DEPARTAMENTO PARA AS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO SUMO PONTÍFICE VIA-SACRA PRESIDIDA PELO SANTO PADRE SEXTA-FEIRA SANTA APRESENTAÇÃO
Sob o sinal da fidelidade A via-sacra é uma das práticas de piedade predilectas do Santo Padre: esta predilecção tem as suas raízes na tradição familiar, nos costumes da paróquia onde Karol Wojtyla foi baptizado, nas opções pastorais da Polónia, em cujo corpo - a sua terra - ferido, dividido, despojado por potências estrangeiras se prolongou o mistério da paixão de Cristo. Isto ajuda a compreender porque esta devoção da via-sacra - na primeira metade do século XVIII já tinha assumido a forma actual e assim fora aprovada pela Sé Apostólica - se tenha espalhado rapidamente na Polónia, enraizando-se firmemente no húmus da piedade popular. Desde que Deus, no seu desígnio providencial, o chamou à cátedra de Pedro (16 de Outubro de 1978), João Paulo II nunca faltou ao encontro da «Via-Sacra no Coliseu», na noite de Sexta-feira Santa. Ao pensar nela, o Santo Padre sente intensamente o laço profundo que une Jerusalém, a cidade onde Jesus, carregado com a Cruz, percorre o último pedaço do caminho da sua vida; Cracóvia, que foi a sua sede episcopal e cuja catedral se ergue na colina Wawel, coração da monarquia e da Igreja durante muitos séculos e quase emblema da Polónia gloriosa e dilacerada; Roma, sede do Sucessor de Pedro, a quem Jesus confiou a missão de confirmar os irmãos na fé (cf. Lc 22, 31-32), de apascentar os seus cordeiros e as suas ovelhas (cf. Jo 21, 15-17), e a quem dirigiu o último, categórico convite: «Tu, segue-Me» (Jo 21, 22).
Os dois Jubileus da Redenção Durante o Pontificado de João Paulo II foram celebrados dois Jubileus de carácter universal: o primeiro em 1983-1984, pelos 1950 anos da Redenção; o segundo no ano 2000, bimilenário do nascimento de Cristo. Em ambos os Jubileus, os textos de meditação e as orações da via-sacra de Sexta-feira Santa foram escritos pelo Santo Padre. O Jubileu de 1984 Na Via-Sacra de 1984, João Paulo II escrevia: «Jesus de Nazaré - no final da sua peregrinação terrena - deve tornar-Se um só com a Cruz. Unir-Se a ela. Confundir-Se com ela: num único sinal de salvação para o mundo»[1]. O texto da via-sacra constitui um convite a cada homem para que entre «em profundidade no Mistério da Redenção»[2]. Sem este ingresso no Mistério, não há salvação para o homem, o qual, apagada a luz da esperança, recai na escuridão duma desesperada existência. As orações da Via-Sacra de 1984 são, na sua maioria, muito breves, como se fossem intensas jaculatórias procurando inverter o inaudito paradoxo: que a suma injustiça - Jesus, o Justo condenado a uma morte infame - se torne para nós fonte de vida e de graça. O Jubileu do ano 2000 Na Via-Sacra do ano 2000, as meditações são mais extensas, mais numerosas as referências bíblicas, mais articuladas as orações. Meditações e orações são um comentário pertinente à «estação» contemplada, mas por vezes o pensamento do Santo Padre volta-se para o acontecimento predominante do ano 2000: a celebração do bimilenário do nascimento de Cristo. Jesus nasceu para ser o Cordeiro sem mancha, que seria imolado em expiação pelos nossos pecados (cf. 1 Jo 2, 2; Rm 3, 25). Nasceu para ser o Sumo Sacerdote que ofereceria no altar da Cruz o sacrifício redentor. Mas, o ano 2000 era também a alvorada dum novo milénio, pelo que João Paulo II espontaneamente pensa no terceiro milénio da era cristã que estava para iniciar. Este deverá ser igualmente marcado com o «sinal do amor salvífico de Deus pelo homem»: só assim, «transmitindo ao novo milénio o sinal da Cruz», é que seremos «autênticas testemunhas da Redenção»[3]. Ao longo da via-sacra, aparecem recordações da cultura e da piedade popular polaca: citações de cânticos quaresmais, reflexões de pensadores, referências a imagens veneradas pelos fiéis, como, por exemplo, a Benfeitora Aflita (Smutna Dobrodziejka), venerada na igreja dos frades franciscanos de Cracóvia. Sobretudo é frequente a lembrança da Senhora das Dores, mencionada nas estações IV, VIII, XII, XIII e XIV. O Jubileu do Pontificado Para além destes grandes Jubileus de 1984 e do ano 2000, no Pontificado de João Paulo II dá-se um terceiro jubileu, precisamente neste ano de 2003, embora de índole e motivação diversa. De facto, em 2003, celebra-se o vigésimo quinto aniversário do serviço pastoral de João Paulo II como Bispo de Roma: e por isso é universal, porque diz respeito ao Pastor da Igreja universal; mesmo sem qualquer estrutura jurídica, todavia é uma ocorrência jubilar intensamente sentida antes de mais pelo próprio Santo Padre, pela sua diocese de Roma, pelos seus directos Colaboradores e pelos fiéis de todo o mundo. O jubileu assume espontaneamente os traços do agradecimento a Deus pelo dom do Pastor João Paulo II que concedeu à Igreja, e da súplica para que o Senhor o conforte, sustente, ilumine na sua incansável solicitude diária por todas as Igrejas. Também para este jubileu, as meditações da via-sacra foram escritas pelo Santo Padre; não, porém, para a fausta ocorrência deste ano 2003, mas por ocasião do Retiro Espiritual que ele, então Cardeal Arcebispo de Cracóvia, orientou em 1976 para o Papa Paulo VI e a Cúria Romana no Vaticano, na Capela Matilde (chamada agora Capela Redemptoris Mater). Com o emblemático título Sinal de contradição (cf. Lc 2, 34), estas meditações foram publicadas pela primeira vez em 1977, aparecendo uma segunda edição em 2001[4]. O Santo Padre quis retomar aquela via-sacra, subtraindo-a, por assim dizer, ao recato da Capela Matilde para propô-la na plateia imensa, verdadeira Statio Urbis et Orbis, do Coliseu-Foros Imperiais-Palatino, na noite de Sexta-feira Santa. Decisão ponderada e feliz iniciativa que permite, para além do mais, constatar como o magistério de João Paulo II, «tão rico, tão grande, tão pertinente», se encontre em muitos pontos «já nuclearmente presente em Sinal de contradição»[5].
«Sinal de contradição» Quando o Santo Padre andava a pensar na Via-Sacra 2003, o mundo vivia preocupado com notícias, que pouco a pouco se foram concretizando, da pendente ameaça dum grave conflito bélico. De novo Jesus, «Príncipe da paz» (Is 9, 5), tornava-Se «sinal de contradição» (Lc 2, 34): à sua oferta de amor, o mundo respondeu com o ódio; à sua luz vivificante, contrapõe as trevas homicidas; à sua proposta de verdade e liberdade, prefere a mentira e a opressão. O Santo Padre, no cumprimento da missão recebida de Cristo, procurou esconjurar a deflagração da guerra com a sua voz livre e forte, através de numerosas iniciativas diplomáticas, e sobretudo com o jejum, a oração e o apelo confiante à Virgem Mãe. Mas, a advertência angustiada do Santo Padre não foi acolhida: no dia 20 de Março deflagrou, davastadora, a guerra. O texto de 1976 não foi modificado. Era e é dramaticamente actual: «A terra tornou-se um cemitério. Há tantos homens como sepulcros. Um grande planeta de túmulos. (...) Dentre todos os túmulos espalhados pelos continentes do nosso planeta, há um onde o Filho de Deus, o homem Jesus Cristo, venceu a morte com a morte. "O mors! Ero mors tua! - Ó morte, Eu serei a tua morte" (1ª antífona das Laudes de Sábado Santo)». Mas, mesmo os novos túmulos, cada vez mais numerosos, abertos pelo conflito bélico em curso não poderão matar a esperança, nem impedir a vitória de Cristo sobre a morte.
Sob o sinal da Virgem Maria O ano jubilar do serviço episcopal de João Paulo II em Roma (1978 - 16 de Outubro - 2003) viu o seu início coincidir com a promulgação da carta apostólica Rosarium Virginis Mariæ, pela qual o Santo Padre instituiu o Ano do Rosário (2002 - 16 de Outubro - 2003). A Via-Sacra 2003 vai desenrolar-se também sob o sinal da Virgem Maria. O Cardeal Stefan Wyszy_ski, Arcebispo Primaz da Polónia e testemunha heróica da fé, conta que o Cardeal Karol Wojty_a sentia relutância em aceitar o convite que lhe foi feito por Paulo VI mas no fim aceitou-o, confiando na Virgem, porque se sentia filho «daquela Nação que tem por hábito dizer "sim" apenas a Deus, à Igreja de Cristo e à sua Mãe»[6]. Na Oração inicial da Via-Sacra de 2003, o Santo Padre lembra-nos: Connosco está também a Virgem Santa Maria. Ela esteve no cimo do Gólgota como Mãe do Filho moribundo, Discípula do Mestre da verdade, nova Eva junto da árvore da vida, Mulher da dor associada ao «Homem das dores, experimentado nos sofrimentos» (Is 53, 3), Filha de Adão, Irmã nossa, Rainha da Paz. Mãe de misericórdia, Ela inclina-Se sobre os seus filhos, ainda expostos a perigos e aflições, para ver os seus sofrimentos, ouvir o gemido que se eleva da sua miséria, para levar conforto e reavivar a esperança da paz.
Cidade do Vaticano, 31 de Março de 2003.
+ PIERO MARINI
[1]JOÃO PAULO II,
Via-Sacra no Coliseu durante o Ano Jubilar da Redenção (Tipografia Poliglota Vaticana - 1984), pág. 9.
|
|