo a vontade de Deus, na igreja doméstica.

Assiste-se, hoje, a não poucas conversões de pessoas que deram conta de que o afastamento da verdade degrada e destrói. Muitos inquéritos, em diversos países, mostram como os jovens, numa percentagem significativa, desejam formar uma família estável, digna, na qual se possam realizar como pessoas. É esta conversão que passa através do reconhecimento de que a família, formadora de pessoas, desenvolve uma mediação social que ainda não acabou nem acabará. Seguindo este itinerário de personalização, guiados pelos pais, chega-se a descobrir Deus como Pai. Ninguém é capaz de amar como Ele. Descobrir Deus na família, na dinâmica transmissão da fé, no lar, significa crescer como cristãos e impor a destruição dos ídolos que o secularismo fabrica sem tréguas, com dificuldade e de modo confuso.

Conclusão

Vivemos num momento de grandes desafios. Nalgumas regiões, a secularização tentou desenraizar a cultura cristã, enfraquecer as famílias e conspirar contra a santidade da vida humana.

Existem, todavia, motivos para uma sólida esperança. O ensino e o forte exemplo do Papa João Paulo II conduzem a Igreja e a humanidade para garantir o futuro da família. O nosso entusiasmo cristão tem muitas bases:  milhões e milhões de famílias fiéis, felizes da sua vocação, nesta maravilhosa nação cristã, as Filipinas, e em todo o mundo. As Conferências Episcopais e as dioceses reconhecem a absoluta prioridade pastoral e a centralidade da família. O compromisso evangelizador das paróquias e dos movimentos está em crescimento e é impetuoso como a lava incandescente.

A alegria e a dedicação de todos aqueles que estão aqui presentes é uma prova em que vós acreditais e que vós próprios ofereceis para difundir esta maravilhosa notícia que é a família cristã! O futuro está nas mãos de Deus e o Senhor da família acompanha-nos ao longo do caminho.


Notas

1) "O elemento cristão deve sempre fluir, mesmo historicamente, de um centro vivo incandescente para se derramar no mundo que o rodeia:  de lava resfriada, ao redor, há sempre abundância. O cristianismo liberalizado e desdogmatizado permanece sempre uma luz irradiada cada vez mais distante que se divide a partir do centro, mas não tem a capacidade original do seu testemunho. Esta última é prerrogativa do círculo mais interno que se dispõe imediatamente à volta do evento do compromisso de Deus em Cristo. É a comunidade daqueles para quem a Palavra não se esfria numa doutrina abstracta, mas é presença viva, pessoal e trinitária no amor dos irmãos e na comunhão sacramental e existencial. Em qualquer parte do mundo onde está uma tal comunidade, ali se verifica a origem da libertação do mundo" (Hans Urs von Bathasar, Nella pienezza della fede, Ed. Città Nuova, 1992).

2) Carta a Diogneto, V, 1-6. Manlio Simonetti, Letteratura cristiana antica. Vol. I, Piemme, Casale Monferrato, 1996, pág. 171.

3) S. Tomás de Aquino, Summa Teologica II-II, q. 10, art. 12.

 

 

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