PONTIFÍCIA OBRA PARA AS VOCAÇÕES ECLESIÁSTICAS
NOVAS VOCAÇÕES PARA UMA NOVA EUROPA
(In verbo tuo...)
Documento final do Congresso sobre Vocações para o Sacerdócio
e a Vida Consagrada na Europa
Roma, 5-10 maio 1997
*
Preparado pelas Congregações para a Educação Católica, para
as Igrejas Orientais, para os Institutos de Vida Consagrada,
e as Sociedades de Vida Apostólica
INTRODUÇÃO
Demos graças a Deus
1. Bendito seja Deus Onipotente que abençoou a terra da
Europa com toda a bênção espiritual, em Cristo e no seu Santo Espírito
(Ef 1,3). Nós Lhe damos graças porque, desde os inícios da
era cristã, chamou este Continente a ser centro de irradiação da boa
nova da fé, e a manifestar no mundo a sua universal paternidade. Damos
graças, porque abençoou este solo com o sangue dos mártires e o dom de
inumeráveis vocações para o sacerdócio, o diaconato, a vida consagrada
nas suas várias formas, da vida monástica aos institutos seculares.
Damos graças porque, ainda hoje, o seu Santo Espírito não cessa de
chamar os filhos desta Igreja a se fazerem anunciadores da mensagem de
salvação em todas as partes do mundo, e ainda outros a testemunhar, na
vida matrimonial e profissional, na cultura e na política, na arte e no
esporte, nas relações humanas e de trabalho, a verdade do Evangelho que
salva, cada qual segundo o dom e a missão que recebeu. Damos-lhe graças,
porque Ele é a voz que chama e infunde a coragem da resposta, é o pastor
que guia e sustenta a fidelidade de cada dia, é caminho, verdade e vida
para todos aqueles que são chamados a realizar em si o projeto do Pai.
O Congresso Vocacional Europeu 2. Reunidos em Roma, de 05 a
10 de maio de 1997, para o Congresso sobre as Vocações para o Sacerdócio
e a Vida Consagrada na Europa,(1) colocamos nas mãos do Dono da messe os
trabalhos do Congresso mas, sobretudo, a ansiedade da Igreja que está na
Europa, neste tempo difícil porém formidável, juntamente com a gratidão
para com Deus, fonte de toda consolação e autor de toda vocação.
Reunidos em Roma, entregamos a Maria, imagem perfeita da criatura
chamada pelo Criador, aqueles que ainda hoje Deus continua a chamar.
Agora entregamos este documento aos santos Pedro e Paulo e a todos os
santos e mártires desta e de cada cidade e Igreja européia, do passado e
do presente. Que, como no passado os mártires e os santos deram
testemunho do Eterno, assim hoje ele consiga expressar e compartilhar a
riqueza que nos foi dada nos dias da assembléia romana. De fato,
o Congresso foi um evento de graça: a partilha fraterna, o
aprofundamento doutrinal, o encontro dos vários carismas, o intercâmbio
das diversas experiências e esforços que estão sendo feitos nas Igrejas
do Leste e do Ocidente, enriqueceram a todos e a cada um. Confirmaram,
em cada participante, a vontade de continuar a trabalhar com paixão no
campo vocacional, não obstante a exigüidade dos resultados em algumas
Igrejas do Velho Continente. A força da esperança
3. Do Documento de trabalho do Congresso às Proposições
conclusivas, do Discurso do Santo Padre aos participantes à
Mensagem para as comunidades eclesiais, das intervenções em plenário
às discussões nos grupos de estudo, das trocas informais aos
testemunhos, houve uma espécie de fio vermelho que uniu entre si todos
os atos e todos os momentos desse encontro: a esperança. Uma
esperança mais forte do que todo temor e toda dúvida, aquela esperança
que sustentou a fé dos nossos irmãos das Igrejas do Leste, em tempos em
que crer e esperar era duro e arriscado, e que agora está sendo premiada
por uma renovada floração de vocações, conforme foi testemunhado no
congresso. Somos profundamente gratos a esses irmãos, bem como a
todos os crentes que continuam a testemunhar que a « esperança é o
segredo da vida cristã. Ela é o respiro absolutamente necessário na
linha de frente da missão da Igreja, em particular da pastoral
vocacional [...]. Portanto, é preciso recriá-la nos presbíteros, nos
educadores, nas famílias cristãs, nas famílias religiosas, nos
Institutos Seculares. Em suma, em todos aqueles que devem servir à vida
junto às novas gerações ». (2) Escrevemos a vós, meninos,
adolescentes e jovens... 4. Fortes dessa esperança nos
dirigimos a vós, meninos, adolescentes e jovens; antes de tudo
para que, na escolha do vosso futuro, saibais acolher o projeto que Deus
tem sobre vós: só sereis felizes e plenamente realizados, se vos
dispuserdes a realizar o sonho do Criador sobre a criatura. Como
gostaríamos de que este escrito fosse como uma carta endereçada a cada
um de vós, em que, com a ajuda de vossos educadores, possais sentir a
solicitude da mãe-Igreja por cada um de seus filhos, aquela solicitude
toda especial que uma mãe tem por seus filhos mais novos. Uma carta em
que possais reconhecer os vossos problemas, as interrogações que povoam
o vosso jovem coração, e a as respostas que vêm daquele que é o amigo
perenemente jovem das vossas almas, o único que pode dizer-vos a
verdade! Ficai sabendo, queridos jovens, a Igreja acompanha trépida os
vossos passos e as vossas escolhas. E como seria lindo se esta carta
suscitasse em vós alguma resposta, para um diálogo que continuasse com
quem vos orienta... ... a vós, pais e educadores...
5. Ricos da mesma esperança, nos dirigimos a vós, pais, chamados
por Deus a colaborar com a sua vontade de dar a vida, e a vós,
educadores, professores, catequistas e animadores, chamados por Deus
a colaborar de muitas maneiras com o seu projeto de formar para a vida.
Gostaríamos de dizer-vos quanto a Igreja valoriza a vossa vocação, e
quanto confia nela para promover a vocação dos vossos filhos e uma
verdadeira cultura vocacional. Vós, pais, sois também os
primeiros naturais educadores vocacionais, enquanto vós, formadores, não
sois apenas instrutores que introduzem nas escolhas existenciais: vós
também sois chamados a gerar a vida nas jovens existências que abris
para o futuro. A vossa fidelidade ao chamado de Deus é mediação preciosa
e insubstituível, para que os vossos filhos e alunos possam descobrir a
sua vocação pessoal, para que « tenham a vida e a tenham em abundância »
(Jo 10,10). ...a vós, pastores e presbíteros,
consagrados e consagradas... 6. Sempre com a esperança no
coração, nos dirigimos a vós, presbíteros, e a vós, consagrados e
consagradas, na vida religiosa e nos institutos seculares. Vós que
ouvistes um chamado especial para seguir o Senhor numa vida toda
dedicada a Ele, sois também chamados especialmente, todos sem qualquer
exceção, a testemunhar a beleza do seguimento. Sabemos o quanto
hoje é difícil esse anúncio e quanto é fácil a tentação do desânimo
quando o esforço parece inútil. « A pastoral vocacional constitui o
ministério mais difícil e delicado ».(3) Mas gostaríamos também de
lembrar que não existe nada mais estimulante do que um testemunho tão
apaixonado da própria vocação, capaz de tornar-se contagioso. Nada é
mais lógico e coerente do que uma vocação que gera outras vocações e,
com todo direito, vos torna « pais » e « mães ». Com este escrito,
gostaríamos de nos dirigir, de modo especial, não só a quem tem um
encargo explícito na promoção vocacional, mas também àqueles que entre
vós não estão empenhados diretamente nela, ou a quem acha que não tem
nenhuma obrigação nessa linha. A esses gostaríamos de lembrar que
somente um testemunho coral torna eficaz a animação vocacional, e que,
antes de tudo, a assim chamada crise vocacional depende do
?escondimento' de algumas testemunhas, o que enfraquece a mensagem.
Numa Igreja toda vocacional, todos são animadores vocacionais.
Então, felizes de vós se souberdes dizer, com a vossa vida, que é belo e
gratificante servir a Deus, e revelar que nele, o Vivente, se esconde a
identidade de cada vivente (cf Col 3,3). ... a todo o
povo de Deus que está na Europa 7. Por fim, gostaríamos de
ser « samaritanos da esperança » para aqueles irmãos e irmãs com os
quais compartilhamos as dificuldades do caminho. Quereríamos dirigir a
mesma mensagem de esperança a todo o povo de Deus, peregrinante nesta
terra antiga e abençoada, nas Igrejas do Leste e do Ocidente. Daqui, há
muito tempo, graças à coragem de muitos evangelizadores que pagaram até
com o próprio sangue o seu testemunho, se difundiu o anúncio da boa
notícia. Nós queremos acreditar que, ainda hoje, o Espírito do Pai
chama. Ele envia pelas estradas do mundo os filhos desta terra
generosa de raízes cristãs, mas ela mesma necessitada de nova
evangelização e de novos evangelizadores. Então, também nós nos
apresentamos ao Senhor, como os Apóstolos, com a consciência da nossa
pobreza e das necessidades desta Igreja: « Mestre, trabalhamos a noite
inteira e não apanhamos nada » (Lc 5,5). Mas, sobretudo « por
causa da sua palavra », queremos crer e esperar que, como então, ainda
hoje o Senhor pode encher as barcas de seus apóstolos com uma pesca
milagrosa, e transformar cada crente num pescador de homens.
Do Congresso à vida 8. Portanto, o escopo do presente
documento é compartilhar com todos vós o evento de graça que foi o
Congresso. Sem a pretensão de fazer dele uma síntese acurada, nem
presumir de expor um tratado sistemático sobre a vocação, fraternalmente
quereríamos colocar à disposição de toda a Igreja que está na Europa e
fora da Europa, nas suas várias denominações cristãs, os frutos mais
significativos do Congresso. O estilo procurará exprimir, da
melhor forma possível, a vontade de fazer-nos entender por todos, porque
todos, indistintamente, são chamados a realizar a própria vocação e a
promover a de quem está próximo deles. Sobretudo, terá como
empenho conjugar entre si reflexão teológica e práxis pastoral, proposta
teórica e indicação pedagógica, para oferecer, a quantos atuam na
animação vocacional, uma ajuda concreta e prática. Não temos
nenhuma pretensão de dizer tudo, não só para não repetir o que outros
documentos já disseram de forma excelente a esse respeito,(4) mas para
permanecer abertos ao mistério, àquele mistério que envolve a vida e o
chamado de todo ser humano, àquele mistério que é também o caminho de
discernimento vocacional e que se completará somente no momento da
morte. A pastoral vocacional é mistagógica e, portanto, parte do
Mistério (de Deus) para reconduzir ao mistério (do homem), ou não
existe. As partes do documento 9. Concretamente
este texto segue a lógica que orientou os trabalhos do Congresso: do
concreto da existência à reflexão, para voltar ainda ao concreto
existencial. É com a realidade de cada dia que a pastoral vocacional
deve se medir, precisamente porque é pastoral em função e a serviço da
vida. Por conseguinte, partiremos com uma tentativa de levantamento da
situação, para depois analisar o tema da vocação do ponto de vista
teológico, e, portanto, dar uma fundamentação, uma indispensável
estrutura a todo o discurso que se segue. Nesse ponto, começa a
parte mais aplicativa: antes de tudo, de tipo pastoral, ou de
grandes estratégias de atuação, e depois, de tipo mais pedagógico.
Será útil para identificar ao menos algumas pistas orientadoras no nível
do método e da práxis quotidiana. E talvez seja justamente esse aspecto
o mais carente e o mais esperado pelos agentes de pastoral.
PRIMEIRA PARTE
A SITUAÇÃO VOCACIONAL EUROPÉIA, HOJE
«A Messe é grande mas os operários são poucos »
(Mt 9,37) Esta primeira parte constitui um olhar
sapiencial sobre a Europa, na consciência da sua complexidade cultural,
em que parece predominar um modelo antropológico de « homem sem vocação
». A nova evangelização deve reanunciar o sentido forte da vida como «
vocação », no seu fundamental apelo à santidade, recriando uma cultura
favorável às diversas vocações e apta a promover na pastoral vocacional
um verdadeiro salto de qualidade. « Novas vocações para
uma nova Europa » 10. O tema do Congresso (« Novas
vocações para uma nova Europa ») vai diretamente ao coração do problema:
hoje, numa Europa nova em relação ao passado, são necessárias vocações «
novas » também. É preciso justificar a afirmação para que se entenda o
sentido dessa novidade, e perceber a relação com a pastoral «
tradicional » das vocações para o sacerdócio e a vida consagrada. Por
isso, não nos contentaremos com fotografar a situação e enumerar dados,
mas procuraremos perceber em que direção vai a novidade e a necessidade
de vocações que provém dela. Ao mesmo tempo, leremos a situação
que se configura no presente, a partir da expressão de Jesus diante da
missão que o esperava: « A messe é grande, mas os operários são poucos »
(Mt 9,37). Essas palavras continuam sendo verdadeiras e
constituem uma preciosa chave de leitura da atualidade. De certo modo,
encontramos nelas a medida certa da nossa ação e a justa proporção (ou
desproporção) entre uma messe que será sempre excedente e as nossas
forças. Longe de toda interpretação pessimista do hoje, como também de
toda pretensão de auto-suficiência para o amanhã. Nova
Europa 11. O Documento de Trabalho já havia
oferecido um quadro da situação européia, no que diz respeito à
problemática vocacional, fortemente marcado por elementos de novidade.
Aqui, nós apenas os reassumimos, segundo a análise que o mesmo Congresso
fez deles, procurando colher os mais significativos, destinados a
condicionar nos tempos longos mentalidade e sensibilidade juvenis e,
portanto, também práxis pastorais e estratégias vocacionais. a)
Uma Europa diversificada e complexa Antes de tudo, aparece um
dado incontestável: é praticamente impossível definir de modo unívoco e
estático a situação européia, no que concerne à condição juvenil e os
inevitáveis reflexos vocacionais. Estamos diante de uma Europa
diversificada, que se tornou assim devido às diversas vicissitudes
histórico-políticas (ex. a diferença entre Leste e Ocidente), mas também
pela pluralidade de tradições e culturas (greco-latina, anglo-saxônica e
eslava). Todavia, elas constituem também a sua riqueza e tornam
significativas, em diferentes contextos, experiências e escolhas. Assim,
se nos países da vertente oriental se percebe o problema de como
administrar a liberdade recuperada, nos do ocidente as pessoas se
questionam sobre como viver a liberdade autêntica. Tal
heterogeneidade se confirma também pelo andamento das vocações ao
sacerdócio e à vida consagrada, não apenas pela diferença evidente entre
o florescimento vocacional da Europa oriental e a crise geral que
perpassa o Ocidente, mas porque, dentro de tal crise, também há sinais
de retomada vocacional, particularmente naquelas Igrejas em que o
trabalho pós-conciliar assíduo e constante abriu um sulco profundo e
eficaz. (5) Portanto, se no Oriente é preciso iniciar uma
verdadeira pastoral orgânica a serviço da promoção vocacional, sobretudo
da animação à formação das vocações, no Ocidente é indispensável uma
atenção diferente. É preciso questionar a real consistência teológica e
a linearidade aplicativa de certos projetos vocacionais, o conceito de
vocação que está na base deles, e o tipo de vocações que daí derivam. No
Congresso perguntou-se, insistentemente: « Por que determinadas
teologias ou práxis pastorais não produzem vocações, enquanto outras
produzem? ». (6) Um outro aspecto caracteriza a atualidade
sócio-cultural européia: o excesso de possibilidades, de ocasiões, de
solicitações, perante a carência de enfoques, de propositividade, de
projetualidade. É como um contraste ulterior que aumenta o grau de
complexidade desta época histórica, com repercussões negativas no plano
vocacional. Como a Roma antiga, a Europa moderna parece semelhante a um
pantheon, a um grande « templo » em que todas as « divindades »
estão presentes, ou em que todo « valor » tem seu lugar e seu nicho.
« Valores » diversos e contrastantes estão copresentes e coexistentes,
sem uma hierarquização exata; códigos de leitura e de avaliação, de
orientação e de comportamento completamente desiguais entre si.
Em tal contexto, fica difícil ter uma concepção ou uma visão unitária do
mundo, e portanto, também se torna fraca a capacidade projetual
da vida. De fato, quando uma cultura não define mais as supremas
possibilidades de significado, ou não consegue criar convergência em
torno de alguns valores como particularmente capazes de dar sentido à
vida, mas coloca tudo no mesmo plano, cai toda a possibilidade de
escolha projetual, e tudo se torna indiferente e nivelado. b)
Os jovens e a Europa Os jovens europeus vivem nesta cultura
pluralista e ambivalente, « politeísta » e neutra. Por um lado, procuram
apaixonadamente autenticidade, afeto, relacionamentos pessoais, vastidão
de horizontes; por outro, estão fundamentalmente sozinhos, « feridos »
pelo bem-estar, desiludidos das ideologias, confusos por causa da
desorientação ética. E mais: « em várias partes do mundo juvenil
emerge uma clara simpatia pela vida, entendida como valor absoluto,
sagrado... »; (7) mas freqüentemente, em muitos locais da Europa, tal
abertura em relação à existência é desmentida por políticas não
respeitosas do próprio direito à vida, sobretudo dos mais fracos.
Políticas que correm o risco de tornar o « Velho Continente » sempre
mais velho. Portanto, se por um lado esses jovens são um capital notável
para a Europa de hoje, que investe fortemente para construir o futuro
deles, do outro nem sempre as expectativas juvenis são coerentemente
atendidas pelo mundo dos adultos ou dos responsáveis pela sociedade
civil. De qualquer modo, para entender a atitude juvenil
hodierna, dois aspectos nos parecem centrais: a reivindicação da
subjetividade e o desejo de liberdade. São duas instâncias
dignas de atenção e tipicamente humanas. Todavia, muitas vezes numa
cultura frágil e complexa como a atual, — se se encontram — dão lugar a
combinações que lhes deformam o sentido: a subjetividade se torna
subjetivismo, enquanto a liberdade degenera em arbítrio.
Num tal contexto, merece atenção a relação que os jovens europeus mantêm
com a Igreja. Em uma das suas Proposições conclusivas, o Congresso
destaca, com realismo e coragem: « Com freqüência os jovens não vêem na
Igreja o objeto da sua busca e o lugar de resposta às suas perguntas e
expectativas. Releva-se que o problema não é Deus, mas a Igreja. A
Igreja tem consciência da dificuldade de se comunicar com os jovens, da
carência de verdadeiros projetos pastorais..., da fragilidade
teológico-antropológica de certas catequeses. Da parte de muitos jovens
perdura o temor de que uma experiência na Igreja limite a sua liberdade
», (8) ao passo que da parte de muitos outros, a Igreja continua sendo,
ou está se tornando o ponto de referência mais respeitável. c) «
Homem sem vocação » Esse jogo de contrastes se reflete,
inevitavelmente no plano da projetação do futuro que — por parte dos
jovens — é visto numa ótica conseqüente, limitada à própria visão, em
função de interesses estritamente pessoais (a auto-realização). É
uma lógica que reduz o futuro à escolha de uma profissão, à garantia
econômica, ou à satisfação sentimental-emotiva, dentro de horizontes
que, de fato, reduzem o desejo de liberdade e a possibilidade do sujeito
a projetos limitados, na ilusão de ser livre. São escolhas sem
nenhuma abertura ao mistério e ao transcendente e, talvez, também com
escassa sensibilidade em relação à vida, própria e dos outros, da vida
recebida como dom e a ser gerada nos outros. Em outras palavras, é uma
sensibilidade e mentalidade que corre o risco de delinear um tipo de
cultura antivocacional. Equivale a dizer que, na Europa
culturalmente complexa e sem pontos de referência bem precisos,
semelhante a um grande pantheon, o modelo antropológico que
prevalece parece ser o do « homem sem vocação ». Esta
seria uma descrição possível: « Uma cultura pluralista e complexa tende
a produzir jovens com uma identidade incompleta e fraca, com a
conseqüente indecisão crônica diante da escolha vocacional. Muitos
jovens não dominam nem mesmo a « gramática elementar » da existência;
são nômades: circulam, sem se firmar em nível geográfico, afetivo,
cultural, religioso, eles « vão tentando »! Em meio à grande quantidade
e diversidade das informações, mas com pobreza de formação, mostram-se
dispersos, com poucas referências e poucos referenciais. Por isso têm
medo do futuro, sentem-se ansiosos diante de compromissos definitivos, e
se questionam a respeito do seu ser. Se, por um lado, a qualquer custo
buscam autonomia e independência, por outro, como refúgio, tendem a ser
muito dependentes do ambiente sócio-cultural e a procurar a satisfação
imediata dos sentidos: daquilo que « me agrada », daquilo que « faz com
que eu me sinta bem », num mundo afetivo feito sob medida ». (9)
É uma tristeza encontrar jovens, embora inteligentes e bem dotados, nos
quais parece apagada a vontade de viver, de acreditar em alguma coisa,
de tender para grandes objetivos, de esperar num mundo que, graças a
seus esforços, pode se tornar melhor. São jovens que parecem sentir-se
supérfluos no jogo ou no drama da vida, quase demissionários em
relação a ela, meio perdidos ao longo de caminhos interrompidos, e
reduzidos aos níveis mínimos da tensão vital. Sem vocação, mas também
sem futuro, ou com um futuro que, no máximo, será uma fotocópia do
presente. d) A vocação da Europa No entanto, esta
Europa de muitas almas e de cultura tão fraca (mas que, todavia, muitas
vezes se impõe pela força) mostra ter energias insuspeitadas, está mais
viva do que nunca, e chamada a desempenhar um papel importante no
contexto mundial. Jamais como neste tempo, o Velho Continente,
embora mostrando ainda as feridas de conflitos recentes e de
contraposições internas, inclusive violentas, percebeu o forte
chamado à unidade. Uma unidade que ainda precisa ser construída,
embora certos muros tenham caído, e que deverá estender-se a toda a
Europa e a quem lhe pede hospitalidade e acolhimento. Unidade que não
poderá ser apenas política ou econômica, mas também, e antes de tudo,
espiritual e moral. Unidade, ainda, que terá de superar velhos rancores
e antigas desconfianças e que, justamente nas raízes primitivas, poderia
encontrar um motivo de convergência e uma garantia de entendimento.
Unidade que caberá especialmente à atual geração juvenil realizar e
tornar sólida e completa, do Ocidente a Leste, de Norte a Sul,
defendendo-a de toda tentação contrária de isolamento e de fechamento em
seus próprios interesses, e propondo-a ao mundo inteiro como exemplo de
serena convivência na diversidade. Esses jovens serão capazes de
assumir tal responsabilidade? Se é verdade que o jovem de hoje
corre o risco de estar desorientado e de se encontrar sem um ponto exato
de referência, a « nova Europa » que está nascendo talvez pudesse se
tornar uma meta, e oferecer um estímulo adequado a jovens que, na
realidade, « sentem a nostalgia da liberdade e buscam a verdade, a
espiritualidade, a autenticidade, a própria originalidade pessoal e a
transparência, que têm desejo de amizade e de reciprocidade », que
buscam « companhia » e querem « construir uma nova sociedade, fundada
sobre valores como a paz, a justiça, o respeito ao ambiente, a atenção à
diversidade, a solidariedade, o voluntariado e a igual dignidade da
mulher ». (10) Em última análise, as pesquisas mais recentes
descrevem os jovens europeus como meio perdidos, mas não desesperados;
impregnados de relativismo ético, mas também desejosos de viver uma «
vida boa »; conscientes da própria necessidade de salvação, embora não
saibam onde encontrá-la. Provavelmente, o problema mais grave
deles é a sociedade eticamente neutra na qual lhes calhou viver; mas os
recursos não se apagaram neles. Especialmente num tempo, como o nosso,
de transição para novas metas. Prova disso são os muitos jovens animados
por uma sincera busca de espiritualidade e corajosamente empenhados no
social, confiantes em si mesmos e nos outros, e distribuidores de
esperança e de otimismo. Nós acreditamos que, apesar das
contradições e do « peso » de um certo ambiente cultural, esses jovens
possam construir essa nova Europa. Na vocação de sua mãe-terra se
vislumbra também a vocação pessoal deles. Nova
evangelização 12. Tudo isso abre novos caminhos e pede
novo impulso ao processo de evangelização da velha e nova Europa. Faz
tempo que a Igreja e o atual Pontífice vêm pedindo uma profunda
renovação dos conteúdos e dos métodos do anúncio do Evangelho, « para
tornar a Igreja do século XX sempre mais idônea para anunciar o
evangelho à humanidade do século XXI ». (11) E, como o Congresso nos
lembrou, « não se deve ter medo de estar num período de passagem de uma
margem para outra ». (12) a) O « semper » e o « novum »
Trata-se de conjugar o « semper » e o « novum » do evangelho, para
oferecê-lo às novas interrogações e condições do homem e da mulher de
hoje. Portanto, é urgente repropor o coração ou o centro do querigma
como « notícia perenemente boa », rica de vida e de sentido para o jovem
que vive na Europa, como anúncio capaz de responder às suas expectativas
e de iluminar a sua busca. Especialmente em torno desses pontos
concentram-se a tensão e o desafio. Daqui dependem a imagem de homem que
se quer realizar, e as grandes decisões da vida, do futuro da pessoa e
da humanidade: do significado da liberdade, da relação entre
subjetividade e objetividade, do mistério da vida e da morte, do amar e
do sofrer, do trabalho e da festa. É preciso esclarecer a relação
entre práxis e verdade, entre instante histórico pessoal e futuro
definitivo universal, ou entre bem recebido e bem doado, entre
consciência do dom e escolha de vida. Nós sabemos que é precisamente ao
redor desses pontos que se concentra também uma certa crise de
significado, da qual derivam uma cultura antivocacional e uma imagem de
homem sem vocação. Portanto, daqui deve partir ou deve vir dar
aqui o caminho da nova evangelização, para evangelizar a vida e o
significado da vida, a exigência de liberdade e de subjetividade, o
sentido da própria presença no mundo e do relacionamento com os outros.
Daqui poderá emergir uma cultura vocacional e um modelo de homem aberto
ao chamado. Para que, a uma Europa que vai redesenhando em profundidade
a sua fisionomia, não venha a faltar a boa nova da páscoa do Senhor, em
cujo sangue os povos dispersos se reuniram e os distantes se tornaram
próximos, abatendo o muro de inimizade que os separava » (Ef
2,14). Ou melhor, podemos dizer que a vocação é o próprio coração da
nova evangelização, no limiar do terceiro milênio, é o apelo de Deus
ao homem para uma nova fase de vida e liberdade, e para uma refundação
ética da cultura e da sociedade européia. b) Nova santidade
Nesse processo de inculturação da boa nova, a Palavra de Deus se torna
companheira de viagem do homem e cruza com ele ao longo dos caminhos
para revelar-lhe o projeto do Pai, como condição de sua felicidade. E é
exatamente a Palavra tirada da carta de Paulo aos cristãos da Igreja de
Éfeso que hoje nos conduz também a nós, povo de Deus na Europa, a
descobrir o que talvez não seja imediatamente visível, mas que é evento,
é dom, é vida nova: « Portanto, vós não sois mais estrangeiros nem
hóspedes, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus »
(Ef 2,19). Evidentemente, não é palavra nova, mas é
palavra que nos faz olhar de modo novo a realidade da Igreja do Velho
Continente, que nada tem a ver com « igreja velha ». Ela é comunidade de
crentes chamados à « juventude da santidade », à vocação universal à
santidade, sublinhada com força pelo Concílio (13) e repetida em
várias circunstâncias pelo Magistério sucessivo. Agora é tempo de
que aquele apelo retome força e atinja cada crente, para que cada qual
tenha « condição de compreender com todos os santos, qual seja a
largura, o comprimento, a altura e a profundidade » (Ef 3,18) do
mistério de graça confiado à própria vida. Já é tempo de que
aquele apelo suscite novos projetos de santidade, porque a Europa
precisa sobretudo daquela santidade especial que o momento presente
exige, por isso original e, de certo modo, sem precedentes. São
necessárias pessoas capazes de « lançar pontes » para unir sempre
mais as Igrejas e os povos da Europa, e para reconciliar os ânimos.
São necessários « pais » e « mães » abertos à vida e ao
dom da vida; esposos e esposas que testemunhem e celebrem a
beleza do amor humano abençoado por Deus; pessoas capazes de diálogo
e de « caridade cultural », para a transmissão da mensagem cristã,
mediante as linguagens da nossa sociedade; profissionais e pessoas
simples, capazes de imprimir a transparência da verdade e a
intensidade da caridade cristã ao compromisso na vida civil e às
relações de trabalho e de amizade; mulheres que redescubram na fé
cristã a possibilidade de viver plenamente o seu gênio feminino;
presbíteros de coração grande, como o do Bom Pastor; diáconos
permanentes que anunciem a Palavra e a liberdade do serviço aos mais
pobres; apóstolos consagrados capazes de se imergirem no mundo e
na história com coração contemplativo, e místicos tão
familiarizados com o mistério de Deus, que saibam celebrar a experiência
do divino e apontar Deus presente no vivo da ação. A Europa
precisa de novos confessores da fé e da beleza de crer, de
testemunhas que sejam crentes credíveis, corajosos até o
sangue, de virgens que não sejam tais apenas para si mesmos, mas
que saibam indicar a todos aquela virgindade que está no coração de cada
um e que leva imediatamente ao Eterno, fonte de todo amor. A
nossa terra é ávida não só de pessoas santas, mas de comunidades
santas, tão enamoradas da Igreja e do mundo, que saibam apresentar ao
próprio mundo uma Igreja livre, aberta, dinâmica, presente na história
hodierna, próxima dos sofrimentos do povo, acolhedora para com todos,
promotora da justiça, atenta aos pobres, não preocupada com sua minoria
numérica nem em colocar marcos divisórios à própria ação, não apavorada
pelo clima de descristianização social (real, mas talvez não tão radical
e geral), nem pela escassez (muitas vezes só aparente) dos resultados.
Será essa a nova santidade capaz de reevangelizar a Europa e de
construir a nova Europa! Novas vocações 13.
Então se impõe um discurso novo sobre a vocação e as vocações, sobre a
cultura e sobre a pastoral vocacional. O Congresso entendeu assumir uma
certa sensibilidade, a esta altura amplamente difundida a respeito
desses temas, propondo no entanto, ao mesmo tempo, um ?estremecimento'
capaz de abrir novas estações nas nossas Igrejas ».(14) a)
Vocação e vocações Como a santidade é para todos os batizados
em Cristo, assim existe uma vocação específica para cada vivente; e,
como a primeira tem suas raízes no Batismo, assim a segunda se liga ao
simples fato de existir. A vocação é o pensamento providente do Criador
sobre cada criatura, é a sua idéia-projeto, como um sonho muito querido
por Deus, porque a criatura é muito querida por Ele. Deus-Pai o quer
diferente e específico para cada vivente. De fato, o ser humano é
« chamado » à vida e, como vem à vida, traz e encontra em si a imagem
daquele que o chamou. Vocação é a proposta divina de realizar-se
segundo essa imagem, e é única-singular-irrepetível, justamente porque
tal imagem é inexaurível. Cada criatura diz e é chamada a exprimir um
aspecto particular do pensamento de Deus. Ali encontra seu nome e sua
identidade; afirma e coloca em segurança a sua liberdade e
originalidade. Portanto, se todo ser humano, desde o nascimento,
tem a própria vocação, existem na Igreja e no mundo várias vocações que,
enquanto num plano teológico exprimem a semelhança divina impressa no
homem, em nível pastoral-eclesial respondem às várias exigências da nova
evangelização, enriquecendo a dinâmica e a comunhão eclesial: « A Igreja
particular é como um jardim florido, com grande variedade de dons e
carismas, movimentos e ministérios. Daqui a importância do testemunho de
comunhão entre si, abandonando todo espírito de « concorrência ».(15)
Antes, foi dito explicitamente no Congresso « Há necessidade de abertura
a novos carismas e ministérios, talvez diferentes dos costumeiros. A
valorização e o lugar do laicato é um sinal dos tempos que em parte
ainda está por se descobrir. Ele está se revelando sempre mais frutuoso
». (16) b) Cultura da vocação Esses elementos estão
penetrando progressivamente na consciência dos crentes, mas não ainda a
ponto de criar uma verdadeira cultura vocacional, (17) capaz de
ultrapassar os limites da comunidade crente. Por isso, no seu
Discurso aos participantes do Congresso, o Santo Padre faz votos de
que a constante e paciente atenção da comunidade cristã ao mistério do
divino chamado promova uma « nova cultura vocacional » nos jovens e
nas famílias ». (18) Ela é uma componente da nova
evangelização. É cultura da vida e da abertura para a vida, do
significado do viver, mas também do morrer. Refere-se, em
particular, a valores talvez um pouco esquecidos por certa mentalidade
emergente (segundo alguns « cultura de morte »), como a gratidão, o
acolhimento do mistério, o sentido da incompletitude do homem e, junto,
da sua abertura ao transcendente, a disponibilidade a se deixar chamar
por um outro (ou por um Outro) e interpelar pela vida, a confiança em si
e no próximo, a liberdade de se comover diante do dom recebido, diante
do afeto, da compreensão, do perdão, descobrindo que aquilo que se
recebeu é sempre imerecido e excede à própria medida, e fonte de
responsabilidade para com a vida. Também faz parte dessa cultura
vocacional a capacidade de sonhar e desejar grande, aquela admiração
embevecida que permite apreciar a beleza e escolhê-la pelo seu valor
intrínseco, porque torna a vida bonita e verdadeira, aquele altruísmo
que não é somente solidariedade de emergência, mas que nasce da
descoberta da dignidade de qualquer irmão. É preciso que à
cultura da distração, que corre o risco de perder de vista e de anular
os sérios questionamentos no acúmulo das palavras, se oponha uma cultura
capaz de encontrar coragem e gosto pelas grandes perguntas, aquelas
relativas ao próprio futuro: de fato, são as grandes perguntas que
tornam grandes até as pequenas respostas. Mas, depois, são as
respostas pequenas e quotidianas que provocam as grandes decisões, como
a da fé; ou que criam cultura, como a da vocação. Em todo caso, a
cultura vocacional, enquanto complexo de valores, deve passar da
consciência eclesial à consciência civil, da conscientização do
indivíduo ou da comunidade crente à convicção universal de não poder
construir sobre um modelo de homem sem vocação, nenhum futuro para a
Europa dos anos dois mil. O Papa continua: « A difícil situação que
atravessa o mundo juvenil revela, também nas novas gerações, insistentes
perguntas sobre o significado da existência, confirmando o fato de que
nada e ninguém pode sufocar no homem a busca de sentido e o
desejo de verdade. Para muitos, é esse o terreno em que se coloca a
busca vocacional ». (19) Essa pergunta e esse desejo fazem nascer
uma autêntica cultura da vocação; e, se pergunta e desejo estão no
coração de todo homem, inclusive de quem nega isso, então essa cultura
poderia se tornar uma espécie de terreno comum, onde a consciência
crente encontra a consciência laica e com ela se confunde. A ela dará,
com generosidade e transparência, aquela sabedoria que recebeu do Alto.
Assim, essa nova cultura passaria a ser verdadeiro terreno de nova
evangelização, onde poderia nascer um novo modelo de homem e poderiam
florescer também nova santidade e novas vocações para a Europa do ano
dois mil. De fato, a penúria das vocações específicas — as vocações no
plural — é sobretudo ausência de cultura da vocação.
Provavelmente, hoje essa cultura se torna o primeiro objetivo da
pastoral vocacional, (20) ou talvez, da pastoral em geral. Realmente,
que tipo de pastoral é aquela que não cultiva a liberdade de sentir-se
chamados por Deus, nem faz nascer novidade de vida? c)
Pastoral das vocações: o « salto de qualidade » Há um outro
elemento que liga entre si a reflexão pré-congressual e a análise
congressual. É a conscientização de que a pastoral das vocações se
encontra diante da exigência de uma mudança radical, de um « sobressalto
idôneo », segundo o documento preparatório (21) ou de « um salto de
qualidade », como o Papa recomendou na sua Mensagem no encerramento do
Congresso. (22) Mais uma vez nos vemos diante de uma
convergência evidente e que deve ser entendida no seu autêntico
significado, nesta análise da situação que estamos propondo. Não
se trata apenas de um convite a reagir a uma sensação de cansaço ou de
desânimo por causa dos poucos resultados; nem se entende com essas
palavras levar a renovar simplesmente certos métodos ou a recuperar
energia e entusiasmo, mas em substância, se deseja indicar que a
pastoral vocacional na Europa chegou a um desdobramento histórico, a uma
passagem decisiva. Houve uma história, com uma pré-história e depois
algumas fases que se sucederam lentamente, ao longo destes anos, como
estações naturais, e que agora devem necessariamente caminhar para o
estado « adulto » e maduro da pastoral vocacional. Portanto, não
se trata nem de menosprezar o sentido dessa passagem, nem de culpar
alguém por aquilo que não teria sido feito no passado; antes, o nosso
sentimento e o de toda a Igreja é de sincero reconhecimento para com
aqueles irmãos e irmãs que, em condições de notável dificuldade,
ajudaram generosamente muitos meninosas e jovens e procurar e encontrar
a própria vocação. Mas, em todo caso, trata-se de compreender mais uma
vez a direção que Deus, o Senhor da História, está imprimindo à nossa
história, como também à rica história das vocações na Europa, que está
hoje diante de uma encruzilhada decisiva. – Se a pastoral das
vocações nasceu como emergência ligada a uma situação de crise e de
indigência vocacional, hoje não se pode mais ser pensada com a mesma
precariedade e motivada por uma conjuntura negativa, mas — pelo
contrário — aparece como expressão estável e coerente da maternidade da
Igreja, aberta ao irrefreável plano de Deus, que nela sempre gera
vida; – se em certa época a promoção vocacional se referia
somente ou sobretudo a algumas vocações, agora deveria tender sempre
mais para a promoção de todas as vocações, porque na Igreja do
Senhor, ou se cresce junto ou ninguém cresce; – se, nos seus
inícios, a pastoral vocacional cuidava de circunscrever seu campo de
atuação a algumas categorias de pessoas (« os nossos », aqueles mais
chegados aos ambientes de Igreja, ou aqueles que logo se mostravam
interessados, os melhores e merecedores, aqueles que já haviam feito uma
opção de fé, e assim por diante), agora cada vez mais se percebe a
necessidade de, pelo menos em teoria, estender corajosamente a todos
o anúncio e a proposta vocacional, em nome daquele Deus que não tem
preferências pessoais, que escolhe pecadores num povo de pecadores, que
faz de Amós, que não era filho de profetas, mas somente coletor de
sicômoros, um profeta, que chama Levi e vai à casa de Zaqueu, e é capaz
de fazer surgir até das pedras filhos de Abraão (cf Mt 3,9);
– se antes a atividade vocacional em boa parte nascia do medo (da
extinção ou de menor valia) e da pretensão de manter determinados níveis
de presenças ou de obras, agora o medo, que é sempre péssimo
conselheiro, cede lugar à esperança cristã, que nasce da fé e se
projeta rumo à novidade e ao futuro de Deus; – se uma certa
animação vocacional é, ou era, perenemente incerta e tímida, de forma a
parecer quase em condição de inferioridade em relação a uma cultura
antivocacional, hoje só faz verdadeira promoção vocacional quem é
animado pela certeza de que em toda pessoa, sem exclusão de
ninguém, existe um dom de Deus que espera ser descoberto; – se,
no passado, o objetivo parecia ser o recrutamento, e a propaganda o
método, muitas vezes com resultados forçados sobre a liberdade do
indivíduo, ou com episódios de « concorrência », agora deve ficar sempre
mais claro que o escopo é o serviço a prestar à pessoa, para que
saiba discernir o projeto de Deus na sua vida para a edificação da
Igreja, e nele reconheça e realize a sua própria verdade; (23) –
se, numa época não muito distante, havia quem se iludia de resolver a
crise vocacional com escolhas discutíveis, por exemplo « importando
vocações » de outros lugares (muitas vezes desenraizando-as do seu
ambiente), hoje ninguém deve se iludir de resolver assim a crise
vocacional, porque o Senhor continua a chamar em toda Igreja e em
todo lugar; – e assim, na mesma linha, o « cireneu vocacional
», cheio de boa vontade e muitas vezes solitário improvisador, deveria
sempre mais passar de uma animação feita de iniciativas episódicas a uma
educação vocacional que se inspire na sabedoria de um método
comprovado de acompanhamento, para poder dar uma ajuda apropriada a
quem está em busca; – conseqüentemente, o mesmo animador
vocacional deveria se tornar sempre mais educador para a fé e
formador de vocações, e a animação vocacional se tornar sempre mais
ação coral, (24) de toda a comunidade, religiosa ou paroquial, de
todo o instituto ou de toda a diocese, de cada presbítero ou consagradoa
ou crente, e para todas as vocações em cada fase da vida; – por
fim, é hora de passar decididamente da « patologia do cansaço » (25) e
do conformismo, que se justifica atribuindo à atual geração juvenil a
causa única da crise vocacional, à coragem de fazer os questionamentos
certos, para entender os eventuais erros e falhas, para chegar a um novo
impulso criativo, fervente de testemunho. d) Pequeno rebanho e
grande missão (26) Será a coerência com que se vai adiante
nessa linha que irá ajudar sempre mais a descobrir a dignidade da
pastoral vocacional e a sua natural posição de centralidade e síntese no
âmbito pastoral. Aqui também vimos de experiências e concepções
que correram o risco de, no passado, marginalizar de certa forma a mesma
pastoral das vocações, considerando-a como menos importante. Às vezes
ela apresenta uma fisionomia não vitoriosa da Igreja atual, ou é
considerada como um setor da pastoral menos fundado teologicamente em
relação a outros, produto recente de uma situação crítica e contingente.
Talvez a pastoral vocacional esteja ainda vivendo numa situação de
inferioridade, que de um lado pode prejudicar a sua imagem e,
indiretamente, a eficácia da sua ação, mas por outro pode também se
tornar um contexto favorável para identificar e experimentar, com
criatividade e liberdade — inclusive liberdade de errar — novos caminhos
pastorais. Sobretudo, tal situação pode recordar aquela outra «
inferioridade » ou pobreza de que falava Jesus, ao observar as multidões
que o seguiam: « A messe é grande, mas os operários são poucos » (Mt
9,37). Diante da messe do reino de Deus, diante da messe da nova Europa
e da nova evangelização, os « operários » são e sempre serão poucos, «
pequeno rebanho e grande missão », para que se evidencie melhor que a
vocação é iniciativa de Deus, dom do Pai, Filho e Espírito Santo.
SEGUNDA PARTE
TEOLOGIA DA VOCAÇÃO
« Há diversidades de dons, mas um só Espírito ... »
(1 Cor 12,4) O escopo fundamental desta parte teológica
é fazer perceber o sentido da vida humana em relação a Deus, comunhão
trinitária. O mistério do Pai, do Filho e do Espírito Santo fundamenta a
existência plena do homem, como chamado ao amor no dom de si e na
santidade; como dom na Igreja, para o mundo. Toda antropologia desligada
de Deus é ilusória. Trata-se agora de captar os elementos
estruturais da vocação cristã, a sua arquitetura essencial que,
evidentemente, não pode deixar de ser teológica. Essa realidade, que já
foi objeto de muitas análises também do Magistério, é rica de uma
tradição espiritual, bíblico-teológica, que não só formou gerações de
chamados, mas também uma espiritualidade do chamado. A
busca de sentido para a vida 14. Na escola da Palavra de
Deus, a comunidade cristã acolhe a resposta mais alta à busca de sentido
que, mais ou menos claramente, surge no coração do homem. É uma resposta
que não vem da razão humana, embora sempre dramaticamente provocada pelo
problema do existir e do seu destino, mas vem de Deus. É Ele mesmo que
entrega ao homem a chave de leitura, para esclarecer e resolver os
grandes questionamentos que fazem do homem um sujeito interrogador: «
Por que estamos no mundo? O que é a vida? Qual é o ponto de chegada,
além do mistério da morte? ». Porém não se deve esquecer que, na
cultura da distração em que se acham mergulhados sobretudo os jovens
deste tempo, as perguntas fundamentais correm o risco de serem sufocadas
ou removidas. Hoje, o sentido da vida, mais do que procurado, é imposto:
ou por aquilo que se vive no imediato ou por aquilo que gratifica as
necessidades; satisfeitos esses, a consciência se torna sempre mais
obtusa e os questionamentos mais verdadeiros ficam frustrados.(27)
Por isso, é dever da teologia pastoral e do acompanhamento espiritual
ajudar os jovens a interrogar a vida, para chegarem a formular, no
diálogo decisivo com Deus, a mesma pergunta de Maria de Nazaré: « Como é
possível? » (Lc 1,34). O ícone trinitário
15. Na escuta da Palavra, descobrimos — estupefatos — que a categoria
bíblico-teológica mais compreensível e mais adequada para exprimir o
mistério da vida, à luz de Cristo, é a da « vocação ». (28) « Cristo,
que é o novo Adão, justamente ao revelar o mistério do Pai e do seu
Amor, revela também plenamente o homem ao homem, e lhe faz conhecer a
sua altíssima vocação ». (29) Por isso, a figura bíblica da
comunidade de Corinto apresenta os dons do Espírito, na Igreja,
subordinados ao reconhecimento de Jesus como o Senhor. Realmente a
cristologia é fundamento de toda antropologia e eclesiologia. Cristo
é o projeto do homem. Só depois que o crente, « sob a ação do
Espírito Santo » (1 Cor 12,4-6), reconheceu que Jesus é o Senhor,
pode aceitar o estatuto da nova comunidade dos crentes: « Os carismas
são diferentes, mas um só Espírito; ha diversidade de ministérios, mas
um só é o Senhor. Há diversidade de operações, mas um só é Deus que
realiza tudo em todos » (1 Cor 12,4-6). A imagem paulina
coloca em clara evidência três aspectos fundamentais dos dons
vocacionais na Igreja, estreitamente conexos com a sua origem do seio da
comunhão trinitária, e com referência específica a cada uma das Pessoas.
À luz do Espírito, os dons são expressão da sua infinita gratuidade.
Ele mesmo é carisma (Atos 2,38), fonte de todo dom, e expressão
da irreprimível criatividade divina. À luz de Cristo, os dons
vocacionais são « ministérios », exprimem a multiforme
diversidade do serviço que o Filho viveu, até o fim da sua vida. De
fato, Ele « Não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida... » (Mt 20,28). Portanto, Jesus é o modelo de todo
ministério. À luz do Pai, os dons são « operações »,
porque dele, fonte da vida, todo ser desprende o próprio dinamismo
criatural. Por isso, a Igreja reflete, como ícone, o mistério de
Deus Pai, de Deus Filho e de Deus Espírito Santo; e toda vocação traz em
si os traços característicos das três Pessoas da comunhão trinitária. As
Pessoas divinas são fonte e modelo de todo chamado. Aliás, em si mesma,
a Trindade é um misterioso entrelaçado de chamados e respostas. Somente
ali, dentro daquele diálogo ininterrupto, cada vivente descobre não
apenas as suas raízes, mas também o seu destino e o seu futuro, o que é
chamado a ser e a se tornar, na verdade e na liberdade, na concretude da
sua história. De fato, no estatuto eclesiológico da 1
Coríntios, os dons têm uma destinação histórica e concreta: « A cada
um é dada uma manifestação particular do Espírito, para a utilidade de
todos » (1 Cor 12,7). Há um bem superior que está regularmente
acima do dom pessoal: construir na unidade o Corpo de Cristo; tornar
epifânica a sua presença na História, « para que o mundo creia » (Jo
17,21). Portanto, por um lado a comunidade eclesial está aferrada
ao mistério de Deus, de que é ícone visível; e por outro, é totalmente
envolvida com a história do homem no mundo, em estado de êxodo, rumo «
aos novos céus ». A Igreja, e nela, toda vocação, exprimem um
dinamismo idêntico: ser chamados para uma missão. O Pai
chama para a vida 16. A existência de cada um é fruto do
amor criativo do Pai, do seu desejo eficaz, da sua palavra geradora.
O ato criador do Pai tem a dinâmica de um apelo, de um chamado para a
vida. O homem vem à vida porque amado, pensado e querido por uma Vontade
boa que o preferiu à não existência, que o amou antes mesmo que fosse,
que o conheceu antes de formá-lo no seio materno, que o consagrou antes
que fosse dado à luz (cf Jr 1,5; Is 49,1.5; Gl
1,15). Então, é a vocação que na raiz explica o mistério da vida
do homem, e ela mesma é um mistério de predileção e de absoluta
gratuidade. a) « ... à sua imagem » No « chamado
criativo », o homem aparece logo com toda a sua carga de dignidade, como
sujeito chamado à relação com Deus, a estar diante dele, com os outros,
no mundo, com uma face que reflete os mesmos traços divinos: « Façamos o
homem à nossa imagem e semelhança » (Gn 1,26). Essa tríplice
relação pertence ao projeto original, porque nele — em Cristo — o Pai
nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados
diante dele, na caridade » (Ef 1,4). Reconhecer o Pai
significa que nós existimos à sua maneira, tendo-nos criado à sua imagem
(Sab 2,23). Nisso, portanto, está contida a vocação fundamental
do homem: a vocação à vida e a uma vida imediatamente concebida à
semelhança da vida divina. Se o Pai é o eterno manancial, a total
gratuidade, a fonte perene da existência e do amor, na medida pequena e
limitada do seu existir, o homem é chamado a ser como Ele; portanto, a «
dar a vida », a assumir o peso da vida de um outro. Então, o ato
criador do Pai é que provoca a conscientização de que a vida é uma
entrega à liberdade do homem, chamado a dar uma resposta personalíssima
e original, responsável e repleta de gratidão. b) O amor,
sentido pleno da vida Nessa perspectiva do chamado à
vida, uma coisa deve ser excluída: que o homem possa considerar a
existência como uma coisa óbvia, natural, casual. Talvez não seja
fácil, na cultura hodierna, alguém sentir-se extasiado diante do dom da
vida. (30) Enquanto é fácil perceber o sentido de uma vida doada,
que redunda em benefício dos outros, é preciso ao invés, uma consciência
mais amadurecida, alguma formação espiritual, para perceber que a vida
de cada um, em todo caso e antes de qualquer escolha, é amor recebido, e
que em tal amor já está escondido um conseqüente projeto vocacional.
O simples fato de estarmos no mundo deveria, antes de tudo, encher a
todos de maravilha e de gratidão imensa para com Aquele que, de forma
totalmente gratuita, pronunciando o nosso nome, nos tirou do nada.
E então, a percepção de que a vida é um dom, não deveria suscitar apenas
uma atitude reconhecida, mas lentamente deveria sugerir a primeira
grande resposta à pergunta fundamental de sentido: a vida é a obra de
arte do amor criativo de Deus e, em si mesma, é um chamado a amar.
Dom recebido que, por sua natureza, tende a se tornar bem doado.
c) O amor, vocação de todo homem O amor é o sentido pleno
da vida. Deus amou tanto o homem a ponto de dar-lhe a sua própria vida e
torná-lo capaz de viver e de querer bem, à maneira divina. Nesse excesso
de amor, o amor dos inícios, o homem encontra a sua vocação radical, que
é « vocação santa » (2 Tm 1,9), e descobre a própria
inconfundível identidade, que o torna logo semelhante a Deus, « a imagem
do Santo » que o chamou (1 Pd 1,15). João Paulo II comenta: «
Criando-o à sua imagem e conservando-o continuamente no ser, Deus
inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação e, por isso, a
capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. Portanto, o amor
é a vocação fundamental e nativa de todo ser humano ». (31) d)
O Pai educador Graças àquele amor que o criou, ninguém pode
se sentir « supérfluo », já que é chamado a responder a um projeto que
Deus fez sob medida para ele. Então, o homem será feliz e
plenamente realizado, estando no seu lugar, acolhendo a proposta
educativa divina, com todo o temor e tremor que semelhante pretensão
suscita num coração de carne. Deus criador que dá a vida é também o
Pai que « educa » , tira do nada aquilo que ainda não é, para
fazê-lo ser; tira do coração do homem o que Ele colocou ali dentro, para
que seja plenamente ele mesmo e aquilo que Ele o chamou a ser, à Sua
maneira. Daqui a nostalgia de infinito que Deus colocou no mundo
interior de cada um. Como um timbre divino. e) O chamado do
Batismo Essa vocação à vida e à vida divina é celebrada no
Batismo. Nesse sacramento, o Pai se inclina com terna solicitude sobre a
criatura, filho ou filha do amor de um homem e de uma mulher, para
abençoar o fruto desse amor e torná-lo plenamente seu filho. A partir
daquele momento, a criatura é chamada à santidade dos filhos de Deus.
Nada e ninguém jamais poderá cancelar essa vocação. Com a graça
do Batismo, Deus Pai intervém para manifestar que Ele, e somente Ele é
autor do plano de salvação, dentro do qual cada ser humano encontra o
seu papel pessoal. O seu ato é sempre prévio, anterior, não espera pela
iniciativa do homem, não depende de seus méritos, nem se configura a
partir das suas capacidades ou disposições. É o Pai que conhece,
designa, dá um impulso, coloca um timbre, chama « antes mesmo da criação
do mundo » (Ef 1,4). E depois dá força, caminha lado a lado,
sustenta o esforço, é Pai e Mãe para sempre... A vida cristã
adquire assim o significado de uma experiência responsorial: torna-se
resposta responsável em fazer crescer um relacionamento filial com o
Pai, e um relacionamento fraterno na grande família dos filhos de Deus.
O cristão é chamado a facilitar, através do amor, aquele processo de
semelhança com o Pai que se chama vida teologal. Portanto, a
fidelidade ao Batismo impele a fazer à vida, e a si mesmos, perguntas
sempre mais precisas; sobretudo para dispor-se a viver a existência não
somente com base em atitudes humanas, que também são dons de Deus, mas
com base na Sua vontade; não segundo perspectivas mundanas, quase sempre
de pequena cabotagem, mas segundo os desejos e projetos de Deus.
A fidelidade ao Batismo significa então olhar para cima, como filhos,
para discernir a Sua vontade sobre a própria vida e o próprio futuro.
O Filho chama ao seguimento 17. « Senhor, mostra-nos o
Pai e isso nos basta » (Jo 14,8). É o pedido de Filipe a
Jesus, na vigília da paixão. É a angustiante saudade de Deus, presente
no coração de todo homem: conhecer as próprias raízes, conhecer a Deus.
O homem não é infinito, está mergulhado na finitude; mas o seu desejo
gravita ao redor do infinito. E a resposta de Jesus surpreende os
discípulos: « Há tanto tempo estou no meio de vós, e tu ainda não me
conheces, Filipe? Quem me viu, viu o Pai » (Jo 14,9). a)
Mandado pelo Pai para chamar o homem O Pai nos criou no Filho
« que é irradiação da sua glória e marca da sua substância » (Hb
1,3), predestinando-nos a ser conformes à Sua imagem (cf Rm
8,29). O Verbo é imagem perfeita do Pai. É Aquele em quem o Pai se
tornou visível, o Logos por meio do qual « falou a nós » (Hb
1,2). Todo o seu ser é de « ser enviado », para tornar Deus, enquanto
Pai, próximo dos homens, para desvelar a Sua Face e o Seu Nome aos
homens (Jo 17,6). Se o homem é chamado a ser filho
de Deus, conseqüentemente ninguém melhor do que o Verbo Encarnado pode «
falar » de Deus ao homem, e fazer ver a imagem perfeita de Filho. Por
isso, o Filho de Deus, vindo a esta terra, chamou a segui-lo, a ser como
Ele, a compartilhar a sua vida, a sua Palavra, a sua páscoa de morte e
ressurreição; até mesmo os seus sentimentos. O Filho, o
enviado de Deus, se fez homem para chamar o homem: O enviado do Pai
é o chamador dos homens. Por isso não existe um trecho do
evangelho, um encontro, ou um diálogo que não tenha um significado
vocacional, que não exprima, direta ou indiretamente, um chamado por
parte de Jesus. É como se seus encontros humanos, provocados pelas mais
diversas circunstâncias, fossem para ele uma ocasião para, de qualquer
modo, colocar a pessoa diante da pergunta estratégica: « O que fazer da
minha vida?, « Qual é a minha estrada? ». b) O maior amor: dar
a vida Para que Jesus chama? Para segui-Lo e agir como ele.
Mais particularmente, para viver a sua mesma relação com o Pai e com os
homens: para acolher a vida como dom das mãos do Pai, para « perder » e
derramar esse dom sobre aqueles que o Pai lhe confiou. (32)
Existe na identidade de Jesus um traço unificador que constitui o
sentido pleno do amor: a missão. Essa exprime a oblatividade, que
sobre a cruz atinge a sua suprema epifania: « Ninguém tem maior amor do
que este: dar a vida pelos próprios amigos » (Jo 15,13).
Portanto, cada discípulo é chamado a repetir e reviver os sentimentos do
Filho, que encontram uma síntese no amor, motivação decisiva de todo
chamado. Mas, acima de tudo, cada discípulo é chamado a tornar visível a
missão de Jesus, é chamado para a missão: « Como o Pai me enviou,
assim também eu vos envio » (Jo 20,21). A estrutura de toda
vocação, ou melhor, a sua maturidade consiste em continuar Jesus no
mundo e, como ele, fazer da vida um dom. O envio-missão é a entrega da
tarde da Páscoa (Jo 20,21), e é a última palavra antes de subir
para o Pai (Mt 28,16-20). c) Jesus, o formador
Todo chamado é um sinal de Jesus: de certa maneira o seu coração e as
suas mãos continuam a abraçar as crianças, a curar os doentes, a
reconciliar os pecadores e a deixar-se pregar na cruz por amor de todos.
Ser para os outros, com o coração de Cristo, é a fisionomia madura de
toda vocação. Por isso, o Senhor Jesus é o formador daqueles que
chama, o único que pode plasmar neles seus mesmos sentimentos.
Todo discípulo, respondendo ao seu chamado e deixando-se formar por ele,
exprime os traços mais verdadeiros da própria escolha. Por isso, « o
reconhecimento dele como o Senhor da vida e da História comporta o
auto-reconhecimento do discípulo [...]. O ato de fé necessariamente
conjuga o reconhecimento cristológico com o auto-reconhecimento
antropológico ». (33) Daqui a pedagogia da experiência vocacional
cristã, evocada pela Palavra de Deus: « Jesus constituiu doze para que
ficassem com ele e também para mandá-los pregar » (Mc 3,14). Para
ser vivida em plenitude, na dimensão do dom e da missão, a vida cristã
precisa de motivações fortes e, sobretudo, de comunhão profunda com o
Senhor: na escuta, no diálogo, na oração, na interiorização dos
sentimentos, em deixar-se formar todos os dias por ele e, sobretudo, no
desejo ardente de comunicar ao mundo a vida do Pai. d) A
Eucaristia: a entrega para a missão Em todas as catequeses da
comunidade cristã das origens é clara a centralidade do mistério pascal:
anunciar Cristo, morto e ressuscitado. No mistério do pão partido e do
sangue derramado pela vida do mundo, a comunidade crente contempla a
epifania suprema do amor, a vida doada do Filho de Deus. Por
isso, na celebração da Eucaristia, « cume e fonte » (34) da vida cristã,
é celebrada a máxima revelação da missão de Jesus Cristo no mundo; mas
ao mesmo tempo se celebra também a identidade da comunidade eclesial
convocada para ser enviada, chamada para a missão. Na comunidade
que celebra o mistério pascal, todo cristão toma parte e entra no estilo
do dom de Jesus tornando-se como ele pão repartido para a oferta ao Pai
e para a vida do mundo. Assim a Eucaristia se torna fonte de toda
vocação cristã; nela todo crente é chamado a conformar-se ao Cristo
Ressuscitado, totalmente oferecido e doado. Torna-se ícone de toda
resposta vocacional; como em Jesus, em toda vida e em toda vocação,
existe uma difícil fidelidade a ser vivida até a medida da cruz.
Aquele que toma parte nela acolhe o convite-chamado de Jesus a « fazer
memória » dele, no sacramento e na vida, a viver « recordando » na
verdade e na liberdade das escolhas quotidianas, o memorial da cruz, a
preencher a existência de gratidão e de gratuidade, a repartir o próprio
corpo e a derramar o próprio sangue. Como o Filho. Por fim, a
Eucaristia gera o testemunho, prepara para a missão: « Ide em paz ». Do
encontro com Cristo no sinal do Pão, se passa ao encontro com Cristo no
sinal de cada homem. O compromisso do crente não se esgota na entrada,
mas na saída do templo. A resposta ao chamado encontra a história da
missão. A fidelidade à própria vocação é haurida nas fontes da
Eucaristia e se mede na Eucaristia da vida. O Espírito
chama para o testemunho 18. Todo crente, iluminado pela
inteligência da fé, é chamado a conhecer e reconhecer Jesus como o
Senhor; e nele a reconhecer a si mesmo. Mas isso não é fruto apenas de
um desejo humano ou da boa vontade do homem. Mesmo depois de terem
vivido a experiência prolongada com o Senhor, os discípulos têm sempre
necessidade de Deus. Na vigília da paixão, eles experimentam um certo
turbamento (Jo 14,1), têm medo da solidão; e Jesus os encoraja
com uma promessa inaudita: « Não vos deixarei órfãos » (Jo
14,18). Os primeiros chamados do evangelho não ficarão sozinhos: Jesus
lhes garante a vigilante companhia do Espírito. a) Consolador
e amigo, guia e memória « Ele é o Consolador », o Espírito de
bondade que o Pai mandará em nome do Filho, dom do Senhor Ressuscitado
», (35) « para que permaneça sempre convosco » (Jo 14,16).
Assim o Espírito se torna o amigo de cada discípulo, o guia de olhar
zeloso sobre Jesus e sobre os chamados, para fazer deles testemunhas
contracorrente do evento mais perturbador do mundo: o Cristo morto e
ressuscitado. De fato, ele é « memória » de Jesus e da sua Palavra: «
Ele vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar tudo aquilo que eu
vos disse » (Jo 14,26); mais ainda, « há de levar-vos à verdade
completa » (Jo 16,13). A permanente novidade do Espírito
consiste em guiar na direção de uma inteligência progressiva e profunda
da verdade, daquela verdade que não é noção abstrata, mas o projeto de
Deus na vida de cada discípulo. É a transformação da Palavra em vida e
da vida segundo a Palavra. b) Animador e acompanhador
vocacional Dessa forma o Espírito se torna o grande animador
de toda vocação, Aquele que acompanha o caminho para que chegue à
meta, o iconógrafo interior que plasma com fantasia a face de cada um,
segundo Jesus. A sua presença é permanente ao lado de todo homem
e mulher, para conduzir todos ao discernimento da própria identidade de
crentes e de chamados, para plasmar e modelar tal identidade exatamente
segundo o modelo do amor divino. Como artesão paciente das nossas almas
e « consolador perfeito », o Espírito santificador procura reproduzir em
cada um esse « molde divino ». Mas, acima de tudo, o Espírito
habilita os chamados para o « testemunho ». « Ele dará testemunho de mim
e vós também me dareis testemunho » (Jo 15,26-27). Esse modo de
ser de cada chamado constitui a palavra convincente, o conteúdo mesmo da
missão. O testemunho não consiste apenas em sugerir as palavras do
anúncio, como no evangelho de Mateus (Mt 10,20), mas sim em
guardar Jesus no coração e em anunciá-lo como vida do mundo. c)
A santidade, vocação de todos E então a pergunta a respeito
do salto de qualidade a ser dado hoje à pastoral vocacional se torna um
questionamento que, sem dúvida, empenha na escuta do Espírito: porque
ele é o anunciador das « coisas futuras » (Jo 16,13), é ele que
dá uma nova inteligência espiritual para entender a história e a vida a
partir da Páscoa do Senhor, em cuja vitória está o futuro de cada homem.
Assim é legítimo perguntar: onde está o chamado do Espírito Santo para
estes anos que estamos vivendo? Onde é que devemos corrigir os caminhos
da pastoral vocacional? Mas a resposta só virá se acolhermos o
grande apelo à conversão, dirigido à comunidade eclesial e, nela, a cada
um, como um verdadeiro itinerário de ascética e de renascimento
interior, para que cada um recupere a fidelidade à própria vocação.
Existe um primado da vida no Espírito, que está na base de toda
pastoral vocacional. Isso requer a superação de um difuso pragmatismo e
daquele exteriorismo estéril que leva a esquecer a vida teologal da fé,
da esperança e da caridade. A escuta profunda do Espírito é o novo
respiro de toda ação pastoral da comunidade eclesial. O primado
da vida espiritual é a premissa para responder àquela nostalgia de
santidade que, como já recordamos, perpassa também este tempo da
Igreja na Europa. A santidade é a vocação universal de todo homem, (36)
é a via mestra em que convergem os muitos caminhos das vocações
particulares. Portanto o grande encontro marcado do Espírito para esta
curva da história pós-conciliar é a santidade dos chamados. d)
As vocações a serviço da vocação da Igreja Mas, tender
eficazmente em direção a essa meta significa aderir à ação misteriosa do
Espírito em algumas direções bem determinadas, que preparam e constituem
o segredo de uma verdadeira vitalidade da Igreja dos anos 2.000.
Ao Espírito Santo condiz, antes de tudo, o eterno protagonismo da
comunhão que se reflete no ícone da comunidade eclesial, visível
através da pluralidade dos dons e dos ministérios. (37) É
precisamente no Espírito que cada cristão descobre a sua absoluta
originalidade, a unicidade do seu chamado e, ao mesmo tempo, a sua
natural e indelével tendência à unidade. É no Espírito que as vocações
na Igreja são tantas e, juntas, são uma mesma única vocação à unidade do
amor e do testemunho. É ainda a ação do Espírito que torna possível a
pluralidade das vocações na unidade da estrutura eclesial: as
vocações na Igreja são necessárias na sua variedade para realizar a
vocação da Igreja; e, por sua vez, a vocação da Igreja é tornar
possíveis e factíveis as vocações da e na Igreja. Todas as vocações,
portanto, propendem para o testemunho do ágape, para o anúncio de
Cristo, único salvador do mundo. É justamente essa a
originalidade da vocação cristã: fazer coincidir a realização da pessoa
com a realização da comunidade; mais uma vez, isso quer dizer fazer
prevalecer a lógica do amor sobre a dos interesses pessoais, a lógica da
partilha sobre a da apropriação narcisista dos talentos (cf 1 Cor
12-14). Portanto, a santidade se torna a verdadeira epifania do
Espírito Santo na História. Se cada Pessoa da Comunhão Trinitária tem a
sua fisionomia, e se é verdade que as fisionomias do Pai e do Filho são
bastante familiares, porque, fazendo-se homem como nós, Jesus revelou a
face do Pai os santos se tornam o ícone mais eloqüente do mistério do
Espírito. Assim também, na própria vocação particular e no chamado
universal à santidade, todo crente fiel ao evangelho esconde e revela a
fisionomia do Espírito Santo. e) O « sim » ao Espírito na
Crisma O sacramento da Crisma é o momento que exprime de
maneira mais evidente e consciente o dom e o encontro com o Espírito
Santo. Perante Deus e o seu gesto de amor (« Recebe a marca do
Espírito Santo que te é dado como dom » (38), mas também diante da
própria consciência e da comunidade cristã, o crismando responde « amém
». Em nível formativo e catequístico é importante recuperar o sentido
forte desse « amém ». (39) Antes de tudo ele quer significar o «
sim » ao Espírito Santo e, com ele, a Jesus. Eis por que a celebração do
sacramento da Crisma prevê a renovação das promessas batismais, e pede
ao crismando o compromisso de renunciar ao pecado e às obras do maligno,
sempre de emboscada para desfigurar a imagem cristã; e sobretudo o
compromisso de viver o evangelho de Jesus, especialmente o grande
preceito do amor. Trata-se de confirmar e renovar a fidelidade
vocacional à própria identidade de filhos de Deus. O « amém » é
também um « sim » à Igreja. Na Crisma o jovem declara assumir a missão
de Jesus continuada pela comunidade. Empenhando-se em duas direções,
para dar concretude ao seu « amém »: o testemunho e a missão.
O crismado sabe que a fé é um talento que é preciso multiplicar; é uma
mensagem a ser transmitida aos outros com a vida, com o
testemunho coerente de todo o seu ser; e com a palavra, com a
coragem missionária de difundir a boa nova. E, por fim, o « amém
» exprime a docilidade ao Espírito Santo e o pensar e decidir o futuro
segundo o projeto de Deus. Não apenas segundo as próprias
aspirações e capacidades; não apenas nos espaços que o mundo coloca à
disposição; mas sobretudo em sintonia com o projeto, sempre inédito e
imprevisível, que Deus tem para cada um. Da Trindade à
Igreja no mundo 19. Toda vocação cristã é « particular »
porque interpela a liberdade de cada homem e gera uma resposta
personalíssima numa história original e irrepetível. Por isso, na
própria experiência vocacional cada pessoa encontra uma vivência que não
pode ser reduzida a esquemas gerais; a história de cada homem é uma
pequena história, mas sempre parte — inconfundível e única — de uma
grande história. Na relação entre essas duas histórias, entre o seu
pequeno projeto? e aquele grande que lhe pertence e que o supera, o ser
humano joga a sua liberdade. a) Na Igreja e no mundo, para a
Igreja e para o mundo Toda vocação nasce num lugar
determinado, num contexto concreto e limitado, mas não se volta para si
mesma, não tende para a própria perfeição ou auto-realização psicológica
ou espiritual do chamado, mas floresce na Igreja, naquela Igreja
que caminha no mundo, rumo ao mundo completo, rumo à realização de uma
história que é grande porque é de salvação. A mesma comunidade eclesial
tem uma estrutura profundamente vocacional: ela é chamada para a missão;
é sinal de Cristo, missionário do Pai. Como diz a Lumen Gentium:
« é em Cristo como um sacramento, isto é, sinal e instrumento da íntima
união com Deus e da unidade de todo o gênero humano ». (40) Por
um lado, a Igreja é sinal que reflete o mistério de Deus; é ícone que
evoca a comunhão trinitária no sinal da comunidade visível, e ao
mistério de Cristo no dinamismo da missão universal. Por outro lado, a
Igreja está imersa no tempo dos homens, vive na história em condição de
êxodo, está em missão a serviço do Reino para transformar a humanidade
na comunidade dos filhos de Deus. Portanto, a atenção à história
pede à comunidade cristã que se coloque à escuta das expectativas dos
homens, que leia aqueles sinais dos tempos que constituem código e
linguagem do Espírito Santo, que entre em diálogo crítico e fecundo com
o mundo contemporâneo, acolhendo com benevolência tradições e culturas,
para revelar nelas o projeto do Reino, e lançar aí o fermento do
evangelho. Assim a pequena grande história de toda vocação se
entrelaça com a história da Igreja no mundo. Como nasceu na Igreja e no
mundo, assim todo chamado está a serviço da Igreja e do mundo. b)
A Igreja, comunidade e comunhão de vocações Na Igreja,
comunidade de dons para a única missão, se realiza para o crente
inserido em Cristo através do Batismo, aquela passagem da condição em
que se encontra à sua vocação « particular », como resposta ao dom
específico do Espírito. Em tal comunidade toda vocação é « particular »,
e se especifica num projeto de vida; não existem vocações genéricas.
E na sua particularidade, toda vocação é a um tempo « necessária » e «
relativa ». « Necessária » porque Cristo vive e se torna visível no seu
corpo que é a Igreja e no discípulo que é parte essencial dela. «
Relativa », porque nenhuma vocação exaure o sinal testemunhal do
mistério de Cristo, mas exprime apenas um aspecto dele. Somente o
conjunto dos dons torna epifânico o inteiro corpo do Senhor. No edifício
cada pedra precisa da outra (1 Pd 2,5); no corpo, cada membro
precisa do outro para fazer crescer o organismo inteiro e cooperar para
a utilidade comum (1 Cor 12,7). Isso exige que a vida de
cada um seja projetada a partir de Deus que é a única fonte e provê tudo
para o bem do todo; exige que a vida seja redescoberta como
verdadeiramente significativa somente quando se abre ao seguimento de
Jesus. Mas, é também importante que exista uma comunidade
eclesial que ajude de fato cada chamado a descobrir a própria vocação. O
clima de fé, de oração, de comunhão no amor, de maturidade espiritual,
de coragem do anúncio, de intensidade da vida sacramental faz da
comunidade crente um terreno adequado não apenas ao desabrochar de
vocações particulares, mas à criação de uma cultura vocacional e de uma
disponibilidade nos indivíduos a receber seu chamado pessoal. Quando um
jovem percebe o chamado e decide no seu coração a santa viagem para
realizá-la, ali, normalmente, existe uma comunidade que criou as
premissas para essa disponibilidade obediencial. (41) Ou seja: a
fidelidade vocacional de uma comunidade crente é a primeira e
fundamental condição para o florescimento da vocação dos indivíduos
crentes, especialmente os mais jovens. c) Sinal, ministério,
missão Portanto, como forma estável e definitiva de vida,
toda vocação se abre numa tríplice dimensão: em relação a Cristo, todo
chamado é « sinal; em relação à Igreja, é « ministério »; em relação ao
mundo é « missão » e testemunho do Reino. Se a Igreja está « em
Cristo como um sacramento », toda vocação revela a dinâmica profunda da
comunhão trinitária, a ação do Pai, do Filho e do Espírito, como evento
que faz ser em Cristo criaturas novas e modeladas sobre ele.
Então, toda vocação é sinal, é um modo especial de revelar a face
do Senhor Jesus. « O amor de Cristo nos impele » (2 Cor 5,14).
Assim, Jesus se torna movente e modelo decisivo de toda resposta aos
apelos de Deus. Em relação à Igreja, toda vocação é ministério,
radicado na pura gratuidade do dom. O chamado de Deus é um dom para a
comunidade, para a utilidade comum, no dinamismo dos muitos serviços
ministeriais. Isso é possível em docilidade ao Espírito que faz a Igreja
ser como « comunidade de diferentes faces », (42) e gera no coração do
cristão o ágape, não só como ética do amor, mas também como estrutura
profunda da pessoa, chamada e habilitada a viver em relação com os
outros, na atitude do serviço, segundo a liberdade do Espírito.
Por fim, em relação ao mundo, toda vocação é missão. É vida
vivida em plenitude porque vivida para os outros, como a de Jesus e, por
isso, geradora de vida: « a vida gera a vida ». (43) Daqui a intrínseca
participação de toda vocação ao apostolado e à missão da Igreja, germe
do Reino. Vocação e missão constituem duas faces do mesmo prisma.
Definem o dom e o con-tributo de cada um para o projeto de Deus, à
imagem e semelhança de Jesus. d) A Igreja, mãe de vocações
A Igreja é mãe de vocações porque as faz nascer, com a força do
Espírito, protege-as, nutre-as e sustenta. De modo especial, é mãe
porque exerce uma preciosa função mediadora e pedagógica.
« A Igreja, chamada por Deus, constituída no mundo como comunidade de
chamados, é por sua vez, instrumento do chamado de Deus. A Igreja é
apelo vivente, por vontade do Pai, pelos méritos do Senhor Jesus, pela
força do Espírito Santo [...]. A comunidade que toma consciência de ser
chamada, ao mesmo tempo toma consciência de que deve chamar
continuamente ». (44) Através e ao longo desse chamado, nas suas várias
formas, flui também o apelo que vem de Deus. A Igreja exerce essa
função mediadora quando ajuda e estimula cada crente a tomar consciência
do dom recebido e da responsabilidade que o dom traz consigo.
Exerce-a ainda quando se faz intérprete autorizada do apelo vocacional
explícito, e ela mesma chama, apresentando as necessidades ligadas à sua
missão e às exigências do povo de Deus, e convidando a responder
generosamente. Exerce-a, também, quando pede ao Pai o dom do
Espirito que suscita o assentimento no coração dos chamados, e quando os
acolhe e reconhece neles o chamado, dando explicitamente e entregando —
com confiança e trepidação, ao mesmo tempo — uma missão concreta e
sempre difícil entre os homens. Por fim, poderíamos acrescentar
que a Igreja manifesta a sua maternidade quando, além de chamar e
reconhecer a idoneidade dos chamados, provê para que eles tenham uma
adequada formação inicial e permanente, e para que sejam realmente
acompanhados ao longo do caminho de uma resposta sempre mais fiel e
radical. De certo, a maternidade eclesial não pode se exaurir no tempo
do apelo inicial. Nem pode ser chamada de mãe a comunidade de crentes
que simplesmente « aguarda », entregando totalmente à ação divina a
responsabilidade do chamado, quase temerosa de fazer apelos; ou que dá
como garantido que os meninos e, especialmente, os jovens sabem receber
imediatamente o apelo vocacional; ou que não oferece percursos bem
escolhidos para a proposta e o acolhimento da proposta. A
crise vocacional dos chamados, hoje, é também crise dos que chamam,
às vezes escondidos e pouco corajosos. Se não há ninguém que chame, como
poderia haver quem responda? A dimensão ecumênica
20. A Europa hodierna precisa de novos santos e de novas vocações, de
crentes capazes de « lançar pontes » para unir sempre mais as Igrejas. É
um típico aspecto de novidade, este, um sinal dos tempos da pastoral
vocacional de fim de milênio. Num Continente marcado por uma profunda
aspiração unitária, as Igrejas devem ser as primeiras a dar o exemplo de
uma fraternidade mais forte do que qualquer divisão, e no entanto sempre
em construção e reconstrução. « Hoje, na Europa, a pastoral vocacional
deve ter uma dimensão ecumênica. Todas as vocações presentes em cada
Igreja da Europa, se comprometem juntas a assumir o grande desafio da
evangelização no limiar do terceiro milênio, dando um testemunho de
comunhão e de fé em Jesus Cristo, único salvador do mundo ». (45)
Nesse espírito de unidade eclesial devem ser promovidas e facilitadas: a
partilha dos bens que o Espírito de Deus semeou em toda parte, e a ajuda
recíproca entre as Igrejas. As Igrejas Católicas do Oriente
21. Uma maior atenção, por parte das Igrejas da Europa ocidental, deve
ser dada aos percursos espirituais e formativos das Igrejas Católicas
Orientais; isso não pode deixar de exercer um benéfico influxo sobre a
pastoral vocacional de todas as Igrejas. Para as Igrejas do
Oriente, a santa Liturgia tem uma importância singular no que se refere
à formação das vocações. Ela é o lugar onde se faz a proclamação e a
adoração do Mistério da salvação, e onde nasce a comunhão e se constrói
a fraternidade entre os crentes, a ponto de se tornar verdadeira
formadora de vida cristã, a síntese mais completa dos seus vários
aspectos. Na liturgia, a jubilosa confissão de pertencer à tradição das
Igrejas do Oriente é unida à plena comunhão com a Igreja de Roma.
Não é possível ser suscitadores de vocações para o sacerdócio e a vida
monástica, se não se volta às fontes das próprias tradições originárias,
em sintonia com os Santos Padres e com o seu profundo sentido da Igreja.
Esse processo de grande amplitude requer tempo, paciência, respeito à
sensibilidade dos fiéis, mas também determinação. Para isso, os
Bispos, os Superiores religiosos e os Agentes de pastoral das Igrejas
Católicas Orientais da Europa, são solicitados a sentir a urgência para
todas as suas Igrejas, recuperando e custodiando íntegro o respectivo
patrimônio litúrgico, que contribui, de forma insubstituível, para o
nascimento e o desenvolvimento da teologia e da catequese. A exemplo do
método mistagógico dos Padres, ele abre para a experiência do chamado e
da vida espiritual, e matura um firme e forte espírito ecumênico. (46)
Nas experiências eclesiais diversificadas, e através de estudos que
apresentam o patrimônio histórico, teológico, jurídico e espiritual das
próprias Igrejas de pertença, os jovens orientais podem oportunamente
encontrar ambientes educativos adequados para maturar o sentido
universal de sua dedicação a Cristo e à Igreja. É dever dos
Bispos promover, aproximar-se com simpatia e acompanhar com atenção
paterna os jovens que, individualmente ou em grupo, desejam se dedicar à
vida monástica, valorizando o carisma das comunidades monásticas, ricas
de formadores e de guias espirituais. O ministério ordenado
e as vocações na reciprocidade da comunhão 22. « Em
muitas Igrejas particulares, a pastoral vocacional ainda precisa de
esclarecer a relação entre ministério ordenado, vocação de especial
consagração, e todas as outras vocações. A pastoral vocacional unitária
se fundamenta na vocacionalidade da Igreja e de toda vida humana, como
chamado e resposta. Isso está na base do empenho unitário de toda a
Igreja por todas as vocações e, em particular, pelas vocações de
especial consagração ». (47) a) O ministério ordenado
Dentro dessa sensibilidade geral, parece que hoje se deva dar uma
atenção especial ao ministério ordenado, que representa a
primeira modalidade específica de anúncio do evangelho. Ele representa «
a garantia permanente da presença sacramental de Cristo Redentor nos
diversos tempos e lugares », (48) e exprime justamente a dependência
direta da Igreja de Cristo, que continua a enviar o seu Espírito para
que essa não fique fechada em si mesma, no seu cenáculo, mas caminhe
pelas estradas do mundo para anunciar a boa notícia. Essa
modalidade vocacional pode ser expressa segundo três graus: episcopal
(a que está ligada a garantia da sucessão apostólica), presbiteral
(que é a « representação sacramental de Cristo como pastor » (49) e
diaconal (sinal sacramental de Cristo servo. (50) Aos Bispos é
confiado o ministério do chamado em relação àqueles que aspiram às
Ordens sagradas, para se tornarem seus cooperadores na tarefa
apostólica. O ministério ordenado faz com que, sobretudo através
da celebração da Eucaristia, a Igreja seja « culmen et fons » (51) da
vida cristã e da comunidade chamada a fazer memória do Ressuscitado.
Todas as outras vocações nascem na Igreja e fazem parte da sua vida.
Portanto, o ministério ordenado tem um serviço de comunhão na comunidade
e, em força dele, tem o imprescindível dever de promover todas as
vocações. Daqui, a tradução pastoral: o ministério ordenado
para todas as vocações, e todas as vocações para o ministério ordenado,
na reciprocidade da comunhão. Por isso, o bispo, com o seu presbitério,
é chamado a discernir e a cultivar todos os dons do Espírito. Mas, em
particular, o cuidado com o seminário deve se tornar preocupação de toda
a Igreja diocesana, para garantir a formação dos futuros presbíteros e a
constituição de comunidades eucarísticas como plena expressão da
experiência cristã. b) A atenção a todas as vocações
O discernimento e o cuidado da comunidade cristã devem ser dirigidos a
todas as vocações, tanto as que entraram a fazer parte da Igreja, quanto
aos novos dons do Espírito: a consagração religiosa na vida monástica e
na vida apostólica, a vocação laical, o carisma dos institutos
seculares, as sociedades da vida apostólica, as vocações ao matrimônio,
as várias formas laicais de agregação-associação coligadas aos
institutos religiosos, as vocações missionárias, as novas formas de vida
consagrada. Esses diversos dons do Espírito estão presentes de
vários modos nas Igrejas da Europa; mas todas essas Igrejas, em qualquer
caso, são chamadas a dar testemunho de acolhimento e de cuidado de todas
as vocações. Uma Igreja é viva, quanto mais nela é rica e variada a
expressão das diversas vocações. E mais, num tempo como o nosso,
necessitado de profecia, é coisa sábia promover aquelas vocações que são
um sinal particular « daquilo que seremos e ainda não nos foi revelado »
(1 Jo 3,2), como as vocações de especial consagração; mas
é também coisa sábia favorecer o aspecto profético típico de toda
vocação cristã, inclusiva a laical para que, diante do mundo, a
Igreja seja sempre mais sinal das coisas futuras, daquele Reino que « já
é e ainda não ». Maria, mãe e modelo de toda vocação
23. Existe uma criatura na qual o diálogo entre a liberdade de Deus e a
liberdade do homem se dá de modo perfeito, de forma que as duas
liberdades possam interagir, realizando plenamente o projeto vocacional;
uma criatura que nos foi dada para que nela possamos contemplar um
projeto vocacional perfeito, aquele que deveria realizar-se em cada um
de nós. É Maria, a imagem perfeita do sonho de Deus sobre a
criatura! Na verdade, ela é criatura, como nós, pequeno fragmento em que
Deus pôde derramar a plenitude do seu amor divino; esperança que nos foi
dada, para que, vendo-a, nós também possamos acolher a Palavra, a fim de
que se cumpra em nós. Maria é a mulher em que a Trindade
Santíssima pode manifestar plenamente a sua liberdade de escolha.
Como diz São Bernardo, comentando a mensagem do anjo Gabriel, na
anunciação: « Esta não é uma Virgem encontrada no último momento, nem
por acaso, mas foi escolhida antes dos séculos; o Altíssimo a
predestinou e a preparou para si ». (52) Faz-lhe eco Santo Agostinho: «
Antes que o Verbo nascesse da Virgem, Ele já a havia predestinado como
sua mãe ». (53) Maria é a imagem da escolha divina de cada
criatura, escolhida que é desde a eternidade e soberanamente livre,
misteriosa e amante. Escolha que normalmente vai muito além do que a
criatura pode pensar de si: que requer dela o impossível e só lhe pede
uma coisa, a coragem de se entregar. Mas a Virgem Maria é também
o modelo da liberdade humana na resposta a essa escolha. Ela é o
sinal daquilo que Deus pode fazer quando encontra uma criatura livre
para acolher a sua proposta. Livre para dizer o seu « sim », livre para
se encaminhar para a peregrinação da fé, que será também a peregrinação
da sua vocação de mulher chamada a ser Mãe do Salvador e Mãe da Igreja.
Essa longa viagem se completará aos pés da cruz, através de um « sim »
ainda mais misterioso e doloroso que a tornará plenamente mãe; e ainda
mais no cenáculo, onde gera e ainda hoje continua a gerar, com o
Espírito, a Igreja e toda vocação. Por fim, Maria é a imagem
perfeitamente realizada da Mulher, perfeita síntese da
genialidade feminina e da fantasia do Espírito, que nela encontra e
escolhe a esposa, virgem mãe de Deus e do homem, filha do Altíssimo e
mãe de todos os viventes. Nela, toda mulher encontra a sua vocação de
virgem, de esposa, de mãe!
TERCEIRA PARTE
PASTORAL DAS VOCAÇÕES
« ...Cada um os ouvia falar na sua própria língua »
(At 2,6) As orientações concretas da pastoral
vocacional não partem somente de uma correta teologia da vocação, mas
atravessam alguns princípios operativos, em que a perspectiva vocacional
é a alma e o critério unificador de toda a pastoral. Indicam-se a
seguir os itinerários de fé e os lugares concretos em que a proposta
vocacional deve se tornar empenho quotidiano de todo pastor e educador.
Na primeira parte, a análise da situação nos fez ver o quadro atual da
realidade vocacional européia; a segunda parte nos propôs uma reflexão
teológica sobre o significado e o mistério da vocação, a partir da
realidade da Trindade, até captar o seu sentido na vida da Igreja.
É justamente esse segundo aspecto que quereríamos aprofundar agora,
especialmente do ponto de vista da aplicação pastoral. Na
audiência concedida aos participantes do Congresso, João Paulo II
afirmou: « As novas condições históricas e culturais exigem que a
pastoral das vocações seja percebida como um dos objetivos primários
de toda a Comunidade cristã ». (54) O ícone da Igreja
primitiva 24. As situações históricas mudam, mas continua
idêntico o ponto de referência na vida do crente e da comunidade crente,
aquele ponto de referência que é representado pela Palavra de Deus,
especialmente onde narra as vicissitudes da Igreja das origens. Tais
situações e o modo como a comunidade primitiva as vivia, constituem para
nós o exemplum, o modelo de ser Igreja. Também no que concerne à
pastoral vocacional. Colhamos apenas alguns elementos essenciais e
particularmente exemplares, assim como no-los propõe o livro dos Atos
dos Apóstolos, no momento em que a Igreja dos inícios era
numericamente muito pobre e fraca. A pastoral vocacional tem a
mesma idade da Igreja; nasceu naquela ocasião, junto com ela, naquela
pobreza repentinamente habitada pelo Espírito. Nos albores dessa
história singular, que afinal é de todos nós, está a promessa do
Espírito Santo, feita por Jesus, antes de subir para o Pai. « Não
cabe a vós conhecer os tempos e os momentos que o Pai reservou à sua
escolha, mas recebereis a força do Espírito Santo que descerá sobre vós,
e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria,
e até os confins da terra » (At 1,7-8). Os Apóstolos estão
reunidos no cenáculo, « assíduos e concordes na oração... com
Maria, a mãe de Jesus » (1,14), e logo tratam de preencher o lugar
deixado vago por Judas, com um outro escolhido entre eles que desde o
início estiveram com Jesus: para que « junto conosco se torne
testemunha da sua ressurreição ». E a promessa se cumpre: o Espírito
desce, com efeitos fragorosos, e enche a casa e a vida daqueles que
antes eram tímidos e medrosos, como um trovão, um vento, um fogo... « E
começaram a falar em outras línguas..., e cada um os ouvia falar na
sua própria língua » (2, 4-6). E Pedro proclama o discurso no qual
narra a história da salvação, « de pé... e com voz forte » (2,14), um
discurso que « transpassa o coração » de quem o ouve e provoca a
pergunta decisiva da vida: « O que devemos fazer? » (2,37). A
esse ponto os Atos descrevem a vida da primeira comunidade, marcada por
alguns elementos essenciais como a assiduidade na escuta do ensinamento
dos Apóstolos, a união fraterna, a fração do pão, a oração, a partilha
dos bens materiais; mas, juntamente, os afetos e os bens do Espírito (cf
2,42-48). Entretanto, Pedro e os Apóstolos continuam a fazer
prodígios no nome de Jesus, e a anunciar o querigma da salvação, sempre
arriscando a vida, mas sempre sustentados pela comunidade, na qual os
crentes são « um só coração e uma só alma » (4,32). Nela começam também
a aumentar e a se diversificarem as exigências, e assim são constituídos
os diáconos para atender também às necessidades materiais da comunidade,
especialmente dos mais fracos (cf 6,1-7). O testemunho, forte e
corajoso, não pode deixar de provocar a rejeição das autoridades, e
assim surge o primeiro mártir, Estêvão, para sublinhar que a
causa do Evangelho exige tudo do homem, inclusive a vida (cf 6,8 7,70).
Também dá seu assentimento à sentença que condena Estêvão, Paulo, o
perseguidor dos cristãos, aquele que, dali a pouco, será escolhido por
Deus para anunciar aos pagãos o mistério escondido nos séculos e agora
revelado. E a história continua, sempre mais como história sacra:
história de Deus que escolhe e chama os homens à salvação, também de
formas imprevisíveis, e história de homens que se deixam chamar e
escolher por Deus. Para nós podem ser suficientes essas notas
para captar, na comunidade das origens, os traços fundamentais da
pastoral de uma Igreja toda vocacional: no nível dos métodos e dos
conteúdos, dos princípios gerais, dos itinerários a percorrer e das
estratégias específicas para realizá-la. Aspectos
teológicos da pastoral vocacional 25. Mas, que teologia
fundamenta, inspira e motiva a pastoral vocacional enquanto tal?
A resposta é importante no nosso contexto, porque serve como elemento
mediador entre a teologia da vocação e uma práxis pastoral coerente com
ela, que nasça dessa teologia e a ela retorne. Com efeito, sobre esse
questionamento, o Congresso manifestou a exigência de uma reflexão
ulterior, no intuito de descobrir os motivos que ligam intrinsecamente
pessoas e comunidades à ação vocacional, e para evidenciar uma melhor
relação entre teologia da vocação, teologia da pastoral vocacional e
práxis pedagógico-pastoral. « A pastoral das vocações nasce do
mistério da Igreja e se coloca a serviço dela ». (55) Por isso, o
fundamento teológico da pastoral das vocações « só pode brotar da
leitura do mistério da Igreja como mysterium vocationis ». (56)
João Paulo II recorda claramente, a respeito disso, que a « dimensão
vocacional é conatural e essencial à pastoral da Igreja », isto é, à
sua vida e à sua missão. (57) Portanto, de certo modo, antes de definir
o seu operar, a vocação define o ser profundo da Igreja. No próprio nome
« Ecclesia », está indicada a sua fisionomia vocacional, porque
ela é realmente assembléia de chamados. (58) Então, muito
justamente o Instrumentum laboris do Congresso nota que « a
pastoral unitária se funda na vocacionalidade da Igreja ». (59)
Por conseguinte, por sua natureza, a pastoral das vocações é uma
atividade que tem por fim o anúncio de Cristo e a evangelização dos
crentes em Cristo. Eis a resposta à nossa pergunta: precisamente no
chamado da Igreja a comunicar a fé se radica a teologia da
pastoral vocacional. Isso diz respeito à Igreja universal, mas se
atribui de modo especial a cada comunidade cristã, (60) especialmente no
atual momento histórico do Velho Continente. « Para esta sublime missão
de fazer florir uma nova idade de evangelização na Europa, hoje se
requerem evangelizadores especialmente preparados ». (61) A
propósito, convém lembrar alguns pontos firmes, indicados pelo atual
magistério pontifício, para que se tornem pontos de partida da práxis
pastoral das Igrejas particulares. a) Uma vez evidenciada
a dimensão vocacional da Igreja, compreende-se que a pastoral vocacional
não é um elemento acessório ou secundário, com o único objetivo de
recrutamento de agentes pastorais, nem um movimento isolado ou setorial,
determinado por uma situação eclesial de emergência, mas uma atividade
ligada ao ser da Igreja e, portanto, também intimamente
inserida na pastoral geral de cada Igreja. (62) b)
Toda vocação cristã vem de Deus, mas chega à Igreja e passa sempre
através da sua mediação. A Igreja (« Ecclesia »), que por
constituição natural é vocação, é ao mesmo tempo geradora e
educadora de vocações. (63) Por conseguinte, « a pastoral vocacional
tem como sujeito ativo, como protagonista, a comunidade eclesial como
tal, nas suas diversas expressões: da Igreja universal à Igreja
particular e, analogamente, desta à paróquia e a todos os componentes do
Povo de Deus ». (64) c) Todos os membros da Igreja, sem
exclusão de nenhum, têm a graça e a responsabilidade de cuidar das
vocações. É um dever que entra no dinamismo vital da Igreja e no
processo do seu desenvolvimento. Somente com base nessa convicção, a
pastoral vocacional poderá manifestar sua fisionomia verdadeiramente
eclesial, e desenvolver uma ação concorde, servindo-se também de
organismos específicos e de instrumentos adequados de comunhão e
corresponsabilidade. (65) d) A Igreja particular descobre
a própria dimensão existencial e terrena na vocação de todos os seus
membros à comunhão, ao testemunho, à missão, ao serviço de Deus e dos
irmãos... Por isso, respeitará e promoverá a variedade dos carismas e
dos ministérios, portanto das diversas vocações, todas elas
manifestações do único Espírito e) Base de toda a pastoral
vocacional é a oração ordenada pelo Salvador (Mt 9,38).
Ela empenha não apenas os indivíduos, mas também as inteiras comunidades
eclesiais. (66) « Devemos dirigir ao Dono da messe nossa oração
incessante, para que envie operários à sua Igreja, a fim de enfrentar as
urgências da nova evangelização ». (67) Mas, vale a pena
recordar, a autêntica oração vocacional só merece esse nome e se torna
eficaz, quando cria coerência de vida, antes de tudo no próprio orante;
e se associa, no resto da comunidade crente, com o anúncio explícito e a
catequese adequada, para facilitar, nos chamados ao sacerdócio e à vida
consagrada, como a qualquer outra vocação cristã, aquela resposta livre,
pronta e generosa, que torna operante a graça da vocação. (68)
Princípios gerais da pastoral vocacional 26. Em diversos
lugares se percebe a necessidade de dar à pastoral um claro timbre
vocacional. Para atingir esse objetivo programático, procuremos delinear
alguns princípios teórico-práticos que deduzimos da teologia da pastoral
e, em particular, dos « pontos firmes » a ela coligados. Concentremos
esses princípios em torno de algumas afirmações temáticas. a)
A pastoral vocacional é a perspectiva originária da pastoral geral
O Instrumentum laboris do Congresso sobre as vocações o afirma de forma
explícita: « Toda a pastoral, e em particular a juvenil, é por natureza
vocacional »; (69) em outras palavras, dizer vocação equivale a dizer
dimensão constitutiva e essencial da mesma pastoral ordinária, porque a
pastoral, desde os inícios é, por natureza, orientada para o
discernimento vocacional. Esse é um serviço prestado a toda pessoa, a
fim de que possa descobrir o caminho para a realização de um projeto de
vida como Deus quer, segundo as necessidades da Igreja e do mundo de
hoje. (70) Assim já foi dito no Congresso latino-americano sobre
as vocações, de 1994. Mas a perspectiva se alarga: vocação não é
só o projeto existencial, mas o são todos e cada um dos chamados de
Deus, evidentemente sempre correlacionados com um plano fundamental de
vida, de qualquer modo disseminados ao longo de todo o arco da
existência. A autêntica pastoral torna o crente vigilante, atento aos
muitíssimos chamados do Senhor, pronto a captar a sua voz e a
responder-Lhe. É justamente a fidelidade a esse tipo de chamados
quotidianos que hoje torna o jovem capaz de reconhecer e acolher « o
chamado » da sua vida; e, amanhã, o adulto não apenas capaz de ser fiel
a ele, mas de descobrir sempre mais o seu frescor e a sua beleza. Toda
vocação, de fato, é « matutina », é a resposta de cada manhã a um apelo
novo a cada dia. Por isso, a pastoral será perpassada de atenção
vocacional, para despertá-la em todo crente; partirá do intento
explícito de colocar o crente diante da proposta de Deus; fará o
possível para provocar no sujeito a assunção de responsabilidades em
relação ao dom recebido ou à Palavra de Deus ouvida; de fato, procurará
levar o crente a se comprometer perante esse Deus. (71) b) A
pastoral vocacional é a vocação da pastoral hoje Nesse
sentido, pode-se muito bem dizer que se deve « vocacionalizar » toda
a pastoral, ou fazer com que toda expressão da pastoral manifeste,
de modo claro e inequívoco, um projeto ou um dom de Deus feito à pessoa,
e estimule nessa uma vontade de resposta e de envolvimento pessoal. Ou a
pastoral cristã conduz a esse confronto com Deus, com tudo o que isso
implica em termos de tensão, de luta, às vezes de fuga ou de rejeição,
mas também de paz e alegria ligadas ao acolhimento do dom, ou não merece
tal nome. Hoje isso se manifesta de uma maneira toda especial, a
ponto de se poder afirmar que a pastoral vocacional é a vocação da
pastoral: constitui talvez o seu principal objetivo, uma espécie de
desafio à fé das Igrejas da Europa. A vocação é o caso mais sério da
pastoral hodierna. E então, se a pastoral em geral é «
chamado » e espera, hoje, a esse desafio, provavelmente ela deve ser
mais corajosa e franca, mais explícita em ir ao centro e ao coração da
mensagem-proposta, mais dirigida à pessoa e não apenas ao grupo, mais
feita de envolvimento concreto e não de vagos apelos a uma fé abstrata e
distante da vida. Talvez deva ser também uma pastoral mais
provocadora do que consoladora; de qualquer forma, capaz de
transmitir o sentido dramático da vida do homem, chamado a fazer alguma
coisa que ninguém pode fazer em lugar dele. No trecho que
citamos, essa atenção e tensão vocacional é evidente: na escolha de
Matias, no discurso corajoso (« de pé e com voz forte ») de Pedro à
multidão, no modo como a mensagem cristã é anunciada e recebida («
sentiram o coração transpassado »). Sobretudo aparece claramente
na sua capacidade de mudar a vida daqueles que aderem a ela, como se
percebe nas conversões e no tipo de vida da comunidade dos Atos.
c) A pastoral vocacional é gradual e convergente Já vimos
implicitamente que no homem, e ao longo de sua vida, existem vários
tipos de chamado: antes de tudo à vida, e depois, ao amor; à
responsabilidade do dom, por isso, da fé; ao seguimento de Jesus; ao
testemunho peculiar da própria fé; a ser pai ou mãe, e a um serviço
especial à Igreja ou à sociedade. Faz animação vocacional quem,
em primeiro lugar, tem presente aquele rico complexo de valores e
significados humanos e cristãos, do qual nasce o sentido vocacional da
vida e de todo vivente. Eles permitem abrir a mesma vida a numerosas
possibilidades vocacionais, convergindo depois na direção da definitiva
escolha pessoal. Em outras palavras, para uma correta pastoral
vocacional, é necessário respeitar uma certa gradualidade, e
partir dos valores fundamentais e universais (o bem extraordinário da
vida) e das verdades que são tais para todos (a vida é um bem recebido
que, por sua natureza, tende a ser um bem doado), para passar depois a
uma especificação progressiva do chamado, sempre mais pessoal e
concreta, crente e revelada. No plano propriamente pedagógico, é
importante formar primeiro para o sentido da vida e a gratidão
por ela; depois, transmitir aquela atitude fundamental de
responsabilidade em relação à existência, que por sua natureza pede
uma resposta conseqüente por parte de cada um, na linha da gratuidade.
Daqui se passa à transcendência de Deus, Criador e Pai. Somente a
esse ponto é possível e convincente uma proposta forte e radical (como
sempre deveria ser a vocação cristã), como a de dedicação a Deus na vida
sacerdotal ou consagrada. d) A pastoral vocacional é genérica
e específica Em suma, a pastoral vocacional parte
necessariamente de uma idéia ampla de vocação (e de conseqüente apelo
dirigido a todos), para depois se restringir e especificar de acordo com
o chamado de cada um. Nesse sentido, a pastoral vocacional é primeiro
genérica, e depois, específica, dentro de uma ordem que não parece
razoável inverter, e que, em geral, desaconselha a proposta imediata de
uma vocação especial, sem alguma catequese progressiva. Por outro
lado, sempre em força dessa ordem, a pastoral vocacional não se limita a
sublinhar de forma genérica o significado da existência, mas impele a um
envolvimento pessoal, numa escolha específica. Não existe separação, e
muito menos contraste, entre um apelo que sublinha os valores comuns e
fundantes da existência, e um apelo a servir o Senhor « de acordo com a
medida da graça recebida ». O animador vocacional — todo educador
na fé — não deve ter medo de propor escolhas corajosas e de total
doação, embora difíceis e não conformes à mentalidade do século.
Portanto, se todo educador é animador vocacional, todo animador
vocacional é educador, e educador de toda vocação, respeitando o seu
carisma específico. Cada chamado se liga a outro, na verdade o
supõe e o solicita, enquanto que todos juntos conduzem à mesma fonte e
ao mesmo objetivo, que é a história da salvação. Mas, cada um tem a sua
modalidade particular. O autêntico educador vocacional não apenas
indica as diferenças entre um chamado e outro, respeitando as diversas
tendências nos chamados individuais, mas deixa entrever e lembra aquelas
« supremas possibilidades » de radicalidade e dedicação, que são abertas
à vocação de cada um e nela inseridas. Educar em profundidade
para os valores da vida, por exemplo, significa propor (e aprender a
propor) um caminho que naturalmente desemboque no seguimento de
Cristo e que pode conduzir à escolha do seguimento típico do apóstolo,
do presbítero ou doa religiosoa, do monge que abandona o mundo, como do
leigo consagrado no mundo. Por outro lado, propor tal seguimento
qualificado como objetivo de vida exige, por sua natureza, uma atenção e
formação prévia para os valores elementares da vida, da fé, da
gratidão-gratuidade, da imitação de Cristo, requeridos de todo cristão.
Disso resulta uma estratégia vocacional teologicamente mais bem fundada
e também mais eficaz no plano pedagógico. Há quem receie que o
alargamento da idéia de vocação possa prejudicar a específica promoção
das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada; na realidade, é
exatamente o contrário. A gradualidade no anúncio vocacional
permite passar do objetivo ao subjetivo, do genérico ao específico, sem
antecipar nem queimar as propostas, mas fazendo com que convirjam
entre si e na direção da proposta decisiva para a pessoa, a ser indicada
na hora certa e calibrada com cuidado, segundo um ritmo que considere o
destinatário em situação. A ordem harmônica e progressiva torna
muito mais provocadora e acessível a proposta decisiva à pessoa.
Concretamente, quanto mais o jovem é formado a passar com naturalidade
da gratidão pelo dom da vida recebido à gratuidade do bem doado, tanto
mais será possível propor-lhe o dom total de si a Deus como resultado
natural e inevitável para alguns. e) A pastoral vocacional é
universal e permanente Trata-se de uma dupla universalidade:
com referência às pessoas às quais é dirigida, e com referência
à idade da vida em que é feita. Antes de tudo, a pastoral
vocacional não conhece fronteiras. Como foi dito acima, ela não se
dirige apenas a algumas pessoas privilegiadas, ou que já fizeram uma
opção de fé; nem unicamente àqueles de quem parece lícito esperar um
assentimento positivo, mas se dirige a todos, precisamente porque
é fundada sobre valores elementares da existência. Não é pastoral de
elite, mas de povo; não é um prêmio para os mais merecedores, mas graça
e dom de Deus para toda pessoa, porque todo vivente é chamado por Deus.
Nem deve ser entendida como alguma coisa que só alguns poderiam
compreender ou considerar interessante para a própria vida, porque todo
ser humano é inevitavelmente desejoso de se conhecer e de conhecer o
sentido da vida e seu próprio lugar na história. Além disso, não
é proposta feita apenas uma vez na vida (de tipo « pegar ou largar ») e
que na prática, depois de uma recusa por parte do destinatário, è
retirada. Ao invés, ela deve ser como uma solicitação contínua, feita de
formas diversas e com inteligência propositiva, que não desiste diante
de um desinteresse inicial, que muitas vezes é apenas aparente ou
defensivo. Deve ser corrigida também a idéia de que a pastoral
vocacional seja exclusivamente juvenil, pois em cada idade da vida
ressoa um convite do Senhor a segui-lo, e somente em ponto de morte uma
vocação pode se dizer completamente realizada. Aliás, a morte é o
chamado por excelência, assim como existe um chamado na velhice, na
passagem de uma para outra fase da vida, nas situações de crise.
Existe uma juventude do espírito que permanece no tempo, na medida em
que o indivíduo se sente continuamente chamado e, em cada ciclo vital,
procura e encontra uma tarefa diferente a desempenhar, um modo
específico de ser, de servir e de amar, uma novidade de vida e de missão
a desempenhar. (72) Nesse sentido, a pastoral vocacional está ligada à
formação permanente da pessoa e é, ela mesma, permanente. « Toda a
vida e toda vida é uma resposta ». (73) Nos Atos, Pedro e os
Apóstolos não fazem absolutamente distinção de pessoas, falam a todos,
jovens e velhos, hebreus e estrangeiros: Partos, Medos, Elamitas indicam
justamente a grande massa sem diferenças nem exclusões, às quais são
dirigidos o anúncio e a pro-vocação, com a arte de falar a cada um « na
sua própria língua », de acordo com as suas exigências, problemas,
expectativas, defesas, idade ou fase da vida. É o milagre de
Pentecostes e, portanto, dom extraordinário do Espírito. Mas o Espírito
está sempre conosco... f) A pastoral vocacional é pessoal e
comunitária Pode parecer uma contradição, mas na realidade
esse princípio fala da natureza, em certo sentido ambivalente, da
pastoral vocacional, capaz — quando autêntica — de compor as duas
polaridades do sujeito e da comunidade. Do ponto de vista do animador
vocacional, é urgente passar de uma pastoral vocacional administrada por
um agente isolado, a uma pastoral cada vez mais entendida como ação
comunitária, de toda a comunidade nas suas diversas expressões:
grupos, movimentos, paróquias, dioceses, institutos religiosos e
seculares... Hoje a Igreja é sempre mais chamada a ser toda
vocacional: nela, « todo evangelizador deve tomar consciência de se
tornar uma « lâmpada » vocacional, capaz de suscitar uma experiência
religiosa que leve as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos
ao contato pessoal com Cristo. Nesse encontro se revelam as vocações
específicas ». (74) Do mesmo modo, o destinatário da
pastoral vocacional é toda a Igreja. Se é toda a comunidade
eclesial que chama, é ainda toda a comunidade eclesial, sem qualquer
exceção, que é chamada. Polo emissor e receptor de certa forma se
identificam, dentro das diversas articulações ministeriais do tecido
eclesial. Mas o princípio é importante; é o reflexo daquela misteriosa
identificação entre chamador e chamado dentro da realidade trinitária.
Nesse sentido, a pastoral vocacional é comunitária. E, sempre
nesse sentido, é bonito que, no dia de Pentecostes, sejam todos os
Apóstolos a se dirigirem à multidão, e que depois Pedro tome a palavra
em nome dos doze. Também quando se trata de escolher tanto Matias quanto
Estêvão, e depois Barnabé e Saulo, toda a comunidade participa do
discernimento com a oração, o jejum, a imposição das mãos. Porém,
ao mesmo tempo, é o indivíduo que deve se fazer intérprete da
proposta vocacional, é o crente que, em força da sua fé, deve de certo
modo tomar sobre si a vocação do outro. Portanto não cabe apenas
aos presbíteros ou aos consagradosas o ministério do apelo vocacional,
mas a todo crente, aos pais, aos catequistas, aos educadores. Se
é verdade que o apelo deve ser dirigido a todos, é igualmente verdadeiro
que o mesmo apelo deve ser personalizado, dirigido a uma pessoa
determinada, à sua consciência, dentro de uma relação inteiramente
pessoal. Na dinâmica vocacional há um momento em que a proposta
vai de pessoa a pessoa, e tem necessidade de todo aquele clima especial
que só a relação individual pode garantir. Então, é verdade que Pedro e
Estêvão falam à multidão; mas depois Saulo precisa de Ananias para
discernir o que Deus quer dele (9, 13-17), como também o eunuco com
Filipe (8, 26-39). g) A pastoral vocacional é a perspectiva
unitário-sintética da pastoral Como é o ponto de partida,
assim também é o ponto de chegada. Enquanto tal, a pastoral vocacional
se situa como a categoria unificante da pastoral em geral, como a
destinação natural de todo esforço, o ancoradouro das várias dimensões,
uma espécie de elemento de avaliação da pastoral autêntica.
Repetimos: se a pastoral não chega a « transpassar o coração » e a
colocar o ouvinte diante da pergunta estratégica (« o que devo fazer?
»), não é pastoral cristã, mas hipótese inócua de trabalho.
Conseqüentemente, a pastoral vocacional está e deve estar em relação com
todas as outras dimensões, por exemplo a familiar e cultural, litúrgica
e sacramental, com a catequese e o caminho de fé no catecumenato; com os
vários grupos de animação e formação cristã (não apenas com os meninos e
jovens, mas também com os pais, com os noivos, com os doentes e os
idosos...) e de movimentos (do movimento pela vida às diversas
iniciativas de solidariedade social). (75) Sobretudo, a pastoral
vocacional é a perspectiva unificante da pastoral juvenil. Não se
pode esquecer que a idade evolutiva é fortemente projetual; e uma
autêntica pastoral juvenil não pode deixar de lado a dimensão
vocacional; pelo contrário, deve assumi-la, porque propor Jesus Cristo
significa propor um específico projeto de vida. Daqui uma fecunda
colaboração pastoral, embora na distinção dos dois âmbitos: seja porque
a pastoral juvenil abraça outras problemáticas além da vocacional, seja
porque a pastoral vocacional não diz respeito apenas ao mundo juvenil,
mas tem um horizonte mais amplo e com problemáticas específicas.
Além disso, pensamos o quanto poderia ser importante uma pastoral
vocacional-familiar que eduque progressivamente os pais a serem os
primeiros animadores-educadores vocacionais; o quanto seria preciosa uma
pastoral vocacional entre os doentes, que não convidasse
simplesmente os enfermos a oferecer os próprios sofrimentos pelas
vocações sacerdotais, mas que os ajudasse a viver a situação da doença
com toda a carga de mistério que ela contém, como vocação pessoal, que o
doente que tem fé tem o « dever » de viver para e na Igreja, e o «
direito » de ser ajudado pela Igreja a viver. Essa ligação
facilita o dinamismo pastoral, porque de fato lhe é conatural: como os
carismas, as vocações se procuram entre si, se iluminam mutuamente, são
complementares umas às outras. Ao invés, isoladas se tornam
incompreensíveis; nem faz pastoral de Igreja quem permanece fechado no
próprio setor especializado. Naturalmente este discurso vale em
duplo sentido: é a pastoral em geral que deve confluir na animação
vocacional para promover a opção vocacional; mas é a pastoral vocacional
que, por sua vez, deve estar aberta às outras dimensões, inserindo-se e
procurando saídas naquelas direções. Ela é o ponto terminal que
sintetiza as várias pro-vocações pastorais e permite fazê-las frutificar
na história existencial de cada crente. Definitivamente, a pastoral das
vocações requer atenção, mas em troca oferece uma dimensão destinada a
tornar verdadeira e autêntica a iniciativa pastoral de cada setor. A
vocação é o coração pulsante da pastoral unitária! (76)
Itinerários pastorais vocacionais 27. O ícone bíblico em
torno do qual articulamos a nossa reflexão permite-nos dar um passo à
frente, procedendo dos princípios teóricos à identificação de alguns
itinerários pastorais vocacionais. Eles são caminhos comunitários
de fé, correspondentes a funções eclesiais bem precisas, e a dimensões
clássicas do ser crente, ao longo dos quais a fé matura e se torna mais
manifesta ou se confirma progressivamente a vocação do indivíduo, a
serviço da comunidade eclesial. A reflexão e a tradição da Igreja
indicam que, normalmente, o discernimento vocacional se dá ao longo de
alguns caminhos comunitários bem definidos: a liturgia e a oração, a
comunhão eclesial, o serviço da caridade, a experiência do amor de Deus
recebido e oferecido no testemunho. Graças a eles, na comunidade
descrita nos Atos, « multiplicava-se grandemente o número dos discípulos
em Jerusalém » (At 6,7). Também hoje, a pastoral deveria
palmilhar essas estradas para estimular e acompanhar a caminhada
vocacional dos crentes. Uma experiência pessoal e comunitária,
sistemática e empenhativa nessas direções, poderia e deveria ajudar o
indivíduo crente a descobrir o apelo vocacional. E isso tornaria
a pastoral realmente vocacional. a) A liturgia e a oração
A liturgia significa e indica ao mesmo tempo a expressão, a origem e o
alimento de toda vocação e ministério na Igreja. Nas celebrações
litúrgicas se faz memória do agir de Deus no Espírito, a que se ligam
todas as dinâmicas vitais do cristão. Na liturgia, que culmina com a
Eucaristia, se exprime em toda a sua plenitude, a vocação-missão da
Igreja e de todo crente. Da liturgia vem sempre um apelo
vocacional para quem participa. (77) Toda celebração é um evento
vocacional. No mistério celebrado o crente não pode deixar de reconhecer
a própria vocação pessoal, não pode deixar de ouvir a voz do Pai que, no
Filho, pela força do Espírito, o chama a se doar igualmente pela
salvação do mundo. A oração também se torna caminho para o
discernimento vocacional, não só porque Jesus mesmo convidou a rogar ao
dono da messe, mas porque é somente na escuta de Deus que o crente pode
chegar a descobrir o projeto que Deus mesmo traçou: no mistério
contemplado, o crente descobre a própria identidade, « escondida com
Cristo em Deus » (Cl 3,3). E mais, a oração é a ?única que
pode acionar aquelas atitudes de confiança e de abandono, indispensáveis
para pronunciar o próprio « sim» e superar medos e incertezas. Toda
vocação nasce da in-vocação. Mas a experiência pessoal da
oração, como diálogo com Deus, também pertence a essa dimensão: mesmo
quando é « celebrada » na intimidade da própria « cela », é relação com
aquela paternidade da qual deriva toda vocação. Tal dimensão é mais
evidente do que nunca na experiência da Igreja das origens, cujos
membros eram assíduos « na fração do pão e na oração » (At 2,42).
Em tal comunidade, toda decisão era precedida pela oração; toda escolha,
sobretudo para a missão, se dava num contexto litúrgico (At
6,1-7; 13,1-5). É a lógica orante que a comunidade havia
aprendido com Jesus quando, diante das « multidões cansadas e combalidas
como rebanho sem pastor, ele havia dito: « A messe é grande mas os
operários são poucos. Por isso, rogai ao Dono da messe, para que mande
operários à sua messe » « (Mt 9, 36-38; Lc 10,2).
Nestes últimos anos, as comunidades cristãs da Europa têm desenvolvido
múltiplas iniciativas de oração pelas vocações, que encontraram grande
ressonância no Congresso. Em muitos casos, nas comunidades diocesanas e
paroquiais, a oração que se tornou « incessante », dia e noite, é uma
das estradas mais percorridas para criar nova sensibilidade e nova
cultura vocacional favorável ao sacerdócio e à vida consagrada. O
ícone evangélico do « Dono da messe » conduz ao coração da pastoral das
vocações: a oração. Oração que sabe « olhar » com sabedoria evangélica o
mundo e cada homem na realidade de suas necessidades de vida e de
salvação. Oração que exprime a caridade e a « compaixão » (Mt
9,36) de Cristo para com a humanidade, que hoje também se mostra como «
um rebanho sem pastor » (Mt 9,36). Oração que exprime a fé na voz
poderosa do Pai, o único que pode chamar e enviar para trabalhar na sua
vinha. Oração que exprime a viva esperança em Deus, que jamais deixará
faltar à Igreja os « operários » (Mt 2,38) necessários para levar
a bom termo a sua missão. No Congresso, suscitaram muito
interesse os testemunhos sobre a experiência de lectio divina em
perspectiva vocacional. Em algumas dioceses, são muito difundidas as «
escolas de oração » ou « escolas da Palavra ». O princípio em que se
inspiram é aquele, já clássico, contido na Dei Verbum: « Todos os
fiéis adquiram a sublime ciência de Jesus Cristo, com a leitura
freqüente da Divina Escritura, acompanhada pela oração ». (78)
Quando tal ciência se torna sabedoria que se nutre de freqüentação
habitual, os olhos e os ouvidos do crente se abrem ao reconhecer a
Palavra que chama sem cessar. Então o coração e a mente estão em
condição de acolhê-la e de vivê-la sem medo. b) A comunidade
eclesial A primeira função vital que brota da liturgia é a
manifestação da comunhão que se vive dentro da Igreja, como povo reunido
em Cristo através da sua cruz, como comunidade em que toda divisão foi
superada para sempre, no Espírito de Deus que é espírito de unidade (Ef
2,11-22; Gal 3,26; Jo 17, 9-26) A Igreja se propõe
como o espaço humano de fraternidade em que todo crente pode e deve
fazer experiência daquela união entre os homens e com Deus que é dom do
Alto. Dessa dimensão eclesial são um esplêndido exemplo os Atos dos
Apóstolos, onde é descrita uma comunidade de crentes profundamente
marcada pela união fraterna, pela partilha dos bens materiais e
espirituais, dos afetos e dos sentimentos (At 4,32), a ponto de
ser « um só coração e uma só alma » (At 4,32). Se toda
vocação na Igreja é um dom a ser vivido para os outros, como
serviço de caridade na liberdade, então é também um dom a ser vivido
com os outros. Por isso, só se descobre quando se vive em
fraternidade. A fraternidade eclesial não é apenas virtude
comportamental, mas itinerário vocacional. Só vivendo é possível
escolhê-la como componente fundamental de um projeto vocacional, ou só
saboreando-a é possível abrir-se a uma vocação que, em qualquer caso,
será sempre vocação à fraternidade.(79) Pelo contrário, não pode
sentir nenhum atrativo vocacional quem não experimenta alguma
fraternidade e se fecha ao relacionamento com os outros, ou interpreta a
vocação apenas como perfeição privada e pessoal. Vocação é
relação; é manifestação do homem que Deus criou aberto à relação; e
mesmo no caso de uma vocação à intimidade com Deus, na vocação
claustral, implica uma capacidade de abertura e de partilha que só pode
ser adquirida com a experiência de uma fraternidade real. « A superação
de uma visão individualista do ministério e da consagração, da vida nas
comunidades cristãs isoladas, é uma decisiva contribuição histórica ».
(80) A vocação é diálogo, é sentir-se chamado por um Outro, e ter
a coragem de responder-Lhe. Como essa capacidade de diálogo pode
amadurecer em quem não aprendeu, na vida de todos os dias e nas relações
quotidianas, a deixar-se chamar, a responder, a reconhecer o eu no tu?
Como pode se fazer chamar pelo Pai quem não se preocupa de responder ao
irmão? A partilha com o irmão e com a comunidade dos crentes se
torna, então, estrada ao longo da qual se aprende a tornar os outros
participantes dos próprios projetos, para acolher em si o plano traçado
por Deus. Plano que será, sempre e de qualquer forma, projeto de
fraternidade. Uma experiência de partilha da Palavra, apontada
por algumas Igrejas européias, é constituída por centros de escuta,
isto é, grupos de crentes que se encontram periodicamente em suas casas,
para redescobrir a mensagem cristã e trocar as próprias experiências e
os dons de interpretação da mesma Palavra. Para os jovens, esses
centros têm uma conotação vocacional na escuta da Palavra que chama, na
catequese e na oração vividas de modo mais pessoal e envolvente, mais
livre e criativo. Assim, o centro de escuta se torna estímulo à
corresponsabilidade eclesial, porque ali se podem descobrir os diversos
modos de servir à comunidade e, muitas vezes, maturar vocações
específicas. Outra experiência positiva de itinerário vocacional
nas Igrejas particulares e nos vários Institutos de vida consagrada é a
comunidade de acolhimento que realiza o convite de Jesus: « Vinde e
vereis ». O Sumo Pontífice a definiu como « a regra de ouro da pastoral
vocacional ». (81) Nessas comunidades ou centros de orientação
vocacional, graças a uma experiência muito específica e imediata, os
jovens podem fazer um verdadeiro e gradual caminho de discernimento. São
acompanhados, para que, no momento certo, tenham condição não só de
identificar o projeto de Deus sobre eles, mas de decidir a escolhê-lo
como própria identidade. c) O serviço da caridade É
uma das funções mais típicas da comunidade eclesial. Consiste em viver a
experiência da liberdade em Cristo, naquele supremo vértice que é
constituído pelo serviço. « Todo aquele que quiser tornar-se grande
entre vós, se faça vosso servo » (Mt 20,26), « quem quiser ser o
primeiro, seja o servo de todos » (Mc 9,35). Na Igreja primitiva
essa lição parece ter sido aprendida muito depressa, uma vez que o
serviço aparece como um dos componentes estruturais dela, a ponto de
serem instituídos os diáconos, justamente para « o serviço das mesas ».
Justamente porque o crente vive por graça a experiência de liberdade em
Cristo, ele é chamado a ser testemunha de liberdade e agente de
libertação para os homens. Daquela libertação que se realiza não com a
violência e o domínio, mas com o perdão e o amor, com o dom de si e o
serviço, a exemplo de Cristo Servo. É o serviço da caridade, cujas
possibilidades de expressão não têm limite. É talvez, a estrada
real, num itinerário vocacional, para discernir a própria vocação, para
que a experiência de serviço, especialmente onde é bem preparada, guiada
e penetrada no seu significado mais verdadeiro, é experiência de grande
humanidade, que leva a conhecer melhor a si mesmo e a dignidade dos
outros, além da beleza de se dedicar aos outros. O autêntico
servo na Igreja é aquele que aprendeu a saborear como um privilégio
poder lavar os pés dos irmãos mais pobres; é aquele que conquistou a
liberdade de perder o próprio tempo com as necessidades alheias. A
experiência do serviço é uma experiência de grande liberdade em Cristo.
Quem serve o irmão, inevitavelmente encontra Deus, e entra em sintonia
especial com Ele. Não lhe será difícil descobrir a sua Vontade sobre si
e, sobretudo, sentir-se atraído a cumpri-la. E, em qualquer caso, será
uma vocação de serviço à Igreja e ao mundo. Foi assim para
muitíssimas vocações nestas últimas décadas. A animação vocacional do
pós-Concílio passou progressivamente da « pastoral da propaganda » à «
pastoral do serviço », de modo especial aos mais pobres e necessitados.
Muitos jovens realmente encontraram Deus e a si mesmos, a finalidade da
vida e a verdadeira felicidade, doando tempo e atenções aos irmãos, a
ponto de dedicar a eles, não uma parte da vida, mas a existência
inteira. De fato, a vocação cristã é existência para os
outros. d) O testemunho-anúncio do Evangelho Ele é
a proclamação da proximidade de Deus junto do homem, ao longo de toda a
história da salvação, de modo especial, em Cristo e, portanto, também
das entranhas de misericórdia do Pai pelo homem, para que tenha a vida
em abundância. Tal anúncio está na origem do caminho de fé de todo
crente. De fato, a fé é um dom recebido de Deus e testemunhado com o
exemplo da comunidade crente e, nela, de tantos irmãos e irmãs, bem como
através da instrução catequística sobre as verdades do evangelho.
Mas a fé precisa ser transmitida, e chega o tempo em que todo testemunho
se torna dom ativo: o dom recebido se torna dom doado através do
testemunho pessoal e do anúncio pessoal. O testemunho da fé
envolve o homem todo e só pode ser dado com a totalidade da existência e
da própria humanidade, com todo o coração, com toda a mente, com todas
as forças, até o dom da vida, inclusive cruento. É interessante
esse crescendo de significados do termo, um crescendo que, no fundo,
encontramos no trecho bíblico que nos vem servindo de guia: vejam o
testemunho-catequese de Pedro e dos Apóstolos no dia de Pentecostes e,
sucessivamente, a corajosa catequese de Estêvão que culminou no seu
martírio (At 6,8; 7,60), e dos Apóstolos « contentes de terem
sido ultrajados por amor do nome de Jesus » (At 5,41).
Mais interessante ainda é descobrir como esse testemunho-anúncio
evangélico pode tornar-se específico itinerário vocacional. A
consciência grata por ter recebido o dom da fé deveria se traduzir
regularmente em desejo e vontade de transmitir aos outros o que se
recebeu, seja através do exemplo da própria vida, seja através do
ministério da catequese. Depois, essa « é destinada a iluminar as
múltiplas situações da vida, ensinando cada um a viver a própria vocação
cristã no mundo ». (82) E, se o catequista é também, antes de tudo, uma
testemunha, tal dimensão vocacional aparecerá ainda mais evidente. (83)
O Congresso confirmou a importância da catequese em perspectiva
vocacional, e indicou na celebração do sacramento da Confirmação
um extraordinário itinerário vocacional para pré-adolescentes e
adolescentes. A idade da Crisma poderia ser justamente « a idade
da vocação », fase da orientação teológica e pedagogicamente qualificada
pela descoberta e realização do dom recebido, e também pelo testemunho
dele. A ação catequística deveria suscitar a capacidade de
reconhecer e de manifestar o dom do Espírito. (84) O encontro
direto de crentes que vivem com fidelidade e coragem a própria vocação,
de testemunhas credíveis que oferecem experiências concretas de vocações
realizadas, pode ser decisivo para ajudar os crismandos a descobrir e
acolher o chamado de Deus. Em qualquer caso, a vocação sempre tem
origem na consciência de um dom, e de uma consciência tão grata que acha
inteiramente lógico colocar a serviço dos outros a própria experiência,
para se encarregar do seu crescimento na fé. Quem vive com
atenção e generosidade o testemunho da fé, não tardará a captar o
projeto de Deus a seu respeito, para dedicar à sua realização todas as
energias de que dispõe. Dos itinerários pastorais ao
chamado pessoal 28. Em síntese, poderíamos dizer que nas
dimensões da liturgia, da comunhão eclesial, do serviço da caridade e do
testemunho do evangelho se condensa a condição existencial de todo
crente. Essa é a sua dignidade e a sua vocação fundamental, mas é também
a condição para que cada qual possa descobrir a sua identidade peculiar.
Portanto, todo crente deve viver o comum evento da liturgia, da comunhão
fraterna, do serviço caritativo e do anúncio do evangelho, porque só
através de tal experiência global poderá identificar o seu modo
particular de viver essas mesmas dimensões do ser cristão. Por
conseguinte, esses itinerários eclesiais devem ser privilegiados,
representam de certo modo a estrada-mestra da pastoral vocacional,
graças à qual o mistério da vocação de cada um pode se revelar.
Afinal, são itinerários clássicos, que pertencem à própria vida de cada
comunidade que pretenda dizer-se cristã, e ao mesmo tempo revelam a sua
solidez ou precariedade. Justamente por isso, não somente representam um
caminho obrigatório, mas sobretudo dão garantia à autenticidade da busca
e do discernimento. Por um lado, essas quatro dimensões e funções
provocam um envolvimento global da pessoa; por outro lado conduzem ao
limiar de uma experiência muito pessoal, de um forte confronto, de um
apelo impossível de se ignorar, de uma decisão a ser tomada e que não
pode ser adiada indefinidamente. Por isso, a pastoral vocacional deverá
expressamente ajudar a fazer obra de identificação, através de uma
experiência profunda e globalmente eclesial, que leve cada crente « à
descoberta e assunção da própria responsabilidade na Igreja ». (85)
As vocações que não nascem dessa experiência e dessa inserção na ação
comunitária eclesial correm o risco de ser viciadas na raiz, e de
autenticidade duvidosa. Obviamente, tais dimensões devem
estar todas presentes, harmoniosamente coordenadas por uma experiência
que só poderá ser decisiva se for totalizante. Na verdade, muitas
vezes há jovens que espontaneamente privilegiam uma ou outra dessas
funções (ou empenhados unicamente no voluntariado, ou demasiado atraídos
pela dimensão litúrgica, ou grandes teóricos um tanto idealistas). Então
será importante que o educador vocacional provoque no sentido de um
compromisso que não seja feito segundo a medida dos gostos do jovem, mas
na medida objetiva da experiência de fé, a qual, por definição,
não pode ser algo de domesticável. Somente o respeito a essa medida
objetiva pode deixar entrever a própria medida subjetiva.
Nesse sentido, a objetividade precede a subjetividade, e o jovem deve
aprender a dar-lhe precedência, se realmente quiser descobrir a si mesmo
e aquilo que é chamado a ser. Ou melhor, se faz questão de ser ele
mesmo, deve realizar primeiro aquilo que é pedido a todos. Não
só, mas aquilo que é objetivo, regulado em base a uma norma e uma
tradição, e tendo em mira um objetivo determinado que transcende a
subjetividade, tem uma notável força de atração e de tração vocacional.
Naturalmente a experiência objetiva deverá se tornar também subjetiva,
ou ser reconhecida pelo indivíduo como sua. No entanto, sempre a partir
de uma fonte ou de uma verdade que não cabe ao sujeito determinar, e que
se vale da rica tradição da fé cristã. Em última análise, « a pastoral
vocacional tem as etapas fundamentais de um itinerário de fé ».(86) Isso
também demonstra a gradualidade e depois a convergência da pastoral
vocacional. Dos itinerários às comunidades cristãs
a) A comunidade paroquial 29. O Congresso europeu teve,
entre outros, um objetivo: levar a pastoral vocacional ao vivo das
comunidades cristãs paroquiais, lá onde as pessoas vivem e onde os
jovens, de modo especial, são mais ou menos significativamente
envolvidos numa experiência de fé. Trata-se de fazer a pastoral
vocacional sair do círculo dos encarregados do trabalho, para chegar aos
sulcos periféricos da Igreja particular. Mas, ao mesmo tempo, é
urgente superar a fase experiencialista, vigente em muitas Igrejas da
Europa, para passar a verdadeiros caminhos pastorais, enxertados no
tecido das comunidades cristãs, valorizando o que já é vocacionalmente
eloqüente. Uma atenção especial deve ser dada ao ano
litúrgico, que é uma escola permanente de fé, na qual todo crente,
ajudado pelo Espírito Santo, é chamado a crescer segundo Jesus. Do
advento, tempo da esperança, a pentecostes e ao tempo comum, o caminho
ciclicamente recorrente do ano litúrgico celebra e prospecta um modelo
de homem chamado a se medir com o mistério de Jesus, o « primogênito
entre muitos irmãos » (Rm 8,29). A antropologia que o ano
litúrgico leva a explorar é um plano autenticamente vocacional, que
solicita cada cristão a responder sempre mais ao chamado, para uma
missão precisa e pessoal na história. Daqui a atenção aos itinerários
quotidianos em que cada comunidade cristã é envolvida. A sabedoria
pastoral requer dos pastores, de modo especial guias das comunidades
cristãs, um cuidado constante e um atento discernimento para fazer
falarem os sinais litúrgicos, as vivências da experiência de fé; porque
é da presença de Cristo nos tempos ordinários do homem que vêm os apelos
vocacionais do Espírito. Não se pode esquecer que o pastor,
sobretudo o presbítero, responsável por uma comunidade cristã, é o «
cultivador direto » de todas as vocações. Na verdade, não é em
todos os lugares que se reconhece a plena titularidade vocacional da
comunidade paroquial; enquanto são justamente « os Conselhos Pastorais
diocesanos e paroquiais, em relação com os centros vocacionais
nacionais, ... os órgãos competentes em todas as comunidades e em todos
os setores da pastoral ordinária ». (87) Portanto, deve ser
encorajada a iniciativa daqueles párocos que constituíram no próprio
âmbito grupos de responsáveis pela animação vocacional e das várias
atividades para resolver « um problema que se coloca no próprio coração
da Igreja » (88) (grupos de oração, dias e semanas vocacionais,
catequese e testemunhos, e tudo mais que possa contribuir para manter
elevada a tensão vocacional). (89) b) Os « lugares-sinal » da
vida-vocação Nessa passagem urgente e delicada, de uma
pastoral vocacional das experiências a uma pastoral vocacional de
caminhos, é preciso fazer falar não só de apelos vocacionais
provenientes dos itinerários que atravessam a vida ferial da comunidade
cristã, mas é coisa sábia tornar significativos os lugares-sinal
da vida como vocação e os lugares pedagógicos da fé. Uma Igreja é
viva se, com os dons do Espírito, sabe perceber e valorizar tais
lugares. Os lugares-sinal da vocacionalidade da existência
numa Igreja particular são as comunidades monásticas, testemunhas da
face orante da comunidade eclesial; as comunidades religiosas
apostólicas e as fraternidades de vida consagrada dos institutos
seculares. Num contexto cultural fortemente voltado para as
coisas penúltimas e imediatas, atravessado pelo vento gélido do
individualismo, as comunidades orantes e apostólicas abrem dimensões
verdadeiras de vida autenticamente cristã, sobretudo para as últimas
gerações claramente mais atentas aos sinais do que às palavras.
Sinal particular da vocacionalidade da vida é a comunidade do
seminário diocesano ou interdiocesano. Em nossas Igrejas, ele passa
por uma situação singular. Por um lado é um sinal forte, porque
constitui uma promessa de futuro. Os jovens que vão ali, filhos desta
geração, serão os padres de amanhã. Não só: o seminário relembra
continuamente a vocacionalidade da vida e a urgência do ministério
ordenado para a existência de uma comunidade cristã. Por outro lado, o
seminário é um sinal fraco: porque exige uma atenção constante da
Igreja particular; solicita uma séria pastoral vocacional para recomeçar
a cada ano com novos candidatos. E também a solidariedade econômica pode
ser uma solicitação pedagógica, para educar o povo de Deus à oração por
todas as vocações. c) Os lugares pedagógicos da fé
Além dos lugares-sinal são preciosos os lugares pedagógicos
da pastoral vocacional constituídos pelos grupos, pelos movimentos,
pelas associações e pela escola. Para além da diferente
configuração sociológica de tais formas de agregação, sobretudo em nível
juvenil, merece apreço a sua validade pedagógica, como lugares em que as
pessoas podem ser sabiamente ajudadas a atingir uma verdadeira maturação
de fé. Isso pode ser eficazmente perseguido se não forem
descuidadas três dimensões da experiência cristã: a vocação de cada um,
a comunhão da Igreja e a missão com a Igreja. d) Figuras de
formadores e de formadoras Uma outra atenção pedagógica
pastoral é proposta com insistência especial neste exato momento
histórico: a formação de figuras educativas. De fato, um
pouco em toda parte, é mais do que conhecida a fraqueza e a
problematicidade dos lugares pedagógicos da fé, colocados a dura prova
pela cultura do individualismo, do agregacionismo espontâneo, ou pela
crise das instituições. Por outro lado emerge, sobretudo nos
jovens, a necessidade de confronto, de diálogo, de pontos de referência.
São muitos os sinais a respeito disso. Em suma, existe uma urgência de
mestres de vida espiritual, de figuras significativas, capazes de evocar
o mistério de Deus, e dispostos à escuta para ajudar as pessoas a entrar
em sério diálogo com o Senhor. As personalidades espirituais
fortes não são apenas algumas pessoas particularmente dotadas de
carisma, mas são o resultado de uma formação particularmente atenta ao
primado absoluto do Espírito. No cuidado das figuras educativas
das nossas comunidades, duas atenções devem estar sabiamente presentes:
de um lado se trata de tornar explícita e vigilante a consciência
educativa vocacional em todas aquelas pessoas que já são chamadas a
atuar na comunidade, junto aos adolescentes e aos jovens (sacerdotes,
religiososas e leigos). Por outro lado, deve ser cuidadosamente
encorajada e formada a ministerialidade educativa da mulher, para
que — sobretudo junto às jovens — seja uma figura de referência e guia
sapiente. De fato, a mulher está muito presente nas comunidades cristãs,
e são mais que conhecidas as capacidades intuitivas do « gênio feminino
» e a vasta experiência da mulher no campo educativo (família, escola,
grupos, comunidades). O aporte da mulher deve ser considerado
muito precioso, para não dizer decisivo, sobretudo no âmbito do mundo
juvenil feminino, não redutível ao masculino, porque requer uma reflexão
mais atenta e específica, sobretudo no terreno vocacional. Talvez
isso também faça parte daquela virada que caracteriza a pastoral
vocacional. Enquanto no passado também as vocações femininas brotavam de
figuras significativas de pais espirituais, autênticos guias de pessoas
e de comunidades, hoje as vocações femininas têm necessidade de ter como
ponto de referência figuras femininas, pessoais e comunitárias, capazes
de dar concretude às propostas de modelos, além das de valores.
e) Os organismos de pastoral vocacional Para se propor
como perspectiva unitária e sintética da pastoral em geral, a pastoral
vocacional primeiro deve exprimir, dentro do próprio âmbito, a síntese e
a comunhão dos carismas e dos ministérios. Faz tempo que na
Igreja se percebeu a necessidade dessa coordenação (90) que, graças a
Deus, já tem produzido frutos notáveis: Organismos paroquiais, Centros
vocacionais diocesanos e nacionais em funcionamento há vários anos e com
grande vantagem. Porém, não acontece o mesmo em toda parte. O
Congresso agora celebrado lamentou em certos casos a ausência, ou a
pouca incidência dessas estruturas em algumas nações européias, (91) e
faz votos de que, o mais depressa possível, elas sejam regularmente
instituídas ou adequadamente potencializadas. Em vários lugares
ainda se observa que, enquanto os Centros nacionais parecem garantir um
notável aporte de estímulos construtivos para a pastoral vocacional de
conjunto, nem todos os Centros diocesanos parecem animados da mesma
vontade de trabalhar e de colaborar realmente pelas vocações de todos.
Existe um certo projeto geral de pastoral unitária, que ainda tem
bastante dificuldade para se transformar em práxis de Igreja local e, de
certo modo, parece tropeçar quando se passa das propostas gerais à
tradução capilar na realidade diocesana ou paroquial. Aqui, de fato,
ainda não desapareçam de todo perspectivas e práxis particularistas e
menos eclesiais. (92) No que diz respeito aos Centros diocesanos
e nacionais, mais do que insistir aqui sobre o que vários documentos já
sublinham de maneira exem-plar a respeito da função deles, parece
necessário lembrar que não se trata simplesmente de uma questão de
organização prática, mas de coerência com um espírito novo que deve
permear a pastoral vocacional da Igreja e, em particular, nas Igrejas da
Europa. A crise vocacional é também crise de co-munhão em promover e
fazer crescer as vocações. Onde não se vive um espírito autenticamente
eclesial, não podem nascer vocações. Além de recomendar uma
retomada de empenho nesse campo, e uma ligação mais estreita entre
Centro nacional, Centros diocesanos e organismos paroquiais, o Congresso
e este Documento fazem votos de que tais organis-mos assumam com todo o
coração duas questões: a promoção de uma autêntica cultura vocacional na
sociedade civil e eclesial, e a formação dos educadores-formadores
vocacionais, verdadeiro elemento central e estratégico da atual pastoral
vocacional. (93) Além disso, o Congresso pede que se tome em
séria consideração para a Europa a constituição de um organismo ou
Centro unitário de pastoral vocacional supranacional, como sinal e
expressão concretade comunhão e condivisão, de coordenação e intercâmbio
de experiências e pessoas entre as várias Igrejas nacionais, (94)
salvaguardando as peculiaridades de cada uma.
QUARTA PARTE
PEDAGOGIA DAS VOCAÇÕES
« Não se nos abrasava o coração...? » (Lc
24,32) Esta parte pedagógica deve ser entendida no contexto do
evangelho, a exemplo daquele extraordinário animador-educador vocacional
que é Jesus, e em vista de uma animação vocacional marcada por preciosas
atitudes pedagógicas evangélicas: semear, acompanhar, educar, formar,
discernir. Chegamos à última seção, aquela que, na lógica do
documento, deveria representar a parte metodológico aplicativa. De fato,
partimos da análise da situação concreta, para definir os elementos
teológicos fundamentais do tema da vocação, e depois procuramos voltar
ao caminho concreto das nossas comunidades crentes, para delinear o
sentido e a direção da pastoral das vocações. Agora resta-nos ver
a dimensão pedagógica da pastoral vocacional. Crise
vocacional e crise educativa 30. Muitas vezes, nas nossas
Igrejas, os objetivos são claros e também as estratégias de fundo, mas
ficam um pouco indefinidos os passos a serem dados para suscitar nos
nossos jovens a disponibilidade vocacional; e isso porque, antes, é um
pouco fraca uma certa estrutura educativa, dentro e fora da Igreja,
aquela estrutura que depois deveria apresentar, juntamente com a
exatidão do objetivo a ser alcançado, também os percursos pedagógicos
que a ele conduzem. Com o realismo habitual, o diz ainda o
Instrumentum laboris: « Estamos notando... a inconsistência de
muitos lugares-pedagógicos (grupo, comunidade orante, escola e,
sobretudo, família) ». (95) A crise vocacional certamente é também crise
de proposta pedagógica e de caminho educativo. Procuraremos
então, sempre a partir da Palavra de Deus, indicar justamente essa
convergência entre finalidade e método, na convicção de que uma boa
teologia normalmente se traduz em prática, torna-se pedagogia, faz
entrever percursos, com o sincero desejo de oferecer uma ajuda aos
vários agentes pastorais, um instrumento útil a todos. O
evangelho da vocação 31. Todo encontro ou diálogo no
evangelho tem um significado vocacional: quando Jesus caminha pelas
estradas da Galiléia, é sempre enviado pelo Pai para chamar o homem à
salvação e revelar-lhe o projeto do Pai. A boa notícia, o evangelho, é
justamente esta: o Pai chamou o homem através do Filho, no Espírito;
chamou-o não somente à vida, mas à redenção, e não só uma redenção
merecida por outros, mas a uma redenção que o envolve pessoalmente,
tornando-o responsável pela salvação de outros. A pedagogia
da vocação 32. Procuramos dentro desse evangelho uma
pedagogia correspondente, que é a de Jesus, autêntica pedagogia da
vocação. É a pedagogia que todo animador vocacional ou todo
evangelizador deveria aplicar sempre, a fim de conduzir o jovem a
reconhecer o Senhor que o chama e a responder-lhe. Se o ponto de
referência da pedagogia vocacional é o mistério de Cristo, o Filho de
Deus feito homem, no seu agir « vocacional » há muitos aspectos e
significativas dimensões. Antes de tudo, nos evangelhos Jesus nos
é apresentado muito mais como formador do que como animador,
justamente porque age sempre em estreitíssima união com o Pai, que
espalha a semente da Palavra e educa (tirando do nada), e com
o Espírito que acompanha no caminho de santi-ficação. Tais
aspectos abrem importantes perspectivas para quem trabalha na pastoral
das vocações e, por isso mesmo, é chamado a ser não só animador
vocacional mas, antes ainda, semeador da boa semente da vocação,
e depois acompanhador no caminho que leva o coração a « arder »,
educador para a fé e a escuta do Deus que chama, formador de
atitudes humanas e cristãs de resposta ao apelo de Deus; (96) e, por
fim, é chamado a discernir a presença do dom que vem do Alto.
São as cinco características centrais do ministério vocacional,
ou as cinco dimensões do mistério do chamado que vem de Deus e
chega ao homem através da mediação de um irmão ou irmã, ou de uma
comunidade. Semear 33. « Saiu o semeador a
semear. E, enquanto semeava, parte da semente caiu na estrada e vieram
os passarinhos e a devoraram. Uma outra parte caiu em solo pedregoso,
onde havia pouca terra; logo brotou, porque o terreno não era profundo.
Mas, quando o sol despontou, ficou queimada, por falta de raízes. Uma
outra parte caiu entre espinheiros; os espinhos cresceram e a sufocaram.
Outra parte, enfim, caiu em terra boa e produziu fruto, cem por um,
sessenta por um, trinta por um » (Mt 13, 3-8). De certo
modo, esse trecho indica o primeiro passo de um caminho pedagógico, a
primeira atitude por parte daquele que se coloca como mediador entre
Deus que chama e o homem que é chamado, e que se inspira necessariamente
no agir de Deus. O semeador é Deus-Pai; a Igreja e o mundo são os
lugares onde ele continua a espalhar abundantemente a sua semente, com
liberdade absoluta e sem qualquer tipo de exclusão, uma liberdade que
respeita aquela do terreno onde a semente cai. a) Duas
liberdades em diálogo A parábola do semeador mostra que a
vocação cristã é um diálogo entre Deus e a pessoa humana. O principal
interlocutor é Deus, que chama quem quer, quando quer e como quer, «
segundo o seu propósito e a sua graça » (2 Tm 1,9); que chama
todos à salvação, sem se deixar limitar pelas disposições do receptor.
Mas a liberdade de Deus se encontra com a liberdade do homem, num
diálogo misterioso e fascinante, feito de palavras e de silêncios, de
mensagens e de atos, de olhares e de gestos, uma liberdade que é
perfeita, a de Deus, e outra imperfeita, a humana. Portanto, a vocação é
totalmente atividade de Deus, mas é também realmente atividade do homem:
trabalho e penetração de Deus no coração da liberdade humana, mas também
esforço e luta do homem para ser livre para acolher o dom. Quem
se coloca ao lado de um irmão, no caminho de discernimento vocacional,
entra no mistério da liberdade, e sabe que só poderá dar uma ajuda se
respeitar tal mistério. Mesmo quando isso devesse representar, pelo
menos aparentemente, um menor resultado. Como para o semeador do
evangelho. b) A coragem de semear em qualquer lugar
Justamente o respeito a ambas as liberdades significa, antes de tudo, a
coragem de semear a boa semente do evangelho, da Páscoa do Senhor, da fé
e, por fim, do seguimento. Essa é a condição prévia; não se faz nenhuma
pastoral se falta essa coragem. Não só, mas é preciso semear por toda
parte, no coração de qualquer pessoa, sem nenhum tipo de
preferência ou de exceção. Se todo ser humano é criatura de Deus, é
também portador de um dom, de uma vocação especial que espera ser
reconhecida. Muitas vezes na Igreja se lamenta a escassez de
respostas vocacionais, e não se percebe que, muitas vezes também, a
proposta é feita dentro de um círculo restrito de pessoas, e talvez
retirada logo após uma primeira recusa. Vale a pena lembrar aqui a
advertência de Paulo VI: « Que ninguém, por culpa nossa, ignore o que
deve saber, para orientar a própria vida num sentido diferente e melhor
». (97) No entanto, quantos jovens nunca receberam alguma proposta
cristã acerca da sua vida e do seu futuro! É singular observar o
semeador da parábola no gesto amplo da mão que semeia « por toda parte
»; é comovente reconhecer nessa imagem o coração de Deus-Pai. É a imagem
de Deus que semeia no coração de cada vivente um plano de
salvação; ou se preferirmos, é a imagem do « desperdício » da
generosidade divina, que se efunde sobre todos, porque a todos quer
salvar e chamar a si. É essa mesma imagem do Pai que se torna
evidente no modo de agir de Jesus, que chama a si os pecadores, escolhe
construir a sua Igreja com gente aparentemente inadequada para essa
missão, não conhece barreiras e não faz distinção de pessoas. É
espelhando-se nessa imagem que, por sua vez, o operador vocacional
anuncia, propõe, sacode, com idêntica generosidade; e é justamente a
certeza da semente colocada pelo Pai no coração de toda criatura, que
lhe dá força para ir por toda parte e semear de todas as formas a boa
semente vocacional, para não ficar dentro dos espaços costumeiros e
enfrentar ambientes novos, para tentar abordagens insólitas e dirigir-se
a todas as pessoas. c) A semeadura no tempo certo
Faz parte da sabedoria do semeador espalhar a boa semente da vocação, no
momento propício. O que não significa, de forma alguma apressar os
tempos da escolha, ou pretender que um pré-adolescente tenha a
maturidade de decisão de um jovem, mas entender e respeitar o sentido
vocacional da vida humana. Cada fase da existência tem um
significado vocacional, a começar do momento em que oa meninoa se
abre à vida e sente necessidade de entender o sentido dela, e começa a
se questionar sobre o seu papel na vida. Deixar passar tal pergunta no
momento certo, poderia prejudicar a germinação da semente: « a
experiência pastoral mostra que, na maioria dos casos, a primeira
manifestação da vocação nasce na infância e na adolescência. Por isso,
parece importante recuperar ou propor fórmulas que possam suscitar,
sustentar e acompanhar essa primeira manifestação vocacional ». (98)
Sem, no entanto, limitar-se a essa. Cada pessoa tem os seus ritmos e
seus tempos de maturação. O importante é que tenha a seu lado um bom
semeador. d) A menor de todas as sementes Sem
dúvida, hoje não é uma tarefa simples a do « semeador vocacional ».
Pelos motivos que conhecemos: propriamente falando, não existe uma
cultura vocacional; o modelo antropológico que prevalece parece ser o do
« homem sem vocação »; o contexto social é eticamente neutro e falho de
esperança e de modelos projetuais. Todos elementos que parecem concorrer
para enfraquecer a proposta vocacional e, talvez, nos permitem aplicar a
ela o que Jesus disse a propósito do reino de Deus (cf Mt 13,31
ss.): a semente da vocação é como o grãozinho de mostarda que, quando
semeado, ou quando é proposto ou indicado como presente, é a menor de
todas as sementes; não suscita muitas vezes nenhum consenso imediato;
antes, é negado e desmentido, de certa forma sufocado por outras
expectativas e projetos, como se fosse uma semente de infelicidade.
E então, o jovem rejeita, declara-se não interessado, já comprometeu o
seu futuro (ou outros já o fizeram por ele); ou talvez lhe agradaria e
lhe interessa, mas não tem muita certeza, e depois, é difícil demais e
lhe causa medo... Nada de estranho e absurdo nessa reação temerosa e
negativa; no fundo o Senhor já o havia dito. A semente da vocação é a
menor de todas as sementes, é frágil e não se impõe, justamente por ser
expressão da liberdade de Deus que entende respeitar totalmente a
liberdade do homem. Então é necessária também a liberdade de quem
orienta o caminho do homem: uma liberdade de coração que permita
continuar e não retroceder diante da recusa ou desinteresse inicial.
Jesus diz, na mesma parábola do grão de mostarda, que, « uma vez
crescida é a maior de todas as hortaliças » (Mt 13, 32); portanto
é uma semente que tem sua força, mesmo que não seja logo evidente e
explosiva e, precisa de muito cuidado para maturar. Existe uma espécie
de segredo elementar que faz parte da sabedoria camponesa: para garantir
qualquer colheita na estação certa, é preciso cuidar de tudo, de tudo
mesmo, do terreno à semente; ficar atento a tudo, daquilo que faz
crescer a quanto pode impedir o crescimento. Inclusive contra as
imponderáveis intempéries das estações. No campo vocacional acontece
algo parecido. A semeadura é apenas o primeiro passo, mas deve ser
seguido por outras atenções bem precisas, para que as duas liberdades
entrem no mistério do diálogo vocacional. Acompanhar
34. « Eis que naquele mesmo dia dois deles estavam a caminho de uma
aldeia distante sete milhas de Jerusalém, de nome Emaús, e conversavam a
respeito de tudo aquilo que havia acontecido. Enquanto discorriam e
discutiam, Jesus em pessoa se aproximou e caminhava com eles. Mas os
olhos deles eram incapazes de reconhecê-lo » (Lc 24, 13-16).
Escolhemos, o episódio dos dois discípulos de Emaús, para descrever as
articulações pedagógicas do acompanhar, educar e formar. É um trecho
significativo, porque, além da sabedoria do conteúdo e do método
pedagógico seguido por Jesus, parece-nos ver nos dois discípulos a
imagem de tantos jovens de hoje, um pouco tristes e desanimados, que
parecem ter perdido o gosto de procurar a própria vocação. O
primeiro passo, ou a primeira atenção nesse caminho é ficar ao lado:
o semeador, ou aquele que despertou no jovem a consciência da semente
semeada no terreno do seu coração, agora se torna acompanhador.
Na parte teológica desta reflexão, foi indicado como típico do Espírito
o ministério do acompanhamento; de fato, é o Espírito do Pai e do Filho
que permanece ao lado do homem para recordar-lhe a Palavra do Mestre; é
ainda o Espírito que habita no homem para suscitar nele a consciência de
ser filho do Pai. Portanto, o Espírito é o modelo em que deve se
inspirar aquele irmão ou aquela irmã maior que acompanha um irmão ou uma
irmã menor, em busca. a) Itinerário vocacional
Definido o itinerário vocacional pastoral, agora nos perguntamos: o que
é um itinerário vocacional em nível pedagógico? O
itinerário pedagógico vocacional é uma viagem rumo à maturidade da fé,
como uma peregrinação rumo ao estado adulto do ser crente,
chamado a decidir sobre si e sobre a própria vida, com liberdade e
responsabilidade, segundo a verdade do misterioso projeto feito
por Deus para ele. Tal viagem procede por etapas, em companhia
de um irmão ou uma irmã mais crescida na fé e no discipulado, que
conhece a estrada, a voz e os passos de Deus, que ajuda a reconhecer o
Senhor que chama e a discernir o caminho por onde ir a Ele e
responder-lhe. Então, um itinerário vocacional é, antes de tudo,
caminho com Ele, o Senhor da vida, aquele « Jesus em pessoa », como nota
Lucas, com precisão, que se aproxima do homem a caminho, anda pela mesma
estrada e entra na história dele. Mas os olhos de carne muitas vezes não
sabem reconhecê-lo; então o andar humano fica solitário, e inútil a
conversa, enquanto que a busca tende a perpetuar-se, num interminável e
narcisista « fazer experiências », até vocacionais, sem nenhum resultado
decisório. Talvez o primeiro dever do acompanhador vocacional seja o de
indicar a presença de um Outro, ou de confessar a natureza
relativa da própria proximidade ou acompanhamento, para ser mediação
de tal presença, ou itinerário rumo à descoberta do Deus que chama e se
faz próximo a cada homem. Como os dois de Emaús, ou como Samuel
no meio da noite, muitas vezes os nossos jovens não têm olhos para ver,
nem ouvidos para ouvir Aquele que caminha perto de cada um e, com
insistência e, ao mesmo tempo, com delicadeza, pronuncia o seu nome. O
irmão que acompanha é sinal daquela insistência e delicadeza; sua tarefa
é ajudar a reconhecer a proveniência da voz misteriosa; como João
Batista, não fala de si, mas anuncia um Outro que, porém, já está
presente. O ministério do acompanhamento vocacional é ministério
humilde, daquela humildade serena e inteligente que nasce da liberdade
no Espírito, e se expressa « com a coragem da escuta e do diálogo ».
Graças a essa liberdade, a voz daquele que chama ressoa com maior
clareza e força incisiva. E o jovem se vê diante de Deus, descobre com
surpresa que é o Eterno que caminha no tempo ao lado dele, e o chama a
fazer uma escolha, para sempre! b) Os poços de água viva
« Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço... » (Jo
4,6): é o começo do que poderíamos chamar um inédito colóquio
vocacional: o encontro de Jesus com a samaritana. De fato, através desse
encontro, a mulher cumpre um itinerário rumo à descoberta de si mesma e
do Messias, inclusive tornando-se, de certo modo, anunciadora dele.
Também nesse trecho transparece a soberana liberdade de Jesus em
procurar os seus mensageiros em toda parte e em qualquer pessoa;
mas é também singular, por parte daquele que é o caminho do homem rumo
ao Pai, o cuidado de cruzar com a criatura ao longo de seus caminhos, ou
de esperar por ela onde é mais evidente e intensa a sua expectativa. É o
que se pode deduzir da imagem simbólica do « poço ». Na antiga sociedade
judaica, os poços eram fonte de vida, condição básica de sobrevivência
para um povo sempre às voltas com a penúria de água; e é justamente ao
redor desse símbolo, a água para e da vida que, com
finíssima pedagogia, Jesus constrói a sua abordagem com a mulher.
Acompanhar um jovem quer dizer saber identificar « os poços » de hoje:
todos os lugares e momentos, provocações e expectativas onde mais cedo
ou mais tarde os jovens devem passar com suas jarras vazias, com seus
questionamentos não expressos, com a sua suficiência ostensiva e muitas
vezes só aparente, com seu profundo desejo de autenticidade e de futuro.
A pastoral vocacional não pode ser « contemporizadora », mas ação de
quem procura e não se dá por vencido enquanto não acha, e se faz
encontrar no lugar ou no poço certo, lá onde o jovem marca encontro com
a vida e com o futuro. Desse ponto de vista, o acompanhador
vocacional deve ser « inteligente »; um que não impõe necessariamente as
suas perguntas, mas parte daquelas, de qualquer tipo, do próprio jovem;
ou — se for preciso — é capaz de « suscitar e descobrir a pergunta
vocacional que ocupa o coração de todo jovem, mas que espera ser
escavada por verdadeiros formadores vocacionais ».(99) c)
Condivisão e con-vocação Fazer acompanhamento vocacional
significa, antes de tudo, compartilhar: o pão da fé, da experiência de
Deus, do esforço da busca, até compartilhar também a vocação: não para
impô-la, evidentemente, mas para confessar a beleza de uma vida que se
realiza segundo o projeto de Deus. O registro comunicativo típico
do acompanhamento vocacional não é o didático ou exortativo, e nem o
amistoso, de um lado, ou do diretor espiritual, do outro (como quem dá
logo uma direção à vida do outro), mas é o registro da confessio
fidei. Quem faz acompanhamento vocacional testemunha a
própria escolha, ou melhor, o fato de ter sido escolhido por Deus; conta
— não necessariamente com palavras — o seu caminho vocacional e a
descoberta contínua da própria identidade no carisma vocacional e, com
isso, também conta ou deixa entender o esforço, a novidade, o risco, a
surpresa, a beleza. Disso vem uma catequese vocacional de pessoa
a pessoa, de coração a coração, rica de humanidade e originalidade, de
paixão e força convincente, uma animação vocacional sapiencial e
experiencial. Mais ou menos como a experiência dos primeiros discípulos
de Jesus, que « foram e viram onde morava e, naquele dia, ficaram com
ele » (Jo 1,39); e foi experiência profundamente tocante se,
depois de muitos anos, João ainda se lembra de que « eram cerca de
quatro horas da tarde ». Só se faz animação vocacional por
contágio, por contato direto, porque o coração está cheio e a
experiência da beleza continua a atrair. « Os jovens se interessam muito
pelo testemunho de vida das pessoas que já estão num caminho espiritual.
Sacerdotes e religiososas devem ter a coragem de oferecer sinais
concretos no seu caminho espiritual. Por isso, é importante gastar tempo
com os jovens, caminhar no nível deles, lá onde eles estão, ouvi-los e
responder às questões que surgem no encontro ». (100) Justamente
por isso, o acompanhador vocacional é também um entusiasta da sua
vocação e da possibilidade de transmiti-la a outros; é testemunha não
apenas convicto, mas contente e, por isso convincente e credível. Só
assim a mensagem atinge a pessoa em sua totalidade espiritual —
coração-mente-vontade, propondo-lhe algo que é verdadeiro-belo-bom.
É o sentido da con-vocação: ninguém pode passar ao lado do
anunciador de uma tão « boa notícia » sem se sentir tocado, « totalmente
» chamado, em todos os níveis da sua personalidade, e continuamente
chamado, por Deus, sem dúvida; mas também por tantas pessoas, ideais,
situações inéditas, provocações diversas, mediações humanas do chamado
divino. Então, o sinal vocacional pode ser mais bem percebido.
Educar 35. « Perguntou-lhes então: « De que estais
falando pelo caminho, e por que estais tristes? » Um deles, chamado
Cléofas, respondeu-lhe: « És tu, acaso, o único forasteiro em Jerusalém
que não sabes o que nela aconteceu estes dias? » Perguntou-lhes ele: «
Que foi? » Disseram: « A respeito de Jesus de Nazaré... Era um profeta
poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo. Jesus
lhes disse: « Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para
crerdes tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário
que Cristo sofresse estas coisas e assim entrasse na sua glória? ». E,
começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o
que dele se achava dito em todas as Escrituras. Aproximaram-se da aldeia
para onde iam e ele fez como se quisesse passar adiante. Mas eles
forçaram-no a parar: « Fica conosco, já é tarde e já declinou o dia ».
Entrou então com eles. (Lc 24,17-29). Após a semeadura, ao
longo do caminho do acompanhamento, trata-se de educar o jovem.
Educar no sentido etimológico da palavra, ou seja como tirar de dentro (e-ducere)
dele a sua verdade, aquilo que tem no coração, também aquilo que não
sabe e não conhece de si: fragilidades e aspirações, para facilitar a
liberdade da resposta vocacional. a) Educar para o
conhecimento de si Jesus se aproxima dos dois e pergunta-lhes
de que estão falando. Ele o sabe, mas quer que ambos se manifestem a si
mesmos e, verbalizando a sua tristeza e as esperanças frustradas,
ajuda-os a tomar consciência do próprio problema, e do motivo real de
sua perturbação. Assim, os dois praticamente são forçados a reler a
história recente, fazendo transparecer o verdadeiro motivo de sua
tristeza. « Nós esperávamos... »; mas a história parece ter
tomado um rumo diferente em relação às suas expectativas. Aliás, eles
fizeram todas as experiências significativas em contato com Jesus «
poderoso em obras e em palavras »; mas é como se de improviso esse
caminho de fé se tivesse interrompido diante de um evento
incompreensível como a paixão e morte daquele que deveria libertar
Israel. « Nós esperávamos, mas... »: como não reconhecer nessa
história incompleta a vivência de tantos jovens que parecem interessados
no discurso vocacional, que se deixam provocar e mostram boa
predisposição, mas depois param diante da escolha a ser feita? De certo
modo Jesus obriga os dois a admitir a diferença entre as suas esperanças
e o plano de Deus, da forma como se concretizou em Jesus, entre o modo
como entendiam o Messias e a sua morte na cruz, entre as suas
expectativas tão humanas e interesseiras, e o sentido de uma salvação
que vem do Alto. Do mesmo modo, é importante e decisivo ajudar os
jovens a fazer emergir o equívoco de fundo: aquela interpretação
demasiado terrena e centrada em torno do eu, que torna difícil e até
mesmo impossível a escolha vocacional, ou faz achar excessivas as
exigências do chamado, como se o projeto de Deus fosse inimigo dos
anseios de felicidade do homem. Quantos jovens não acolheram o
apelo vocacional, não porque fossem pouco generosos ou indiferentes, mas
simplesmente porque não foram ajudados a se conhecerem, a
descobrir a raiz ambivalente e pagã de certos esquemas mentais e
afetivos; e porque não foram ajudados a se libertarem dos
próprios medos e defesas, conscientes ou não, em relação à vocação.
Quantos abortos vocacionais devidos a esse vazio educativo!
Educar significa, antes de tudo, fazer emergir a realidade do eu, tal
como é, se se deseja depois levá-lo a ser como deve ser: a sinceridade é
um passo fundamental para chegar à verdade, mas é sempre necessária uma
ajuda de fora para ver bem o interior. Então, o educador vocacional deve
conhecer os subterrâneos do coração humano, para acompanhar o jovem na
construção do verdadeiro eu. b) Educar para o mistério
Aqui nasce o paradoxo. Quando o jovem é conduzido às origens de si, e
pode encarar também as suas fraquezas e os seus temores, tem a sensação
de entender melhor o motivo de certas atitudes e reações suas e, ao
mesmo tempo, capta sempre mais a realidade do mistério como chave de
leitura da vida e da sua pessoa. É indispensável que o jovem
aceite que não sabe, que não pode se conhecer plenamente. A
vida não está inteiramente nas suas mãos, porque a vida é mistério
e, por outro lado, o mistério é vida; ou seja, o mistério é
aquela parte do eu que ainda não foi descoberta, ainda não vivida e que
espera ser decifrada e realizada; mistério é aquela realidade pessoal
que ainda precisa crescer, rica de vida e de possibilidades existenciais
ainda intactas, é a parte germinativa do eu. Então, aceitar o
mistério é sinal de inteligência, de liberdade interior, de desejo de
futuro e de novidade, de recusa de uma concepção repetitiva e passiva,
tediosa e banal da vida. Por isso dissemos no início que a pastoral
vocacional deve ser mistagógica, e portanto, partir e tornar a sair do
mistério de Deus para reconduzir ao mistério do homem. A perda do
sentido do mistério é uma das maiores causas da crise vocacional.
Ao mesmo tempo, a categoria do mistério se torna categoria propedêutica
para a fé. É possível, e de certa maneira natural, que a esse ponto o
jovem sinta nascer dentro de si uma espécie de necessidade de
revelação, isto é, o desejo de que o próprio Autor da vida lhe
desvende o sentido e o lugar que deve ocupar nela. Quem mais, a não ser
o Pai, pode realizar tal desvendamento? Por outro lado, é
importante que o jovem descubra logo (ou que o guia intua imediatamente)
a estrada que deve seguir: o que interessa é que ele descubra e decida
colocar fora de si, em Deus Pai, a procura do fundamento da sua
existência. Um autêntico caminho vocacional leva sempre e de qualquer
modo à descoberta da paternidade-maternidade de Deus! c)
Educar a ler a vida No evangelho, Jesus de certa forma
convida os dois de Emaús a retornarem à vida, àqueles eventos que haviam
causado a sua tristeza, através de um sapiente método de leitura: capaz
não só de recompor os eventos entre si, ao redor de um significado
central, mas de decifrar, no tecido misterioso da existência humana, o
fio vermelho de um projeto divino. É o método que se poderia chamar de
genético-histórico, que faz procurar e encontrar, na própria
biografia, os passos e as marcas da passagem de Deus e, portanto, também
a sua voz que chama. Tal método é ao mesmo tempo, dedutivo e
indutivo, ou histórico-bíblico: de fato, parte da verdade
revelada e juntamente da realidade histórica, e assim permite o diálogo
ininterrupto entre vivido subjetivo (os fatos citados pelos dois
discípulos) e referência à Palavra (« E, começando por Moisés e
percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito
em todas as Escrituras » (Lc 24,27); na normatividade da
Palavra e na centralidade do mistério pascal do Cristo morto e
ressuscitado, indica um ponto preciso de interpretação dos eventos
existenciais, sem rejeitar nenhum acontecimento, especialmente os mais
difíceis e dolorosos (« Não era preciso que o Cristo sofresse
essas coisas e assim entrasse na sua glória? » (Lc 24,26).
A leitura da vida se torna com isso uma operação altamente espiritual,
não apenas psicológica, porque leva a reconhecer nela a presença
luminosa e misteriosa de Deus e da sua Palavra. (101) E, dentro desse
mistério, permite conhecer, devagarzinho, a semente da vocação que o
mesmo Pai-semeador depositou nos sulcos da vida. Aquela semente, embora
pequena, agora começa a ficar visível e a crescer. d) Educar a
in-vocar Se a leitura da vida é operação espiritual, essa
necessariamente leva a pessoa não somente a reconhecer o seu desejo de
revelação, mas a celebrá-lo, com a oração de invocação.
Educar quer dizer e-vocar a verdade do eu. Tal evocação nasce
exatamente da in-vocação orante, de uma oração que é mais de confiança
do que de pedido, oração como surpresa e gratidão; mas também como luta
e tensão, como sofrida « escavação » das próprias ambições para acolher
expectativas, pedidos, desejos do Outro: do Pai que, no Filho, pode
dizer, àquele que procura, qual o caminho a seguir. Mas, então a
oração se torna o lugar do discernimento vocacional, da educação
para a escuta do Deus que chama, porque qualquer vocação tem
origem nos espaços de uma oração invocativa, paciente e confiante;
sustentada não pela pretensão de uma resposta imediata, mas pela certeza
ou pela esperança de que a invocação não pode deixar de ser acolhida, e,
no tempo certo, fará com que aquele que invoca descubra a sua vocação.
No episódio de Emaús, tudo isso é revelado com uma expressão essencial,
talvez a oração mais linda que um coração humano já rezou: « Fica
conosco, já é tarde e o dia já declinou » (Lc 24,29). É a súplica
de quem sabe que, sem o Senhor, a noite desce depressa na vida, sem a
sua Palavra existe a obscuridade da incompreensão ou da confusão de
identidade; a vida parece não ter sentido e nem vocação. É a invocação
de quem talvez ainda não descobriu a sua estrada, mas intui que, estando
com Ele, encontra-se a si mesmo, porque só Ele tem « palavras de vida
eterna » (Jo 6,67-68). Esse tipo de oração in-vocativa não
se aprende espontaneamente, mas precisa de um longo aprendizado; e não
se aprende sozinho, mas com a ajuda de quem aprendeu a escutar os
silêncios de Deus. Nem qualquer pessoa pode ensinar tal oração, mas
somente quem é fiel à sua vocação. Então, se a oração é a via
natural da busca vocacional, hoje como ontem, ou mais do que ontem, são
necessários educadores vocacionais que rezem, que ensinem a rezar, que
eduquem para a in-vocação. Formar 36. «
Aconteceu que, estando sentado com eles à mesa, tomou o pão, abençoou-o,
partiu-o e serviu-lhes. Então se lhes abriram os olhos e o
reconheceram... mas ele desapareceu. Diziam então um para o outro: « Não
se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos
explicava as Escrituras? ». A formação é de certo modo o momento
culminante do processo pedagógico, porque é o momento em que é proposta
ao jovem uma forma, um modo de ser, no qual ele mesmo
reconhece a sua identidade, a sua vocação, a sua norma. É o
Filho, Aquele que é a marca do Pai, o formador dos homens, porque
representa a imagem segundo a qual o Pai criou os homens. Por isso Ele
convida aquele que chama a ter os seus mesmos sentimentos e a
compartilhar a sua vida, a ter a sua « forma ». É Ele, ao mesmo tempo, o
formador e a forma. O formador vocacional é tal, enquanto
mediador desta ação divina, e se coloca ao lado do jovem para ajudá-lo a
« reconhecer » nela o seu chamado, e a se deixar formar por ela.
a) Reconhecimento de Jesus Sem dúvida, o momento decisivo
do episódio de Emaús é aquele em que Jesus toma o pão, parte-o e o dá a
cada um deles: « Então se lhes abriram os olhos e o reconheceram ». Há
aqui uma série de « reconhecimentos » coligados entre si. Antes
de tudo, os dois reconhecem Jesus, descobrem a verdadeira
identidade do viandante que se juntou a eles, exatamente porque, como os
dois sabiam muito bem, somente Ele podia fazer aquele gesto. Em
perspectiva vocacional, isso está a dizer a importância de colocar em
ato gestos fortes, sinais inequívocos, propostas altas, projetos de
seguimento total. (102) O jovem precisa ser estimulado por
grandes ideais, em vista de algo que o supera e está acima das suas
capacidades, pelo qual vale a pena dar a própria vida. Lembra isso
também a análise psicológica: pedir a um jovem alguma coisa que esteja
abaixo de suas possibilidades, significa ofender a sua dignidade e
impedir a sua plena realização; dito de forma positiva, ao jovem se deve
propor o máximo daquilo que ele pode dar, para que se torne e seja ele
mesmo. E, se Jesus é reconhecido « ao partir do pão », a dimensão
eucarística deveria subentender todo caminho vocacional: como « lugar »
típico da solicitação vocacional, como mistério que manifesta o sentido
geral da existência humana, como objetivo final de qualquer pastoral
vocacional que queira ser cristã. b) Reconhecimento da verdade
da vida Mas, num autêntico processo de formação para a
escolha vocacional, a este ponto surge um segundo « reconhecimento »: oreconhecimento-descoberta,
dentro do sinal eucarístico, do significado da vida. Se a Eucaristia
é sacrifício de Cristo que salva a humanidade, e se tal sacrifício é
corpo partido e sangue derramado para a salvação da humanidade, também a
vida do crente é chamada a modelar-se sobre a mesma correlação de
significados: também a vida é bem recebido que, por natureza, tende a
se tornar bem doado, como a vida do Verbo. É a verdade da vida, de
toda vida. As conseqüências em nível vocacional são evidentes. Se
no início da existência do homem há um dom que o constitui no ser, então
a vida tem uma estrada marcada: se é dom, ele só será plenamente
ele mesmo se se realiza na perspectiva do doar-se; será feliz com a
condição de respeitar esta sua natureza. Poderá fazer a escolha que
quiser, mas sempre na lógica do dom; de outro modo, se tornará um ser em
contradição consigo mesmo, uma realidade « monstruosa »; será livre de
decidir a orientação específica, mas não será livre de imaginar-se
fora da lógica do dom. Toda a pastoral vocacional é
construída sobre essa catequese elementar do significado da vida. Se
essa verdade antropológica passa, então se pode fazer qualquer proposta
vocacional. Então, também a vocação ao ministério ordenado ou à
consagração religiosa ou secular, com toda a sua carga de mistério e
mortificação, se torna a plena realização do humano e do dom que todo
homem tem e é, no mais profundo de si. c) A
vocação como reconhecimento-gratidão Mas, se é no gesto
eucarístico que os dois de Emaús « reconhecem » o Senhor, e todo crente
o sentido da vida, então a vocação nasce do « reconhecimento ».
Nasce no terreno fecundo da gratidão, porque a vocação é
resposta, não iniciativa do indivíduo: é ser escolhido, não
escolher. A leitura de toda a vida passada deveria justamente
levar a essa atitude interior de gratidão. A descoberta de ter recebido,
de modo imerecido e excedente, deveria « obrigar » psicologicamente o
jovem a conceber a oferta de si, na opção vocacional, como uma
conseqüência inevitável, como um ato certamente livre, porque
determinado pelo amor; mas, num certo sentido, também devido,
porque, diante do amor recebido de Deus, ele sente que não pode fazer a
menos do que doar-se. É lindo e inteiramente lógico que seja assim; em
si não é uma coisa extraordinária. A pastoral vocacional é
orientada a formar para essa lógica do reconhecimento-gratidão;
muito mais sadia e convincente, no plano humano, e mais teologicamente
fundada do que a chamada « lógica do herói » daquele que não amadureceu
suficientemente a consciência de ter recebido, e se sente, ele mesmo,
autor do dom e da escolha. Tal lógica tem pouquíssima força sobre a
sensibilidade juvenil hodierna, porque subverte a verdade da vida como
bem recebido que tende naturalmente a se tornar bem doado.
É a sapiência evangélica do « recebestes de graça, dai gratuitamente » (Mt
10,8), (103) dirigido por Jesus aos discípulos-anunciadores da sua
palavra, que mostra a verdade de todo ser humano: ninguém poderia
deixar de se reconhecer nele. É dessa verdade que a vida deriva a
forma que depois é chamada a assumir, ou é dessa figura única da fé
que depois nascem as diversas figuras vocacionais da mesma fé.
Então é possível também pedir escolhas igualmente fortes e radicais,
como um chamado de especial consagração, ao sacerdócio e à vida
consagrada. Por isso, por difícil e singular que possa parecer (e, na
realidade, é), a proposta de Deus se torna também uma impensada promoção
das autênticas aspirações humanas e garante o máximo da felicidade. A
felicidade cheia de gratidão, que Maria canta no « Magnificat ».
d) Reconhecimento de Jesus e auto-reconhecimento do discípulo
Os olhos dos discípulos de Emaús se abrem diante do gesto eucarístico de
Jesus. É diante desse gesto que Cléofas e o companheiro percebem
também o sentido do seu caminho, como uma viagem não só rumo ao
reconhecimento de Jesus, mas também rumo ao próprio reconhecimento
« Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e
nos explicava as Escrituras? ». Não há simplesmente uma certa
comoção nos dois peregrinos que escutam a explicação do Mestre, mas a
sensação de que a sua vida, a sua Eucaristia, a sua Páscoa, o seu
mistério serão sempre mais a sua própria vida, eucaristia, páscoa,
mistério. No coração que se abrasa, existe a descoberta da
vocação e a história de toda vocação. Sempre ligada a uma experiência de
Deus, em que a pessoa descobre também a si mesma e a própria identidade.
Formar para a escolha vocacional quer dizer mostrar sempre mais a
ligação entre experiência de Deus e descoberta do eu, entre teofania e
auto-identidade. É muito verdadeiro o que afirma o Instrumentum
laboris: « O reconhecimento dele como Senhor da vida e da história
comporta o auto-reconhecimento do discípulo ». (104) E quando o ato de
fé consegue conjugar o « reconhecimento cristológico » com o «
auto-reconhecimento antropológico », a semente da vocação já está
madura, ou melhor, está florescendo. Discernir
37. « Levantaram-se na mesma hora e voltaram a Jerusalém. Aí acharam
reunidos os onze e os que com eles se detinham. Todos diziam: "O Senhor
ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão", Eles, por sua parte,
contaram o que lhes havia acontecido no caminho, e como o tinham
reconhecido ao partir do pão » (Lc 24, 33-35). Para que o
caminho de Emaús se torne itinerário vocacional, é necessária uma
passagem conclusiva depois da série de « reconhecimentos » e «
auto-reconhecimentos »: a escolha definitiva, por parte do jovem,
à qual corresponde, por parte daquele que o acompanhou ao longo do
caminho vocacional, o processo de discernimento. Um discernimento
que certamente não se encerrará no tempo da orientação vocacional,
masdeverá continuar depois até a maturação de uma decisão definitiva, «
para toda a vida ». (105) a) A escolha definitiva do que foi
chamado Capacidade de decisão No episódio
evangélico que traçou o caminho da nossa reflexão, a escolha é bem
expressa no versículo 33: « Levantaram-se na mesma hora... ». A
anotação temporal (« na mesma hora ») exprime com eficácia a
determinação dos dois, provocada pela palavra e pela pessoa de Jesus,
pelo encontro com ele, e corajosamente colocada em prática numa escolha
que significa ruptura com aquilo que eram ou faziam antes, e indica
novidade de vida. É justamente essa decisão que muitas vezes
falta aos jovens de hoje. Por esse motivo, com o fim de « ajudar
os jovens a superar a indecisão diante dos compromissos definitivos,
parece útil prepará-los progressivamente para assumir responsabilidades
pessoais [...], confiar tarefas adequadas às capacidades e à idade deles
[...], facilitar uma educação progressiva para as pequenas escolhas
quotidianas diante dos valores (gratuidade, constância, sobriedade,
honestidade...). (106) Por outro lado, é necessário lembrar que,
muitas vezes, esses e outros temores e indecisões indicam a fragilidade
não somente da estrutura psicológica da pessoa, mas também da
experiência espiritual e, de modo especial, da experiência da vocação
como escolha que vem de Deus. Quando essa certeza é pobre, o
sujeito se entrega inevitavelmente a si mesmo e aos próprios recursos; e
quando constata a sua precariedade, não é de admirar que se deixe
dominar pelo medo de fazer uma escolha definitiva. A incapacidade
decisória não é necessariamente característica da atual geração juvenil:
não raro é conseqüência de um acompanhamento vocacional que não
sublinhou suficientemente o primado de Deus na escolha, ou que não
formou para se deixar escolher por Ele. (107) « Volta para
casa » A escolha vocacional indica novidade de vida, mas na
realidade é também sinal de uma recuperação da própria identidade, uma
espécie de « volta para casa », para as raízes do eu. No trecho de
Emaús, é simbolizado pela expressão: « ...e voltaram a Jerusalém ».
Na formação para a escolha vocacional, é muito importante insistir na
idéia de que ela é condição para que o jovem seja ele mesmo, e se
realize segundo o único projeto que pode dar felicidade. Muitos jovens
ainda pensam o contrário a respeito da vocação cristã, vêem-na com
desconfiança e receiam que ela não possa fazê-los felizes; mas depois
acabam sendo infelizes, como o jovem triste do evangelho (cf Mc
10,22). Quantas vezes também as atitudes dos adultos, inclusive
dos pais, têm contribuído para criar uma imagem negativa da vocação,
especialmente ao sacerdócio e à vida consagrada, criando obstáculos para
a sua realização e desencorajando quem se sentia chamado a isso! (108)
Ademais, não se resolve esse problema com uma banal propaganda
contrária, que enfatizaria os aspectos positivos e gratificantes da
vocação, mas, sobretudo sublinhando a idéia de que a vocação é o
pensamento de Deus sobre a criatura, é o nome dado por Ele à pessoa.
Descobrir a vocação e responder como crentes, quer dizer encontrar
aquela pedra na qual está escrito o próprio nome (cf Ap 2,17-18),
ou voltar às nascentes do eu. Testemunho pessoal Em
Jerusalém os dois « acharam reunidos os onze e os que com eles se
detinham. Todos diziam: « O Senhor ressuscitou verdadeiramente, e
apareceu a Simão ». Eles, por sua parte, contaram o que lhes havia
acontecido no caminho, e como o tinham reconhecido ao partir do pão » (Lc
24,33-35). Em relação à escolha vocacional, o elemento mais
significativo desse trecho é o testemunho dos dois, um testemunho
especial, porque acontece num contexto comunitário e tem um sentido
vocacional muito preciso. Quando os dois chegam, a assembléia
está proclamando a sua fé com uma fórmula (« O Senhor ressuscitou
verdadeiramente, e apareceu a Simão »), que sabemos estar entre os
testemunhos mais antigos da fé objetiva. De certa forma, Cléofas e o
companheiro acrescentam a sua experiência subjetiva, que confirma o que
a comunidade estava proclamando, e confirma também o caminho pessoal
crente e vocacional deles. É como se aquele testemunho fosse o
primeiro fruto da vocação descoberta e reencontrada que, como é próprio
da natureza da vocação cristã, imediatamente é colocada a serviço da
comunidade eclesial. Volta, portanto, o que já foi dito acerca da
relação entre itinerários eclesiais objetivos e itinerário pessoal
subjetivo, num relacionamento de sinergia e complementariedade: o
testemunho individual ajuda e faz crescer a fé da Igreja; a fé e o
testemunho da Igreja suscitam e encorajam a escolha vocacional do
indivíduo. b) O discernimento por parte de quem guia
Na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, João
Paulo II afirma: « O conhecimento da natureza e da missão do sacerdócio
ministerial é o pressuposto irrenunciável e, ao mesmo tempo o guia mais
seguro e o estímulo mais incisivo para desenvolver na Igreja a ação
pastoral de promoção e de discernimento das vocações sacerdotais e de
formação dos chamados ao ministério ordenado ». (109) O mesmo
poderia ser dito, por analogia, quando se trata de qualquer vocação à
vida consagrada. Pressuposto irrenunciável para discernir tais vocações
é, antes de tudo, ter presente a natureza e a missão desse estado de
vida na Igreja. (110) Tal pressuposto deriva diretamente da
certeza de que é Deus que chama e, portanto, da busca daqueles sinais
que apontam o chamado divino. Indicam-se, agora, alguns critérios
de discernimento, distinguíveis em quatro áreas. A abertura ao
mistério Se o fechamento ao mistério, característico de certa
mentalidade moderna, inibe qualquer disponibilidade vocacional, o seu
oposto, ou seja a abertura ao mistério não somente é condição
positiva para a descoberta da própria vocação, mas indício de uma sadia
opção vocacional. a) A autêntica certeza objetiva
vocacional é aquela que abre espaço para o mistério, e a sensação
de que a própria decisão, embora firme, deverá permanecer aberta a uma
contínua sondagem do mesmo mistério. Ao contrário, a certeza não
autêntica, não somente aquela frágil e incapaz de dar lugar a uma
decisão, mas também o seu oposto, isto é a pretensão de já ter entendido
tudo, de ter esgotado as profundidades do mistério pessoal, não pode
deixar de criar endurecimentos e uma certeza que muitas vezes é
desmentida no decurso da vida. b) A atitude tipicamente
vocacional é expressão da virtude da prudência, mais do que
ostensiva capacidade pessoal. Justamente por isso, a segurança dessa
leitura do próprio futuro é a da esperança e da entrega confiante
que nasce da confiança depositada num Outro, em quem se pode confiar;
não é deduzida da garantia das próprias capacidades percebidas como
correspondentes às exigências do papel escolhido. c) É
ainda um bom indício vocacional a capacidade de acolher e integrar
aquelas polaridades contrapostas que constituem a dialética natural do
eu e da vida humana. Por exemplo, possui tal capacidade um jovem que é
suficientemente consciente de seus aspectos tanto positivos como
negativos, da parte sadia e da menos sadia do seu próprio projeto
vocacional e que não presuma nem desespere diante do negativo que há em
si mesmo. d) Tem uma boa familiaridade com o mistério da
vida, como lugar onde perceber uma presença e um apelo, o jovem que
descobre os sinais do seu chamado por parte de Deus, não só nos eventos
extraordinários, mas na sua história; nos eventos que, como
crente, aprendeu a ler, nas suas perguntas, ansiedades, aspirações.
e) Entra nessa categoria de abertura ao mistério uma outra
característica fundamental do autêntico chamado: a da gratidão. A
vocação nasce no terreno fecundo da gratidão; e deve ser interpretada
com ímpeto de generosidade e radicalidade, justamente porque nasce da
consciência do amor recebido. A identidade da vocação
A segunda ordem de critérios gira em torno do conceito de « identidade
». A opção vocacional indica e implica exatamente a definição da própria
identidade; é escolha e realização do eu ideal, mais do que do eu atual,
e deveria levar a pessoa a ter um conceito substancialmente positivo e
estável do próprio eu. a) A primeira condição é que a
pessoa mostre estar à altura de afastar-se da lógica da identificação
nos níveis corporal (=o corpo como fonte de identidade positiva)
e psíquico (=os próprios dotes como única e preeminente garantia
de autoestima), e ao invés, descobre a própria positividade radical
ligada estavelmente ao ser, recebido de Deus como dom (é o nível
ontológico), não à precariedade do ter e do parecer. A
vocação cristã é o que leva a termo tal positividade, realizando ao
máximo grau as possibilidades do sujeito, mas segundo um projeto que
regularmente o supera, porque pensado por Deus. b) «
Vocação » fundamentalmente quer dizer « chamado »: portanto, há um
sujeito externo, um apelo objetivo, e uma disponibilidade
interior a se deixar chamar e a reconhecer-se num modelo que não foi
o chamado quem criou. c) A respeito da motivação ou da
modalidade da escolha vocacional, o critério fundamental é o da
totalidade (ou lei da totalidade); isto é, que a decisão seja
expressão de um envolvimento total das funções psíquicas
(coração-mente-vontade), e seja decisão ao mesmo tempo mental
ética-emotiva. d) Mais precisamente, existe maturidade
vocacional quando a vocação é vivida e interpretada como um dom, mas
também como apelo exigente: a ser vivido pelos outros, não só para a
própria perfeição, e com os outros, na Igreja mãe de todas as vocações,
numa específica « sequela Christi ». Um projeto vocacional
rico de memória crente A terceira área na qual se
concentraria a atenção de quem discerne uma vocação é a que diz respeito
à qualidade da relação entre passado e presente, entre memória e
projeto. a) Antes de tudo, é importante que o jovem esteja
substancialmente reconciliado com o seu passado: com o inevitável
negativo, de qualquer espécie, que faz parte dele, e também com o seu
positivo, que deveria estar em condição de reconhecer com gratidão;
reconciliado também com as figuras significativas do seu passado, com
suas riquezas e fragilidades. b) Então deve ser
atentamente considerado o tipo de memória que o jovem tem da
própria história, que interpretação dá da própria vida: em chave de
graça ou de lamento? Sente-se, consciente ou inconscientemente, em
crédito, e por isso ainda à espera de receber, ou aberto para dar?
c) Particularmente significativa é a atitude do jovem diante dos
traumas mais ou menos graves, da vida passada. Ter um projeto de
consagrar-se a Deus quer dizer sempre reapropriar-se da vida que
se quer doar, em todos os seus aspectos; tender a integrar esses
componentes menos positivos, reconhecendo-os com realismo e
assumindo uma atitude responsável, não simplesmente de comiseração
diante deles. Jovem « responsável » è aquele que se empenha em assumir
uma atitude ativa e criativa a respeito do evento negativo, ou
procura usufruir de modo inteligente a experiência pessoal
negativa. É preciso prestar muita atenção às vocações que nascem
do sofrimento, desilusão ou incidentes diversos ainda não bem
integrados. Em tal caso, é necessário um discernimento mais atento,
inclusive recorrendo a consultas com especialistas, para não colocar
pesos impossíveis sobre ombros frágeis. A « docibilitas »
vocacional A última fase do itinerário vocacional é a da
decisão. Com referência a tal fase, parecem ser estes os critérios de
maturidade vocacional: a) O requisito fundamental é o grau
de docibilitas da pessoa, ou seja a liberdade interior de se
deixar guiar por um irmão ou irmã maior; em particular, nas fases
estratégicas da reelaboração e reapropriação do próprio passado,
especialmente o mais problemático, e a conseqüente liberdade de aprender
e saber mudar. b) No fundo, o requisito da docibilitas
é o requisito do ser jovem, não tanto como dado do registro civil
quanto como atitude global existencial. É importante que quem pede
admissão ao seminário ou à vida consagrada seja verdadeiramente « jovem
», com as virtudes e vulnerabilidades típicas dessa fase da vida, com a
vontade de fazer e o desejo de dar o máximo de si, capaz de socializar e
de apreciar a beleza da vida, consciente dos próprios defeitos e das
próprias potencialidades, consciente do dom de ter sido escolhido.
c) Hoje, mais do que ontem, uma área particularmente merecedora de
atenção, é a afetivo-sexual. (111) É importante que o jovem
demonstre poder adquirir as duas certezas que tornam a pessoa
afetivamente livre, ou seja a certeza que vem da experiência de
já ter sido amado e a certeza, sempre experiencial, de saber amar.
Concretamente, o jovem deveria demonstrar aquele equilíbrio humano que
lhe permite manter-se de pé sozinho, deveria possuir aquela segurança e
autonomia que facilitam seu relacionamento social e uma cordial amizade,
e aquele senso de responsabilidade que lhe permite viver, como adulto,
esse mesmo relacionamento social, livre para dar e receber. d)
No que diz respeito às inconsistências, sempre na área
afetivo-sexual, um discernimento perspicaz deveria considerar a
centralidade dessa área na evolução geral do jovem e na cultura (ou
subcultura) atual. Não é muito estranho ou raro que o jovem revele
fragilidades específicas nesse setor. Com que condições se pode
prudentemente acolher o pedido vocacional de jovens com esse tipo de
problemas? A condição é que se verifiquem juntamente estes três
requisitos: 1° que o jovem esteja consciente da raiz do seu
problema que, muitas vezes, não é originariamente sexual. 2°
a segunda condição é que o jovem sinta a sua fragilidade como um corpo
estranho à própria personalidade, alguma coisa que não quereria e que se
choca com o seu ideal, e contra a qual luta com todo o seu ser.
3° Por fim, é importante verificar se o sujeito tem condição de
controlar essas fraquezas, em vista de uma superação, seja porque de
fato caia menos, seja porque tais inclinações perturbam sempre menos a
sua vida (também psíquica) e lhe permitem desempenhar seus deveres
normais sem criar nele demasiada tensão, nem ocupar indevidamente a sua
atenção. (112) Esses três critérios devem estar todos presentes, para
permitir um discernimento positivo. e) Por fim, a maturidade
vocacional é decidida por um elemento essencial que, verdadeiramente, dá
sentido a todo o resto: o ato de fé. Para todos os efeitos, a
autêntica opção vocacional é expressão da adesão crente, e é tanto mais
generosa quanto mais é parte e epílogo de um caminho de formação para a
maturidade da fé. Dentro de uma lógica que abre espaço para o mistério,
o ato de fé é exatamente aquele ponto central que permite manter juntas
as polaridades às vezes contrapostas da vida, perenemente tensa entre a
certeza do chamado e a consciência da própria incapacidade, entre a
sensação de perder-se e de reencontrar-se, entre a grandeza das
aspirações e o peso dos próprios limites, entre a graça e a natureza,
entre Deus que chama e o homem que responde. Precisamente mantendo
juntas essas polaridades, o jovem autenticamente chamado deveria
demonstrar a firmeza do seu ato de fé.
CONCLUSÃO
Rumo ao Jubileu 38. Este documento é
destinado às Igrejas da Europa, no momento em que o povo de Deus está se
preparando para celebrar um tempo de graça e de misericórdia, de
conversão e renovação no Jubileu do ano 2.000. O Congresso vocacional
faz parte dessa caminhada de preparação e, de certo modo, contribui para
orientá-la. Em duas direções. A primeira é um convite à
conversão. A crise vocacional que vivemos e ainda estamos vivendo
não pode deixar de fazer-nos refletir também sobre nossas
responsabilidades, enquanto crentes e chamados a difundir o dom da fé e
a promover, em cada irmão, a disponibilidade ao chamado. De modos
diferentes, todos nós devemos admitir que não respondemos plenamente a
esse chamado, de ter tornado a Igreja, a igreja das nossas famílias e
dos ambientes de trabalho, das nossas paróquias e dioceses, das nossas
congregações religiosas e institutos seculares, menos fiel ao dever de
mediar a voz do Pai que chama a seguir o Filho no Espírito. Só sairemos
dessa crise vocacional se esse processo de conversão for sincero e
produzir frutos de novidade de vida. A segunda direção que este
documento quereria contribuir para imprimir à peregrinação da Igreja
rumo ao Jubileu, é um convite à esperança. Convite que emerge de
todo o Congresso e que agora quereríamos repetir com toda a força da
nossa fé. Talvez não exista um setor na vida da Igreja que tenha tanta
necessidade de se abrir à esperança, como a pastoral vocacional,
especialmente lá onde a crise se faz sentir mais pungente. Por
isso, ao término desta reflexão, nós reafirmamos a nossa certeza de que
o Senhor da messe não deixará faltar à Igreja operários para a sua
messe. Antes, se a esperança é fundada não nas nossas previsões e nos
nossos cálculos, que muitas vezes a história passada se encarregou de
desmentir, mas « na Tua Palavra », então podemos e queremos acreditar
numa renovada floração vocacional para as Igrejas da Europa. Este
documento quer ser como um hino ao otimismo da fé, repleta de esperança,
para despertá-lo nos meninos, adolescentes e jovens, nos pais e nos
educadores, nos pastores e nos presbíteros, nos consagrados e
consagradas, em todos aqueles que servem à vida ao lado das novas
gerações, em todo o povo de Deus que está na Europa.
Roguemos ao Dono da messe 39. O nosso documento, que se
abriu com a ação de graças ao Senhor Deus, não pode se encerrar sem uma
prece à Santíssima Trindade, fonte e destino de toda vocação. «
Deus Pai, fonte do amor, que desde toda a eternidade chamas à vida e
a dás em abundância, volve o teu olhar sobre esta terra da Europa.
Chama-a ainda, como a chamaste um tempo; mas sobretudo faze que seja
consciente do teu chamado, das suas raízes cristãs, da responsabilidade
que disso deriva. Torna-a consciente da sua vocação a promover uma
cultura da vida, ao respeito pela existência de cada homem em todas as
suas formas e a cada instante dela, à unidade entre os povos, ao
acolhimento do estrangeiro, à promoção de formas civilizadas e
democráticas de vida social, para que seja sempre mais uma Europa unida
na paz e na fraternidade. Verbo eterno, que desde toda a
eternidade acolhes o amor do Pai e respondes ao seu chamado, abre o
coração e a mente dos jovens desta terra, para que aprendam a se
deixarem amar por Aquele que os pensou à imagem do seu Filho e,
deixando-se amar, tenham a coragem de realizar essa imagem, que é a tua.
Torna-os fortes e generosos, capazes de arriscar na tua Palavra, livres
para voar alto, fascinados pela beleza do teu seguimento. Suscita no
meio deles anunciadores do teu evangelho: presbíteros, diáconos,
consagrados e consagradas, religiosos e leigos, missionários e
missionárias, monges e monjas, que, com a própria vida saibam, por sua
vez, chamar e propor o seguimento do Cristo Salvador. Espírito
Santo, amor sempre jovem de Deus, voz do Eterno que não cessa de
ressoar e de chamar, livra o Velho Continente de todo espírito de
suficiência, da cultura do « homem sem vocação », daquele medo que
impede de arriscar e torna a vida banal e sem sabor, daquele minimalismo
que habitua à mediocridade e mata qualquer impulso interior e o
autêntico espírito juvenil na Igreja. Faze com que os nossos jovens
redescubram o sentido pleno do seguimento como chamado a serem
plenamente eles mesmos, plenamente e para sempre jovens, cada qual
segundo um projeto pensado precisamente para ele, único-singular
irrepetível. Numa Europa que corre o risco de se tornar sempre mais
velha, concede o dom de novas vocações que saibam testemunhar a «
juventude » de Deus e da Igreja, universal e local, do Leste ao
Ocidente, e saibam promover projetos de nova santidade, para o
nascimento de uma nova Europa. Virgem Santa, jovem filha
de Israel, que o Pai escolheu como esposa do Espírito para gerar o Filho
na terra, gera nos jovens da Europa a tua mesma coragem audaz; aquela
coragem que um dia te tornou livre para acreditar num projeto maior do
que tu mesma, livre para esperar que Deus iria realizá-lo. A ti, que és
a mãe do Eterno Sacerdote, confiamos aqueles jovens chamados ao
presbiterato; a ti, que és a primeira consagrada do Pai, confiamos
aqueles e aquelas jovens que escolhem pertencer totalmente ao Senhor,
único tesouro e bem sumamente amado, na vida religiosa e consagrada;
a ti, que viveste como ninguém a solidão de uma intimidade mais perfeita
com o Senhor Jesus, confiamos quem deixa o mundo para dedicar toda a sua
vida à oração, na vida monástica; a ti, que geraste e assististe
com materno amor a Igreja nascente, confiamos todas as vocações
desta Igreja, para que, hoje como antes, anunciem a todas as gentes que
Jesus Cristo é o Senhor, no Espírito Santo, para a glória de Deus Pai.
Amén! ». Roma, 06 de janeiro de 1998, Epifania de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Pio Card. Laghi
Presidente José Saraiva Martins
Arcebispo Titular de Tuburnica
Vice-Presidente
_____________________________ (1) Participaram do
Congresso 253 delegados provenientes de 37 nações européias, e
representantes das várias categorias vocacionais (leigos, consagrados
as, sacerdotes, bispos), com a presença inclusive de alguns expoentes
das Igrejas irmãs (Protestantes, Ortodoxos e Anglicanos). (2)
Pontifícia Obra para as Vocações Eclesiásticas, A pastoral das
vocações nas Igrejas particulares da Europa. Documento de trabalho do
Congresso sobre as vocações ao Sacerdócio e à Vida Consagrada na Europa,
Roma 1996, n. 88. De agora em diante esse texto será citado como IT
(Instrumento de Trabalho). (3) Ibid., 15. (4) Ver,
entre outros, Desenvolvimento da pastoral das vocações nas Igrejas
particulares, experiências do passado e programas para o futuro,
Documento conclusivo do II Congreso internacional de Bispos e outros
responsáveis pelas vocações eclesiásticas (sob os auspicios das SS.
Congregaçoes: para as Igrejas Orientais, para as Religiosas e as
Institutos Seculares, para a Evangelização dos povos, para a Educação
Catolica) Roma, 10-16 de maio de 1981; Pontifícia Obra das Vocações
Eclesiásticas, Desenvolvimento da pastoral das vocações nas Igrejas
particulares (preparadopelas Congregações da Educação Católica e dos
Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica, Roma
1992; Declaração final do I Congresso Continental latino-americano
sobre Vocações, Itaici 1994 (publicada em « Seminarium », 34 (1994)
(5) Cf IT, 18. (6) Cf Proposições Conclusivas do
Congresso Europeu sobre as Vocações ao Sacerdócio e à Vida Consagrada,
8. De agora em diante esse texto será citado como Proposições.
(7) 3 IT, 32. (8) Proposições, 7. (9)
Proposições, 3. (10) Proposições, 4. (11) Paulo
VI, Evangelii nuntiandi, 2. Ver também sobre o argumento, de João
Paulo II, Christifidelis laici, 33-34, e Redemptoris Missio,
33-34. (12) Proposições, 19. (13) 3 Lumen
Gentium 32; 39-42 (cap. V). (14) IT, 6. (15)
Proposições 16. (16) Proposições, 19. (17) A «
cultura vocacional » foi o tema da Mensagem Pontifícia para o XXX Dia
mundial de oração pelas vocações, celebrado no dia 0251993 (cf «
L'Osservatore Romano » 18121992; cf também Congregação para a Educação
Católica, P.O.V.E., Messaggi Pontifici per la Giornata mondiale di
preghiera per le vocazioni, Roma 1994, pp. 241-245). (18)
João Paulo II, Discurso aos participantes do Congresso sobre as
vocações na Europa, in « L'Osservatore Romano », 1151997, 4.
(19) Ibid. (20) Cf Proposições, 12. (21) 3
IT, 6. (22) Discurso do S. Padre, in « L'Osservatore
Romano », 11 de maio de 1997, n. 107. (23) 3 Cf Proposições,
20. (24) Cf João Paulo II, Vita consacrata, 64.
(25) 3 IT, 85. (26) 3 Uma expressão análoga foi usada
no Documento conclusivo do II Congresso internacional de Bispos e
outros responsáveis pelas vocações eclesiásticas, cf Sviluppi, 3.
De agora em diante o citaremos com a sigla DC (documento
conclusivo). (27) Proposições, 3. (28) Paulo VI,
Populorum progressio, 15. (29) Gaudium et spes, 22.
(30) A propósito disso, assim se expressou uma tese final do Congresso:
« No contexto europeu, é importante fazer emergir o primeiro momento
vocacional, o do nascimento. O acolhimento da vida mostra que se crê
naquele Deus que « vê » e « chama » desde o seio materno (Proposições,
34). (31) João Paulo II, Familiaris consortio, 11
(32) Por isso, como lembra uma tese do Congresso, « somente no contato
vivo com Jesus Cristo Salvador, os jovens podem desenvolver a capacidade
de comunhão, maturar a própria personalidade e decidir-se por Ele (Proposições,
13). (33) IT, 55. (34) 3 Sacrosanctum Concilium,
10. (35) Cf Veritatis splendor, 23-24. (36) Cf
Lumen gentium, cap. V. (37) Cf Proposições, 16.
(38) Rito da Crisma. (39) Cf Proposições, 35. (40)
Lumen gentium, 1. (41) Cf Proposições, 21. (42)
II Epiclesi. (43) DC, 18. (44) DC, 13.
(45) Proposições, 28. (46) Isso faz parte do ensinamento
insistentemente lembrado por João Paulo II nas Cartas Encíclicas «
Slavorum Apostoli » (1985) e « Ut umum sint » (1995), como na
Exortação Apostólica « Orientale lumen » (1995). (47)
IT, 58. (48) João Paulo II, Christifidelis laici,
55 (49) 3 João Paulo II, Pastores dabo vobis, 15.
(50) Na pastoral específica das vocações seja dado um lugar à vocação ao
diaconato permanente. Os diáconos permanentes já são uma presença
preciosa em diversas paróquias, e seria redutivo se eles não fossem
incluídos como novas vocações da nova Europa » (Proposições, 18)
(51) 3 Sacrosanctum Concilium, 10. (52) « In laudibus
Virginis Matris », Homilia II, 4; Sancti Bernardi opera, IV, Romae,
Editiones Cistercenses, 1966, p. 23. (53) « In Iohannis
Evangelium Tractatus », VIII, 9: CCL 36, p. 87. (54) Discurso
de João Paulo II aos participantes do Congresso sobre o tema: « Novas
vocações para uma nova Europa » in « L'Osservatore Romano », 11-5-1997,
n. 107. (55) DC, 5. (56) A expressão se encontra na
Exortação Apostólica de João Paulo II Pastores dabo vobis, n. 34.
No mesmo documento estão bem delineados os motivos fundantes que ligam
intrinsecamente a pastoral vocacional à Igreja. (57) Ibidem.
(58) Ibidem. (59) IT, 58. (60) A expressão «
comunidade cristã » é, por si mesma, expressão genérica que indica
uma Igreja particular ou local, como também uma paróquia. É equivalente
a um grupo de cristãos residentes num lugar e representa a Igreja de
maneira atual, quando se reúne para orar e servir, para dar testemunho
do amor e da presença de Cristo no meio deles. Ao invés, a expressão «
Comunidade eclesial » tem um significado mais específico, porque
evidencia a presença dos elementos que constituem a Igreja, a partir da
centralidade do mistério eucarístico; de modo próprio se aplica à
diocese e às paróquias, que são comunidades eclesiais eucarísticas,
graças à presença do ministério ordenado; as outras o são por extensão
do significado. Cf a respeito DC, 13-16. (61) Joao Paulo
II, Discorso al VI Simposio delle Conferenze Episcopali Europee,
11.10.1985. (62) Pastores dabo vobis, 34. (63)
Ibidem, 35. (64) Ibidem, 41. (65) Cf Ibidem,
41. (66) Ibidem, 38. (67) Vita consecrata,
64. (68) Ibidem. (69) 3 IT, 59. (70)
Cf Dichiarazione, 26. (71) Cf Proposições, 25.
(72) Cf Vita consecrata, n. 70. (73) Proposições,
4. (74) Proposições, 13. (75) Cf Proposições,
10. (76) 3 Cf Proposições, 10. (77) Por si mesma a
liturgia é um apelo. Ela é o lugar privilegiado onde todo o povo de Deus
se encontra de modo visível e se realiza o mistério da fé » (Proposições,
13). (78) Dei Verbum, 25. (79) O primeiro lugar de
testemunho é a vida de uma Igreja que se descobre como « comunhão », e
onde as paróquias e as realidades associativas são vividas como comunhão
de comunidades (Proposições, 14). (80) Proposições,
21. (81) Vita consecrata, 64. (82) Cf Lumen
gentium, 12; 35; 40-42. (83) Cf Catechesi tradendae,
186. (84) Proposições, 35, onde se recorda mais uma vez ao
Bispos a grande oportunidade a eles oferecida pela celebração da Crisma,
de « chamar » os jovens que recebem esse sacramento. (85)
Proposições, 10. (86) Proposições, 11. (87)
Proposições, 10. (88) 3 Pastores dabo vobis, 41.
(89) Cf as sábias indicações sobre o assunto no Documento Conclusivo
do II Congresso Internacional de 1981, DC, 40. (90) 3 Cf
Optatum totius, 2; DC, 57-59; cf também Sviluppi della
pastorale, 89-91. (91) Cf Proposições, 10. (92)
« Às vezes — observou-se no Congresso — nota-se uma certa dificuldade no
relacionamento entre Igreja local e vida religiosa. Embora depois do
Sínodo sobre a vida consagrada já se entrevejam sinais de novas
orientações, é importante abandonar uma leitura funcional da vida
religiosa em si mesma. O mesmo vale para os Institutos Seculares » (Proposições,
16). (93) « Numa situação religiosa e cultural que está mudando
rapidamente, torna-se indispensável formar os animadores de base:
catequistas, párocos, diáconos, consagrados, bispos... e cuidar da
formação permanente deles » (Proposições, 17). (94) Cf
Proposições, 29 onde, falando desse centro vocacional europeu, se
exprime o desejo de que, como gesto de caridade e de intercâmbio de
dons, « proveja um « banco » de pessoas qualificadas para colaborar na
formação dos formadores ». Acerca da constituição de tal organismo,
existe uma solicitação nesse sentido também no Instrumentum laboris,
83 e 90h. Uma experiência positiva já em ato existe há vários anos na
América Latina. Em Bogotá (Colômbia), junto à sede do Conselho Epis-
copal Latino-Americano (CELAM), funciona de forma estável o «
Departamento de Vocações e Ministérios » (DEVYM). Esse organismo foi
também o ponto de referência para a preparação e a celebração do
Primeiro Congresso Continental, realizado para a América Latina em
Itaici (São Paulo Brasil, de 23 a 27 de maio de 1994. (95) IT,
86. (96) 3 Cf Proposições, 9. (97) Paulo VI,
Guardate a Cristo e alla Chiesa, Mensagem para o XV Dia mundial de
oração pelas vocações (1641978), em Insegnamenti di Paolo VI,
XVI, 1978, pp. 256-260 (cf também Congregação para a Educação Católica,
P.O.V.E., Messaggi Pontifici, 127). (98) Proposições,
15. (99) Proposições, 9. (100) Proposições,
22. E ainda: o despertar do interesse pelo evangelho e por uma vida
radicalmente dedicada a ele na consagração, depende, em grande parte, do
testemunho pessoal de sacerdotes e religiososas felizes com a própria
condição. A maioria dos candidatos à vida consagrada e ao sacerdócio
declara atribuir a própria vocação a um encontro com um sacerdote ou
consagradoa » (Ibidem, 11). (101) Proposições, 12.
(102) Assim a Proposição 23: « É importante sublinhar que os
jovens são abertos aos desafios e às propostas fortes (que sejam «
superiores à média », isto é, que tenham alguma coisa "a mais!") ».
(103) Que retorna sob forma de provocação, nas palavras de Paulo aos
Coríntios: « E que tens tu, que não recebeste? » (1 Cor 4,7).
(104) IT, 55. (105) Proposições, 27. (106)
Cf Proposições, 25. (107) Cf Proposições, 25.
(108) 3 Cf Proposições, 14. (109) Pastores dabo vobis,
11. (110) Cf Jurado, Il discernimento, 262. Cf também L.
R. Moran, Orientaciones doctrinales para una pastoral eclesial de las
vocaciones », in Seminarium, 4 (1991), 697-725. (111)
Falamos aqui de uma maturidade afetivo-sexual de base, como condição
prévia para a admissão aos votos religiosos e o ministério ordenado,
segundo as duas vias das Igrejas católicas da Europa, ao ministério
celibatário (Igreja ocidental) e ao ministério não celibatário (Igrejas
orientais). É importante que, da pastoral vocacional à formação
propriamente dita, os programas pedagógicos sejam coerentes e bem
elaborados, porque, num e noutro caso, a preparação para o ministério
ordenado seja adequada, especialmente no nível da solidez afetiva, e
assim o exercício do próprio ministério possa atingir o objetivo do
anúncio do amor de Deus como origem e fim do amor humano. (112)
Nesse sentido, ver a recomendação do Potissimum Institutioni de
descartar, a respeito da homossexualidade, não aqueles que têm tal
tendência, mas « aqueles que não chegarão a dominar tais tendências »
(39) embora aquele « dominar » deva ser entendido — assim cremos — em
seu sentido pleno, não só como esforço volitivo, mas como liberdade
progressiva em relação às mesmas tendências, no coração e na mente, na
vontade e nos desejos.
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