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ACADEMIA PONTIFÍCIA PARA A VIDA

 

COMUNICADO FINAL DA VIII ASSEMBLEIA GERAL

  

1. A ninguém escapa como no contexto cultural de hoje estão presentes diversas correntes de pensamento que tendem, mais ou menos explicitamente, a negar a própria existência de uma natureza humana ou da capacidade de a conhecer, com a consequência de não admitir que a dignidade da pessoa tenha um valor incondicionado e indisponível, especialmente no início e no fim da vida humana, quando ela precisa de maiores cuidados e protecção. De facto como recordou o Papa no discurso aos participantes na Assembleia "para muitos pensadores contemporâneos os conceitos de "natureza" e de "lei natural" aparecem aplicáveis ao mundo físico e biológico ou, enquanto expressão da ordem do cosmos, à investigação  científica  e  à  ecologia.

 Infelizmente, nesta perspectiva, torna-se difícil captar o significado da natureza humana em sentido metafísico, assim como o de lei natural na ordem moral (2). Frente a tais paradigmas culturais, a Academia para a Vida sentiu a exigência de se confrontar com estas novas instâncias, na busca de uma continuidade com os imprescindíveis conteúdos da plurissecular Tradição da Igreja, e mais no geral do pensamento filosófico clássico, no esforço de individualizar possíveis novidades de linguagem, para favorecer o diálogo com o mundo contemporâneo, como desejou o Concílio Vaticano II (cfr. Gaudium et spes, 3). Além disso, tal temática apresenta-se hoje de fundamental importância para indagar  a  relação  que  há  entre  a elaboração  dos  vários  códigos  legislativos, nos diversos níveis, e os valores humanos a que eles deveriam fazer referência.

Para isso, a Assembleia Geral seguiu um itinerário articulado em três áreas temáticas:  a questão antropológica; o tema da lei moral natural sob o perfil da sua existência e cognoscibilidade; a temática do direito, com particular referência à vida.

2. A respeito da questão antropológica, retomando o ensinamento da Gaudium et spes (14), a assembleia quis reafirmar uma visão unitária do homem, "uno no corpo e na alma" refutando todo o dualismo ou reducionismo, seja de modelo espiritualista seja materialista. O autêntico respeito de cada sujeito humano, encontra o seu fundamento em tal identidade corpóreo-espiritual, onde a dimensão da corporeidade é parte constitutiva da pessoa, que se manifesta e se exprime através dela (cf. Donum vitae, 3), assim como o é a dimensão espiritual, pela qual o homem se abre a Deus, encontrando nEle o fundamento último da sua dignidade.

Um aspecto problemático diz respeito ao reconhecimento da existência de uma natureza humana universal da qual deriva a lei moral natural. A esse propósito, as relações que se seguiram revelaram como, na cultura contemporânea, algumas correntes de pensamento, insistindo exclusivamente sobre a dimensão histórico-evolutiva do homem, chegam a negar a existência de uma natureza humana universal. Todavia, ela, entendida como "natureza racional" apareceu aos Académicos em continuidade com o ensinamento da Igreja como um princípio a que não se pode renunciar para compreender plenamente a lei moral natural. De facto, que coisa pode fundamentar a dignidade da pessoa humana a não ser as suas dimensões e exigências essenciais, quer dizer, a sua natureza?

O próprio Papa quis voltar a dizer ao membros da Academia que "a pessoa humana, com a sua razão, é capaz de reconhecer tanto esta dignidade profunda e objectiva do próprio ser, como as exigências éticas que dela derivam. Por outras palavras, o homem pode ler em si o valor e as exigências morais da própria dignidade. É uma leitura que constitui uma descoberta sempre capaz de perfeição, segundo as coordenadas da "historicidade" típicas do conhecimento humano (João Paulo II, Discurso aos participantes, 3).

3. Na base desta visão antropológica, a reflexão dos Académicos centrou-se, pois, no tema da lei moral natural. Ela "não é mais do que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, Deus a concedeu na criação" (Veritatis splendor, 12. 40). Por isso, a sua existência é uma directa consequência da natura humana.

Mais em particular, lembrando a doutrina de São Tomás de Aquino sobre a lei moral natural, quis-se sublinhar o facto de que cada homem é naturalmente capaz de conhecer com clareza os ditames fundamentais (princípios primeiros) de tal lei, que ressoam no nosso coração chamando-o sempre a fazer o bem e a evitar o mal (cf. Gaudium et spes, 16). Pertence à natureza do homem a capacidade de conhecer também as normas morais derivadas - como são as normas éticas que dizem respeito à tutela da vida humana - mesmo se a sua determinação, em qualquer caso, aparece mais dificultosa por causa dos inevitáveis condicionamentos culturais e pessoais que assinalam a história de cada indivíduo.

Por isso, seja em ordem ao conhecimento ou ao agir, resulta de grande ajuda a prática das virtudes morais, enquanto os vícios, pelo contrário, representam um obstáculo ulterior à realização do bem.

4. As exigências que pertencem à lei moral natural, como demonstra claramente a história dos povos, requerem também que sejam reconhecidas e tuteladas na vida social através do direito. Neste sentido, pode falar-se de "direito natural", com as consequentes codificações legislativas, cujos fundamentos não residem num mero acto da vontade humana, mas sim na própria natureza e dignidade da pessoa.

É por esta razão que, na história do direito, quase constantemente até ao fim do século dezoito, os direitos fundamentais do homem foram considerados como invioláveis e inegociáveis, subtraídos pois, à arbitrariedade de todo o pacto social ou do consenso da maioria.

Depois, ao contrário, assiste-se a uma mudança progressiva, assinalada por uma exasperação da reivindicação do direito à liberdade individual, para a qual muitas formas de atentado à vida nascente e terminal, "apresentam novas características em relação ao passado e levantam problemas de singular gravidade:  é que, na consciência colectiva, aqueles tendem a perder o carácter de "crimes" para assumir, paradoxalmente, o carácter de "direito" (Evangelium vitae, 11). Uma parte da opinião pública, partindo de um tal pressuposto, pensa como justo que o Estado deva, não somente renunciar a punir tais actos, mas deva antes garantir a sua prática livre, mesmo através do suporte das suas estruturas.

Perante tais mudanças, entre todos os direitos fundamentais do homem, "a Igreja católica reivindica para todo o ser humano o direito à vida como direito primário. Fá-lo em nome da verdade do homem e em defesa da sua liberdade, que não pode subsistir senão no respeito da vida. A Igreja afirma o direito à vida de cada ser humano inocente e em todos os momentos da sua existência. A distinção que por vezes é sugerida nalguns documentos internacionais entre "ser humano" e "pessoa humana", para depois reconhecer o direito à vida e à integridade física unicamente à pessoa já nascida, é uma distinção artificial sem fundamento nem científico nem filosófico; cada ser humano, desde a sua concepção e até à sua morte natural, possui o inviolável direito à vida e merece todo o respeito devido à pessoa humana (cf. Donum vitae, 1" (João Paulo II, Discurso aos participantes, 6).

Portanto, a assembleia dos Académicos apela aos legisladores de todos os Países, para que se esforcem por elaborar normas jurídicas coerentes com a verdade autêntica do homem, sobretudo a respeito do direito primário à vida.

5. Em conclusão, este documento final quer fazer seus os votos do Santo Padre que encorajou a Assembleia a continuar a sua "reflexão sobre a lei moral natural e sobre o direito natural, desejando que dela possa surgir um renovado e espontâneo impulso de instauração do verdadeiro bem do homem e de uma ordem social justa e pacífica. É voltando sempre às raízes profundas da dignidade humana e do seu verdadeiro bem, é baseando-se no fundamento do que existe de eterno e fundamental no homem, que se pode dar início a um diálogo fecundo com os homens de qualquer cultura, com vista a uma sociedade inspirada nos valores da justiça e da fraternidade" (João Paulo II, Discurso aos participantes, 7).

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